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A ATUALIDADE DA CIRURGIA AMBULATORIAL

A Cirurgia Ambulatorial é o conjunto de operações cirúrgicas que podem ser realizadas sem necessitar, obrigatoriamente, da internação hospitalar do paciente (HICE, 1973; ROCHA & FONSECA, 19798. ROCHA, P. R. S. & FONSECA, F. P. Instalações e equipamentos. In: _____. Cirurgia ambulatorial. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1979. p. 12-3.; LÁZARO DA SILVA, 19845. LÁZARO DA SILVA, A. Cirurgia em nível ambulatorial. R. Assoc. Méd. bras., 30 (7/8) : 170-1, 1984.).

A Cirurgia do paciente não internado, longe de ser uma novidade, é prática bastante antiga e que por uma série de motivos, provavelmente justificáveis no seu tempo, acabou ficando restrita a um elenco cada vez menor de operações que, por sua simplicidade e superficialidade, não justificavam a internação do paciente.

A denominação de Cirurgia Ambulatorial foi por nós adotada ao invés de Pequena Cirurgia, pois esta tem a conotação de “pouco importante”. Dentro desse espírito, o médico que a executa não precisa de preparo especial, não havendo necessidade de ambiente exclusivo e apropriado, servindo para tanto uma simples sala de curativo. Nessa antiga concepção, o instrumental e o pessoal de enfermagem a ela destinados viriam do Centro Cirúrgico Geral, sendo o primeiro “refugo” e, o segundo, o menos capacitado. Outros conceitos, igualmente distorcidos devem tambem ser revistos. É o caso, por exemplo da utilização “obrigatória” da anestesia por infiltração local, da restrição às lesões superficiais acima do plano músculo-aponeurótico. Pelo contrário, ano após ano se avoluma a experiência de importantes serviços onde são realizadas operações do porte das hernioplastias em pacientes que, logo a seguir, retornam ao seu domicílio (CARIDIS & MATHERSON, 19641. CARIDIS, D. T. & MATHERSON , Out-patient surgery: a reassessment. Lancet, 2 (7374): 1387-8, 1964.; VELEZ e col., 197513. VELEZ, A. G. et alii. A simplified system for surgical operations: the economics of treating hernia. Surg., 77 (3):391-4, 1975.; PARKER, 19736. PARKER, A. F. One-day hernia operation. Delaware Med. 1 (2): 261-3, 1973.; PIMENTA & LÁZARO DA SILVA, 19837. PIMENTA, L. G. & LÁZARO DA SILVA, A. Hérnia epigástrica (lipoma interxifoumbilical) : classificação, freqüência, repercussão sobre o tempo de afastamento do trabalho e custo operacional: valorização do sistema cirúrgico ambulatorial. R. Assoc. Méd. bras ., 29 (9/10) : 162-5, 1983.; FLANAGAN & BASION, 19842. FLANAGAN, L. Sr. & BASCON, J. U. Repair of the groin hernia: out patient appwach with local anesthesia. Surg. Clin. N. Am. 64 (2): 257-67, 1984.).

A realidade, no entanto, é outra, pois como o paciente deve retornar ao seu domicílio, de regra poucas horas após a realização da operação, esta deve ser realizada com técnica segura por cirurgiões experientes e com anestesia local, por bloqueio, ou geral, estas últimas sob o cuidado de competente anestesista que garanta a recuperação em período curto - SILEM JR. (1981). Com esse mesmo objetivo, impõe-se uma avaliação pré-operatória cuidadosa, por mais simples que aparente ser a lesão mórbida, ou o ato cirúrgico (GONZALES e col., 19763. GONZALES, A. et alii. Cirugia ambulatoria: alternativa de aumento de cobertura: análisis de 723 pacientes com cuidado post-operatorio em casa. Acta Med. Valle, 7(4): 134-7, 1976.).

Se a obediência a estas normas é importante para a obtenção de um bom resultado, não menos importante é o ambiente cirúrgico apropriado com instrumental adequado e suficiente, além do pessoal treinado para a adoção de normas de rigorosa assepsia e antissepsia. Satisfeitas estas condições, esse Centro Cirúrgico permite a realização de operações de nível maior, desde que passíveis de acompanhamento ambulatorial.

Um outro aspecto que deve ser lembrado, diz respeito às vantagens que traz ao paciente. A retirada deste, do meio social e familiar em que vive, para ser internado é sempre traumática, pois sua ausência interrompe o ciclo de atividade e responsabilidade que nele desempenha. A cirurgia, podendo ser realizada em caráter ambulatorial praticamente evita esse problema, mantém a presença física no ambiente familiar, nele participando mesmo com as limitações impostas pelo pós-operatório. Ao contrário do que aparentemente possa parecer, a crescente solicitação dos pacientes por essa forma de tratamento comprova a sua ampla aceitação (CARIDIS & MATHERSON, 19641. CARIDIS, D. T. & MATHERSON , Out-patient surgery: a reassessment. Lancet, 2 (7374): 1387-8, 1964.; WALLIS, 198314. WALLIS, C. Glow to beat hospital costs. Time, Sept., 9, 1983. p. 5.).

O que se visa com a Cirurgia Ambulatorial é simplificar o pós-operatório, sem dele retirar a segurança, o conforto físico e o amparo psicossocial do paciente. Vale a pena dizer que estão excluídas, por princípio, as operações ou os pacientes susceptíveis de apresentarem alterações importantes no decorrer da evolução pós-operatória e que venham necessitar de cuidados médicos, ou atenção especial de enfermagem (ROCHA DA FONSECA, 19798. ROCHA, P. R. S. & FONSECA, F. P. Instalações e equipamentos. In: _____. Cirurgia ambulatorial. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1979. p. 12-3.). Não há como duvidar que o pós-operatório de uma biópsia de linfonodo axilar, por exemplo, realizada em paciente de alto risco pode ser tão acidentado quanto o de uma hemicolectomia.

Mesmo com as reservas impostas por esses parâmetros, o número de procedimentos passíveis de serem realizados em pacientes externos é grande e variável nas diferentes especialidades cirúrgicas.

Muitos deles, são procedimentos simples que devem fazer parte da bagagem profissional do médico geral, outros mais de um cirurgião geral e outros ainda são de alçada quase exclusiva dos especialistas, mercê de conhecimentos específicos ou de técnica, material ou instrumental de uso e domínio das especialidades.

Sendo assim, a Cirurgia Ambulatorial deveria fazer parte do currículo escolar das várias especialidades cirúrgicas como um setor importante e freqüente destas (LÁZARO DA SILVA, 19845. LÁZARO DA SILVA, A. Cirurgia em nível ambulatorial. R. Assoc. Méd. bras., 30 (7/8) : 170-1, 1984.). Uma grande parcela destas operações, pela simplicidade (no diagnóstico e na realização) está ao alcance dos conhecimentos cognitivos e psicomotores do estudante de Medicina. Aliás, dentro da atual organização do currículo escolar e da estrutura dos serviços cirúrgicos dos hospitais de ensino, a cirurgia realizada no paciente externo passa a ser uma das poucas oportunidades em que o estudante (interno, ou não) sente a plenitude da realização do ato médico, desde o diagnóstico, execução e acompanhamento até a cura e alta do paciente. E nesse contexto que o aluno tem a oportunidade de executar atos psicomotores, atos esses que, nesta fase, pode realizar apenas em serviços não ligados à escola, quase sempre sem orientação docente.

O elenco de operações passíveis de serem realizadas em número suficiente pelos académicos durante o curso, possibilita incluir na bagagem do chamado “médico geral” mais esta habilidade que, além de solucionar parte considerável das necessidades de sua futura clientela em pequenas comunidades (LÁZARO DA SILVA, 19845. LÁZARO DA SILVA, A. Cirurgia em nível ambulatorial. R. Assoc. Méd. bras., 30 (7/8) : 170-1, 1984.), lhe pode fornecer subsídios materiais gerados no exercício profissional.

Fique, no entanto, claro que esse aprendizado deve ser feito sob orientação docente, o qual, além de resguardar o paciente no tocante ao respeito a sua individualidade, assume a responsabilidade pelo seu tratamento enquanto, o utiliza para ensino. Devemos frisar que o docente deve estar preparado para essa função e convencido do importante papel que desempenha (LÁZARO DA SILVA, 19845. LÁZARO DA SILVA, A. Cirurgia em nível ambulatorial. R. Assoc. Méd. bras., 30 (7/8) : 170-1, 1984.). A valorização dessa atividade, em termos profissional e curricular, é talvez uma das maio res dificuldades sentida na implantação dessa atividade.

Para o residente de cirurgia, além de tudo o que foi dito acima, a Cirurgia Ambulatorial lhe permite o aperfeiçoamento de sua destreza, graças a oportunidade oferecida pelo número elevado de lesões passíveis de tratamento no ambulatório. Realmente, como toda operação é constituída de atos cirúrgicos fundamentais (diérese, hemostasia e síntese), tanto faz realizá-lo na superfície, como na profundidade, com este ou aquele tipo de anestesia. O saldo para o residente é altamente positivo, pois enquanto tem a oportunidade de realizar um certo número, seguramente restrito, de operações em pacientes internados e nas quais aprimora sua destreza, tem, pelo contrário, a possibilidade de realizá-las em número muito maior nos pacientes externos. Daí também a necessidade de equiparmos estas unidades de tratamento ambulatorial com instrumental adequado e de boa qualidade, de condições ambientais apropriadas e, fundamentalmente, que haja por parte do residente e de seu preceptor docente o máximo empenho para realizá-las com a meticulosidade e capricho que dedicam às operações feitas em pacientes internados. Infelizmente, a pouca ênfase dada às atividades ambulatoriais, inclusive à cirurgia do paciente externo, é urna das falhas freqüentes dos programas de residência (SPERANZINI, 198110. SPERANZINI, M. B. Residência em cirurgia: uma visão crítica. R. Col. Bras. Cir.:, 8 (1): 1-3, 1981.), perdendo o residente a oportunidade de complementar o seu aprendizado.

A importância econômica da cirurgia do paciente externo deve merecer, também, especial atenção dentro da política nacional de saúde, tanto nos hospitais de ensino, estatais, previdenciários, como os da clínica privada. Esta conscientização já existe, como podemos apreciar pela criação de hospitais de um dia só, ou de Unidades ou Centros de Cirurgia do Paciente Externo acopladas a hospitais tradicionais, em nosso meio e, principalmente, em países mais ricos do que o nosso (Wallis, 198314. WALLIS, C. Glow to beat hospital costs. Time, Sept., 9, 1983. p. 5.). Aliás, nestes últimos é muito mais marcante a preocupação pelos elevados gastos com o paciente internado, o que leva a instituições responsáveis, como o American College of Surgeons, considerarem a cirurgia do paciente externo como uma alternativa; a instituições previdênciárias estimularem, através de melhor remuneração ao profissional médico, a realização de número cada vez maior de procedimentos em nível ambulatorial. Por outro lado, a diminuição dos custos, pela ausência da internação, possibilita ao paciente, quando os honorários profissionais se situam ao alcance de suas economias, dispensar os serviços previdenciários, o que pode trazer a revitalização da cirurgia como profissão liberal.

Se esta mesma orientação for adotada pelo Estado, os benefícios também serão grandes, pela redução considerável dos gastos com o tratamento e do período de afastamento do trabalhador (VELEZ e col., 197513. VELEZ, A. G. et alii. A simplified system for surgical operations: the economics of treating hernia. Surg., 77 (3):391-4, 1975.; GONZALES e col., 1975). No entanto, dificuldades burocráticas e incompreensões de toda ordem, mesmo entre os profissionais da área de saúde, tais como a falta de conscientização para os grandes problemas sócio-econômicos que enfrentamos e o desconhecimento do elevado número de procedimentos passíveis de serem realizados com segurança e pequeno custo social e econômico sem internamento hospitalar dificultam a sua operacionalização.

Sirva como exemplo para desfazer estas injustificadas apreensões os bons resultados obtidos na área de ensino, com salutares reflexos para o bem-estar social do paciente e a não menos salutar redução de custos, com a utilização da Cirurgia Ambulatorial na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (PAULO CASTRO E SALGADO, 1979) e a instalação mais recente dessa filosofia de ensino na 3a. Clínica Cirúrgica do Hospital das Clínicas de São Paulo (Disciplina de Cirurgia Geral - Serviço do Professor Mario Ramos). Com a criação no ambulatório da 3a. Clínica Cirúrgica do setor de Cirurgia Ambulatorial, com corpo docente próprio, pôde-se abrir esta área para ó ensino dos internos do 5o ano, o que fez com que de 3 a 5 operações semanais se saltasse para 30 ou mais, ampliando-se também o nível das operações. Nesse sentido, dentre as quase 1.500 operações realizadas de janeiro de 1983 a março de 1984 foram sendo realizadas um número, progressivamente maior de hemioplastias que somam hoje 62 (com predomínio das epigástricas e umbilicais) com complicações de pequena importância e em número igual, ou talvez inferior, aos casos de igual porte tratados em regime de internação. No entanto, para que seja possível a realização rotineira de operações desse nível ou superior é necessário dar aos pacientes todas as possibilidades e facilidades de comunicação com a equipe médica, ou do seu pronto retorno ao hospital, incluindo condução apropriada e a qualquer hora do dia.

A criação de equipes multidisciplinares (como as utilizadas por GONZALES e col., 1975), envolvendo, não só enfermeiros, como também assistentes sociais, além de estudantes dessas áreas e de Medicina, compondo equipes visitadoras especificamente treinadas, permitirão a expansão com segurança dessa atividade, ampliando o conforto e a confiança desses pacientes.

Bibliografia consultada

  • 1
    CARIDIS, D. T. & MATHERSON , Out-patient surgery: a reassessment. Lancet, 2 (7374): 1387-8, 1964.
  • 2
    FLANAGAN, L. Sr. & BASCON, J. U. Repair of the groin hernia: out patient appwach with local anesthesia. Surg. Clin N. Am 64 (2): 257-67, 1984.
  • 3
    GONZALES, A. et alii. Cirugia ambulatoria: alternativa de aumento de cobertura: análisis de 723 pacientes com cuidado post-operatorio em casa. Acta Med Valle, 7(4): 134-7, 1976.
  • 4
    HILL, G. I. Out-patient surgery. Philadelphia, Saunders, 1973.
  • 5
    LÁZARO DA SILVA, A. Cirurgia em nível ambulatorial. R. Assoc. Méd. bras, 30 (7/8) : 170-1, 1984.
  • 6
    PARKER, A. F. One-day hernia operation. Delaware Med 1 (2): 261-3, 1973.
  • 7
    PIMENTA, L. G. & LÁZARO DA SILVA, A. Hérnia epigástrica (lipoma interxifoumbilical) : classificação, freqüência, repercussão sobre o tempo de afastamento do trabalho e custo operacional: valorização do sistema cirúrgico ambulatorial. R. Assoc. Méd. bras ., 29 (9/10) : 162-5, 1983.
  • 8
    ROCHA, P. R. S. & FONSECA, F. P. Instalações e equipamentos. In: _____. Cirurgia ambulatorial Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1979. p. 12-3.
  • 9
    SILVA, C. A. J. Anestesia para pacientes pediátricos de ambulatório. In: SEMINÁRIO DE ESTUDOS SOBRE O COMPONENTE CIRÚRGICO EM PROJETOS DOCENTES-ASSISTENCIAIS DE CUIDADOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁ­ RIOS DE SAÚDE. Belo Horizonte, 1981.
  • 10
    SPERANZINI, M. B. Residência em cirurgia: uma visão crítica. R. Col. Bras. Cir:, 8 (1): 1-3, 1981.
  • 11
    STATEMENT on cost containment. Bull. Am. Coll. Surg, 64 (3):6-8, 1979.
  • 12
    VELEZ, A. G: & VELEZ, G. P. La hernia inguinal y su tratamiento: unidade de autoinstrucción. Acta Med Valle , 7 (3): 110-7, 1976.
  • 13
    VELEZ, A. G. et alii. A simplified system for surgical operations: the economics of treating hernia. Surg, 77 (3):391-4, 1975.
  • 14
    WALLIS, C. Glow to beat hospital costs. Time, Sept., 9, 1983. p. 5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1985
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