RESUMO
Relata-se a experiência dos membros da Liga Acadêmica de Anatomia Aplicada (LAA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sejam eles ligantes, gestores ou orientadores. A motivação para esse trabalho reside no desejo de apontar a importância dessas organizações estudantis e seu impacto sobre os alunos, considerando o recente crescimento e criação de diversas ligas. O modelo tradicional de ensino praticado pela maioria das academias no Brasil, caracterizado por uma relação vertical entre professores e alunos, justifica, ao menos em parte, a limitação criativa dos alunos, e consequentemente, dos futuros profissionais. É nesse panorama que as ligas acadêmicas são necessárias, buscando aguçar o espírito crítico dos alunos e tornar palpáveis os assuntos contemplados pela grade curricular tradicional, que, devido aos cronogramas e horários extenuantes, permanecem abstratos e pouco atrativos, contribuindo para a desmotivação e quebra de expectativa dos alunos ingressantes. Nesse sentido, também se busca atender às demandas dos novos acadêmicos, ansiosos pela aplicação prática do conteúdo abordado no ciclo básico. Todas as atividades precisam ser bem organizadas para que atinjam seus objetivos. Assim, os orientadores devem garantir a supervisão, os gestores devem ser bem selecionados, e a divisão de tarefas deve ser efetiva, de modo a conquistar o engajamento dos ligantes. Todo esse trabalho, seja para a produção de conteúdos científicos, seja para a composição de palestras, cursos ou simpósios, influencia diretamente o modo de pensar de cada parte envolvida. Junto a todo o processo descrito, a base para desenvolver as atividades consiste no tripé ensino-pesquisa-extensão, que complementa a aprendizagem, desenvolve a investigação e contribui para a disseminação dos saberes acadêmicos e o cumprimento do dever social. Neste trabalho, é possível entender o impacto que uma liga tem na formação dos estudantes de Medicina e no constante estímulo à atualização do docente. Assim, foram recolhidos depoimentos e aplicados questionários que ratificam a importância da liga no crescimento tanto pessoal, quanto profissional, nas diversas esferas, e como essas atividades extracurriculares têm se mostrado benéficas na aquisição de novas experiências para discentes e docentes.
Educação Médica; Anatomia; Ensino; Pesquisa; Extensão
ABSTRACT
This article reports on the experience of members of the Academic League of Applied Anatomy, in Portuguese “Liga de Anatomia Aplicada (LAA)” of Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), whether listeners, organizers or advisers. The motivation behind this article consists in the desire to address the importance of academic organizations and their impact on students, considering the recent growth and inauguration of various leagues. The traditional model of education, practiced in the majority of Brazilian, is characterized by a vertical relationship between the teacher and the students. This view partly the creative limitation imposed on the students and on future professionals. Therefore, Academic Leagues are necessary, as a means of improving, students’ critical thinking and solidifying a subject that has already been taught in the curricula but that, due to exhausting schedules and rigid time frames, remains abstract and unappealing to the students, resulting in a lack of motivation and disappointed expectations. The league seeks to meet the demands of recently enrolled students, eager to apply in practice subjects still only seen in theory during the basic cycle of school. However, all the activities need to be well organized if they are to achieve their goals. Teachers must ensure supervision, the league’s board of directors must be well-selected, and the division of tasks must be effective, in order to ensure the engagement of all the participants. All this work, whether for the production of scientific content, planning of lectures, courses or symposia, directly impacts the thought processes of all those involved. Alongside the whole process described, the basis of all this evolution is the teaching, research and extension activities, which complement the learning; develop research, and contribute to the dissemination of academic knowledge and the fulfillment of social duty. This paper shows the impact that a league has on the formation of medical students and on the constant encouragement for teachers to update their skills. Therefore, statements were collected and questionnaires conducted, to confirm the importance of the League for personal and professional growth in various spheres, and show how these extracurricular activities have proven to be beneficial in enabling students and teachers to acquire new experiences.
Medical Education; Anatomy; Teaching; Research; Outreach
INTRODUÇÃO
As ligas acadêmicas são organizações compostas por estudantes de diferentes anos, sem fins lucrativos, supervisionadas por professores orientadores, cujo objetivo é promover aprendizado e desenvolvimento em áreas específicas da saúde, por meio de atividades didáticas, científicas, culturais e sociais11. Pêgo-Fernandes PM, Mariani AW. O ensino médico além da graduação: ligas acadêmicas. Diagn Tratamento 2011;16(2)50-51..
A primeira liga acadêmica – Liga de Combate à Sífilis – foi criada em 1920, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e tinha como objetivo promover alterações sociais na saúde da população num contexto de epidemia da doença22. Santana ACDA. Ligas acadêmicas estudantis. O mérito e a Realidade. Medicina (Ribeirão Preto) 2012; 45(1):96-98.. No entanto, somente durante o período da ditadura militar o número de ligas acadêmicas aumentou como forma de contestação do modelo de ensino na época33. Goergen DI. Ligas acadêmicas: uma revisão de várias experiências. Arq. Catarin Med. 2017; 46(3):183-193..
Recentemente, houve um novo crescimento após as reformas curriculares. Tal fato pode sugerir uma busca por complementação de conteúdos num contexto de conservadorismo curricular que não transmite segurança, tampouco acompanha as novas demandas dos alunos. Corroboram esta hipótese dados que apontam a aquisição de maior experiência clínica e um currículo diversificado como a principal motivação para a inserção do estudante em atividades extracurriculares44. Hamamoto Filho PT, et al. Normatização da abertura de ligas acadêmicas: a experiência da Faculdade de Medicina de Botucatu. RevBrasEducMed 2010; 34(1):160-167..
Nesse contexto, em 2012, foi criada a Liga de Anatomia Aplicada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAA-Uerj), motivada pela demanda de aplicações práticas para os conhecimentos teóricos adquiridos passivamente no ciclo básico. Seu princípio fundamental repousa no tripé universitário, que preza a integração entre ensino, pesquisa e extensão. Desse modo, a liga tem como intuito crescente: transmitir o conteúdo teórico e prático de forma sistemática, complementando a aprendizagem e motivando a busca constante de novas informações em seus ligantes (Ensino); construir e desenvolver a investigação de fenômenos, observando suas causas e consequências para a construção de conhecimento (Pesquisa); inter-relacionar atividades universitárias e sociedade por meio de projetos planejados e escritos pela liga com base em demandas da população, contribuindo para a disseminação dos saberes acadêmicos e cumprindo seu compromisso social (Extensão).
Além disso, a liga desempenhou um importante papel no atual momento de crise econômica do estado e, consequentemente, da universidade, ao planejar e oferecer atividades de aprendizagem durante as paralisações como forma de incentivo aos alunos, resistência e ocupação dos espaços de ensino. Isto reforça o envolvimento da LAA num contexto sociocultural e econômico que pressupõe que as finalidades da educação superior não são simples nem unidimensionais, mas envolvem um conjunto que torna a formação profissional mais abrangente do que somente as ações educativas encontradas numa estrutura curricular.
Com base nessa visão, a LAA-Uerj, como atividade extracurricular, oferece a seus ligantes, gestores e orientadores diferentes oportunidades para enriquecer sua formação médica.
OBJETIVO
Relatar a experiência de participação na Liga de Anatomia Aplicada, com base em múltiplas visões (orientadores, diretores e público-alvo) no período de 2012 a 2017, a fim de obter um feedback de ações passadas, compreendendo os erros e enfatizando os acertos, e criar uma fonte de referência futura para novas gestões e outras ligas que venham a ser fundadas, promovendo a transmissão de valores.
METODOLOGIA
Trata-se de um relato descritivo, retrospectivo e transversal de avaliação do impacto da LAA na formação dos estudantes de Medicina, bem como no crescimento profissional dos docentes. Baseia-se inicialmente no relato da atual gestão – composta por acadêmicos de segundo e terceiro ano do curso de Medicina – sobre o modo de participação na LAA por ligantes, gestores e orientadores, retratando o fundamento e o funcionamento da liga, direcionados a cada um dos componentes desse tripé.
Foram aplicados questionários aos (ex-)ligantes do primeiro ao sexto ano da graduação, internos ou externos da universidade, que frequentaram as atividades da liga, sem seleção específica, no período de janeiro a dezembro de 2017. Aos dois orientadores e aos 35 acadêmicos que participaram pelo menos um ano da gestão da liga no intervalo de 2012 a 2017 foram solicitadas sucintas descrições da experiência. Entre as variáveis analisadas, destacam-se: a motivação e a satisfação em participar de uma liga acadêmica, o impacto e a contribuição, tanto positivos quanto negativos, na formação pessoal e profissional, a possível recomendação a outros, além de críticas e sugestões.
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Visão ligante
Anualmente, durante a semana de recepção, os novos alunos são apresentados às diversas ligas acadêmicas da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Uerj. Nesse momento, por meio de diversas dinâmicas em grupo, estabelece-se um primeiro contato e maior aproximação entre os estudantes e as atividades desenvolvidas pela liga. Os interessados comparecem à palestra inaugural, em que ocorre uma abordagem inicial com casos clínicos simples, mas que motivam o aluno e o inserem simbolicamente na medicina. São realizados os sorteios e, ao final, são abertas as inscrições para ligantes.
A partir desse momento, esses novos participantes podem frequentar, de modo constante, o calendário de eventos da liga, além de acompanhar as curiosidades, responder quizzes e discutir casos clínicos elaborados e divulgados virtualmente pela gestão.
Entre as atividades presenciais estão incluídas palestras teóricas quinzenais – organizadas em módulos –, oficinas práticas, cursos de temas variados, simpósios e projetos de extensão. Em geral, as palestras seguem paralelamente à grade curricular do Departamento de Anatomia, objetivando complementar os conteúdos teóricos vistos em sala de aula por meio da demonstração, aplicação e abordagem temática de forma simples e didática. Ademais, as aulas normalmente ocorrem no horário de intervalo. Essas características contribuem para maior adesão às atividades. Em contrapartida, os simpósios, de duração maior, proporcionam uma discussão mais aprofundada de um tema específico e oferecem um primeiro contato com eventos comuns na área médica.
O projeto de extensão permite uma troca direta de informações entre os estudantes de Medicina e a população: os alunos transmitem conhecimentos científicos, e a população, vivências culturais. Tais projetos têm como objetivo solucionar problemas de interesse e necessidade da sociedade, ampliando a relação desta com a universidade. Após o tema estabelecido, os ligantes são capacitados por professores e membros da gestão, realizando um treinamento prévio. Em nova data e local que permita o contato eficiente entre as partes interessadas são realizadas as atividades extensionistas.
O certificado de ligante, recebido no final do ano letivo, exige participação mínima de 75% de presença nas atividades da LAA, podendo ser utilizado para complementar o currículo em processos de seleção futuros.
Ao término do ano letivo, os ligantes podem contribuir com a liga de uma nova forma, como membros da próxima Diretoria.
Visão gestão
O processo seletivo da nova gestão é iniciado no segundo semestre do ano letivo. Os ligantes são, primeiramente, convidados a comparecer a uma reunião em que serão explicadas as diretrizes da liga. Em termos de organização, a gestão é dividida em quatro grandes departamentos (Figura 1):
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A Coordenação abrange o presidente, vice, secretaria e tesouraria, na qual é feita a integração dos departamentos, emissão de certificados, recadastramento de cursos, reserva de espaços para a realização de eventos e administração das finanças da liga;
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O Departamento Científico tem a função de produzir o conteúdo por meio de casos clínicos, curiosidades e quizzes postados semanalmente na página online da liga; programar o calendário de palestras e contatar os palestrantes indicados para cada tema;
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As Relações Públicas são responsáveis por revisar e divulgar o material e as demais atividades produzidas pela LAA, além de buscar parcerias e estabelecer toda a mediação entre patrocinadores e gestão;
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A Extensão, por sua vez, tem o objetivo de expandir o campo de atuação da liga, levando o conteúdo acadêmico à população; envolve ações de conscientização, capacitação, difusão de informação, tecnologia e cultura.
O primeiro passo da seleção é definir o departamento com o qual o futuro membro se identifica. Como pode haver dúvidas nessa decisão, os participantes podem, inicialmente, escolher mais de uma opção a fim de terem um contato mais íntimo com as respectivas funções. Cada setor determina um meio de capacitação para que, ao final, os mais comprometidos sejam selecionados para integrar a nova gestão.
Após o processo seletivo, os departamentos recém-formados se articulam por meio de reuniões semanais a fim de determinar a programação a ser colocada em prática no decorrer do ano. Para otimizar essa organização, são escolhidos coordenadores setoriais, que são responsáveis por supervisionar o comprometimento de cada gestor e montar calendários de atividades dos departamentos.
Estruturada no tripé ensino-pesquisa-extensão, a liga se propôs a suplementar as atividades curriculares. No que concerne ao ensino, a LAA realizou palestras quinzenais, simpósios e cursos, sendo todos esses eventos supervisionados por um professor responsável. Já no que diz respeito à extensão, foram oferecidas atividades de conscientização sobre refluxo gastroesofágico e traumatismo cranioencefálico, com capacitação prévia da gestão por um orientador. Por fim, no âmbito da pesquisa, a liga promoveu um levantamento de dados que foram usados na produção de trabalhos apresentados em congressos de educação médica.
Visão orientador
Para o exercício da função de orientadores da LAA, foram escolhidos dois professores do Departamento de Anatomia, que, pelo contato com a disciplina, conseguem identificar os pontos que podem ser mais bem trabalhados. Entre os papéis a eles atribuídos, estão o direcionamento da relevância das ideias propostas pelos gestores, a revisão das atividades realizadas, a indicação de palestrantes, bem como a orientação quanto a questões éticas e burocráticas. Isso tudo deve ser realizado com mínima interferência nas escolhas dos estudantes e o estabelecimento de um diálogo franco, sem as barreiras acadêmicas formais.
Todavia, é do conhecimento do orientador que as ligas não devem ser vistas como um meio para correção de falhas acadêmicas ou única forma de aprendizado. Todas as instruções, portanto, visam somar informações e promover a motivação dos alunos no aprendizado da prática médica.
Segundo Hamamoto66. Silva SA, Flores O. Ligas Acadêmicas no Processo de Formação dos Estudantes. RevBrasEducMed 2015; 39(3):410-417., grande parte das críticas às ligas acadêmicas está na possível falta de supervisão docente, o que poderia contestar a validade dos conceitos transmitidos aos alunos. A forte relação de parceria com os docentes e o diálogo constante sobre as atividades da liga reduzem significativamente tal problema e auxiliam na construção do saber tanto para o docente quanto para o discente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Visão ligante
Para o ligante, a LAA permite a revisão e a aplicação de conteúdos aprendidos em sala, o que permite fixá-los melhor. A Anatomia é uma matéria essencial do ciclo básico e que desperta a curiosidade dos alunos para entender como a teoria se aplica na prática. Junto a isso, a contextualização de conhecimentos ministrados previamente ajuda na compreensão do conteúdo e dinamiza o estudo, melhorando o aprendizado. Ao destacar a importância da Anatomia aplicada ao tema escolhido, motiva-se o estudo do aluno, que vê finalidade no que lhe está sendo ensinado55. Ferreira DAV, Aranha RN, Souza MHFO. Academic Leagues: A Brazilian Way to Teach about Cancer in Medical Universities. BMC Medical Education 2015; 15:236.. Para os ligantes mais avançados no curso, os temas têm ainda se mostrado úteis como revisão de conteúdo do ciclo básico.
Geralmente, as aulas presenciais são realizadas no horário do almoço com o objetivo de abranger momentos livres dos alunos de todos os anos. Isto permite ao ligante a adesão aos eventos, já que estes não se sobrepõem às aulas ou às responsabilidades acadêmicas.
Além dos pontos citados, é frequente a recomendação para que novos alunos ingressem na LAA por se tratar de uma liga organizada e que promove eventos com alto nível de relevância. Ser ligante da LAA é ter acesso de perto a diversas iniciativas acadêmicas, como palestras, cursos, simpósios e aulas práticas que complementam o conteúdo oferecido.
Foi observado que, ao se aprofundar o conhecimento, permitindo contato com informações relacionadas à prática da Anatomia, mas não oferecidas no ciclo básico, desperta-se o interesse pela busca de assuntos diferentes. O estímulo para pensar além do básico é fundamental à vida pessoal e profissional. Dessa forma, objetivando perpetuar tais benefícios, uma significativa porcentagem de ligantes se torna gestão LAA.
A busca por aprofundar o conhecimento e adquirir experiência e a vontade de contribuir para o crescimento da liga são justificativas para fazerem essa transição. Os alunos que decidem participar como gestores não apenas se aproximam da prática médica, mas também são estimulados a desenvolver habilidades de liderança, empreendedorismo, planejamento e construção de cidadania ao interagirem com a comunidade.
Visão gestão
A participação em uma liga acadêmica por um viés de organizador promove diferentes visões ao aluno. Muito mais do que o simples currículo acadêmico moldado pela instituição, o engajamento em uma liga permite abranger os horizontes para além da aprendizagem didática. Isso inclui entrar em contato com habilidades administrativas e burocráticas para organização de eventos e motivar a produção do saber científico e o contato com os vários profissionais da área da saúde55. Ferreira DAV, Aranha RN, Souza MHFO. Academic Leagues: A Brazilian Way to Teach about Cancer in Medical Universities. BMC Medical Education 2015; 15:236.. O ganho de responsabilidades e a tomada de decisões contribuem para saber lidar com situações adversas e para a formação de perfis de liderança. Desse modo, as ligas acadêmicas acabam por se tornar instrumentos de exploração da autonomia, da criticidade, da criatividade e do comprometimento66. Silva SA, Flores O. Ligas Acadêmicas no Processo de Formação dos Estudantes. RevBrasEducMed 2015; 39(3):410-417..
Outra aptidão fundamental desenvolvida foi o trabalho em equipe, essencial para o sucesso profissional e pessoal. Segundo um estudo realizado por Peres et al.77. Peres CM. Atividades extracurriculares: percepções e vivências durante a formação médica. Ribeirão Preto; 2006. Mestrado [Dissertação] – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo., o envolvimento de alunos em atividades extracurriculares demonstra uma tentativa não só de preencher lacunas curriculares, mas também de se integrar com colegas e de atender a indagações profissionais.
O trabalho em equipe é aprimorado com o desenvolvimento de relações interpessoais, seja com acadêmicos de diversos cursos, seja com profissionais da área. Isso permite a construção de vínculos e contatos úteis na trajetória profissional. Ao mesmo tempo, fazer parte da gestão permite desenvolver habilidades individuais mais específicas, como argumentar a favor de suas opiniões, trabalhar em grandes projetos e respeitar prazos. Tais noções, sem o intermédio da liga, não seriam tão facilmente tangíveis à nossa realidade.
Em suma, todas essas vantagens são atrativas para os estudantes quando decidem participar, como gestão, de uma liga acadêmica. Com isso, a liga obteve integrantes em sua maioria engajados, que a priorizavam e se dedicavam a ela, o que se traduz em satisfação pessoal e enriquecimento da liga como um todo. Livre das formalidades acadêmicas impostas no dia a dia da faculdade e da relação de hierarquia existente entre professores e estudantes, o espaço da liga se torna favorável ao desenvolvimento da capacidade do aluno de autogerir seu aprendizado a partir da decisão de participar, o que ajuda a tornar prazeroso o ensino oferecido pela liga a seus integrantes.
Existem, entretanto, pontos negativos, como a dificuldade de trabalhar em equipe, tendo de contar com a responsabilidade alheia para respeitar prazos e terminar tarefas; e a possibilidade de sobreposição das atividades da liga às obrigações da faculdade, o que pode sobrecarregar e prejudicar alguns integrantes da gestão. Por fim, a crise enfrentada pela instituição foi um grande fator prejudicial à liga, ainda que esta busque mecanismos para contornar as dificuldades. Certas atividades de extensão, assim como a presença de alunos que não residem no município ficam prejudicadas durante períodos de paralisações.
As dificuldades inerentes à realização de novas atividades são minimizadas na LAA pelo contato da nova gestão com a anterior, que repassa experiências e esclarece dúvidas. Desse modo, a transição de administrações é um momento importante. Durante esse estado intermediário, a gestão anterior acompanha e orienta a nova, permitindo que esta se familiarize com as tarefas a serem realizadas. Inicialmente, pode ser um período conturbado e trabalhoso, já que os novos integrantes desconhecem a realidade interna de uma gestão, mas há uma gradual adaptação, sendo a divisão em departamentos um dos mecanismos que auxiliam nesse processo.
A estruturação em departamentos maximiza o tempo e permite que as tarefas sejam mais bem organizadas e executadas, e, desse modo, garante o atendimento do grande público com qualidade.
Visão orientador
A figura do orientador deve ser tida como fundamental, mas nunca como ator principal na constituição e operacionalização das ligas acadêmicas. Assim, os professores não devem conduzir o trabalho unicamente segundo seus próprios interesses. Os orientadores, assim como os gestores, têm como principal norteador das atividades a transformação social, por meio da identificação de necessidades de saúde da comunidade e da produção de conhecimento e prática da extensão universitária88. Hamamoto Filho PT. Ligas Acadêmicas: motivações e críticas a propósito de um repensar necessário. RevBrasEducMed 2011; 35(4):535-543..
Eles devem estar atentos a questões éticas que requeiram um pouco mais de experiência para serem percebidas e devem estar prontos para um diálogo franco com os ligantes, sem as barreiras acadêmicas formais, a fim de instigá-los a buscar conhecimento. A experiência vem sendo muito gratificante para ambos os orientadores, que têm a possibilidade de estabelecer um estreitamento maior da relação aluno-professor, o que julgam ser muito importante para a construção e atualização do curso.
Ao serem questionados se a liga atrapalhava a administração de seu tempo no cotidiano, os dois professores alegaram que, mais que uma obrigação, participar da LAA é um privilégio que não requer nenhum tempo extra além do que já destinam ao trabalho no departamento. Logo, a orientação torna-se uma atividade prazerosa, sem grandes ônus.
Embora não tenham participado de ligas acadêmicas, seja como gestão ou ligante, durante suas graduações, os orientadores concordam em que estudantes engajados nesse tipo de atividade extracurricular apresentam maior crescimento acadêmico. A experiência organizadora induz o crescimento pessoal tanto no aspecto específico da formação médica, quanto na capacidade geral de gestão e organização da vida profissional. Além disso, as ligas permitem que os alunos tratem de temas mais aplicados à prática da medicina desde o início da sua formação. Junto a isso, o fato de as atividades das ligas serem minimamente vinculadas à burocracia universitária dá mais liberdade e agilidade à escolha dos temas e dos palestrantes.
Por fim, ser orientador de uma liga acrescenta muito aos professores. O trabalho com pessoas jovens, saturadas de novas perspectivas e ideias, é um privilégio do magistério. As ligas agregam alunos com perfil empreendedor, que muitas vezes agem como um antídoto para um marasmo que frequentemente permeia o dia a dia acadêmico, repleto de obstáculos característicos de países com pouco investimento em educação. Os alunos das ligas impulsionam e obrigam os professores a assumir compromissos, o que contribui para o desenvolvimento do departamento como um todo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Liga de Anatomia Aplicada tem se mostrado um instrumento complementar na educação médica. Suas ações visam não somente aplicar os conhecimentos aprendidos, mas também conferir aos acadêmicos a responsabilidade de promover ações que tragam mudanças para a própria universidade e para a comunidade local, oferecendo experiências extracurriculares.
Além disso, a necessidade de gerir a liga e promover os eventos exige um constante trabalho em equipe, favorecendo as atividades coletivas e a formação de líderes, atividade essencial a qualquer profissional. A participação na liga se dá de variadas formas, seja como ligante, gestor ou orientador, cujas diversas visões convergem para vantagens múltiplas.
AGRADECIMENTOS
Aos professores e orientadores da LAA Luciano Alves Favorito e Marco Aurélio Rodrigues da Fonseca Passos, Professor Titular e chefe, respectivamente, do Departamento de Anatomia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) pelo cuidado, apoio e confiança com que sempre trataram todos os membros da Liga. Um agradecimento, ainda, à gestão fundadora da LAA: Allison Real, Alexandre Leite, Daniel de Azevedo Medeiro Fontes, Douglas de Andrade Cristino, Matheus Gasparini, Mariana Astuto, Pedro Henrique Milhomens da Mota, Régis Santos Terra, Vinícius Falcão Palhares e, em especial, Miguel Barrela Neto, que se mostrou tão solícito em todos os momentos em que foi requisitado.
REFERÊNCIAS
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1Pêgo-Fernandes PM, Mariani AW. O ensino médico além da graduação: ligas acadêmicas. Diagn Tratamento 2011;16(2)50-51.
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2Santana ACDA. Ligas acadêmicas estudantis. O mérito e a Realidade. Medicina (Ribeirão Preto) 2012; 45(1):96-98.
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3Goergen DI. Ligas acadêmicas: uma revisão de várias experiências. Arq. Catarin Med. 2017; 46(3):183-193.
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4Hamamoto Filho PT, et al. Normatização da abertura de ligas acadêmicas: a experiência da Faculdade de Medicina de Botucatu. RevBrasEducMed 2010; 34(1):160-167.
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5Ferreira DAV, Aranha RN, Souza MHFO. Academic Leagues: A Brazilian Way to Teach about Cancer in Medical Universities. BMC Medical Education 2015; 15:236.
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6Silva SA, Flores O. Ligas Acadêmicas no Processo de Formação dos Estudantes. RevBrasEducMed 2015; 39(3):410-417.
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7Peres CM. Atividades extracurriculares: percepções e vivências durante a formação médica. Ribeirão Preto; 2006. Mestrado [Dissertação] – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo.
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8Hamamoto Filho PT. Ligas Acadêmicas: motivações e críticas a propósito de um repensar necessário. RevBrasEducMed 2011; 35(4):535-543.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2019
Histórico
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Recebido
4 Ago 2018 -
Aceito
28 Ago 2018