Resumo:
Com a finalidade de aprimorar o ensino, a Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) criou o projeto Cirurgias Ambulatoriais. Neste, os alunos acompanham as atividades de um médico-cirurgião no Posto de Atendimento Médico no 3 do município de Porto Alegre, desenvolvendo suas aptidões em cirurgias ambulatoriais e complementando sua formação médica. Por proporcionar treinamento prático aos acadêmicos e colocá-los em contato com as patologias mais prevalentes em seu meio, acreditamos que este projeto vem atingindo seus objetivos, além de oferecer à comunidade, sob a forma de serviços gratuitos, o retorno social que a Universidade pública lhe deve. Este trabalho descreve as atividades do referido projeto e seus resultados.
Descritores:
Educação médica - tendências; Procedimentos cirúrgicos ambulatórios - métodos; Assistência social
Abstact:
In an attempt to improve the medical education, the Medical School (Famed) of the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS) establish a project entitled Out-patient Surgery, in which students participate in surgical activities in a primary health care center in the city of Porto Alegre, improving their skills in out-patient surgical procedures and enhancing their overall medical training. The authors feel that this project is achieving its goals by proving practical training to students and placing them in contact with the most prevalence local disease. Moreover, the project plays an important social role by proving the services to the local community. The paper describes the project and its results.
Descriptors:
Education, medical - trends; Out-patient surgical procedures - methods; Social assistance
INTRODUÇÃO
O ensino médico, ao longo do tempo, vem passando por inúmeras transformações com o intuito de aprimorar cada vez mais as abordagens didáticas que visam ao aperfeiçoamento das aptidões dos futuros médicos. Tradicionalmente, o acadêmico do Curso de Medicina, ao longo da graduação, é estimulado a participar de atividades teóricas e práticas, de modo a enriquecer sua formação como médico generalista da forma mais ampla possível.
Neste contexto, a Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) preconiza a integração precoce nos serviços como meio de atingir tal objetivo. Trata-se, portanto, de uma estratégia pedagógica que visa à harmonização entre educação e prática. Especificamente em relação à cirurgia, o curso de graduação da Famed-UFRGS prevê um estágio curricular em cirurgia no décimo semestre e internato em cirurgia no último ano11. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina. Comissão de Graduação. Currículo 242.0 do Curso de Medicina. Porto Alegre, RS: Ed, da Universidade, 1990., proporcionando ao aluno desenvolver as habilidades necessárias à área cirúrgica.
Em termos metodológicos, emprega-se, geralmente, o método repetitivo-Comparativo22. Alencar R. Avaliação das atividades práticas de alunos medicina: método repetitivo-comparativo. Rev. Bras. Educ. Med. 1987; 11(1): 24-26. para desenvolver e aprimorar tais habilidades. Também são utilizadas a auto-avaliação dos acadêmicos, contraposta à avaliação dos professores segundo critérios preestabelecidos33. Quadra AAF. Revendo uma experiência de auto-avaliação do estudante de Medicina. Rev. Bras. Educ. Med . 1984; 8(3):197-199., a avaliação dos conhecimentos teóricos e práticos a partir de questionários preparados por professores e alunos44. Godoy S et al. Experiência de uma inovação no processo de avaliação da Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas. Educ. Méd. Salud. 1987; 18: 12-13., a ficha de avaliação do Curso de Medicina a cada estágio55. Conrado C. Avaliação sistemática do ensino-aprendizado. Rev. Bras. Educ. Med . 1986; 10(2): 107-109. e a avaliação do aprendizado correlacionando prova de seleção com determinado estágio66. Gonçalves EL. Definição de objetivos educacionais e de instrumentos de avaliação de ensino médico. Rev. Bras. Educ. Med . 1987; 11(1): 12-18..
A despeito de todas estas estratégias, o limitado tempo para a conclusão do curso impõe a discentes e docentes a árdua tarefa de conciliar teoria e prática, o que nem sempre é obtido da maneira mais adequada. Desta feita, considerando as falhas inerentes ao processo de aprendizagem e o restrito período destinado ao estágio na emergência do Hospital de Pronto Socorro, alguns autores77. Arenson-Pandikow HM et al. Estágio em Urgência e Emergência: Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico. Rev. Bras. Educ. Med . 1994; 18(3): 116-20. consideram insuficiente o treinamento das habilidades cirúrgicas desenvolvido durante as atividades regulares do curso de graduação. Como medida compensatória, sugerem a realização de estágios extracurriculares, a fim de suprir tais deficiências do atual currículo da Famed-UFRGS.
Assim, visando ao aprimoramento das estratégias pedagógicas no que concerne ao ensino de cirurgia, foi criado o pro1eto de extensão universitária intitulado Cirurgias Ambulatoriais, como parte integrante do Programa Uniação da UFRGS. Este artigo almeja descrever o projeto extramuros Cirurgias Ambulatoriais, desenvolvido por cinco acadêmicos de medicina, bolsistas da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS (Pro-rext), soba orientação de um professor do Departamento de Cirurgia da Famed-UFRGS.
MATERIAL E MÉTODOS
Idealizado em 1993 e efetivamente colocado em prática a partir de maio de 1994, este projeto desenvolve suns atividades no Hospital de Pronto Socorro Municipal de Porto Alegre - Zona Sul (HPS-Sul), do Posto de Atendimento Médico no 3 (PAM 3), através de convênio entre a UFRGS e a Secretaria Municipal de Saúde e Serviço Social de Porto Alegre (SMSSS). Quanto ao Programa Uniação, trata-se de um programa de ensino, pesquisa e extensão, através de uma ajo coletiva para a transformação da realidade social com o intuito de aproximar a universidade da comunidade, numa troca mútua de experiências.
Área Física
As atividades são realizadas numa unidade de pronto atendimento, que consta de dois consultórios, uma sala de ferimentos infectados, uma sala de suturas, uma sala de curativos, uma sala para atendimento individualizado de queimados, expurgo e sala de apoio logístico. Além disto, a unidade está vinculada a área do bloco cirúrgico do HPS-Sul/PAM 3, devidamente equipado para os procedimentos cirúrgicos ambulatoriais.
Dinâmica de Funcionamento
Através de consulta médica, os pacientes são avaliados, estabelecendo-se hipóteses diagnósticas e, a partir delas, definindo-se a conduta para cada caso. Se necessário, o procedimento cirúrgico realizado imediatamente, em nível ambulatorial, enquanto os casos considerado seletivos são agendados para abordagem no bloco cirúrgico. Os casos mais graves, que requerem internação hospitalar, são encaminhados ou para atendimento na unidade central do HPS ou para outros centros de referência.
Em todos os atendimentos, atua um acadêmico de medicina, sob a supervisão do professor do Departamento de Cirurgia da Famed-UFRGS, seguindo-se uma escala preestabelecida, de modo a permitir que todos os estudantes tenham iguais oportunidades de aprimorar suas aptidões nos procedimentos cirúrgicos realizados. Nas segundas e terças-feiras, os atendimentos concentram-se nos consultórios, na sala de ferimentos infectados e na sala de suturas. Já as quartas e quintas-feiras são reservadas para os procedimentos a serem realizados no bloco cirúrgico.
Coleta de Dados
Para a coleta de dados, o instrumento utilizado consistiu no registro em protocolo específico de todos os procedimentos realizados pelo grupo de trabalho, durante cinco anos de atividade do projeto (de maio de 1994 a maio de 1999). A análise deste banco de dados permite acompanhar os procedimentos mais freqüentes, viabilizando a avaliação qualitativa e quantitativa das habilidades cirúrgicas desenvolvidas ao longo do tempo pelos acadêmicos. Isto permite, em última análise, avaliar o próprio projeto quanto aos fins que se propõe atingir.
RESULTADOS
A grande maioria (85,5%) dos procedimentos cirúrgicos foi realizada fora do bloco cirúrgico (Tabela 1), destacando-se as drenagens de abscessos, os desbridamentos, as suturas de ferimentos corto-contusos, as cenoplastias, as drenagens de paroníquia e os curativos simples (Tabela 2). Em todos estes procedimentos, a aquisição de habilidades psicomotoras por parte dos estudantes foi profundamente estimulada, sob supervisão do professor, como já mencionado.
Já dentre as intervenções realizadas no bloco cirúrgico, salientam-se as exéreses de tumores de pele e tecido celular subcutâneo, seguidas das exéreses de nevos (Tabela 3). Assim como nos procedimentos realizados fora do bloco, aqui também as habilidades dos acadêmicos foram aprimoradas.
DISCUSSÃO
Introduzidas nos Estados Unidos da América em meados dos anos 50 e tendo maior crescimento nos anos 70, as cirurgias ambulatoriais respondem atualmente por cerca de 50% das cirurgias realizadas naquele país. Justificando este sucesso alcançado pelas cirurgias realizadas em nível ambulatorial, encontramos diversos fatores, tais como:
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redução dos custos hospitalares88. Detmer DE. Ambulatory surgery: a more cost-effective treatment strategy. Arch. Surg. 1994; 129(2): 123-127.;
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diminuição das taxas de infecção hospitalar88. Detmer DE. Ambulatory surgery: a more cost-effective treatment strategy. Arch. Surg. 1994; 129(2): 123-127.;
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poucas complicações trans ou pós-operatórias99. Natof HE. Complications associated with ambulatory surgery. JAMA. 1980: 244(10): 1116-1118.;
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menor tempo de recuperação no pós-operatório;
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menor ocupação de leitos hospitalares;
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maior agilidade no agendamento dos procedimentos cirúrgicos88. Detmer DE. Ambulatory surgery: a more cost-effective treatment strategy. Arch. Surg. 1994; 129(2): 123-127.;
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maior conveniência e aceitação por parte dos pacientes1010. Sharman J. Patient's response to a general practice minor surgery service. Practitioner. 1986; 230 (1): 27-29..
Por tudo isto, os autores deste trabalho são amplamente favoráveis às cirurgias realizadas em nível ambulatorial, opinião esta compartilhada pela comunidade médica em geral, o que se comprova pelo crescente aumento de procedimentos desta natureza nos dias atuais.
A fim de avaliar nossa contribuição à população atendida no HPS-Sul, foram investigados, em nosso protocolo, dados acerca de tal população, de modo a conhecermos o perfil do paciente por nós atendido neste projeto. Assim, foi constatado que as razões mais freqüentes para que o paciente procure o atendimento no HPS-Sul são a proximidade do local de atendimento e a ausência da necessidade de agendamento.
No que tange à questão pedagógica, acreditamos que o projeto aqui apresentado vem desempenhando um importante papel como ferramenta complementar ao processo de formação médica na área cirúrgica da Famed-UFRGS. Desta forma, sanando uma lacuna até então existente no currículo da Famed, o projeto ajuda a cumprir três funções essenciais a uma Faculdade de Medicina: proporcionar treinamento prático aos acadêmicos, colocar o aluno em contato com as patologias mais prevalentes em seu meio e oferecer à sociedade, na forma de prestação de serviços, o retorno social que a universidade pública lhe deve. Como exemplo disto, podemos citar o Manual de cirurgia ambulatorial1111. Almeida HC. et al. Manual de cirurgia ambulatorial. Porto Alegre, RS: Ed. da Universidade/UFRGS, 1997., concebido pelos alunos da graduação integrantes do projeto, sob a supervisão de dois professores, ambos com longa experiência em cirurgias de pequeno e grande porte. Propõe-se, pois, a continuidade do projeto, bem como sua ampliação, se possível, a fim de oferecer esta oportunidade de ensino a mais discentes do Curso de Medicina.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer às enfermeiras, auxiliares de enfermagem, técnicos, médicos das áreas clínicas do HPS-Sul e demais profissionais, amigos e familiares, que, de alguma forma, nos ajudaram a realizar este trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Medicina. Comissão de Graduação. Currículo 242.0 do Curso de Medicina. Porto Alegre, RS: Ed, da Universidade, 1990.
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2Alencar R. Avaliação das atividades práticas de alunos medicina: método repetitivo-comparativo. Rev. Bras. Educ. Med. 1987; 11(1): 24-26.
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3Quadra AAF. Revendo uma experiência de auto-avaliação do estudante de Medicina. Rev. Bras. Educ. Med . 1984; 8(3):197-199.
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4Godoy S et al. Experiência de uma inovação no processo de avaliação da Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas. Educ. Méd. Salud. 1987; 18: 12-13.
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5Conrado C. Avaliação sistemática do ensino-aprendizado. Rev. Bras. Educ. Med . 1986; 10(2): 107-109.
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6Gonçalves EL. Definição de objetivos educacionais e de instrumentos de avaliação de ensino médico. Rev. Bras. Educ. Med . 1987; 11(1): 12-18.
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7Arenson-Pandikow HM et al. Estágio em Urgência e Emergência: Projeto Integrado de Avaliação do Ensino Médico. Rev. Bras. Educ. Med . 1994; 18(3): 116-20.
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8Detmer DE. Ambulatory surgery: a more cost-effective treatment strategy. Arch. Surg. 1994; 129(2): 123-127.
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9Natof HE. Complications associated with ambulatory surgery. JAMA. 1980: 244(10): 1116-1118.
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10Sharman J. Patient's response to a general practice minor surgery service. Practitioner. 1986; 230 (1): 27-29.
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11Almeida HC. et al. Manual de cirurgia ambulatorial. Porto Alegre, RS: Ed. da Universidade/UFRGS, 1997.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Jun 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2001
Histórico
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Recebido
12 Abr 2000 -
Aceito
01 Nov 2001