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Perfil do estudante e fatores que influenciam o interesse pela medicina de família e comunidade

Profile of medical students and factors that influence their interest in the family and community medicine residency

RESUMO

Introdução:

A medicina de família e comunidade (MFC) apresenta-se como uma carreira médica de importância social, porém seu crescimento nas regiões do Brasil ainda é pouco representativo, sendo necessário identificar os fatores que influenciam o estudante do curso de Medicina na escolha dessa carreira profissional.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo analisar fatores que influenciam o interesse pela residência em MFC pelos alunos do internato do curso de Medicina.

Método:

Trata-se de um estudo transversal, descritivo, de análise quantitativa, realizado com os alunos matriculados nos estágios do penúltimo e último anos dos cursos de Medicina de uma capital brasileira.

Resultado:

Participaram da pesquisa 229 estudantes matriculados no internato de Medicina. Aqueles que demonstraram interesse pela MFC eram, em sua maioria, jovens, de ambos os gêneros, na faixa etária entre 26 e 35 anos, casados, com filhos e renda familiar menor que cinco salários mínimos. Duas variáveis estiveram associadas à opção pela MFC: a faixa etária e a avaliação positiva acerca da especialidade.

Conclusão:

Compreender os fatores que influenciam na escolha da MFC pode contribuir para aprimorar a formação médica, alinhando as preferências dos estudantes com as necessidades da sociedade e do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave:
Residência Médica; Medicina da Família e Comunidade; Atenção Primária à Saúde; Ensino

ABSTRACT

Introduction:

Family and community medicine (FCM) is presented as a socially important medical career; however, its growth in regions of Brazil remains relatively low. It is necessary to identify the factors that influence medical students in their choice of this professional path.

Objective:

To analyse factors that influence interest in FCM residency among medical interns.

Methods:

A cross-sectional, descriptive, quantitative analysis study was conducted with students enrolled in the penultimate and final years of medical courses in a Brazilian capital city.

Results:

229 medical interns participated in the research. Those interested in FCM are mostly young, of both genders, aged between 26 and 35, married, with children, and have a family income of less than five minimum wages. Two variables were associated with choosing FCM: age and positive evaluation of the specialty.

Conclusion:

Understanding the factors that influence the choice of FCM can contribute to improving medical education, aligning student preferences with the needs of society and the Public Healthcare System.

Keywords:
Medical Residency; Family and Community Medicine; Primary Health Care; Education

INTRODUÇÃO

Desde a histórica Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde de1978, sediada na cidade de Alma-Ata, no Cazaquistão, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem enfatizado a importância da atenção primária à saúde (APS) como o alicerce fundamental para a promoção da saúde em escala global. Nesse evento, foram estabelecidos princípios que influenciaram diretamente as políticas e práticas de saúde pública em todo o mundo11. Buziquia SP, Junges JR, Lopes PPDS, Nied C, Gonçalves TR. Participação social e atenção primária em saúde no Brasil: uma revisão de escopo. Saúde Soc. 2023;32:e220121pt.),(22. Pinto LF, Soranz D, Ponka D, Pisco LA, Hartz ZM. 40 anos de Alma-Ata: desafios da atenção primária à saúde no Brasil e no mundo. Ciênc Saúde Colet. 2020;25:1178-1182).

A declaração resultante dessa conferência consolidou os cuidados primários como essenciais para a promoção da saúde coletiva, tornando Alma-Ata um símbolo crucial no contexto da promoção dos cuidados em saúde11. Buziquia SP, Junges JR, Lopes PPDS, Nied C, Gonçalves TR. Participação social e atenção primária em saúde no Brasil: uma revisão de escopo. Saúde Soc. 2023;32:e220121pt.),(22. Pinto LF, Soranz D, Ponka D, Pisco LA, Hartz ZM. 40 anos de Alma-Ata: desafios da atenção primária à saúde no Brasil e no mundo. Ciênc Saúde Colet. 2020;25:1178-1182). No contexto dos cuidados primários em saúde, a APS, como o primeiro nível de atenção, engloba uma ampla gama de ações individuais e coletivas, desde a promoção e proteção da saúde até o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. Seu objetivo é proporcionar cuidados integrais tanto ao indivíduo quanto à comunidade, demonstrando seu papel vital na prática da saúde pública contemporânea33. Rocha SA, Bocchi SCM, Godoy MF. Acesso aos cuidados primários de saúde: revisão integrativa. Physis. 2016;26:87-111..

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) avança na proposta de fortalecimento da APS desde1994 quando o Ministério da Saúde (MS) criou o Programa Saúde da Família (PSF) com a instalação de equipes multiprofissionais, especializadas em cuidados primários com vista à integralidade da assistência à saúde. Fortalecido, a partir de 2006, por meio da Portaria nº 648/2006, o PSF deixou de ser entendido como um programa de saúde e passou a ser considerado uma estratégia denominada Estratégia Saúde da Família (ESF), tornando-se a porta de entrada do sistema de saúde para grande parte da população usuária do SUS33. Rocha SA, Bocchi SCM, Godoy MF. Acesso aos cuidados primários de saúde: revisão integrativa. Physis. 2016;26:87-111.),(44. Coelho Neto GC, Antunes VH, Oliveira A. A prática da medicina de família e comunidade no Brasil: contexto e perspectivas. Cad Saúde Pública. 2019;35(1):1-4..

Formada por uma equipe multiprofissional, a ESF é composta, do ponto de vista da equipe médica, por, no mínimo, um médico generalista ou especialista em saúde da família, ou um médico de família e comunidade55. Pinto LF, Giovanela L. Do Programa à Estratégia Saúde da Família: expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à atenção básica (ICSAB). Ciênc Saúde Colet . 2018;23(6):1903-13.. Esse modelo assistencial deu uma resposta eficaz à assistência em saúde, e o MS começou a buscar formas de incentivar os profissionais médicos a investir na medicina de família e comunidade (MFC) com o fim de fortalecê-lo. Uma dessas iniciativas foi a diretriz da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), estabelecida pela Portaria nº 2.436, de 201755. Pinto LF, Giovanela L. Do Programa à Estratégia Saúde da Família: expansão do acesso e redução das internações por condições sensíveis à atenção básica (ICSAB). Ciênc Saúde Colet . 2018;23(6):1903-13.),(66. Macinko J, Mendonça CS. Estratégia Saúde da Família, um forte modelo de atenção primária à saúde que traz resultados. Saúde Debate. 2018;42:18-37.. Segundo o documento, as equipes da ESF devem ser formadas preferencialmente por médicos da especialidade MFC77. Brasil. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Diário Oficial da República Federativa do Brasil;2017.. Com essa nova orientação, o MS buscou impulsionar a especialidade e gerar campo de trabalho para os médicos que desejavam investir nessa área.

Outras ações, como a criação do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab) e o Programa Mais Médicos (PMM), também visaram despertar na comunidade médica a importância do médico de família dentro do sistema de saúde88. Storti MMT, Oliveira FP, Xavier AL. A expansão de vagas de residência de medicina de família e comunidade por municípios e o Programa Mais Médicos. Interface (Botucatu). 2017;21(supl1):1301-13.),(99. Separavich MA, Couto MT. Programa Mais Médicos: revisão crítica da implementação sob a perspectiva do acesso e universalização da atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet . 2021;26:3435-46.. Porém, apesar de todos os incentivos, apenas 1% dos profissionais registrados nos Conselhos Regionais de Medicina do Brasil tem essa especialidade10. Isso ocasiona carência de profissionais para trabalhar na ESF e mostra a pouca valorização no meio médico brasileiro.

No estado de Alagoas, a realidade não difere do cenário nacional. Todos os anos são ofertadas 92 vagas para a residência em MFC, mas, mesmo com a ampla oferta, apenas 20% dessas vagas são preenchidas nos processos seletivos das instituições de ensino da capital1111. Ministério da Educação. SisCNRM. 2023 [acesso em 7 dez 2023]. Disponível em: Disponível em: http://siscnrm.mec.gov.br/login/login .
http://siscnrm.mec.gov.br/login/login...
. Apesar da oferta farta e do incentivo financeiro do governo e da Secretaria Municipal de Saúde para residentes que optam pelo programa de residência em MFC, a procura dos alunos de Medicina por essa especialidade ainda é inexpressiva.

Em vista desse cenário, este estudo teve como objetivo analisar fatores que influenciam no interesse pela residência em MFC dos alunos do internato do curso de Medicina.

MÉTODO

Desenho de estudo

Trata-se de estudo transversal, quantitativo, realizado com os alunos matriculados no estágio obrigatório (internato) dos cursos de Medicina de Maceió, capital do estado de Alagoas.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da universidade proponente em 26 de maio de 2021, com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 47573221.2.0000.5011, sendo aprovado em 18 de julho de 2021, por meio do Parecer nº 4.854.616.

Local da coleta de dados

O estudo foi realizado no município de Maceió com estudantes das instituições que ofertam o curso de Medicina, sendo elas: Universidade Federal de Alagoas (Ufal, campus Maceió), Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), Centro Universitário Cesmac (Cesmac) e Centro Universitário Tiradentes (Unit). A Ufal oferta 100 vagas anuais para novos estudantes que queiram seguir a carreira médica. A Uncisal oferta 50 vagas anuais. O Cescmac e Unit tiveram sua primeira oferta de vagas no ano de 2014, estando autorizados a ofertar 145 e 170 vagas, nessa ordem, para novos alunos a cada ano.

População e amostra

No momento da pesquisa, 752 alunos (população)estavam matriculados nos estágios obrigatórios dos cursos de Medicina, distribuídos em quatro instituições.

Para este estudo, uma amostra representativa de 255 estudantes foi determinada, utilizando o cálculo amostral da Ferramenta Prática Clínica (https://praticaclinica.com.br/home). Esse cálculo considerou uma população homogênea, com um erro amostral de 5% e um nível de confiança de 95%.

Incluíram-se na pesquisa estudantes de ambos os sexos, regularmente matriculados no curso de Medicina das instituições participantes do estudo e que estivessem cursando o penúltimo e o último ano (do 9° ao 12º período do curso).

Foram excluídos do estudo aqueles alunos afastados por licença médica, maternidade ou por outros motivos, assim como os estudantes que estavam com suas matrículas suspensas por trancamento ou que estivessem participando de programas de intercâmbio ou mobilidade acadêmica durante o período da pesquisa.

Coleta de dados

Adotou-se um questionário adaptado pelos próprios autores que teve como base para sua construção os instrumentos utilizados em dois estudos semelhantes1212. Cavalcante-Neto PG, Lira GV, Miranda AS. Interesse dos estudantes pela medicina de família: estado da questão e agenda de pesquisa. Rev Bras Educ Med. 2009;33(2):198-204.),(1313. Oliveira PRBP. A escolha da especialidade por ingressantes na residência médica do estado de Minas Gerais. 2015 [acesso em 7 dez 2023]. Disponível em: Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=2294687 .
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/p...
.

O questionário foi elaborado na plataforma Google Forms, com um total de 25 perguntas, sendo 11 abertas e 14 fechadas. A primeira sessão do instrumento foi voltada para a investigação sociodemográfica e buscou traçar o perfil social e demográfico dos alunos que estão no internato de Medicina. Nessa etapa, obtiveram-se os seguintes dados: instituição de ensino à qual o aluno estava vinculado, período que cursava, sexo, faixa etária, cidade de nascimento, local de residência atual, estado civil, se tinha filhos e, em caso afirmativo, quantos até o momento da pesquisa, e renda mensal familiar. A segunda parte contou com perguntas específicas voltadas para a investigação do objeto de pesquisa, e foram coletadas informações relacionadas aos objetivos profissionais e às perspectivas de carreira após conclusão do curso: os objetivos profissionais do aluno após conclusão do curso, o interesse em fazer residência médica e em qual área, em que momento do curso o participante escolheu a residência que desejava cursar, se teve até aquele período do curso alguma atuação na ESF e por quanto tempo, os aspectos positivos e negativos da experiência na ESF para a formação, se existia interesse em cursar a residência em MFC e que fatores contribuíram para esse interesse, que fatores podem estimular e/ou desestimular um médico a escolher a carreira de medicina de família e como o participante avaliava a carreira de MFC atualmente.

Pelo fato de a amostra ser extensa e os sujeitos estarem dispersos nos serviços, a coleta de dados exigiu diversas estratégias de abordagens e de sensibilização para conseguir adesão suficiente a fim de completar o número total de participantes exigido no cálculo amostral. As principais estratégias foram o envio do instrumento por e-mail e por aplicativos de mensagens aos estudantes matriculados no internado médico das instituições de ensino superior (IES) participantes da pesquisa.

Análise de dados

Para fins de interpretação, definiu-se como variável dependente o interesse pela MFC. As demais variáveis que constavam no instrumento de pesquisa foram consideradas independentes. Como todas as variáveis são qualitativas, não foi necessário fazer o teste de normalidade, entendendo que a distribuição é anormal nas variáveis. A associação entre as variáveis foi aferida pelos testes não paramétricos qui-quadrado (X²) e de Mann-Whitney (U).

Em todos os testes, considerou-se o nível de significância de α = 0,05 ou 5%. A análise foi feita por meio do software Jamovi, versão 2.2.5.

RESULTADOS

Dos 255 alunos convidados a participar da pesquisa, 234 responderam ao questionário, dos quais cinco foram excluídos do estudo por preenchimento incompleto do instrumento de coleta de dados. Dessa forma, fizeram parte da amostra final 229 estudantes.

A amostra foi composta, em sua maioria, por estudantes do sexo feminino (64,2%, n=147), na faixa etária de 20 a 25 anos (58,5%, n=134), solteiros (85,2%, n=195), sem filhos (92,1%, n=211) e com renda familiar entre cinco e dez salários mínimos (33,6%, n=69). Houve um maior número de alunos vinculados às instituições privadas de ensino (64,5%, n=147).

Houve uma discreta prevalência de respondentes matriculados no primeiro semestre do estágio obrigatório (41,0%). Dos participantes, 97% (n = 222) pretendiam fazer residência após a graduação; 69% (n=157) já haviam escolhido a especialidade e relataram que essa decisão aconteceu nos primeiros quatro anos do curso de Medicina; 70,3% (n=161) não tinham interesse pela MFC; e 51,7% (n=118) avaliaram a especialidade médica MFC como boa. O perfil da amostra está sumarizado na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica da amostra.

Não foi identificada associação significativa entre as variáveis nominais e a escolha da MFC (Tabela 2). Apesar disso, esses dados contribuíram para construir o perfil do aluno que tem interesse pela medicina de família (Tabela 3).

Tabela 2
Teste X² - interesse pela MFC e variáveis nominais.
Tabela 3
Interesse pela MFC versus variáveis nominais.

A motivação pela residência médica não variou de um sexo para o outro. Os alunos casados demonstraram mais inclinação para a especialidade (18%), em especial os participantes que possuem filhos (12%). Os estudantes do Unit (30%) e da Ufal (22%) apresentaram maior interesse pela residência em MFC, e os alunos do Cesmac obtiveram o maior índice de desinteresse (48%). Nas públicas, o percentual de interessados foi de 36%, e nas instituições privadas, de 35% (Tabela 3).

Foi identificada associação significativa entre duas variáveis ordinais (faixa etária e avaliação da carreira) e o interesse pela MFC (Tabela 4).

Tabela 4
Teste U - interesse pela MFC e variáveis ordinais.

O interesse pela especialidade esteve concentrado em estudantes que estão na faixa etária de 26 a 35 anos (47%); e o maior quantitativo de desinteresse (66%), no público mais jovem: de 20 a 25 anos. A especialidade foi avaliada como boa por 62% dos estudantes (Tabela 5).

Tabela 5
Interesse pela MFC versus variáveis ordinais.

DISCUSSÃO

Este estudo identificou características sociodemográficas dos alunos do internato de Medicina de uma capital do Nordeste do Brasil e debruçou-se sobre o perfil do interno que tem interesse pela MFC, buscando identificar possíveis fatores que influenciam o interesse pela residência em MFC.

Houve maior prevalência de mulheres no internato médico. De acordo com um estudo feito pelo Conselho Federal de Medicina e pela Universidade de São Paulo, a distribuição dos médicos segundo gênero não é homogênea em todas as unidades federativas do país. De acordo com a pesquisa, em 2023 os homens eram predominantes, representando 50,7% dos profissionais médicos, enquanto as mulheres equivaliam a 49,3%1010. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. 344 p..

Mesmo o sexo masculino ainda sendo maioria na classe médica, as informações da Demografia médica no Brasil mostram uma crescente feminização da medicina desde 2009. Quando se analisam os registros no CRM, entre os anos de 2009 e 2022, é possível verificar que o número de mulheres evoluiu de cerca de 133 mil para 260 mil, quase dobrando a série histórica. No ano 2009, o sexo feminino representava 40,5% dos médicos, já em 2023 esse percentual aumentou para 49,3%1010. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. 344 p..

Em estados como Alagoas (local desta pesquisa), Amapá, Pernambuco e Rio de Janeiro, as mulheres são mais da metade da força de trabalho médica. De acordo com a Demografia Médica no Brasil, Alagoas é a unidade federativa com maior índice de mulheres exercendo a medicina no Brasil, com 51,6% registradas no CRM, fato que pode ser corroborado no presente estudo1414. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020. 312 p.. Observando o perfil do aluno do internato de Medicina nesta pesquisa, entende-se que essa profissão na capital alagoana prossegue no processo de feminização e de rejuvenescimento que é tendência no Brasil1515. Miranda CZD, Santos FFD, Pertile KC, Costa SDM, Caldeira AP, Barbosa MS. Fatores associados à intenção de carreira na atenção primária à saúde entre estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2021;v. 45, n. 3..

A população de estagiários de Medicina foi, em sua maioria, formada por jovens com idade entre 20 e 25 anos. Esses dados se assemelham ao estudo realizado na Região 1616. Minella LS. Medicina e feminização em universidades brasileiras: o gênero nas interseções. Estud Fem. 2017;25(3):1111-28., onde 66,7% dos participantes são jovens menores de 25 anos. Os resultados das pesquisas realizadas nas duas regiões do país ratificam o perfil demográfico dos médicos no Brasil1515. Miranda CZD, Santos FFD, Pertile KC, Costa SDM, Caldeira AP, Barbosa MS. Fatores associados à intenção de carreira na atenção primária à saúde entre estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2021;v. 45, n. 3.),(1616. Minella LS. Medicina e feminização em universidades brasileiras: o gênero nas interseções. Estud Fem. 2017;25(3):1111-28.) e estão de acordo com a demografia de médicos nacionais que revela que a idade média dos médicos brasileiros é de 45 anos, média que vem caindo ao logo dos anos, apontando para um processo de rejuvenescimento da medicina no país1010. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. 344 p.. Isso é, possivelmente, resultado do crescimento do número de cursos e de vagas de graduação em Medicina, o que gera a entrada de novos médicos no mercado de trabalho1010. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. 344 p..

Este estudo mostrou que os estudantes, em sua maioria, declaram-se solteiros e sem filhos. Menos de 15% já constituíram matrimônio, e um pequeno percentual já é pai ou mãe. É possível levantar a hipótese que pode haver uma correlação desses dados com a predominância feminina entre os participantes e de uma faixa etária jovem, o que evidencia que as mulheres dão prioridade à carreira profissional. Existe uma predominância de alunos que possuem renda familiar entre cinco e dez salários mínimos. Esse resultado se assemelha à faixa de renda de estudantes de Medicina de outros estados do país1616. Minella LS. Medicina e feminização em universidades brasileiras: o gênero nas interseções. Estud Fem. 2017;25(3):1111-28.), conforme estudo realizado em instrituições públicas e privadas da Bahia e de Santa Catarina. Aponta-se, portanto, que a medicina brasileira caminha para ser exercida por médicos mais jovens, com predominio de mulheres e com renda mais elevada.

Verificou-se que 63,7% dos internos estão em instituições privadas. Esse quantitativo pode ser explicado pelo número de vagas ofertadas semestralmente nas instituições privadas, que é três vezes maior que o total ofertado pelas instituições públicas do estado. Desde o ano de 2013, o número de vagas em Medicina mais que dobrou1717. Santos Júnior CJ, Misael JR, TrindadeFilho EM, Wyszomirska RMDAF, Santos AA, Costa PJMDS. Expansão de vagas e qualidade dos cursos de Medicina no Brasil: “Em que pé estamos?”. Rev Bras Educ Med . 2021;45(2):e058.)-(2020. Moraes RDS, Jacob-Filho W, Carvalho RTD. Aspectos demográficos e acesso aos projetos pedagógicos dos cursos de Medicina no Brasil. Rev Bras Educ Med . 2023;47(1):e006.. Em Maceió, Alagoas, enquanto as IES públicas oferecem, por ano, um somatório de150 vagas, a IES privadas ofertam, sozinhas, de 145 a 160 vagas por ano. Segundo a Demografia médica no Brasil, o maior número de cursos e vagas de medicina concentra-se nas Regiões Sudeste e Sul, e no litoral do Nordeste. No Sul e Sudeste, o número de vagas nas instituições privadas é maior. No Norte e Centro-Oeste, existem mais cursos e vagas públicas. No Nordeste, há um equilíbrio entre pública e privada, dado que não foi confirmado na presente pesquisa1010. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. 344 p..

Não houve uma predominância do sexo masculino ou feminino quanto ao interesse pela MFC. A motivação pela residência apareceu em percentuais semelhantes para ambos os sexos, sendo o interesse dos homens 38%, enquanto 35% de mulheres demonstraram motivação pela especialidade. A MFC está na 13º posição na distribuição de títulos de especialidade do Brasil1010. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. 344 p.. Até o ano de 2022, o país possuía 11.255 médicos diplomados em medicina de família, o que representa 2,3% do total de especialistas do país; 41,1% eram homens, e 58,9%, mulheres, mostrando uma tendência feminina na especialidade1010. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. 344 p.. Um estudo feito com egressos da residência em MFC de Minas Gerais mostrou uma predominância de homens na especialidade (54,8%), enquanto as mulheres representavam 45,2%2121. Matos FV, Cerqueira MBR, Silva AWM, Veloso JDCV, Morais KVA, Caldeira AP. Egressos da residência de medicina de família e comunidade em Minas Gerais. Rev Bras Educ Med . 2014;38(02):198-204..

Entre aqueles com preferência pela MFC, o maior percentual estava na faixa etária entre 26 e 35 anos, o que caracteriza um estudante mais maduro, que já passou pelos primeiros anos do curso e que começou a ter uma vivência mais intensa nas áreas médicas do internato. Percebe-se, portanto, que a faixa etária do público que escolhe a MFC caracteriza-se como um estudante mais amadurecido, como no estudo de Matos et al.2121. Matos FV, Cerqueira MBR, Silva AWM, Veloso JDCV, Morais KVA, Caldeira AP. Egressos da residência de medicina de família e comunidade em Minas Gerais. Rev Bras Educ Med . 2014;38(02):198-204., em que os indivíduos se encontram numa faixa etária entre 26 e 40 anos. Essa faixa etária também se assemelha às estatísticas da Demografia médica no Brasil de 2020 que apresenta a MFC como a especialidade mais jovem no meio médico. Segundo a Demografia médica no Brasil, a média de idade dos médicos no país é de 44,6 anos; para os médicos especialistas, essa média sobe para 47,3 anos. As especialidades mais jovens, com menor média de idade, são a MFC (41,7 anos) e medicina de emergência (42,3 anos)1414. Scheffer M. Demografia médica no Brasil 2020. São Paulo: FMUSP, CFM; 2020. 312 p..

O estudante que tem interesse pela MFC é, em sua maioria, casado, com filhos e com uma renda familiar de menos de cinco salários mínimos. Em um estudo realizado com os médicos residentes de 17 programas de residência em MFC do estado de São Paulo, a maioria declarou viver em união estável e não ter filhos2222. Rodrigues ET, Forster AC, Santos LLD, Ferreira JBB, Falk JW, Fabbro ALD. Perfil e trajetória profissional dos egressos da residência em medicina de família e comunidade do estado de São Paulo. Rev Bras Educ Med . 2017:v.41, n.4, 604-614. Na pesquisa realizada em Minas Gerais, um terço dos pesquisados declarou ser casado ou viver em união estável, o que aponta para uma predominância desse público inserido na MFC2121. Matos FV, Cerqueira MBR, Silva AWM, Veloso JDCV, Morais KVA, Caldeira AP. Egressos da residência de medicina de família e comunidade em Minas Gerais. Rev Bras Educ Med . 2014;38(02):198-204..

O interesse pela MFC foi predominante em estudantes que possuem uma renda familiar menor que cinco salários mínimos. Quando se observa a faixa de renda dos participantes da pesquisa, 70,7% declararam possuir uma renda entre cinco e 20 salários mínimos, evidenciando a prevalência de estudantes com um padrão de vida alto na amostra como um todo, enquanto os interessados em se especializar em MFC apresentaram um padrão de renda menos elevado. Em pesquisa realizada com médicos residentes de Pernambuco, não foi questionada a renda familiar, porém 72,1% dos participantes fizeram o curso em instituições públicas, e, dos 27,9% que estudaram em faculdades privadas, 44,8% utilizaram o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o que pode indicar que esse público pertence a uma classe social com menor poder aquisitivo2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078.. Já na Região Sudeste do país, o perfil do egresso da residência em MFC é pertencer a classes sociais mais altas, cuja renda familiar é de dez a 15 salários mínimos2222. Rodrigues ET, Forster AC, Santos LLD, Ferreira JBB, Falk JW, Fabbro ALD. Perfil e trajetória profissional dos egressos da residência em medicina de família e comunidade do estado de São Paulo. Rev Bras Educ Med . 2017:v.41, n.4, 604-614.

A maior parte dos alunos decidiu pela residência em MFC durante o internato médico. Esse resultado difere do encontrado na pesquisa realizada com os residentes de MFC de Pernambuco, em que o momento da opção pela residência aconteceu, em sua maioria, após a conclusão da graduação2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078.. É possível que a explicação para o momento da escolha esteja no fato de que é no internato que se inicia uma vivência mais aprofundada na ESF, período em que o estudante tem um contato mais próximo com o médico da família, com a comunidade e com o território. A experiência da prática diária na ESF pode despertar um olhar diferenciado para a especialidade, que, durante os primeiros anos de curso, pode não ter acontecido. Nesse ponto, é conveniente destacar que a inserção precoce de estudantes do cenário da APS é apontada como fator de articulação entre ensino, serviço e comunidade, permitindo aos futuros profissionais compreender, na prática, o funcionamento do SUS e suas dimensões política e administrativa, além de promover reflexões acerca dos conceitos de saúde-doença a partir de vivências práticas na comunidade, experiência que pode potencializar sua formação acadêmica e cidadã do futuro médico para atuação profissional no âmbito da ESF2424. Santos CJD, Misael JR, Silva MRD, Gomes VDM. Educação médica e formação na perspectiva ampliada e multidimensional: considerações acerca de uma experiência de ensino-aprendizagem. Rev Bras Educ Med . 2019;43(1):72-79..

Independentemente de o estudante estar fazendo seu curso em IES pública ou privada, o interesse pela MFC entre os alunos ficou em 35%. Isso traz o entendimento de que a natureza jurídica da instituição de ensino não influencia na escolha da especialidade. A literatura aponta que a MFC costuma ser mais valorizada pelos discentes quando os cursos possuem médicos de família compondo seu corpo docente, bem como quando os graduandos são inseridos de forma precoce e frequente na APS, sobretudo quando os preceptores são modelos de médicos de família2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078.. A literatura revela, ainda, que uma experiência positiva na APS, uma maior exposição à MFC durante o curso e o contato com médicos de família na graduação são fatores que incentivam o discente a escolher carreiras médicas voltadas para atenção primária e para o SUS1515. Miranda CZD, Santos FFD, Pertile KC, Costa SDM, Caldeira AP, Barbosa MS. Fatores associados à intenção de carreira na atenção primária à saúde entre estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2021;v. 45, n. 3., independentemente de ter cursado a graduação em instituições públicas ou privadas.

A MFC foi bem avaliada no meio acadêmico, porém ainda não é considerada primeira opção de escolha para residência médica. No estudo de Miranda et al.1515. Miranda CZD, Santos FFD, Pertile KC, Costa SDM, Caldeira AP, Barbosa MS. Fatores associados à intenção de carreira na atenção primária à saúde entre estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2021;v. 45, n. 3., 64% dos alunos também avaliaram a especialidade como “boa” ou “ótima”, mas apenas 30% dos participantes da pesquisa demonstraram interesse em se especializar em medicina de família. Em outro trabalho, 2,4% dos estudantes do último ano do curso em Goiás pretendiam trabalhar predominantemente no SUS, e nenhum aluno escolheu a MFC como especialidade a ser seguida, porém mais da metade dos entrevistados considerava a carreira em MFC como regular e boa, e 35,7% avaliaram como ótima e boa2525. Issa AHTM, Garcia-Zapata MTA, Castro Rocha A de, Sandré BB, Dutra ACF, Oliveira Martins IL de, et al. Fatores influenciadores na escolha pela medicina de família segundo estudantes numa região neotropical do Brasil. Rev Educ Saúde. 2017;5(2):56-65.. Esses resultados levantam um ponto importante de discussão: mesmo sendo bem avaliada no meio discente, a MFC ainda não está entre as primeiras opções de especialidade da maioria dos estudantes.

Quais fatores estariam contribuindo positiva ou negativamente para o futuro médico escolher esse caminho? Miranda et al.1515. Miranda CZD, Santos FFD, Pertile KC, Costa SDM, Caldeira AP, Barbosa MS. Fatores associados à intenção de carreira na atenção primária à saúde entre estudantes de Medicina. Rev Bras Educ Med . 2021;v. 45, n. 3.) citam como fatores positivos para intenção de carreira na APS: a interação com o paciente, os profissionais de saúde e a comunidade, questões financeiras, o bom equilíbrio entre vida pessoal e profissional, a valorização das relações médico-paciente em longo prazo, a prestação de cuidados em diferentes fases da vida, vivenciar atendimentos em áreas rurais e a possibilidade de atuar com medicina preventiva. Outro estudo levantou fatores que influenciaram a opção pela MFC e observou que o compromisso social foi decisivo na escolha da especialidade2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078.. Mesmo sendo considerada uma motivação intrínseca, de âmbito pessoal, muitos médicos relataram o compromisso com a sociedade como fator motivador para escolha da residência. Ter aptidão e afinidade com a especialidade foi também um fator relevante. Isso reforça a importância de as faculdades proporcionarem ao aluno o contato cada vez mais precoce e qualificado com a MFC e a atenção primária por meio de campos de prática amplos e docentes motivados pela medicina de família, a fim de despertar essa afinidade2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078.. A presença de preceptores modelos (role models) que provoquem inspiração no exercício da MFC também foi apontada como um fator relevante na opção pela especialidade. Em contrapartida, outras atividades acadêmicas, curriculares ou extracurriculares, como aulas teóricas, participação em ligas acadêmicas e projetos de extensão, não foram mencionadas como influência positiva para a MFC2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078..

Um estudo realizado nos Estados Unidos com alunos do quarto ano de Medicina investigou os fatores que influenciavam os futuros médicos a escolher a medicina familiar, e os resultados foram semelhantes aos encontrados em algumas pesquisas brasileiras. Os fatores foram divididos em três temas-chave: perspectiva, escolha e exposição. Perspectiva incluiu a visão dos alunos sobre medicina familiar, bem como a opinião de mentores, professores, família e colegas de curso. O tema escolha tratou do interesse primário que os estudantes tinham desde o início do curso e que foi se fortalecendo ou diminuindo ao longo dos anos, e, por fim, exposição que está relacionada com as experiências práticas da medicina de família, o contato com as pessoas, as culturas e o dia a dia da especialidade. No estudo, identificou-se que os fatores que mais influenciaram de forma positiva foram: a presença de preceptores que expressem entusiasmo pelo campo e pela prática da medicina de família, a experiência da medicina familiar rural pela amplitude da prática e diversidade de casos clínicos, e, por fim, o apoio institucional dentro dos cuidados primários destinados à saúde, destacando a importância da exposição precoce dos alunos à prática da medicina familiar logo no início do currículo2626. Alavi M, Ho T, Stisher C, Richardson E, Kelly C, McCrory K, et al. Factors that influence student choice in family medicine a national focus group. Fam Med. 2019;51(2):143-8..

Quando se trata de valorização da MFC, o Canadá desponta como referência no cenário mundial. O movimento de valorização da especialidade vem ocorrendo no país desde 20041919. Pereira DVR, Fernandes DDLR, Mari JF, Lage ALDF, Fernandes APPC. Cartografia das escolas médicas: a distribuição de cursos e vagas nos municípios brasileiros em 2020. Rev Bras Educ Med . 2021;47:e068. Entre os fatores que contribuíram para essa valorização, destacam-se: a oferta vasta de emprego na área, já que não existe desemprego para médicos de família no país; novos modelos de remuneração; e professores que são médicos de família e servem de influência positiva para os graduandos. De acordo com o Canadian Medical Association Journal (CMAJ), o Colegiado de Medicina de Família do Canadá (College of Family Physicians of Canada) atingiu, em 2015, seu objetivo final que era ter 45% dos graduandos em Medicina se especializando em MFC2727. Eggertson L. More medical graduates than ever choosing family practice. CMAJ. 2015;187(9):644.. Isso mostra que, com incentivos adequados, oportunidades de emprego e valorização da especialidade, é possível aumentar o número de profissionais médicos optando pela residência.

Quanto aos fatores negativos que contribuem para a desmotivação na escolha da carreira de MFC, são identificados os seguintes: a baixa remuneração, um fator considerado relevante não só para a realidade brasileira, mas também para outros países mais desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Portugal; o pouco prestígio da medicina de família nos meios médico e acadêmico; o perfil tecnológico e científico das outras especialidades que influencia o prestígio na sociedade; o perfil socioeconômico dos estudantes do curso de Medicina; a pouca vivência na atenção primária durante a graduação ou experiência com médicos de família frustrados e desmotivados; e a amplitude de conhecimento necessário para exercer a especialidade1212. Cavalcante-Neto PG, Lira GV, Miranda AS. Interesse dos estudantes pela medicina de família: estado da questão e agenda de pesquisa. Rev Bras Educ Med. 2009;33(2):198-204.. Em consonância com isso, um estudo realizado em Pernambuco afirma que o desprestígio social, o baixo retorno financeiro e o mercado de trabalho escasso foram enfatizados como fatores de impacto negativo para a escolha da MFC2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078.. As autoras ainda ressaltam que essas questões poderiam ser amenizadas com a instituição de políticas públicas que valorizassem a APS com planos de cargos e carreiras e salários mais atrativos para o médico de família2323. Rodrigues LHG, Duque TB, Silva RM. Fatores associados à escolha da especialidade de medicina de família e comunidade. Rev Bras Educ Med . 2020;44(3):e078.. Ainda nesse tema, os alunos norte-americanos relataram que o desprestígio da especialidade nos meios médico e acadêmico, a carga de trabalho excessiva e o escopo amplo da clínica médica foram fatores que os desestimularam a seguir na carreira de medicina de família2525. Issa AHTM, Garcia-Zapata MTA, Castro Rocha A de, Sandré BB, Dutra ACF, Oliveira Martins IL de, et al. Fatores influenciadores na escolha pela medicina de família segundo estudantes numa região neotropical do Brasil. Rev Educ Saúde. 2017;5(2):56-65..

A associação estatisticamente significativa entre faixa etária e interesse pela MFC pode sugerir que diferentes estágios da vida podem desempenhar um papel crucial na decisão da especialidade de atuação profissional. Por sua vez, a relação entre a avaliação positiva da carreira e o interesse pela MFC sugere que percepções e experiências positivas durante a formação acadêmica podem desempenhar um papel significativo na escolha da especialidade. Esses resultados indicam a necessidade de abordagens personalizadas e estratégias educacionais que considerem tanto o perfil etário quanto a percepção individual da carreira para promover efetivamente o interesse dos estudantes pela MFC. Além disso, abrem espaço para discussões mais aprofundadas sobre como aprimorar as experiências práticas e a informação sobre a MFC ao longo da formação médica, visando melhor alinhar as expectativas dos estudantes com a realidade e as necessidades da área.

CONCLUSÃO

O presente estudo se propôs a analisar os fatores que influenciam o interesse pela residência em MFC dos alunos do estágio do curso de Medicina.

Foi possível identificar que os acadêmicos que estão cursando o estágio probatório são, em sua maioria, jovens, do sexo feminino, solteiros, sem filhos, matriculados em instituições privadas e com uma renda familiar variando de cinco a dez salários mínimos. Já os estudantes que possuem inclinação pela MFC, em sua maioria, são jovens, de ambos os sexos, na faixa etária entre 26 e 35 anos, casados, com filhos e renda familiar menor que cinco salários mínimos; eles optaram pela residência enquanto cursavam o internato e consideram a MFC uma boa especialidade no campo médico. Faixa etária e avaliação positiva da especialidade médica foram as variáveis que apresentaram associação estatisticamente significativa com o interesse pela residência em MFC.

Compreender esses fatores pode contribuir para aprimorar a formação médica, alinhando as preferências dos estudantes com as necessidades da sociedade e do sistema público. Os achados podem, ademais, orientar políticas educacionais e estratégias de recrutamento de profissionais médicos para o campo da APS, visando a uma melhor adequação entre as expectativas dos estudantes e as demandas do SUS.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propep) e ao Mestrado Profissional Ensino em Saúde e Tecnologia (Mest) da Uncisal pelos suportes financeiro e estrutural.

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    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propep) e Mestrado Profissional Ensino em Saúde e Tecnologia (Mest) da Uncisal.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Kristopherson Lustona Augusto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2024
  • Aceito
    21 Mar 2024
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