Open-access Visão de preceptores sobre o processo de ensino-aprendizagem no internato

Ttutors' views on teaching and learning during internship placements

Resumos

INTRODUÇÃO: Os cursos de Medicina do Brasil oferecem, nos dois últimos anos, o estágio obrigatório nas cinco áreas médicas essenciais, chamado internato. Atualmente, serviços de saúde das redes municipais e estaduais passaram a compor os estágios do internato. OBJETIVO: O presente estudo dedicou-se a conhecer a realidade do internato do curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco através da perspectiva do preceptor. METODOLOGIA: Trata-se de um levantamento descritivo, de natureza qualitativa, em um corte transversal, aplicado às cinco áreas básicas do internato. Foram realizadas entrevistas com os preceptores coordenadores dos serviços de saúde envolvidos no internato. RESULTADOS: As categorias temáticas mais relevantes para o estudo foram: expectativa do preceptor sobre a formação médica durante o rodízio; modelos de ensino da preceptoria; gestão do ensino e integração ensino-serviço. CONCLUSÕES: O estudo representa um aprofundamento sobre as atividades de ensino nos cenários de prática do internato. As categorias analisadas representam pontos cruciais para o aperfeiçoamento da integração ensino-serviço. Outros estudos deverão abordar as perspectivas do estudante, do professor e do gestor, importantes para complementar as informações obtidas no presente estudo.

Educação Médica; Graduação Médica; Internato e Residência; Integração Ensino-Serviço; Preceptoria


INTRODUCTION: Over the last two years, medical courses in Brazil have begun implementing a compulsory internship in five basic areas of medicine, referred to as a clinical clerkship. Municipal and state health services are currently venues for these internships. This study aims to investigate the reality of such a clinical clerkship at the Medical School of the Federal University of Pernambuco from the point of view of its mentors. METHODOLOGY: This is a descriptive, qualitative, cross-sectional study in which we interviewed mentors from health services involved in the clinical clerkship. RESULTS: The themes most relevant to the study were: the mentor's expectations of the medical training during the rotation; the mentorship teaching models; education management; and teaching-service integration. CONCLUSIONS: Specific teaching-service integration initiatives may qualify placements in the health network, and these initiatives should address the topics related to the categories defined in this study. Other studies might address the perspectives of the student, teacher and manager, in an important step towards complementing the information obtained in this study.

Medical Education; Undergraduate Medical Study; Internship and Residency; Teaching and Service Integration; Mentored Studies


PESQUISA

Visão de preceptores sobre o processo de ensino-aprendizagem no internato

Ttutors' views on teaching and learning during internship placements

Vitor Hugo Lima BarretoI; Mario Alfredo De MarcoII

IUniversidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil

IIUniversidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Vitor Hugo Lima Barreto Universidade Federal de Pernambuco — Departamento de Medicina Social — Centro de Ciências da Saúde Av. da Engenharia, s/n — bloco "D" — 1º andar Cidade Universitária — Recife CEP 50740-600 — PE — Brasil E-mail: barretovitor@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os cursos de Medicina do Brasil oferecem, nos dois últimos anos, o estágio obrigatório nas cinco áreas médicas essenciais, chamado internato. Atualmente, serviços de saúde das redes municipais e estaduais passaram a compor os estágios do internato.

OBJETIVO: O presente estudo dedicou-se a conhecer a realidade do internato do curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco através da perspectiva do preceptor.

METODOLOGIA: Trata-se de um levantamento descritivo, de natureza qualitativa, em um corte transversal, aplicado às cinco áreas básicas do internato. Foram realizadas entrevistas com os preceptores coordenadores dos serviços de saúde envolvidos no internato.

RESULTADOS: As categorias temáticas mais relevantes para o estudo foram: expectativa do preceptor sobre a formação médica durante o rodízio; modelos de ensino da preceptoria; gestão do ensino e integração ensino-serviço.

CONCLUSÕES: O estudo representa um aprofundamento sobre as atividades de ensino nos cenários de prática do internato. As categorias analisadas representam pontos cruciais para o aperfeiçoamento da integração ensino-serviço. Outros estudos deverão abordar as perspectivas do estudante, do professor e do gestor, importantes para complementar as informações obtidas no presente estudo.

Palavras-chaves: Educação Médica; Graduação Médica; Internato e Residência; Integração Ensino-Serviço; Preceptoria;

ABSTRACT

INTRODUCTION: Over the last two years, medical courses in Brazil have begun implementing a compulsory internship in five basic areas of medicine, referred to as a clinical clerkship. Municipal and state health services are currently venues for these internships. This study aims to investigate the reality of such a clinical clerkship at the Medical School of the Federal University of Pernambuco from the point of view of its mentors.

METHODOLOGY: This is a descriptive, qualitative, cross-sectional study in which we interviewed mentors from health services involved in the clinical clerkship. RESULTS: The themes most relevant to the study were: the mentor's expectations of the medical training during the rotation; the mentorship teaching models; education management; and teaching-service integration.

CONCLUSIONS: Specific teaching-service integration initiatives may qualify placements in the health network, and these initiatives should address the topics related to the categories defined in this study. Other studies might address the perspectives of the student, teacher and manager, in an important step towards complementing the information obtained in this study.

Keywords: Medical Education; Undergraduate Medical Study; Internship and Residency; Teaching and Service Integration; Mentored Studies;

INTRODUÇÃO

Este trabalho teve por base uma pesquisa de campo dedicada a ouvir diretamente os protagonistas do dia a dia do internato de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Focalizou particularmente o papel que o supervisor de estágio ou preceptor tem no processo de ensino-aprendizagem da prática médica.

Preceptores das redes estaduais e municipais têm adquirido responsabilidade crescente na formação médica no Brasil e no mundo. São profissionais da assistência ou da gestão que aceitam receber em sua rotina diária estudantes matriculados nos últimos dois anos do curso de Medicina. A busca empreendida no presente estudo visa ampliar a compreensão e dar maior visibilidade aos eventos que constituem as práticas dos estudantes de Medicina, conduzidos pelos supervisores.

A trajetória percorrida tem pontos em comum com o estudo desenvolvido por Paul Worley et al.1, que, por meio das anotações em diários de campo feitas por estudantes, identificaram atividades pedagógicas rotineiras do ensino da prática médica na Austrália1. Também com o trabalho de Andrew Grant et al.2 na Atenção Primária da Inglaterra, onde utilizaram grupos focais e incidentes críticos para estudar as atividades de preceptoria nos estágios locais2. Esses autores e suas pesquisas foram encontrados durante a trajetória percorrida na elaboração e execução desta pesquisa e foram importantes para a compreensão do material analisado, embora não haja nem continuidade nem integração significativas entre a presente pesquisa e aquela linha de trabalho já publicada.

A literatura específica na área da educação médica apresenta como principais destaques nos últimos anos os trabalhos desenvolvidos pela Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) através de fóruns específicos para o internato de Medicina, além da apresentação de relatórios com a síntese elaborada durante os espaços coletivos de discussão3.

O principal enfoque desta pesquisa visa precisamente fazer com que as instituições acadêmicas valorizem mais a atuação dos profissionais de saúde. A pesquisa reconhece dificuldades e facilidades, apontando pontos cruciais para intervenção e apoio docente das escolas de ensino superior, em consonância com as reformas curriculares propostas nos últimos dez anos.

Em 2003, a UFPE consumou a reforma curricular do curso de Medicina com a produção de um Projeto Político Pedagógico (PPP), a exemplo do movimento nacional, de maneira participativa4. Tal projeto apresentava, como principais avanços, a introdução de eixos verticais e horizontais como estratégia para integração dos conhecimentos, além do aumento da duração do internato, estágio final obrigatório, de um para dois anos, diversificando os cenários de prática por meio das redes municipal e estadual de saúde. Apesar da diversificação dos cenários, o ensino continua concentrado em instituições de nível terciário. A maior parte dos rodízios acontece em centros hospitalares, enquanto uma parte menor acontece em serviços de saúde secundários e primários. A incoerência entre necessidades de saúde da população e vivência dos estudantes persiste.

Entre as limitações avaliadas pela Comissão de Avaliação das Escolas Médicas, protagonizada pela Abem, o movimento local de reforma não conseguiu concretizar a profissionalização de seu corpo docente e consequentemente não introduziu metodologias ativas de ensino-aprendizagem na graduação, apesar de algumas iniciativas particulares. A gestão do curso, representada pela coordenação, não conseguiu vencer as barreiras impostas pelos 13 departamentos envolvidos na formação médica, permanecendo fragilizada para realizar mudanças mais concretas5.

Com a expansão dos campos de prática do internato, a Integração Ensino-Serviço ou Docente-Assistencial (IDA) tornou-se mais um grande desafio para a gestão do curso, aumentando em muito o número de atores envolvidos no ensino da graduação, em especial os preceptores. Estes, apesar de não constarem na lista oficial, ampliaram o corpo docente da UFPE, adquirindo um papel fundamental na formação dos estudantes de Medicina.

Afora o empenho de buscar contribuir para uma síntese sobre a temática, quase dez anos após a implantação, em 2003, do novo currículo do ensino médico na UFPE, a presente pesquisa valorizou especialmente o fato de abrir espaço à reflexão e dar voz aos personagens silenciosos desse sistema, pessoas de fato dedicadas à formação dos estudantes. Tenta-se dar clareza às relações que ocorrem no processo de ensino-aprendizagem no ambiente de trabalho profissional, dentro de instituições públicas de saúde e de prática para estudantes em formação que aí convivem.

A importância do presente trabalho está diretamente ligada à necessidade marcante de maior número de estudos sobre o tema. Está em jogo o aperfeiçoamento da proposta de formação dos graduandos em Medicina em todo o País. É preciso ir em busca da melhoria da qualificação teórica e prática desses estudantes, da valorização e de oportunidades novas de aperfeiçoamento para os preceptores. A implementação dessas mudanças vai repercutir na interação com os usuários dos serviços de saúde e na melhoria das relações nos ambientes de serviço de saúde, entre muitos outros benefícios sociais, profissionais e educacionais.

OBJETIVO GERAL

Conhecer as principais características do processo de ensino-aprendizagem em serviços de saúde da rede local, bem como sua coerência com os objetivos de aprendizagem propostos pela instituição universitária de ensino e com as diretrizes curriculares para o internato do curso de Medicina, tendo por base o relato de preceptores coordenadores envolvidos.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

— Conhecer a proposta e a oferta de ensino-aprendizagem dos cenários de prática dos serviços de saúde mediante relato dos preceptores;

— Analisar a oferta pedagógica dos preceptores e suas respectivas unidades de saúde para os estudantes durante os rodízios, tendo por base o relato dos preceptores;

— Comparar os objetivos de aprendizagem propostos pela academia e pelas diretrizes curriculares com aquelas da oferta dos cenários de prática identificadas e analisadas neste trabalho.

MÉTODOS

Desenho de Estudo

Trata-se de um levantamento descritivo, de natureza qualitativa, em um corte transversal e análise documental6. Foram realizadas entrevistas, utilizando roteiros semiestruturados, com os preceptores coordenadores dos serviços de saúde envolvidos no internato, através de uma amostra criteriosa e diversificada. Foram selecionados serviços em que o maior número de estudantes realiza rodízios do estágio obrigatório. O instrumento de coleta de dados abordou as atividades desenvolvidas por preceptores durante o período do rodízio, como atores principais dos estágios, excluindo neste momento professores e gestores. As respostas foram analisadas e comparadas aos objetivos propostos pela academia nos projetos pedagógicos de cada rodízio7.

A comparação com os documentos que referenciam o processo de ensino-aprendizagem do internato da UFPE (DCN, Projeto Político Pedagógico e projetos de cada um dos rodízios) foi realizada por meio da releitura destes, com atenção especial para as temáticas apresentadas pelas categorias de análise definidas pelo estudo. Os projetos de cada rodízio foram obtidos a partir da aprovação do estudo no Comitê de Ética por intermédio dos docentes que coordenam os rodízios e a anuência da coordenação do curso.

População e Amostra

A população de preceptores dos serviços de saúde estadual e municipal é bastante ampla e distribuída por todo o ­Grande ­Recife (Região Metropolitana). Entre as dificuldades para acessar esta população está a ausência de um cadastro ou registro de preceptores organizado pela academia ou por gestores dos serviços. Foram consideradas no estudo as cinco áreas básicas do internato (Saúde Coletiva, Clínica Médica, Cirurgia, Gineco-Obstetrícia e Pediatria) e os serviços nos quais o maior número de estudantes realiza suas práticas. Devido às dificuldades de acesso, optou-se por uma amostragem criteriosa e diversificada.

Os preceptores convidados para a pesquisa estavam diretamente envolvidos na coordenação do internato dentro dos serviços de saúde. Foram convidados três preceptores de cada área, totalizando 15 convites. Os serviços considerados foram: Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, Hospital da Restauração, Hospital Getúlio Vargas, Hospital Otávio de Freitas, Hospital Barão de Lucena, Hospital Agamenon Magalhães, Instituto de Medicina Integral de Pernambuco, Hospital da Aeronáutica, Unidades de Saúde da Família do Recife (em número de três unidades) e os ambientes da gestão de Recife, Olinda, Camaragibe e do próprio Hospital das Clínicas.

Os preceptores coordenadores dos serviços listados foram convidados mediante contato telefônico para entrevista, orientada por um roteiro semiestruturado. Nessa ocasião lhes foi apresentado o Termo de Consentimento e sua disponibilização para envio por e-mail, e agendado o encontro presencial para realização da entrevista. A lista de preceptores coordenadores e seus contatos foram obtidos, em sua maior parte, por meio dos docentes coordenadores das cinco áreas do internato, e, quando esses não dispunham dos contatos, através dos próprios estudantes do internato.

O estudo abarcou uma amostra de 21 preceptores coordenadores de serviços. Destes, quatro eram preceptores de serviços de Pediatria hospitalar; três de Clínica Médica hospitalar; três de Gineco-Obstetrícia hospitalar; três da gestão de dois municípios e de um hospital; três preceptores da Atenção Primária de unidades de saúde da família do Recife; e cinco de cirurgia da rede hospitalar estadual. Os serviços nos quais atuavam incluíam: Hospital da Restauração (HR); Hospital das Clínicas (HC); Hospital Barão de Lucena (HBL); Hospital Getúlio Vargas (HGV); Instituto de Medicina Integral de Pernambuco (Imip); gestão municipal de saúde de Olinda e Recife; e unidades de saúde da família do Recife, especificamente nos Distritos Sanitários IV e V.

Em duas entrevistas realizadas, os preceptores convidados não compreenderam o caráter individual do instrumento de pesquisa e ampliaram o convite para outros preceptores presentes no serviço naquele momento. Estas duas entrevistas aconteceram, dessa forma, como um grupo focal espontâneo, compondo o material coletado para análise. Uma delas foi realizada no serviço de Pediatria de um hospital, com a presença de dois preceptores, e a segunda, no serviço de cirurgia de um hospital estadual, com participação de cinco preceptores. Um preceptor convidado da área de cirurgia cancelou a entrevista, que não pôde ser remarcada, por suas dificuldades de agenda. Ao final da coleta de dados, a amostra foi de 14 preceptores e dois grupos focais espontâneos, totalizando 21 preceptores. O processo de amostragem considerou o fenômeno de saturação na avaliação da necessidade de novas entrevistas.

Instrumentos para a Coleta de Dados

Foi utilizado um roteiro semiestruturado para os preceptores coordenadores de serviços e um gravador digital de áudio, que armazenou as entrevistas em sua memória interna, através de arquivos no formato mp3. Estes arquivos foram então transferidos para o computador portátil do pesquisador, cujo acesso está restrito por uma senha intransferível.

Análise de Dados

As entrevistas foram literalmente transcritas. Foi utilizado o método da análise de conteúdo da pesquisa qualitativa para as entrevistas semiestruturadas de acordo com a metodologia categorial temática, que permite identificar, posteriormente à coleta, as categorias de análise em função das generalidades e peculiaridades encontradas nas respostas dos participantes. A análise de conteúdo aconteceu em três etapas: pré-análise, descrição analítica e interpretação inferencial. O fenômeno de saturação foi levado em conta para determinação da suficiência da amostra.

A pré-análise foi realizada por meio da leitura flutuante de todo o material transcrito. O intuito da leitura flutuante é apreender e organizar, de forma não estruturada, aspectos importantes para as fases seguintes da análise. A proposta é permitir o surgimento de impressões e eixos de análise para o material coletado, produzindo uma perspectiva desapegada de ideias preconcebidas, transcendendo a mensagem explícita, para conseguir perceber mensagens implícitas, contradições, silêncios e indícios não óbvios.

A leitura flutuante preparou as fases seguintes por meio da seleção de unidades de análise e do processo de categorização e subcategorização. As transcrições foram realizadas em um programa de edição de texto comum, que permitiu a inclusão de comentários em trechos das entrevistas relevantes para esta etapa da análise.

A descrição analítica envolveu o processo de levantamento de unidades para recorte das entrevistas. Os comentários e trechos destacados na primeira leitura foram reunidos em um documento único, para construção de sete categorias de análise: (1) proposta para formação dos estudantes e sua correlação com as diretrizes e documentos do internato; (2) modelos de ensino-aprendizagem, metodologias e relação com a formação em educação; (3) modelos de gestão das ações de ensino-aprendizagem no serviço; (4) existência ou ausência de comunicação na integração ensino/serviço e ações da universidade/docentes nos serviços; (5) percepção de benefícios e malefícios da relação com estudantes; (6) sentimentos em relação a ser preceptor e educador; (7) adequação ou inadequação da infraestrutura e dinâmica organizacional do serviço para integrar os estudantes e fatores que prejudicam os rodízios.

O projeto de pesquisa foi aprovado no Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco, contando com a carta de anuência da Coordenação do curso de Medicina, em 26 de agosto de 2011. Consecutivamente, foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo em 23 de setembro de 2011. Número do projeto no Sisnep: CAAE — 0180.0.172.000-11.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os 21 preceptores entrevistados representaram 15 serviços de saúde diferentes, citados anteriormente. Destes preceptores, 9 eram do sexo masculino e 12 do sexo feminino. Apenas 2 tinham menos de 30 anos de vida, 2 mais de 60 anos, e 17, entre 30 e 60 anos de idade. As entrevistas duraram em média 40 minutos, e os áudios foram armazenados em um banco de dados, protegido por senha, do próprio do autor.

As três categorias, apresentadas a seguir, mostraram maior afinidade com os objetivos delimitados pela pesquisa. Através destas, foi possível reconhecer o ensino médico nos serviços de saúde e correlacionar com as expectativas institucionais, descritas nos documentos oficiais: (1) modelos de ensino-aprendizagem e sua repercussão nas metodologias e relação com a formação em educação; (2) modelos de gestão das ações de ensino-aprendizagem no serviço; (3) existência ou ausência de comunicação e integração ensino-serviço, repercussões da universidade/docentes nos serviços.

Modelos de Ensino-aprendizagem, Seleção de Metodologias e a Relação com a Formação em Educação

As metodologias relatadas pelos preceptores foram classificadas em dois grupos: modelo de ensino tradicional ou centrado no formador; modelo de ensino emergente, centrado no estudante ou no problema. Ambos os modelos abarcam metodologias mistas, cuja aplicação poderia se enquadrar em um modelo ou outro, a depender de como é utilizada.

O maior número de ocorrências foi das metodologias mais tradicionais ou centradas no formador. Entre estas, estavam os seminários apresentados por residentes ou por preceptores em que o estudante não teve participação na escolha do tema. Em geral, estes seminários não se enquadram na perspectiva multidimensional de um problema, como propõe a conceituação pedagógica do termo e da técnica original "seminário". Os estudantes, cujos interesses não eram considerados, raramente participavam, ficando calados ou inibidos.

PRECEPTOR 12: Eles também podem participar dos seminários que têm pra residência médica, mas normalmente eles não se sentem, assim, com abertura suficiente de ir pras reuniões.

Outra atividade bastante comum são as reuniões clínicas. Estas facilmente se transformam em palco da vaidade dos especialistas, seguindo uma metodologia expositiva, onde mais uma vez o estudante, também chamado "doutorando", apenas assiste às disputas entre residentes e preceptores (referidos por "estafe"), em especial os últimos, para definir quem está com a razão ou quem sabe mais.

A realização de procedimentos técnicos muitas vezes é atividade exclusiva dos residentes. O estudante, assim, atua como observador, e sua participação na execução do procedimento fica a critério do residente. Um preceptor percebe que as atividades estão muito centradas nos residentes, mas refere não conseguir dar conta da demanda da educação dos dois públicos.

PRECEPTOR 13: Olha só, uma coisa que eu acho que eu sinto falta [...], mas a gente também não consegue dar conta disso, é ter atividade específica pro doutorando. O doutorando acaba participando das atividades normais da enfermaria com todo mundo. Mas nas atividades teóricas propriamente ditas, ele fica muito ouvindo, só.

Também surgiram falas que apresentavam um modelo de aprendizagem centrado no estudante ou no problema. Em termos de frequência, foram menos comuns que as primeiras. Neste modelo, apresentaram-se seminários em que os estudantes são proativos na escolha do tema e das apresentações.

PRECEPTOR 1: Digamos que tem um paciente diabético que está descompensado e o aluno nunca viu como é ajuste de dose de insulina, quando é que começa. Aí você diz: vamos fazer um seminário sobre isso aqui. Todo dia marca alguma coisa e fica perguntando.

Em alguns momentos, o preceptor deixa entender que os estudantes exigem um enfoque em suas necessidades de aprendizagem.

PRECEPTOR 7: Não. Na maioria das vezes, eles trazem. A gente decide [o tema] junto, de acordo com o que eles viram ou com o que eles estão sentindo mais...

Surgiram também algumas atividades mais inovadoras, como rodas de conversa, desenvolvimento de protocolos assistenciais e tutorias com a utilização da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP).

A formação docente dos preceptores parece ter repercussão no discurso conceitual e na utilização de práticas inovadoras. Preceptores com formações docentes diversas usaram conceitos como avaliação formativa, avaliação por competência, problematização, autonomia, Aprendizagem Baseada em Problemas. Entre as formações apresentadas pelos preceptores estavam: graduação em licenciatura, capacitação pedagógica, formação docente na residência médica e pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) com foco na educação ou não. Os preceptores avaliam, porém, de formas diferentes o papel destas formações em seu desenvolvimento pedagógico.

Ao se refletir sobre a efetividade dos modelos encontrados nas entrevistas, pensou-se em buscar na literatura as pesquisas relativas ao tema. Qual modelo teria os melhores resultados: o centrado no estudante ou no preceptor? Uma revisão de literatura feita por Kilminster e Jolly8, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, analisou pesquisas com enfoque nas práticas mais efetivas dos preceptores. Apesar das dificuldades evidentes em encontrar estudos sobre o tema, essa pesquisa concluiu que a relação entre preceptor e estudante é o fator isolado mais importante para uma supervisão efetiva, sendo mais importante que o próprio método de supervisão empregado. Um dos fatores impeditivos para o ensino centrado no estudante, de maneira mais singular, é o tempo. Identificar as necessidades de cada estudante, planejar ações específicas e avaliar seus resultados demandam bastante tempo e energia do preceptor.

Na Harvard Medical School, Alexander et al.9 propuseram e avaliaram uma tecnologia do Ensino a Distância (EAD) para apoiar o processo do ensino singularizado9. Os estudantes são submetidos, semanalmente, durante o rodízio de Clínica Médica, a um pré e pós-teste. O pré-teste identifica as deficiências dos estudantes, e o pós-teste avalia, em parte, as ações desenvolvidas para prover as necessidades específicas. Os autores obtiveram boa aceitação dos estudantes, e os pós-testes tiveram maior índice de acertos, comparados aos pré-testes e a outros estudantes que não receberam uma intervenção específica de ensino. Os documentos que representam as propostas para cada um dos rodízios do internato da UFPE praticamente não descrevem uma metodologia pedagógica a ser seguida pelos preceptores nos diversos rodízios. Alguns citam a problematização como um recurso metodológico, porém não orientam os preceptores sobre como desenvolver este tipo de atividade. Os documentos pouco descrevem as atitudes a serem desenvolvidas pelos estudantes durante o estágio. Não contemplam, assim, a perspectiva de competências enfatizadas nas DCN e no próprio PPP do curso de Medicina da UFPE.

Modelos de Gestão das Ações de Ensino-aprendizagem no Serviço

As principais atividades desenvolvidas pelos preceptores coordenadores para a gestão do ensino-aprendizagem estão correlacionadas ao desenvolvimento das agendas dos preceptores e dos estudantes. Para os preceptores, a principal preocupação é garantir a supervisão dos estudantes independentemente do horário.

PRECEPTOR 6: Geralmente, tem toda uma hierarquização, pelo seguinte: quando você está aqui, sempre tem mais de um residente rodando. Quem fica na atividade mais de triagem, de evolução é o R1. O R2, ele fica mais fazendo procedimentos, entendeu? Então, na maior parte dos rodízios de Obstetrícia, quem fica em contato direto com estudante é o residente.

Em função das agendas corridas dos preceptores, são os residentes que realmente desenvolvem a preceptoria do doutorando.

Apenas um preceptor enfatizou a importância de organizar uma recepção aos estudantes com a apresentação de regimento interno elaborado pelo serviço e a definição de um contrato de convivência.

PRECEPTOR 4: Por exemplo, de rotina, desde o meio do ano, a gente se reúne com o grupo do internato, senta, passa as normas do hospital, entrega o regimento de estagiários, conversa com eles.

A instituição de ensino, através de uma das coordenações de área (saúde coletiva), realizou oficinas locais para o planejamento das atividades educativas e adequação do serviço ao processo de ensino-aprendizagem, porém esta não é a rotina dos preceptores. Vale salientar que poucos preceptores entrevistados apresentaram em seus discursos esta preocupação.

PRECEPTOR 8: A última oficina que a gente teve foi muito importante porque a gente se viu como um todo. Quando ficaram concluídas as apresentações, a gente pôde perceber o que cada um fazia e como contribuía para o ensino.

O ensino, através de seu planejamento e suas atividades, sejam de gestão ou assistenciais, pode produzir o encontro da equipe em seu reconhecimento mútuo e trabalho de grupo.

Prideaux et al.10, da Flinders University (Austrália), enfatizaram as características fundamentais da preceptoria clínica, incluindo o aspecto gestor de ensino10. Segundo os autores, o preceptor deve organizar o ensino de forma que o estudante aprenda a trabalhar em equipe, a gerir informações técnicas, a organizar adequadamente o tempo e a supervisionar colegas. Os preceptores devem ainda dominar o currículo proposto pela instituição de ensino, além de esclarecer os estudantes sobre os objetivos de aprendizagem do rodízio, garantir uma variedade de pacientes para o ensino, melhorar o desempenho dos estudantes e modificar condutas práticas mediante retorno constante aos estudantes.

A gestão do processo de ensino-aprendizagem pode ser evidenciada por intermédio das mudanças que ocorrem no processo de trabalho do serviço, quando os estudantes começam a se integrar no serviço. Cada adaptação que a equipe de saúde realiza para adequar o trabalho à atividade de ensino fortalece a integração ensino-serviço. Edelia Huerta11, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, registrou as mudanças ocorridas na Unidade Pediátrica desde a entrada dos estudantes em conjunto com a academia: qualificação da assistência, desenvolvimento de pesquisa científica e estímulo constante à educação permanente.

Existência ou Ausência de Comunicação e Integração Ensino-serviço, Participação da Universidade e Docentes nos Serviços

O aspecto comunicação na integração ensino-serviço é essencial. Os preceptores reconhecem o bom funcionamento do rodízio de Pediatria em que os coordenadores conseguem manter uma comunicação constante com os serviços. Outros rodízios têm dificuldade em comunicar a chegada dos estudantes com antecedência e não proporcionam ao rodízio um feedback sobre as impressões dos estudantes ao final dos estágios. Em alguns momentos, os estágios foram suspensos devido a alguma dificuldade dos estudantes, sem, porém, um aviso prévio aos preceptores responsáveis.

PRECEPTOR 6: Eu vou dizer uma coisa para você que é chocante. Para mim, dez anos na base onde eu estou, é como se não existisse, para o internato, a faculdade de Medicina. Se eu quisesse ensinar corte e costura aqui, eu teria passado quinhentos anos ensinando isso e ninguém nunca teria nem tomado conhecimento.

Os preceptores demandam a oferta de programas de educação permanente pela universidade, seja presencial ou a distância, principalmente na área de educação na saúde. Consideram ainda a possibilidade de as inovações tecnológicas desenvolvidas pelas universidades chegarem até seus serviços. Ao mesmo tempo, não demonstram uma capacidade ou uma disponibilidade para buscar estes conhecimentos de forma mais autônoma, reflexo provável de uma educação tradicional ou até mesmo de falta de tempo ou priorização.

Vários eventos organizados pela coordenação do curso e por alguns rodízios específicos, como o de saúde coletiva, destacaram o papel dos preceptores e os apoiaram no planejamento das ações pedagógicas nos serviços. Estas ações, porém, têm um caráter transversal e não longitudinal, algo que precisa ser revisto na instituição acadêmica.

PRECEPTOR 9: A gente tem experiências, teve um momento ano passado que a coordenação da saúde coletiva chamou, e essa proposta de avaliação que a gente faz foi produzida em conjunto, eles ouviram a gente e tentaram mudar alguma coisa.

Outras demandas também compõem o discurso dos preceptores. Entre elas, a possibilidade de incentivos financeiros diretos ou através de financiamento de participação em eventos; melhora da infraestrutura dos serviços; inclusão do critério de participação na preceptoria para ascensão profissional nos planos de cargo e carreira; e diminuição das demandas assistenciais para os profissionais envolvidos na supervisão de estudantes.

Margo et al.12, revisando a bibliografia acerca do papel de coordenador de estágios obrigatórios nos Estados Unidos, encontraram que o apoio das escolas médicas aos coordenadores é baixo. Perceberam, ainda, que os preceptores coordenadores não dispunham do tempo necessário para o bom desempenho da função. Durante a presente pesquisa, a dificuldade em agendar as entrevistas com os preceptores ressalta o envolvimento destes com diversas outras atividades assistenciais ou docentes, sejam no serviço público ou privado.

Dentro de cada instituição/serviço que compõe o campo de práticas do internato, é difícil acreditar que alguém regulamente ou estabeleça uma carga horária específica para o preceptor e/ou coordenador. As atividades educativas estão inseridas na carga horária da função assistencial do preceptor, que em algumas situações não as cumpre à risca. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) reserva, para os profissionais em atuação neste nível assistencial, uma carga horária de oito horas semanais, para dedicação às atividades de preceptoria e envolvimento com as instituições de ensino13.

John Spencer, do Reino Unido, em um editorial da revista Medical Education de 2003, reconhece as mesmas dificuldades enfrentadas pelas escolas médicas nesse país14. Spencer apresenta referências bibliográficas que rediscutem a relação entre o sistema de saúde inglês e as escolas. Coloca em pauta que 70% do ensino prático da graduação médica acontecem fora do ambiente universitário. Além do mais, assim como no Brasil, as universidades são constantemente incentivadas a priorizar a pós-graduação e a pesquisa, através dos financiamentos governamentais ou não governamentais. Spencer questiona se o ensino médico não deveria estar sob a tutela do próprio sistema de saúde inglês, o Serviço Nacional de Saúde (NHS). Assim, o próprio NHS seria responsável pela gestão e valorização do trabalho dos preceptores enquanto educadores.

Na Beylor College of Medicine (EUA), Huang et al.15 analisaram a capacidade dos preceptores para a aplicação do método de discussão de caso OMP sem o devido treinamento. Concluíram sobre a necessidade imprescindível de programas de desenvolvimento de preceptoria. Stern et al.16 comparam a classificação dos preceptores em competências pedagógicas com uma avaliação do desenvolvimento dos estudantes. Concluíram que o desenvolvimento pedagógico dos preceptores tem repercussão direta no aprendizado dos estudantes, entre outros fatores.

Em um estudo realizado com preceptores da Atenção Básica da cidade do Rio de Janeiro, Trajman et al.17 aplicaram um questionário a 361 profissionais. Entre os resultados apontados estavam a demanda por maior integração entre a instituição de ensino e os serviço, e maior valorização da preceptoria por parte do Estado, no caso, a gestão da saúde.

Atualmente, na UFPE, apenas o rodízio de Pediatria realiza uma avaliação feita pelos próprios estudantes sobre preceptores e serviços, porém não de forma sistemática. A coordenação do rodízio é responsável por repassar as informações aos preceptores. Nenhum dos estágios dispõe de um instrumento de avaliação dos serviços que proporcione um retorno ao desempenho pedagógico dos preceptores. Na Faculdade de Medicina de Nantes, na França, Ploteau et al.18 implementaram um instrumento de avaliação de um rodízio de Ginecologia e Obstetrícia através de um questionário. Os estudantes participaram ativamente da experiência, contribuindo com a avaliação do serviço. Ploteau et al.18 ressaltaram a importância de utilizar a avaliação para concretizar mudanças no desempenho dos preceptores e do serviço.

Entre os benefícios solicitados pelos preceptores está o aspecto financeiro. Atualmente, alguns poucos planos de cargos e carreiras preveem uma bonificação financeira para o profissional que assume o papel de preceptor. Peters et al.19, da Escola Médica de Harvard, estudaram a repercussão de um pagamento específico para a função de preceptoria. Avaliaram a permanência dos preceptores relacionada ao pagamento de valores diferenciados em diversos anos. Concluíram que o pagamento está diretamente relacionado à permanência do profissional na função de preceptor, apesar de não ser o principal motivador para participar da atividade, segundo as entrevistas realizadas. O primeiro motivador é a satisfação com a atividade, e em segundo lugar o relacionamento com estudantes dedicados19.

Na UFPE, os professores que desempenham atividades de integração ensino-serviço extramuros estão envolvidos sobretudo com o planejamento de ensino, essencialmente nos rodízios de saúde coletiva e Pediatria. A bibliografia sobre o tema aponta a participação docente nos serviços externos das seguintes formas: assistência, planejamento e organização de atividades dos estudantes, supervisão dos estudantes, discussão de casos com preceptores e feedback à própria atuação pedagógica dos preceptores20.

Alguns modelos de feedback ao preceptor vêm sendo desenvolvidos. Tais modelos teriam a atuação do docente junto ao preceptor para um ensino centrado neste. O Raft foi desenvolvido e avaliado na Universidade de Kansas, nos Estados Unidos. A sigla significa: rapport-building (vinculação), assessment (avaliação), focused preceptor development (desenvolvimento focado no preceptor), thanks/trinkets (agradecimento)21. Moser et al.21 avaliaram as visitas docentes utilizando o Raft. Entrevistaram preceptores em áreas urbanas e rurais. De maneira geral, os preceptores consideraram muito válidas as contribuições dos docentes para suas atuações pedagógicas. Os maiores desafios para o método são: conseguir o tempo disponível por parte dos docentes e agendar um bom momento em unidades distantes21.

Diversas são as experiências de contribuição das universidades para os serviços. Entre estas estão: cursos de desenvolvimento técnico e pedagógico, contribuição com materiais hospitalares, compra de livros, realização de eventos em conjunto com o serviço, publicação de manuais, como detalhado na introdução. A quantidade de manuais encontrados durante a etapa de revisão bibliográfica foi enorme. Para a análise deste material, caberia um estudo específico, até mesmo para apoiar a produção de uma publicação específica para o curso de Medicina da UFPE.

As ações de integração também têm incluído os recursos da informática, como lista de e-mails, grupos de discussão de ensino-aprendizagem da clínica, DVDs e CD-ROMs sobre competências do ensino da clínica, além do apoio para lidar com estes formatos de tecnologia. Bramson et al.22, da Texas University, avaliaram a utilização destes recursos em um programa obrigatório de desenvolvimento de preceptoria22. Em comparação com os métodos tradicionais de educação permanente, a utilização de recursos da educação a distância obteve maior adesão dos preceptores. Os autores demonstram a importância de desenvolver programas de educação permanente e também de avaliá-los. Eckstrom et al.23 avaliaram a repercussão de uma formação em OMP na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos. O estudo demonstrou a repercussão da formação através da perspectiva dos preceptores e estudantes. Ambos os grupos concordaram em que houve melhoria do desempenho no ensino clínico. Eckstrom et al. enfatizam a importância da avaliação do desempenho dos estudantes como parte da avaliação dos programas de educação continuada dos preceptores23.

CONCLUSÕES

Os relatos dos preceptores revelaram diversas metodologias de ensino e de avaliação. Pôde-se perceber o modelo centrado no preceptor e o centrado no estudante. Entre os preceptores que apresentaram modelos de ensino centrados no estudante, estavam aqueles que possuíam formação específica na área de educação de profissionais de saúde, desde capacitações até pós-graduações lato e stricto sensu. Os projetos pedagógicos do internato, em geral, não descrevem um modelo de ensino ou mesmo metodologias a serem utilizadas pelos preceptores, embora as DCN e o PPP do curso proponham uma perspectiva crítico-reflexiva de ensino.

A gestão do ensino em serviço desenvolvida pelos preceptores está restrita às atividades de organização do encontro entre estudantes e supervisores, sejam os próprios preceptores, sejam os residentes. O que acontece nos encontros propriamente ditos tem sido alvo de pouca reflexão e ação. Os documentos institucionais abordam de maneira simplista a coordenação do processo de ensino-aprendizagem. O presente estudo se destaca por priorizar a fala do preceptor na complexa trama que envolve a educação médica em nossa atualidade. Outras vozes, porém, precisam ser também escutadas. Estudantes, professores, gestores e usuários têm muito a contribuir para uma compreensão mais completa do ensino na rede assistencial de saúde.

Os instrumentos pedagógicos propostos pelos estudos deverão ser avaliados em projetos de pesquisas em futuro próximo, tanto o instrumento relativo aos modelos de feedback dado pelos preceptores, quanto o modelo integrativo de discussão de casos.

Muitas ações poderão ser desencadeadas mediante pesquisas que aprofundem o conhecimento acerca da graduação médica. Cabe a todos os participantes do processo a apropriação para a ação.

Recebido em: 24/09/2013

Aprovado em: 13/02/2014

CONFLITO DE INTERESSES: Vitor Hugo Lima Barreto é Professor Assistente do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pernambuco desde 2010, após aprovação em concurso público federal.

Mario Alfredo De Marco não possui conflitos de interesse.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Os autores contribuíram com todas as etapas da pesquisa: revisão bibliográfica, elaboração de projeto, coleta de dados através das entrevistas; transcrição e análise dos dados coletados; síntese dos resultados.

Referências bibliográficas

  • 1. Worley P, Prideaux D, Strasser R, March R, Worley E. What do medical students actually do on clinical rotations? Med Teach. 2004;26(7):594-8.
  • 2. Grant A, Kinnersley P, Field M. Learning contexts at two UK medical schools: a comparative study using mixed methods. BMC Res Notes. 2012; 19(5):153.
  • 3. Streit DS, Maciel DT, Zanolli MB. Contribuição para a formação de médicos de acordo com as necessidades da sociedade: interação com as políticas de articulação ensino, serviço, sociedade, implementadas pelo ministério da saúde. Cadernos ABEM. 2009; 6:21-9.
  • 4. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Ciências da Saúde. Coordenação do Curso de Medicina. Projeto Político Pedagógico do Curso de Medicina da UFPE. Recife: UFPE; 2006.
  • 5 Comissão de Avaliação das Escolas Médicas. Projeto Avaliação de tendências de mudanças nos cursos de graduação das escolas médicas brasileiras. Rio de Janeiro: Abem; 2006.
  • 6. Jansen H. The Logic of Qualitative Survey Research and its Position in the Field of Social Research Methods. 2010;11(2). Disponível em: http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/1450/2946
  • 7. Creswell J W. Research Design: Qualiative, Quantitative, and Mixed Methods Approaches. 3.ed. London: Sage; 2009.
  • 8. Kilminster SM, Jolly BC. Effective supervision in clinical practice settings: a literature review. Med Educ. 2000;34(10):827-40.
  • 9. Alexander EK, Bloom N. Using a Web-Based, Iterative Education Model to Enhance Clinical Clerkships. Academic Medicine. 2006; 81(10):925-31.
  • 10. Prideaux D, Alexander H, Bower A, Dacre J, Haist S, Jolly B, Norcini J, Roberts T, Rothman A, Rowe R, Tallett S. . Clinical teaching: maintaining an educational role for doctors in the new health care environment. Med Educ. 2000 Oct;34(10):820-6.
  • 11. Huerta EDPN. Mudanças na unidade pediátrica: relato de experiência de integração docente-assistencial. Rev. Esc. Enf. USP. 1996; 30(3):366-70.
  • 12. Margo K, Gazewood J, Jerpbak C, Burge S, Usatine R. . Clerkship directors' characteristics, scholarship, and support: a summary of published surveys from seven medical specialties. Teach Learn Med. 2009;21(2):94-9.
  • 13 Brasil. Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial da União, DF, 24 out. 2011.
  • 14. Spencer J. The clinical teaching context: a cause for concern. Med Educ. 2003; 37(3):182-3.
  • 15. Huang WY, Dains JE, Monteiro FM, Rogers JC. Observations on the Teaching and Learning Occurring in Offices of Community-based Family and Community Medicine Clerkship Preceptors. Fam Med. 2004;36(2):131-6.
  • 16. Stern DT, Williams BC, Gill A, Gruppen LD, Woolliscroft JO, Grum CM. Is There a Relationship between Attending Physicians' and Residents' Teaching Skills and Students' Examination Scores? Acad Med. 2000;75(11):1144-6.
  • 17. Trajman A, Assunção N, Venturi M, Tobias D, Toschi W, Brantt V. A preceptoria na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: opinião dos profissionais de Saúde. Revista Brasileira de Educação Médica. 2009;33(1):24-32
  • 18. Ploteau S, Winer N, Barrier J, Rogez JM, Philippe HJ. Évaluation des enseignements et des enseignants par les externes lors d'un stage clinique dans un service de gynécologie-obstétrique. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris). 2007;36(8):807-16.
  • 19. Peters AS, Schnaidt KN, Zivin K, Rifas-Shiman SL, Katz HP. How Important Is Money as a Reward for Teaching? Acad Med. 2009;84(1):42-6.
  • 20. Caetano JA, Diniz RDCM, Soares E. Integração docente-assistencial sob a ótica dos profissionais de saúde. Cogitare Enferm. 2009; 14(4):638-44.
  • 21. Moser SEA, Kellerman R, Dorsch JN. The RAFT Approach to Academic Detailing With Preceptors. Fam Med. 2004;36(5):316-8.
  • 22. Bramson R, VanLandingham A, Heads A, Paulman P, Mygdal W. Reaching and teaching preceptors: Limited success from a multifaceted faculty development program. Fam Med. 2007; 39(6):386-8.
  • 23. Eckstrom E, Homer L, Bowen JL. Measuring Outcomes of a One-Minute Preceptor Faculty Development Workshop. J Gen Intern Med. 2006;21(5):410-4.
  • ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
    Vitor Hugo Lima Barreto
    Universidade Federal de Pernambuco — Departamento de Medicina Social — Centro de Ciências da Saúde
    Av. da Engenharia, s/n — bloco "D" — 1º andar
    Cidade Universitária — Recife
    CEP 50740-600 — PE — Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014

    Histórico

    • Recebido
      24 Set 2013
    • Aceito
      13 Fev 2014
    location_on
    Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 , Asa Norte | CEP: 70712-903, Brasília | DF | Brasil, Tel.: (55 61) 3024-9978 / 3024-8013 - Brasília - DF - Brazil
    E-mail: rbem.abem@gmail.com
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro