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Preceptoria em residência médica: uma avaliação sob a perspectiva dos preceptores

Preceptorship in medical residency: an evaluation from the preceptors’ perspective

RESUMO

Introdução:

O papel do preceptor, no contexto da residência médica, é crucial para a formação qualificada de profissionais e especialistas em suas áreas de atuação, sendo necessárias competências clínicas e pedagógicas e a compreensão de suas atribuições e objetivos a serem alcançados na interação de ensino-aprendizado com os residentes.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivos avaliar a percepção dos preceptores da residência médica a respeito de seu papel nas atividades de ensino, conhecer o perfil sociodemográfico dos preceptores e identificar tópicos a serem melhorados na prática da preceptoria.

Método:

Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa e quantitativa, em que foram incluídos os preceptores dos programas de residência médica de pediatria, neonatologia, terapia intensiva pediátrica e ginecologia-obstetrícia. Por meio de um questionário estruturado e validado na literatura, avaliaram-se cinco domínios relacionados à prática pedagógica; além disso, três perguntas abertas tiveram como objetivo obter a opinião do preceptor sobre a preceptoria, pontos positivos e pontos a serem melhorados em sua prática. Na análise, utilizaram-se estatística descritiva e porcentagens de percepções positivas e negativas, de acordo com as respostas ao questionário estruturado. Para a análise das perguntas abertas, adotou-se a técnica de categorização.

Resultado:

Houve predomínio de percepções positivas nos domínios referentes à competência pedagógica, interação ensino-serviço e presença do residente no campo de prática, enquanto as percepções negativas concentraram-se nos domínios referentes aos recursos e ao suporte educacional, e ao planejamento do programa educacional. A análise qualitativa evidenciou a consciência dos preceptores a respeito do seu papel, em que se destacaram como pontos positivos o estímulo à atualização constante e a satisfação pessoal e profissional; como pontos a serem melhorados, prevaleceram a necessidade de maior espaço participativo no planejamento, o desenvolvimento de pesquisa com os residentes e a importância de formalização da função de preceptor nas instituições, corroborando as percepções obtidas nas questões estruturadas.

Conclusão:

O papel do preceptor é fundamental para a boa formação do médico especialista no contexto dos programas de residência médica, de modo a integrar excelência técnica na especialidade e expertise pedagógica, e favorecer a aprendizagem significativa. Capacitar os preceptores, a fim de qualificá-los pedagogicamente e permitir que eles busquem o reconhecimento de sua atuação, poderá melhorar a formação do médico especialista e a assistência à saúde.

Palavras-chave:
Residência Médica; Preceptoria; Educação Médica

ABSTRACT

Introduction:

The role of the preceptor, in the context of Medical Residency, is crucial for the qualified training of professionals and specialists in their areas of activity, requiring clinical and pedagogical competencies and the understanding of their attributions and objectives to be achieved in the teaching-learning interaction with residents.

Objectives:

To evaluate the perception of medical residency preceptors regarding their role in teaching activities; to know the socio-demographic profile of preceptors and to identify topics to be improved in the practice of preceptorship.

Methods:

This was a descriptive study, with a qualitative and quantitative approach conducted with the preceptors of the medical residency programs of Pediatrics, Neonatology, Pediatric Intensive Care and Gynecology-Obstetrics. Through a structured questionnaire validated in the literature, five domains related to pedagogical practice were evaluated, in addition to three open questions about the preceptor’s opinion about the preceptorship, positive points and areas for improvement in their practice. In the analysis, descriptive statistics and percentages of positive perceptions and negative perceptions were used, according to the answers to the structured questionnaire. For the analysis of the open questions, the categorization technique was used.

Results:

There was a predominance of positive perceptions in the domains related to Pedagogical Competence, Teaching-Service Interaction and Presence of the Resident in the Field of Practice, while the negative perceptions were concentrated in the domains related to Educational Resources and Support and Educational Program Planning. The qualitative analysis evidences the preceptors’ awareness of their role, highlighting as positive points the stimulus for constant updating and personal and professional satisfaction. As areas for improvement, we highlight the need for greater participatory space in planning, the development of research with residents and the need to formalize the role of preceptor in institutions, corroborating the perceptions obtained in the structured questions.

Conclusion:

The role of the preceptor is fundamental for the good training of the medical specialist in the context of medical residency programs, integrating technical excellence in the specialty and pedagogical expertise, favoring meaningful learning. Empowering preceptors, qualifying them pedagogically and seeking recognition of their performance, can improve the training of the medical specialists and health care.

Keywords:
Medical Residency; Preceptorship; Medical Education

INTRODUÇÃO

Por meio do Decreto nº 80.281, de 1977, a residência médica foi definida como

[...] modalidade do ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando em instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional 1 1. BRASIL. Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República; 1977 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D80281.htm .
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.

Também a partir do referido decreto, foi criada a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) que, desde então, tem trabalhado para regulamentar e qualificar a formação em todo o território nacional.

Da definição de residência médica, alguns pontos merecem destaque. Tem por objetivo a especialização médica, como pós-graduação, mas está inserida na discussão do ensino médico como um todo, visto que é necessária a boa formação do médico “generalista, humanista, crítico e reflexivo”22. Brasil. Resolução CNRM no 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior; 2014 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=15874-rces003-14&category_slug=junho-2014-pdf&Itemid=30192 .
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, previamente à formação do especialista. Além disso, também está inserida no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) como formador de recursos humanos na área da saúde, conforme a Constituição Federal de 198833. Brasil. Constituição Federal. Brasília, DF; 1988 [acesso em 23 jun 2023]. Disponível em: Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/web_sus20anos/20anossus/legislacao/constituicaofederal.pdf .
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. Dessa forma, os princípios e as diretrizes do SUS também devem estar incorporados à formação do especialista.

Outro ponto importante da definição é a caracterização do treinamento em serviço, na qual se propõe o aprendizado a partir da interação teoria e prática ou mais especificamente da aplicação prática da teoria como ferramenta de ensino. E tal ensino deve ser “orientado por profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”11. BRASIL. Decreto nº 80.281, de 5 de setembro de 1977. Regulamenta a Residência Médica, cria a Comissão Nacional de Residência Médica e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República; 1977 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/D80281.htm .
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, que na prática são os preceptores, que interagem no dia a dia com os residentes, construindo conjuntamente os saberes e as competências necessários.

A figura do preceptor na residência médica é de fundamental importância, porém a elevada qualificação ética e profissional não tem definição exata. A Resolução no 4/1978 da CNRM44. Brasil. Resolução CNRM no 4, de 9 de novembro de 1978. Estabelece normas gerais, requisitos mínimos e sistemática de credenciamento da Residência Médica. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior ; 1978 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/95151-resolucao-04-1978/file .
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estabelece que o preceptor deve ser portador de certificado de residência médica da área ou especialidade, e a Resolução no 2, de 3 de julho de 2013, define que o preceptor deve ser “médico especialista integrante do corpo docente da instituição de saúde”55. Brasil. Resolução CNRM no 2, de 3 de julho de 2013. Dispõe sobre a estrutura, organização e funcionamento das Comissões de Residência Médica das instituições de saúde que oferecem programas de residência médica e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior ; 2013 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13563-resol-no2-3jul2013&Itemid=30192 .
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No entanto, tal especificação diz respeito à qualificação técnica do preceptor dentro da especialidade, deixando ainda em aberto diversos aspectos que permeiam a prática da preceptoria. Segundo Botti et al.66. Botti SHO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são seus papéis? Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):363-71., a principal função do preceptor é ensinar a clinicar. Depreendem-se, então, dois tópicos que devem ser conduzidos em paralelo pelo preceptor: a expertise clínica e a expertise pedagógica, o ensinar, tendo como objetivo final que o residente aprenda. Como pontuam Ribeiro et al.77. Ribeiro KRB, Prado ML, Backes VMS, Mendes NPN, Mororó DDS. Ensino nas residências em saúde: conhecimento dos preceptores sob análise de Shulman. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180779., “não basta saber o conteúdo, é necessário saber ensinar”. Além disso, é fundamental conhecer o planejamento pedagógico do programa de residência do qual se faz parte, pois é o preceptor o responsável por operacionalizá-lo no decorrer dos anos de formação. Entre os atributos de um bom preceptor, encontram-se o exercício da tutoria, da ética e do humanismo, o domínio do conteúdo, a capacidade de educação permanente e a habilidade didática88. Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na residência médica em pediatria: principais atributos. J Pediatr. 2000;76(5):333-8.. Deve buscar estratégias profundas de aprendizado a fim de despertar a motivação para o aprendizado e a integração dos conhecimentos99. Skare TL. Metodologia do ensino na preceptoria da residência médica. Rev Med Res. 2012;4(2):116-20..

Muitos são os desafios que se colocam no cotidiano da preceptoria em residência médica, dos quais podemos destacar a sobrecarga de trabalho e a dificuldade na organização das atividades, conciliando o acompanhamento do residente e a assistência clínica aos pacientes, além de limitações estruturais dos serviços de saúde e questões de remuneração pela preceptoria1010. De Paula GB, Toassi RFC. Papel e atribuições do preceptor na formação dos profissionais da saúde em cenários de aprendizagem do Sistema Único de Saúde. Saberes Plurais - Educação na Saúde. 2021;5(2):125-42..

Conhecer as percepções dos preceptores a respeito de sua prática em preceptoria é fundamental para entender os desafios enfrentados no dia a dia e qualificar as demandas de ensino-aprendizagem nos contextos de formação dos programas de residência médica. Considerando a importância do papel do preceptor na residência médica, realizamos a presente pesquisa.

OBJETIVOS

Os objetivos deste estudo são:

  • Avaliar a percepção dos preceptores da residência médica a respeito de seu papel nas atividades de ensino, em uma instituição hospitalar do interior do estado de São Paulo.

  • Conhecer o perfil sociodemográfico e de formação dos preceptores de residência médica.

  • Identificar tópicos a serem trabalhados para melhorar as práticas de ensino-aprendizagem no contexto da residência médica.

MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional, analítico, de abordagem quantitativa e qualitativa, em que foram convidados a participar todos os preceptores dos programas de residência médica das áreas de ginecologia e obstetrícia, pediatria, terapia intensiva pediátrica e neonatologia de um hospital terciário do interior de São Paulo, que desempenham as funções de preceptoria há, pelo menos, um ano. Foi definida uma amostra de conveniência, com preceptores dos programas relacionados ao atendimento materno-infantil e pediátrico, considerando as inter-relações entre as atividades desenvolvidas, o compartilhamento de ambientes e estruturas, e as interfaces de planejamento e desfechos. Excluíram-se os preceptores que estavam afastados de suas funções no período da coleta dos dados ou que não concordaram em participar. Os dados foram coletados no período de abril e maio de 2023.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em que foi realizado, sob o Parecer nº 6.034.938, e aplicou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) a cada participante. Após o esclarecimento de dúvidas e a assinatura do TCLE, foi entregue o questionário, na forma impressa ou formulário eletrônico, de acordo com a preferência do participante. Os questionários respondidos na forma impressa foram recolhidos pessoalmente pela pesquisadora, após uma semana da entrega. Para garantir a confidencialidade, não houve identificação nominal nos questionários.

O questionário consistia em três partes: questões sociodemográficas, questões estruturadas e questões abertas. As questões estruturadas foram obtidas a partir do instrumento validado por Girotto11; já as questões sociodemográficas e as questões abertas utilizadas foram adaptadas para caracterizar a população específica do estudo e os aspectos voltados à prática da preceptoria.

As questões sociodemográficas incluíram dados como idade, sexo, especialidade, titulação, tempo de graduação, tempo de preceptoria e número de residentes sob supervisão diariamente. Para a análise dos dados referentes às questões sociodemográficas, utilizou-se a estatística descritiva por meio de cálculo de médias e desvios padrão.

As questões estruturadas foram apresentadas como 35 afirmações em escala do tipo Likert, com cinco opções de resposta: concordo totalmente (CT), concordo parcialmente (CP), indiferente (I), discordo parcialmente (DP) e discordo totalmente (DT). As questões referiam-se a cinco domínios: 1. competência pedagógica, 2. suporte e recursos educacionais, 3. planejamento do programa educacional, 4. integração ensino-serviço e 5. presença do estudante no campo de prática.

Para as questões estruturadas, calcularam-se a porcentagem de respostas CT e CP, consideradas como “percepção positiva”, e a porcentagem de respostas I, DP, DT, consideradas como “percepção negativa”. Também se atribuiu um escore a cada resposta: CT = 5, CP = 4, I = 3, DP = 2 e DT = 1, analisados por meio de estatística descritiva. Nas afirmações que representam conceitos negativos, os escores foram invertidos. Para a comparação dos escores dos domínios entre as especialidades, utilizou-se o método One-Way Anova, com nível de significância de 5%.

Ao fim do questionário, apresentaram-se três perguntas abertas a respeito da opinião do preceptor sobre a preceptoria, pontos positivos e pontos a serem melhorados em sua prática. Para a análise das respostas referentes às questões abertas, adotou-se a análise de conteúdo12, na qual os resultados foram dispostos em categorias, baseadas nos discursos dos participantes, sendo então confrontados com a literatura vigente.

RESULTADOS

No período do estudo, 47 preceptores foram convidados para participar da pesquisa; todos concordaram em participar, porém dois não devolveram os impressos respondidos. Incluíram-se 45 preceptores (95,7%): 22 de pediatria (48,9%), 11 de ginecologia-obstetrícia (24,5%), seis de neonatologia (13,3%) e seis de terapia intensiva pediátrica (13,3%).

A média de idade dos participantes foi de 43,3 anos (± 8,5 anos), dos quais 34 estavam na faixa etária de 30 a 49 anos (75,5%). Trinta e seis eram do sexo feminino (80%). O tempo médio de graduação foi de 16,5 anos (± 7,9 anos), e 37 preceptores tinham dez anos ou mais de formação na graduação médica (82,2%). O tempo médio de exercício da preceptoria foi de 7,6 anos (± 5,8 anos), com 57,7% dos participantes há cinco anos ou mais na função. Todos concluíram residência médica, e 38 participantes (84,4%) possuíam título de especialista em sua área de atuação. Três participantes haviam concluído o mestrado (6,7%), e um havia concluído o doutorado (2,2%). O número médio de residentes sob supervisão diariamente foi de 2,6 (± 1,3).

Considerando as questões estruturadas e os cinco domínios avaliados, houve predomínio da percepção positiva nos domínios competência pedagógica, integração ensino-serviço e presença do residente no campo de prática. A proporção de percepções negativas foi maior nos domínios suporte e recursos educacionais e planejamento do programa educacional, conforme descrito nas Tabelas de 1 a 5.

Tabela 1
Proporção de percepções positivas e negativas no domínio 1: competência pedagógica.
Tabela 2
Proporção de percepções positivas e negativas no domínio 2: suporte e recursos educacionais.
Tabela 3
Proporção de percepções positivas e negativas no domínio 3: planejamento do programa educacional.
Tabela 4
Proporção de percepções positivas e negativas no domínio 4: integração ensino-serviço.
Tabela 5
Proporção de percepções positivas e negativas no domínio 5: presença do residente no campo de prática.

Considerando o escore atribuído aos diferentes domínios, observamos a distribuição descrita no Gráfico 1.

Gráfico 1
Escore por domínio, total e por especialidade.

Comparando-se os escores de cada especialidade em cada domínio, não houve diferença estatisticamente significativa.

Em relação à análise qualitativa, nas respostas à questão “Em sua opinião, o que é preceptoria em residência médica”, a categoria que ganhou mais destaque foi “Orientar e acompanhar a formação do especialista”, emergindo o papel do preceptor para acompanhar, guiar, auxiliar, apoiar, incentivar e direcionar o residente em relação ao raciocínio clínico, às habilidades e aos procedimentos técnicos, à postura, à ética e ao profissionalismo. Outra categoria evidenciada foi “relação teoria e prática”, trazendo o preceptor como um guia para as vivências práticas, na vida real, das informações e dos conhecimentos teóricos. Uma terceira categoria observada foi “transmissão de conhecimento”, que traz o preceptor como o responsável por ensinar o residente.

Quanto aos aspectos positivos relacionados à prática em preceptoria, a categoria de maior destaque foi “necessidade de atualização contínua”, relacionando a prática da preceptoria como estímulo ao estudo e à aprendizagem próprios. Outra categoria evidenciada foram “interações e relacionamentos positivos”, tanto entre preceptor e residente quanto com a equipe multiprofissional. “gratificação pessoal e profissional” e “diversidade de experiências que potencializam o aprendizado” também emergiram como categorias de aspectos positivos relacionados à prática da preceptoria.

Os aspectos a serem melhorados, relacionados à prática em preceptoria, tiveram como principal categoria a “necessidade de maior espaço participativo no planejamento e interação com a coordenação dos programas” e, em seguida, a categoria “necessidade de capacitação em preceptoria e aspectos pedagógicos”. Duas outras categorias relacionaram-se à “Falta de estímulo à pesquisa” e “falta de acesso a periódicos e meios de atualização”, assim como a categoria “falta de remuneração e formalização da função de preceptor”.

DISCUSSÃO

A figura do preceptor é fundamental na formação do especialista, no contexto da residência Médica, como guia e orientador do processo de aprendizado do residente ao utilizar estratégias profundas de aprendizagem, integrar saberes teóricos e práticos, e motivar o desejo intrínseco pelo saber99. Skare TL. Metodologia do ensino na preceptoria da residência médica. Rev Med Res. 2012;4(2):116-20.. Na Resolução nº 16 da CNRM, de 30 de setembro de 2022, especifica-se o seguinte:

[...] o preceptor deverá ser médico com especialização reconhecida pela CNRM, que atua na orientação direta junto às atividades teórico-práticas dos médicos residentes, que tem compromisso com a formação do médico residente, responsável por ensinar, orientar, conduzir, acompanhar e supervisionar o desenvolvimento integral dos médicos residentes, atuando como mediador no processo de ensino-aprendizagem, caracterizados por treinamento em serviço e atividades teórico-complementares nos diversos cenários de prática, baseada na aquisição de competências, traduzidas como conhecimentos, atitudes e habilidades técnicas relacionadas ao Programa de Residência Médica de determinada área 13 13. Brasil. Resolução CNRM no 16, de 30 de setembro de 2022. Dispõe sobre estrutura, organização e funcionamento das Comissões de Residência Médica (COREMEs) nas instituições de saúde que oferecem os Programas de Residência Médica (PRMs) e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior; 2022 [acesso em 23 jun 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/residencia-medica/Resolucao_n__16Coreme.pdf.
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Nessa recente resolução, encontram-se elementos que expandem o entendimento do papel do preceptor, colocando-o como mediador da aprendizagem e da prática voltada para a aquisição de competências.

Considerando os aspectos sociodemográficos, em encontramos, em nossa casuística, um grupo de preceptores experientes, a maioria entre 30 e 49 anos, com mais de dez anos de formação médica e exercendo a preceptoria há mais de cinco anos. Tais resultados são semelhantes aos descritos em diversos outros estudos88. Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na residência médica em pediatria: principais atributos. J Pediatr. 2000;76(5):333-8.),(1414. Carvalho Filho AM, Santos AA, Wyszomirska RMAF, Medeiros ICF. Preceptores de residência médica: perfil epidemiológico e capacitação pedagógica. Rev Bras Educ Med . 2020;44(4):e159.),(1515. Carvalho Filho AM, Santos AA, Wyszomirska RMAF, Gauw JH, Gaia IMSRS, e Houly RM. Preceptores de residência médica em anestesiologia e sua visão como formador de anestesiologistas: um olhar atento. Braz J Anesthesiol. 2022; 72(4):542-8.. Observou-se predominância de preceptores do sexo feminino, o que condiz com a pesquisa Demografia médica no Brasil 20231616. Scheffer M, Guilloux AGA, Miotto BA, Almeida CJ, Guerra A, Cassenote A et al. Demografia médica no Brasil 2023. São Paulo: FMUSP, AMB; 2023. a respeito do aumento na proporção de mulheres na população médica, em especial nas especialidades que participaram da presente pesquisa: pediatria (75,6% do sexo feminino) e obstetrícia-ginecologia (60,9% do sexo feminino).

Quanto à formação, todos os participantes possuíam certificado de conclusão de residência médica na especialidade ou área de atuação, conforme especificado pela Resolução no 4/197844. Brasil. Resolução CNRM no 4, de 9 de novembro de 1978. Estabelece normas gerais, requisitos mínimos e sistemática de credenciamento da Residência Médica. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior ; 1978 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/95151-resolucao-04-1978/file .
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e pela Resolução no 16/221313. Brasil. Resolução CNRM no 16, de 30 de setembro de 2022. Dispõe sobre estrutura, organização e funcionamento das Comissões de Residência Médica (COREMEs) nas instituições de saúde que oferecem os Programas de Residência Médica (PRMs) e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Superior; 2022 [acesso em 23 jun 2023]. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/residencia-medica/Resolucao_n__16Coreme.pdf.
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da CNRM, e uma parcela majoritária dos participantes tinha título de especialista, porém uma parcela muito pequena dos participantes havia concluído o mestrado ou doutorado. Na literatura, encontramos uma grande variabilidade em relação a esse tópico. Há estudos que mostram proporções baixas de preceptores com titulação acadêmica1717. Souza AAR. Perfil pedagógico da preceptoria da residência médica em anestesiologia da cidade de Manaus [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2018 [acesso em 23 jun 2023]. Disponível em: Disponível em: https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/6435 .
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, como em nossa pesquisa, porém há outros trabalhos que evidenciam de 45% a 50% de preceptores com titulação acadêmica88. Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na residência médica em pediatria: principais atributos. J Pediatr. 2000;76(5):333-8.),(1818. Botti SHO. O papel do preceptor na formação de médicos residentes: um estudo de residências em especialidades clínicas de um hospital de ensino [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca; 2009 [acesso em 23 jun 2023]. Disponível em: Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/bilstream/icici/2582/1/ENSP_Tese_Botti_Sergio_Henrique.pdf .
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. Essa variação pode estar relacionada ao fato de a instituição de saúde que abriga o programa de residência médica não ser universitária, ou seja, ligada a uma instituição de ensino superior; dessa forma, o acesso à titulação acadêmica, como mestrado e doutorado, pode ser menor.

Em relação aos cinco domínios avaliados pelo questionário estruturado, observamos que houve a predominância da percepção positiva nos domínios 1, 4 e 5.

No domínio 1, referente à competência pedagógica, a grande maioria dos preceptores considera-se apta ao exercício da preceptoria, pois identifica as próprias necessidades de aprendizado e mantém uma atualização constante, além de fazer correlação teórico-prática e incluir conhecimentos, atitudes e habilidades nos objetivos de aprendizado. Essa predominância de percepção positiva pode estar relacionada ao perfil sociodemográfico de nossa casuística, caracterizada por preceptores com tempo de formação e experiência clínica e na preceptoria. A avaliação do residente também é reconhecida como parte da função de preceptor. Observa-se ainda a satisfação da maioria dos preceptores, que consideram que o exercício da preceptoria melhora a qualidade de vida deles. O exercício da preceptoria nem sempre é uma escolha pessoal, mas uma atribuição por trabalhar em uma instituição que abriga programas de residência médica, e, muitas vezes, o estímulo para a prática depende mais de fatores motivadores intrínsecos do que extrínsecos1919. Bentes A, Leite AJM, Montenegro APDR, Paiva Júnior BR, Fernandes CR, Chiesa D et al. Preceptor de residência médica: funções, competências e desafios. A contribuição de quem valoriza porque percebe a importância: nós mesmos! Cadernos Abem. 2013;9:32-8..

No domínio 4, referente à integração ensino-serviço, houve o predomínio da percepção positiva, por meio da integração de aspectos biológicos, sociais e culturais no processo saúde-doença, e a consideração das necessidades de saúde da população em sua prática de ensino. Essa perspectiva reflete o entendimento dos preceptores, em consonância com a Organização Mundial da Saúde, de que “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”2020. Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) - 1946 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5733496/mod_resource/content/0/Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20da%20Sa%C3%BAde%20%28WHO%29%20-%201946%20-%20OMS.pdf .
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. É de igual importância observar que a maioria dos preceptores contextualiza a prática de ensino a partir das necessidades da população que atende, reforçando a diretriz de participação social do SUS2121. Rolim LB, Cruz RSBLC, Sampaio KJAJ. Participação popular e o controle social como diretriz do SUS: uma revisão narrativa. Saúde em Debate. 2013;37:139-147., incorporado à formação do especialista.

No domínio 5, presença do residente no campo de prática, observou-se predomínio de percepções positivas, o que melhora a qualidade do serviço e é fonte de aprendizado também para o preceptor. Nesse domínio, a única afirmativa em que houve predomínio de percepção negativa foi “Sou remunerado para ser preceptor”. O reconhecimento da função de preceptor e a remuneração específica são lacunas importantes ainda existentes nas normatizações referentes ao funcionamento dos programas de residência médica no Brasil. A inexistência de regulamentação específica do exercício da preceptoria pode ser considerada um fator desencadeante dos inúmeros problemas enfrentados na prática, como a seleção dos preceptores, o estímulo ao desenvolvimento de competências de educador, o apoio à atualização continuada, a adequação da carga de trabalho considerando o aspecto educativo, entre outros2222. Soares ACP, Maiorquim CR, Souza CRO, Vale DNF, Fujimoto DE, Fagundes FP et al. A importância da regulamentação da preceptoria para a melhoria da qualidade dos programas de residência médica na Amazônia Ocidental. Cadernos Abem . 2013;9:14-22..

Nos domínios 2 e 3, suporte e recursos educacionais e planejamento do programa educacional, respectivamente, concentraram-se as respostas com predomínio de percepção negativa.

No domínio 2, suporte e recursos educacionais, observa-se que 75% dos preceptores pontuam não ter recebido formação pedagógica para desenvolver a preceptoria, o que é conflitante com a percepção positiva majoritariamente positiva do domínio 1, competência pedagógica. É possível que, no domínio 1, tenham interpretado as afirmações da perspectiva clínica considerando sua formação e expertise na prática médica. A falta de formação pedagógica específica para o exercício da preceptoria é encontrada em diversos estudos88. Wuillaume SM, Batista NA. O preceptor na residência médica em pediatria: principais atributos. J Pediatr. 2000;76(5):333-8.),(1414. Carvalho Filho AM, Santos AA, Wyszomirska RMAF, Medeiros ICF. Preceptores de residência médica: perfil epidemiológico e capacitação pedagógica. Rev Bras Educ Med . 2020;44(4):e159.),(1717. Souza AAR. Perfil pedagógico da preceptoria da residência médica em anestesiologia da cidade de Manaus [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2018 [acesso em 23 jun 2023]. Disponível em: Disponível em: https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/6435 .
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. Em 2012, a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem), em parceria com o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde, implementou o Projeto de Desenvolvimento de Competência Pedagógica para a Prática da Preceptoria na Residência Médica, com a capacitação de 320 preceptores, em locais estratégicos das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, produzindo importantes reflexões e propostas para qualificar o ensino no âmbito da residência médica2323. Afonso DH, Streit DS e Silveira LMC. Associação Brasileira de Educação Médica. Cadernos da ABEM. 2013.. Tal resultado resgata a visão de que “não basta saber o conteúdo, é necessário saber ensinar”77. Ribeiro KRB, Prado ML, Backes VMS, Mendes NPN, Mororó DDS. Ensino nas residências em saúde: conhecimento dos preceptores sob análise de Shulman. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):e20180779., a partir da perspectiva dos próprios preceptores. E o reflexo dessa visão pode ser encontrado também na percepção dos residentes a respeito de seus preceptores, vistos como guias para o aprendizado e modelos profissionais, além dos aspectos meramente técnicos2424. Costa JBR, Austrilino L, Medeiros ML. Percepções de médicos residentes sobre o programa de residência em pediatria de um hospital universitário público. Interface (Botucatu). 2021;25:e210215.),(2525. Thyness C, Steinsbekk A, Andersson V, Grimstad H. What aspects of supervised patient encounters affect students’ perception of having an excellent learning outcome? A survey among European medical students. Adv Med Educ Pract. 2023;14:475-85..

No domínio 3, planejamento do programa educacional, observa-se percepção negativa a respeito da autonomia do preceptor para definir propostas educacionais e também da reorganização de suas atividades assistenciais em conjunto às atividades de ensino. Merece destaque a percepção negativa predominante relacionada à possibilidade de desenvolver pesquisa com os residentes. O desenvolvimento de pesquisas e estudos científicos é um desafio em nível nacional, com problemas de financiamento e a lacuna entre produção científica e as práticas em saúde2626. Santos AO, Barros FPC, Delduque MC. A pesquisa em saúde no Brasil: desafios a enfrentar. Saúde Debate. 2019;43(5):126-36..

Cerca de 44% dos participantes afirmam desconhecer a matriz de competências de seu programa de residência, o que é preocupante, ainda que não seja a resposta da maioria. No que concerne aos programas de residência aos quais pertencem os preceptores que participaram da presente pesquisa, as matrizes de competências2727. Brasil . Resolução CNRM no 1, de 29 de dezembro de 2016. Dispõe sobre os requisitos mínimos do Programa de Residência Médica em Pediatria e dá outras providências. Diário Oficial da União; 30 dez 2016. Seção 1, p. 200.)-(2929. Brasil. Resolução CNRM no 3, de 8 de abril de 2019. Dispõe a matriz de competências dos Programas de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia. Diário Oficial da União ; 11 abr 2019. Seção 1, p. 192. estão definidas e disponíveis, e, por isso, devem ser incorporadas aos planejamentos pedagógicos dos programas de residência, considerando-se a perspectiva do ensino e da avaliação dos residentes.

Globalmente, com base em todas as respostas às questões estruturadas e em seus respectivos escores, observamos resultados bastante próximos aos descritos por Carvalho Filho et al.3030. Carvalho Filho AM, Santos AA, Wyszomirska RMAF, Gauw JH, Gaia IMSRS e Houly RM. Formação na residência médica: visão dos preceptores. Rev Bras Educ Med . 2022;46(2):e052., em estudo realizado com preceptores de residência médica em Maceió, em Alagoas, tanto nas percepções positivas quanto nas negativas. Diferentemente desse estudo, realizado em instituições universitárias e privadas, os preceptores dos programas de residência médica avaliados em nossa pesquisa pertencem a uma instituição hospitalar pública municipal, não universitária, em que a estruturação das atividades da preceptoria não está ligada a uma instituição de ensino. Apesar das diferenças entre as instituições, os apontamentos dos preceptores são semelhantes, destacando-se a falta de formação pedagógica e de remuneração adequada à preceptoria, o que evidencia que os problemas não são estritamente locais, mas compartilhados por diversas instituições, com perfis diferentes, e, dessa forma, é necessário buscar soluções em níveis mais amplos.

Uma das limitações do presente estudo está relacionada ao entendimento das afirmativas com escore invertido, ou seja, em que os maiores valores numéricos estão relacionados a uma percepção negativa. Esse aspecto foi explicado aos participantes da pesquisa, e realizou-se separadamente a análise do escore dessas afirmativas para evitar equívocos. Além disso, uma outra fragilidade do presente estudo refere-se ao número de preceptores participantes, tratando-se de uma amostra de conveniência, em uma única instituição; os programas de residência participantes do estudo possuem 45% dos residentes totais da instituição.

Quanto à análise qualitativa das perguntas abertas, como “O que é preceptoria em residência médica”, observamos que a concepção dos participantes da pesquisa vem ao encontro dos papéis e das atribuições descritos na literatura66. Botti SHO, Rego S. Preceptor, supervisor, tutor e mentor: quais são seus papéis? Rev Bras Educ Med. 2008;32(3):363-71.),(1010. De Paula GB, Toassi RFC. Papel e atribuições do preceptor na formação dos profissionais da saúde em cenários de aprendizagem do Sistema Único de Saúde. Saberes Plurais - Educação na Saúde. 2021;5(2):125-42.),(1111. Girotto LC. Preceptores do Sistema Único de Saúde: como percebem seu papel em processos educacionais na saúde [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016 [acesso em 16 jan 2023]. Disponível em: Disponível em: http://fm.usp.br/cedem/conteudo/publicacoes/cedem_129_dissertacao_leticia_cabrini_girotto.pdf .
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, evidenciando sua consciência a respeito de sua importância na formação do residente. Em toda a história da educação médica, a figura do preceptor é uma constante, em que a formação do novo profissional é apoiada, guiada por um profissional mais experiente3131. Mattos MCI. Ensino médico: o que sabemos? Interface (Botucatu) . 1997;1(1):193-196. doi: https://doi.org/10.1590/S1414-32831997000200016.
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),(3232. Rebollo RA. Considerações sobre o estabelecimento da medicina no tratado hipocrático sobre a arte médica. Sci Stud. 2003;1(3):275-97.. No entanto, nas últimas décadas, destacam-se a perspectiva do protagonismo do aprendiz no processo ensino-aprendizagem e o papel do preceptor como facilitador da aprendizagem e não detentor exclusivo do conhecimento3333. Boscov C. O impacto do ensino centrado no aluno no processo de aprendizado. RAGC. 2020;8(36):79-93.. Com isso, já não se enxerga o aprendiz como uma tábula rasa, mas como um ser que participa de forma ativa no processo e expande a forma de atuação do preceptor para além da simples transmissão de informações3434. Botti SHO, Rego STA. Docente-clínico: o complexo papel do preceptor na residência médica. Physis. 2011;21(1):65-85., buscando um modelo de coprodução do aprendizado, a partir da parceria entre ambos, aprendiz e preceptor3535. Englander R, Holmboe E, Batalden P, Caron RM, Durham CF, Foster T et al. Coproducing health professions education: a prerequisite to producing health care services? Acad Med. 2020;95(7):1006-13.. Dessa forma, torna-se imprescindível que o preceptor domine ferramentas como a metodologia da problematização3636. Villardi ML, Cyrino EG, Berbel NAN. A problematização em educação em saúde: percepções dos professores tutores e alunos. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2015 [acesso em 23 jun 2023]. Disponível em: Disponível em: https://static.scielo.org/scielobooks/dgjm7/pdf/villardi-9788579836626.pdf .
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, o team-based learning3737. Oliveira BLCA, Lima SF, Rodrigues LS, Pereira Júnior GA. Team-based learning como forma de aprendizagem colaborativa e sala de aula invertida com centralidade nos estudantes no processo ensino-aprendizagem. Rev Bras Educ Med . 2018;42:86-95., o modelo Preceptoria em um Minuto3838. Chemello D, Manfrói WC, Machado CLB. O papel do preceptor no ensino médico e o modelo Preceptoria em um Minuto. Rev Bras Educ Med . 2009;33:663-8., entre outras, para incentivar e apoiar a postura ativa do residente.

Na pergunta “Quais os pontos positivos relacionados à sua prática em preceptoria”, o aspecto de maior destaque foi a percepção da prática em preceptoria como oportunidade e fator motivador para manter-se constantemente atualizado. Isso demonstra a preocupação dos participantes desta pesquisa com o conhecimento e a implementação de boas práticas atuais. Observa-se a satisfação pessoal e profissional como um fator bastante positivo em relação ao exercício da preceptoria. As categorias identificadas corroboram as percepções positivas encontradas nos diferentes domínios.

Considerando a pergunta “Quais os aspectos a serem melhorados em sua prática de preceptoria”, observamos o relato de diversos aspectos que corroboram as percepções negativas evidenciadas nas questões estruturadas. Merece destaque a necessidade de maior espaço participativo no planejamento das atividades, assim como a imprescindibilidade de capacitação pedagógica. Aqui também aparecem o interesse de desenvolver pesquisa com os residentes e a necessidade de formalização da função de preceptor dentro da instituição, inclusive nos aspectos financeiros.

O apoio institucional e a busca pela regulamentação da preceptoria são necessários3939. Santos AC, Moraes AVS, Costa ACAC, Lima BLG, Vieira CAL, Silva CDA et al. Competências da preceptoria na residência médica. Cadernos Abem . 2013;9:40-5. para fortalecer a atuação do preceptor em seus aspectos pedagógicos e garantir estruturas e dinâmicas de trabalho adequadas, além de participação mais consistente no planejamento das atividades e no desenvolvimento de pesquisa, de modo a qualificar o ensino e a aprendizagem no âmbito da residência médica.

CONCLUSÃO

O papel do preceptor é fundamental para a boa formação do médico especialista no contexto dos programas de residência médica, ao integrar excelência técnica na especialidade e expertise pedagógica, e favorecer a aprendizagem significativa.

Os preceptores participantes desta pesquisa avaliaram-se aptos a desenvolver sua função de preceptoria, considerando sua competência técnica, porém destacando a necessidade de formação pedagógica específica. Avaliaram positivamente a integração serviço e ensino, inserindo o contexto da população atendida em suas práticas educacionais. Também consideraram positiva a presença do residente no campo de prática.

Em relação aos recursos e ao suporte educacionais e ao planejamento educacional, sinalizaram a necessidade de maiores espaços participativos e comunicação com as coordenações dos programas, bem como maior estímulo à pesquisa com os residentes e a formalização da função da preceptoria na instituição.

As oportunidades de melhoria apontadas pelos preceptores podem ser consideradas um ponto de partida para a qualificação do ensino e do aprendizado desenvolvidos nos programas de residência. Capacitar os preceptores, a fim de qualificá-los pedagogicamente e permitir que eles busquem o reconhecimento de sua atuação, poderá melhorar a formação do médico especialista e a assistência à saúde.

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  • FINANCIAMENTO

    Declaro não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Roberto Esteves.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    01 Nov 2023
  • Aceito
    16 Ago 2024
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