RESUMO
INTRODUÇÃO Apesar dos altos índices de depressão e ansiedade, os profissionais de saúde ainda têm dificuldades em lidar com essas enfermidades, principalmente quando envolvem os estudantes universitários e profissionais da área da saúde.
OBJETIVO Estimar a prevalência e os fatores associados à depressão e ansiedade em estudantes universitários da área da saúde.
MÉTODOS Foi realizado um estudo transversal analítico com alunos do primeiro ano dos cursos da saúde (Biomedicina, Enfermagem, Fisioterapia, Medicina e Odontologia) de um Centro Universitário no Ceará. Foram aplicados três questionários. O primeiro envolvia aspectos sociodemográficos; o segundo foi o Inventário de Depressão Beck (BDI) (adaptação e padronização brasileira); e o terceiro, o Inventário de Ansiedade Beck (BAI) (adaptação e padronização brasileira). Os dados foram digitados utilizando-se o software Epi-info, versão 3.5.1. e analisados no Stata 11.2. Análise bivariada foi realizada para as associações entre as variáveis por meio da Razão de Prevalência (RP), sendo calculados seus respectivos intervalos de confiança e considerados significativos aqueles que apresentaram um p < 0,05. O projeto foi aprovado pelo CEP, por meio do CAAE nº 1.132.140, de 30 de junho de 2015.
RESULTADOS Responderam aos questionários 476 estudantes. Predominou o sexo feminino (71,6%), estudantes com menos de 20 anos de idade (69,3%) e solteiros (92,0%). As prevalências de depressão e ansiedade foram de 28,6% e 36,1%, respectivamente. Estudantes menos satisfeitos com o curso apresentaram chance quase quatro vezes maior de terem depressão (p < 0,001). Destacaram-se ainda fatores de risco como relacionamento familiar insatisfatório (p < 0,001), quantidade insuficiente de sono (p = 0,006) e relacionamento com amigos insatisfatório (p < 0,001). A prevalência de ansiedade esteve mais associada ao sexo feminino (p < 0,001) e entre os estudantes que apresentaram relacionamento insatisfatório com familiares (p < 0,001), amigos (p = 0,005) e colegas (p < 0,001). Apresentar insônia (p < 0,001), não fazer atividade física (p = 0,040) e maior preocupação com o futuro (p = 0,002) também apresentaram associação significativa com um quadro de ansiedade.
CONCLUSÃO As prevalências de ansiedade e depressão entre os estudantes da área da saúde foram muito superiores às da população em geral, tendo os estudantes do curso de Fisioterapia apresentado o resultado mais alto.
–Depressão; –Ansiedade; –Processo Saúde-Doença; –Saúde Mental
ABSTRACT
INTRODUCTION Despite the high levels of depression and anxiety, health professionals still have difficulties when dealing with these illnesses, particularly when they involve university students and professionals in the field of health.
OBJECTIVE To estimate the prevalence and the factors associated with depression and anxiety among university students in the field of health.
METHODS A transversal, analytical study involving students in the first year of a degree in health (biomedicine, nursing, physiotherapy, medicine and odontology) at a University Center in Ceará. Three questionnaires were applied. The first involved sociodemographic aspects, the second was the Beck Depression Inventory – BDI, and the third was the Beck Anxiety Inventory – BAI (both adapted and standardized for Brazil). The data were digitalized using the software Epi-info version 3.5.1, and analyzed in Stata 11.2. Bivariate analysis was performed for the associations between the variables by means of the Prevalence Ratio (PR), as well as their respective intervals of confidence, with a level of significance of p < 0.05. The project was approved by the REC, with CAAE number 1.132.140, of June 30, 2015.
RESULTS 476 students answered the questionnaires. The female sex was prevalent (71.6%), with the majority of students under 20 years of age (69.3%), and single (92.0%). The prevalence rates for depression and anxiety were 28.6% and 36.1%, respectively. Students who were less satisfied with the course had a four times higher likelihood of having depression (p < 0.001). Risk factors were highlighted, such as unsatisfactory family relationships (p < 0.001), lack of sleep (p=0.006), and unsatisfactory relationships with friends (p < 0.001). The prevalence of anxiety was more closely associated with the female sex (p < 0.001), and with unsatisfactory relationships with family members (p < 0.001), friends (p = 0.005) and colleagues (p < 0.001). Having insomnia (p < 0.001), not doing much physical activity (p = 0.040), and a higher concern about the future (p = 0.002) also presented significant association with anxiety status.
CONCLUSION The significant prevalence of anxiety and depression among students in the field of health were much higher than among the general population, with physiotherapy students having the highest result.
KEY-WORDS –Depression; –Anxiety; –Health-Disease Process; –Mental Health
INTRODUÇÃO
Aproximadamente 450 milhões de pessoas sofrem de perturbações mentais ou neurobiológicas no mundo1. Destaca-se a depressão, considerada a principal causa de incapacitação no mundo e com possibilidade de se tornar a segunda maior carga de doença até 20301,2. Em segundo lugar apresenta-se a ansiedade, comumente associada aos casos de depressão e que tem um efeito importante na diminuição da qualidade de vida das pessoas3-5.
A depressão é considerada um transtorno multifatorial, apresentando fatores de risco conhecidos, como afetividade negativa, experiências adversas na infância, eventos estressantes, familiares de primeiro grau com diagnóstico, transtornos subjacentes, condições médicas crônicas ou incapacitantes e que acomete cerca de 5,8% da população brasileira1,6-8. Caracteriza-se por tristeza ou irritabilidade, desinteresse ou desprazer, sentimento de culpa ou baixa autoestima, distúrbios do sono ou apetite, fadiga, dificuldades cognitivas e ideias recorrentes de morte9,10.
A ansiedade se caracteriza como uma emoção própria da vivência humana, sendo considerada uma reação natural e fundamental à autopreservação, mesmo gerando sensações de apreensão e alterações físicas desagradáveis7,11. Por outro lado, em sua condição patológica, apresenta-se de forma mais frequente e intensa, com sintomas que podem causar grande sofrimento e prejuízo na vida cotidiana, como evasão escolar, abandono de emprego e abuso de substâncias8,12,13.
Entre os vários tipos de transtornos destaca-se o de Ansiedade Social (TAS) e o de Ansiedade Generalizada (TAG), que trazem dificuldades ao convívio social e aos aspectos da vida em geral, além daqueles inerentes ao desempenho dos acadêmicos1,9,14,15. Nos últimos anos, a saúde mental desses estudantes universitários tornou-se foco de atenção não só dos especialistas da área de saúde, mas da sociedade em geral16, pois o sofrimento emocional do estudante da saúde não se limita a ele próprio, mas tem impacto emocional sobre sua relação com os pacientes17,18. Esses estudantes universitários da área da saúde geralmente não recebem formação adequada sobre os tópicos de saúde mental e frequentemente se expõem a situações estressantes, o que pode levá-los a um mau desempenho acadêmico, adoecimento psíquico, risco de suicídio ou dificuldade no tratamento de doentes17,19-21.
Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi estimar a prevalência e os fatores associados à depressão e ansiedade entre estudantes universitários da área da saúde de um Centro Universitário no Nordeste do Brasil.
MÉTODOS
Tipo de estudo
Trata-se de um estudo transversal analítico, realizado numa instituição de ensino superior do Nordeste do Brasil.
População do estudo
Foram investigados estudantes maiores de 18 anos, regularmente matriculados nos cursos da área da saúde (Biomedicina, Enfermagem, Fisioterapia, Medicina e Odontologia) e que frequentavam o primeiro ano do curso (primeiro e segundo semestres).
Coleta de dados
Foi aplicado um questionário elaborado pelos pesquisadores, além do Inventário de Depressão Beck (BDI), na sua adaptação e padronização brasileira, e o Inventário de Ansiedade Beck (BAI), também na sua adaptação e padronização brasileira.
No questionário constavam questões relativas a características sociodemográficas (sexo, idade, local de procedência, com quem reside e quantas pessoas residem na casa); sociais (emprego, renda familiar, plano de saúde e religião); e comportamentais (quantidade de sono, atividade física, tempo de lazer, uso de cigarro, ingestão de álcool e nível de satisfação com o curso).
O Inventário de Depressão Beck (BDI), criado originalmente para avaliar o nível de depressão em pacientes psiquiátricos22, passou a ser utilizado tanto na área clínica como na pesquisa, mostrando-se um instrumento útil também para a população em geral, apresentando alta confiabilidade e validade quando comparado a outros instrumentos22,23. Ele avalia aspectos como: tristeza, pessimismo, sentimento de fracasso, insatisfação, culpa, punição, autoaversão, autoacusações, ideias suicidas, choro, irritabilidade, retraimento social, indecisão, mudança na autoimagem, dificuldade de trabalhar, insônia, fatigabilidade, perda de apetite, perda de peso, preocupações somáticas e perda de libido22. É composto por uma escala de 21 itens, com quatro opções para cada item, em graus crescentes de gravidade, com escores de 0 a 3.
O Inventário de Ansiedade Beck (BAI) foi criado com o objetivo inicial de medir a intensidade dos sintomas de ansiedade24, sendo amplamente utilizado e validado tanto para pacientes psiquiátricos, como para a população em geral22. É constituído por 21 itens que devem ser avaliados numa escala de quatro pontos, refletindo níveis de gravidade crescentes – absolutamente não, levemente, moderadamente, gravemente –, sendo que o escore total é a soma dos escores dos itens individuais.
Ambos os instrumentos de coleta foram aplicados durante o final do semestre 2015.2 e começo do 2016.1.
Controle de qualidade
O instrumento de coleta de dados foi submetido a um estudo piloto para testar a compreensão sobre as questões e a aplicabilidade ao público específico. Os profissionais que aplicaram o questionário foram treinados, e antes da digitação dos dados estes foram revisados. Foram excluídos os questionários rasurados e que comprometessem o somatório dos escores dos instrumentos utilizados. Para a entrada dos dados e checagem da consistência, foi utilizado o software Epi-info.
Análise dos dados
Os dados foram digitados utilizando-se o software Epi-info, versão 3.5.1®, e analisados no Stata 11.2®.
Para o BDI, foram somados os escores individuais e posteriormente adotados os seguintes pontos de corte: mínimo, variando de zero a 11; leve, entre 12 e 19; moderado, variando entre 20 e 35; e grave, entre 36 e 63. O resultado mínimo foi considerado como ausência de depressão22. Para os dados do BAI, foram adotados os pontos de corte: mínimo, variando de zero a 10; leve, entre 11 e 19; moderado, variando entre 20 e 30; e grave, entre 31 e 63. O resultado mínimo foi considerado como ausência de ansiedade22.
Foram utilizados testes paramétricos (teste t de Student) e não paramétricos (qui-quadrado de Pearson) de acordo com as características das variáveis do estudo. Análise bivariada foi realizada para as associações entre as variáveis, sendo calculadas, também, as razões de prevalência, bem como seus respectivos intervalos de confiança. Para isso, foi considerado um intervalo de confiança de 95%, e resultados significativos aqueles que apresentaram um p < 0,05.
Aspectos éticos
O estudo seguiu os princípios éticos de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com o parecer 1.132.140, de 30 de junho de 2015. O TCLE foi assinado por todos os estudantes após apresentação dos objetivos da pesquisa, respeitando e assegurando a adequação às peculiaridades culturais e linguísticas dos envolvidos.
RESULTADOS
Caracterização da amostra
Considerando os critérios de inclusão, 649 estudantes eram elegíveis para participar da pesquisa. Foram respondidos 579 questionários (89,2%), e 476 (82,7%) foram considerados válidos. Os cursos com maior número proporcional de questionários respondidos foram Fisioterapia (103/104; 99,0%); Odontologia (214/226; 94,6%); Medicina (159/179; 88,8%), Biomedicina (59/78; 75,6%) e Enfermagem com 44/62; 70,9%).
Predominou o sexo feminino com 71,6%; 69,3% dos estudantes tinham menos de 20 anos de idade, e 92,0% eram solteiros. A maior parte não exercia atividade remunerada (80,7%); 57,1% tinham renda familiar média de 7,5 salários mínimos; 77,9% residiam com os pais ou cônjuges, e 88,2% declararam ter alguma religião. Ingestão de álcool foi citada por 53,4% dos alunos. A maioria relatou não fumar (96,8%); 87,6% se declararam insatisfeitos com a quantidade de sono; 87,8% faziam atividade física, e 74,1% consideraram que tinham boa saúde. A maior parte dos alunos declarou estar satisfeita com o curso escolhido (98,9%), mas 73,9% manifestaram preocupação com o futuro profissional (Tabela 1).
Aspectos socioeconômicos e condição prévia de saúde dos estudantes de primeiro ano da área da saúde de uma instituição de ensino superior do Nordeste do Brasil
Prevalência de depressão e ansiedade
A prevalência de depressão entre os estudantes foi de 28,6%, variando entre o curso de Fisioterapia, com 35,7%, e o curso de Enfermagem, com 15,0%. Entre os estudantes com algum nível de depressão destacou-se que 103 (75,8%) tinham nível leve, 32 (23,5%) nível moderado e 1 (0,7%) apresentou a forma grave (Tabela 2).
Fatores ligados ao curso, prevalência de depressão e ansiedade dos estudantes de primeiro ano da área da saúde de uma instituição de ensino superior do Nordeste do Brasil
Já a prevalência de ansiedade foi de 36,1%, variando entre 52,4% para o curso de Fisioterapia e 25,9% para o curso de Medicina. Entre os alunos considerados com algum nível de ansiedade, 62,2% apresentaram a forma leve, 27,9% nível moderado e 9,9% nível considerado grave (Tabela 2).
Considerando os diferentes cursos e o nível de depressão, as formas leves foram mais prevalentes no curso de Enfermagem (83,3%), moderada no curso de Fisioterapia (30%) e grave entre os estudantes de Biomedicina (5,9%). Os alunos mais ansiosos estavam nos cursos de Fisioterapia (52,4%), seguidos dos alunos de Odontologia (38,9%) e Biomedicina (33,3%). O curso de Medicina apareceu em quinto lugar, com um percentual de 25,9%. Já em relação ao nível de ansiedade, obteve-se maior prevalência do leve na Enfermagem (76,9%), moderado na Biomedicina (31,3%) e sua forma grave no curso de Fisioterapia (15,9%) (Tabela 2).
Fatores associados ao risco de depressão
Vários fatores foram associados a maior prevalência de depressão entre os estudantes. Destacam-se os alunos menos satisfeitos com o curso, que apresentaram chance quase quatro vezes maior de terem depressão quando comparados aos que estavam satisfeitos com o curso escolhido (RP = 3,59; IC: 3,10-4,15; p < 0,001). Destacaram-se ainda com chances pelo menos duas vezes maior de ocasionar depressão variáveis como relacionamento familiar (RP = 2,70; IC: 2,06-3,53; p < 0,001), quantidade insuficiente de sono (RP = 2,27; IC: 1,17-4,40; p = 0,006) e relacionamento com amigos (RP = 2,16; IC: 1,49-3,13; p < 0,001) (Tabela 3). Foram associadas estatisticamente à presença de depressão as variáveis relacionamento insatisfatório com colegas do curso (p < 0,001) e com docentes (p = 0,004), além de não estar no curso escolhido como primeira opção (p = 0,019) e não praticar atividade física (p = 0,003). As variáveis sexo, faixa etária, estado civil, religião, renda, com quem reside, ter plano de saúde, motivo da escolha do curso, forma de pagamento do curso, se fuma, bebe ou se há preocupação com o futuro não apresentaram associações significativas com a presença de depressão (Tabela 3).
Fatores associados ao risco de ansiedade
A prevalência de ansiedade esteve mais associada ao sexo feminino (RP = 1,66; p < 0,001). Foi significativamente mais presente entre os estudantes que apresentaram relacionamento insatisfatório com familiares (p < 0,001), amigos (p = 0,005) e colegas (p < 0,001). Variáveis como ter insônia (p < 0,001), não fazer atividade física (p = 0,040), maior preocupação com o futuro (p = 0,002) também apresentaram associação significativa com um quadro de ansiedade (Tabela 4).
DISCUSSÃO
A prevalência de depressão e ansiedade entre os estudantes da área da saúde foi muito superior à de estudantes de outras áreas e da população em geral no Brasil15,25,26, com destaque para o curso de Fisioterapia. Chama a atenção o fato de o curso de Medicina, embora seja o mais investigado no tocante a esses aspectos, ter ocupado o quarto lugar em níveis de depressão e o quinto em ansiedade quando comparado aos outros cursos da área da saúde. Entretanto, apresenta resultados bem acima daqueles da população em geral, o que merece ser considerado um importante problema para a comunidade médica e acadêmica.
A prevalência de depressão em todos os cursos foi mais elevada no sexo feminino. Em Goiás, Uberlândia e Ribeirão Preto, essa associação também ocorreu16,27,28. Entretanto, em trabalho realizado em Minas Gerais com estudantes de Odontologia, não ocorreu o mesmo29. O resultado desse último estudo difere do aqui apresentado e do encontrado na literatura nacional e internacional, que aponta maior prevalência de depressão no sexo feminino na população geral30,31, independentemente de idade e se estudante da área da saúde ou não.
Maior prevalência de depressão esteve mais associada aos estudantes que citaram ter relacionamentos insatisfatórios com familiares, amigos, colegas de sala e professores (p < 0,05). Estudos em Santa Catarina, Amapá, Ceará e Rio de Janeiro trazem análises semelhantes, corroborando a afirmação de que laços afetivos saudáveis são fundamentais à saúde emocional dos estudantes32-35. Esses estudos complementam as inúmeras teorias psicológicas que estudam a importância das relações afetivas para a saúde emocional36,37.
Insatisfação com quantidade de sono, insônia e inatividade física foram aspectos fortemente associados à prevalência de depressão entre os estudantes. Em uma Universidade de Ribeirão Preto, foi encontrado distúrbio do sono entre aqueles que apresentavam depressão moderada28, e no Ceará já foi documentada associação significativa entre depressão e insônia em universitários do primeiro ano32. O presente estudo corrobora a literatura médica disponível, que aponta a importância do sono para a saúde física e emocional do indivíduo, já que noites maldormidas e inatividade física podem gerar problemas como fadiga, irritabilidade, hipertensão arterial, dificuldades de atenção e de memória, e transtornos mentais como depressão e ansiedade26,38,39.
O estudo aqui apresentado corrobora essa análise e soma-se à vasta literatura que incentiva a importância da prática de atividade física para a manutenção da saúde e controle do estresse, bem como indica essa prática como coadjuvante no tratamento da depressão40,41. Quando praticada com regularidade, auxilia o organismo na produção de endorfina e serotonina, neurotransmissores responsáveis pela sensação de prazer e bem-estar. Também de forma indireta, por meio das transformações corporais decorrentes do exercício, contribui para uma melhora significativa na autoestima, o que leva a um maior grau de satisfação e felicidade42,43. Além disso, geralmente a atividade física é uma oportunidade importante para o convívio social, trazendo benefícios fundamentais presentes no estabelecimento de interações afetivas. Sendo assim, a prática de atividade física é vista pela comunidade médica como importante agente preditor ou terapêutico para depressão44,45.
A ansiedade também foi associada estatisticamente ao sexo feminino, com exceção do curso de Biomedicina. O mesmo foi detectado em estudos que avaliaram estudantes da área da saúde em cidades brasileiras e fora do Brasil46-48. Esses resultados são semelhantes aos encontrados na população geral, que apontam o sexo feminino como aquele em que mais comumente se encontram altos níveis de ansiedade, seja qual for a idade.
Outro aspecto também fortemente associado a maior prevalência de ansiedade foi ter relacionamento insatisfatório com familiares, amigos, colegas de sala e professores (p < 0,05). Andrade et al.32, estudando alunos de Medicina, relataram que problemas pessoais ou familiares contribuíam para aumentar o sofrimento mental desses estudantes. Outro trabalho que avaliou estudantes do Rio de Janeiro sugeriu que problemas pessoais e de relacionamento com familiares eram motivos para baixo rendimento acadêmico e aumento da ansiedade e depressão33. Maior prevalência de ansiedade nesses alunos com problemas de relacionamento revela um caráter possivelmente sistêmico, evidenciando a necessidade de maior equilíbrio em todas as esferas da vida do estudante. Esse equilíbrio deverá proporcionar melhores condições para a formação adequada desses estudantes, já que problemas nos relacionamentos acabam por gerar dificuldades psicológicas, como insegurança, tristeza, medos, preocupações, dificuldades de atenção e baixa autoestima.
Um dos aspectos mais fortemente associados à ansiedade foi a baixa quantidade de sono, sendo a insônia uma das principais características referidas pelos alunos avaliados. Outro trabalho realizado com estudantes universitários residentes na cidade de Fortaleza apontou que aqueles que tinham médias mais baixas de horas de sono diárias apresentaram índices de ansiedade mais elevados49. Não resta dúvida de que a quantidade inadequada de sono pode diminuir o entusiasmo pela execução de atividades cotidianas e pode trazer outros problemas de saúde, podendo ser a ansiedade uma condição presente nessas situações. Nossos achados nessa área reforçam a importância e necessidade de estimular os estudantes a buscar destinar o tempo adequado ao sono e com qualidade, para garantir que esse sono seja reparador.
Outro aspecto que merece destaque foi a baixa prevalência de ansiedade entre os estudantes que referiram fazer atividade física com frequência. Entretanto, esse resultado não se confirmou para o curso de Medicina. Já há evidência de que a realização de atividade física regular influencia a qualidade de vida de estudantes universitários do Nordeste50. Contudo, embora a literatura científica aponte os inúmeros benefícios do não sedentarismo para a saúde física e mental, o resultado inverso na Medicina talvez possa ser explicado pela possível angústia gerada pelo acúmulo de atividades e pela falta de tempo. Esse sentimento do estudante acaba gerando a percepção de que o tempo dedicado à realização de atividade física regular pode causar prejuízos acadêmicos, já que a graduação exige tempo integral.
A busca por acompanhamento psicológico deve ser uma prática estimulada entre os estudantes, principalmente aqueles da área da saúde. A ansiedade, por exemplo, foi um dos principais motivos relatados por residentes em Radiologia do Rio de Janeiro para buscar atendimento por um psicólogo33. Os trabalhos aqui discutidos apontam a existência de dificuldade de alguns estudantes no enfrentamento de adversidades, o que os levaria a buscar auxílio profissional para superação e melhora do quadro. Essa prática precisa ser fomentada pelas escolas que formam profissionais de saúde para garantir uma formação adequada e, principalmente, humanizada. Há uma vasta literatura disponível que avalia esses aspectos ligados ao estudante de Medicina e o quanto ele sofre de pressão para o ingresso na faculdade, sua formação e o exercício profissional. Entretanto, os dados aqui apresentados reforçam a necessidade de maior reflexão a respeito do olhar que a sociedade tem lançado sobre o profissional de saúde não médico. Não há dúvida quanto às dificuldades por que passa um estudante em sua trajetória para se tornar um médico, mas o resultado em relação aos outros cursos não é desprezível.
CONCLUSÃO
As prevalências de ansiedade e depressão entre os estudantes da área da saúde foram muito superiores às da população em geral, tendo os estudantes do curso de Fisioterapia apresentado o resultado mais alto. Proporcionar ao estudante da saúde, de qualquer curso, uma formação mais completa e adequada exige repensar desde o processo de ingresso até a oferta de melhores condições de trabalho, passando inclusive por uma formação mais humanizada, na qual o estudante seja atendido em suas necessidades pedagógicas e emocionais. Essa situação aponta a necessidade urgente de maior atenção a esses futuros profissionais, de forma a estarem técnica e emocionalmente mais bem preparados e mais saudáveis para lidar com a saúde humana.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2018
Histórico
-
Recebido
19 Jun 2018 -
Aceito
9 Jul 2018