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Uma Intervenção Urbana Performativa: deslocamentos de um bufão

Une Intervention Urbaine Performative: déplacements d’un bouffon

Resumo:

O artigo objetiva investigar a ação Bassibus, criada e executada pelo bufão contemporâneo Leo Bassi, que transita por temas e problemáticas que afetam o lugar da cidade e a seus habitantes. Ação que parodia a atividade turística, o Bassibus promove com seus participantes uma dinâmica de ocupação da cidade e o questionamento sobre as forças que nela incidem. Conclui-se que essa práxis de Bassi cria um fenômeno artístico que tangencia o político como processo intersubjetivo de reconfiguração do perceptível e do pensável, carregando um chamado de enfrentamento e resistência, tanto ao artista como ao espectador/participante, em face dos dispositivos de captura e expropriação do desejo.

Palavras-chave:
Bufonaria; Intervenção Urbana; Performatividade; Cidade; Antiturismo

Résumé:

L’article vise à étudier l’action du Bassibus, créée et réalisée par le bouffon contemporain Leo Bassi, qui parcourt des thèmes et des problèmes qui affectent la place de la ville et ses habitants. Action qui parodie l’activité touristique, Bassibus favorise avec ses participants une dynamique d’occupation de la ville et la remise en cause des forces qui l’affectent. Il est conclu que cette pratique de Bassi crée un phénomène artistique qui touche le politique en tant que processus intersubjectif de reconfiguration du perceptible et pensable, portant un appel à la confrontation et à la résistance, à la fois l’artiste et le spectateur/participant, face aux dispositifs de capture et expropriation du désir.

Mots-clés:
Buffoonery; Intervention Urbaine; Performativité; Ville; Antitourisme

Abstract:

The article aims to investigate the Bassibus action, created and performed by the contemporary buffoon Leo Bassi, who travels through themes and problems that affect the place of the city and its inhabitants. An action that parodies the touristic activity, Bassibus promotes with its participants a dynamics of occupation of the city and questioning about the forces that affect it. It is concluded that this Bassi’s praxis creates an artistic phenomenon that touches the political as an intersubjective process of reconfiguration of the perceptible and the thinkable, carrying a call for confrontation and resistance, both to the artist and to the spectator/participant, in the face of capture devices and expropriation of desire.

Keywords:
Buffoonery; Urban Intervention; Performativity; City; Anti-tourism

Introdução

Um ônibus de turismo com cinquenta passageiros atravessa as ruas de uma grande cidade destacando as dinâmicas arquiteturais e os planos urbanísticos dos locais por onde passa. A cada parada, o guia da excursão ressalta as características históricas e econômicas do lugar, além de suas implicações sociais. Esse seria um roteiro anódino ligado ao entretenimento turístico até que se observem os sítios por onde ele leva seus tripulantes: obras realizadas com grandes gastos de dinheiro público e que servem a uma parcela reduzida da população, bairros cujos moradores vão sendo expulsos pela especulação imobiliária e áreas verdes derrubadas em nome da construção desenfreada.

Nesse inventário de aberrações urbanísticas vão se cruzando personagens da vida cotidiana como empresários e políticos acusados de corrupção, cidadãos à margem dos processos econômico-sociais, vítimas anônimas que tentam com parcos recursos criar corpo e gerar resistência frente ao embrutecimento. O líder da excursão: o bufão franco-italiano Leo Bassi.

O presente artigo mantém como foco de estudo a ação Bassibus, investigando como essa obra artística, criada e executada por Bassi, transita por temas e problemáticas que afetam a todos nós, como a responsabilidade cidadã do artista, os modelos de expropriação e organização totalizadora do espaço urbano, suas dinâmicas de movimento e exclusão, bem como a capacidade da experiência artística em promover a ocupação simbólica e a reapropriação de lugares outrora confiscados por interesses escusos.

Bassibus: um antiturismo

Nascido em 1952, no interior de uma família circense cujos registros de atuação remontam ao ano de 18501 1 Informações biográficas retiradas do site do artista. Denominado Bassiblog, esse sítio constitui um canal de comunicação entre Leo Bassi, suas práticas artísticas e aqueles interessados em seu trabalho. Disponível em: <http://www.leobassi.com/biografia.html>. Acesso em: 23 dez. 2017. , Bassi atuou no início da carreira como malabarista e palhaço. Contudo, a partir da década de 1970, o artista passa a exercitar, longe da tradição dos picadeiros de circo, a liberação necessária para desenvolver um trabalho mais autoral por meio do jogo cômico, na busca por maneiras outras de relação com os espectadores.

Criando experiências cênicas provocadoras, calcadas, muitas vezes, no impacto e no espanto, Leo Bassi passa a se autodenominar, desde então, como bufão. Articulando acontecimentos, normas e vícios dos ordenamentos sociais, Bassi devolve-os ao espectador de maneira cômica e corrosiva, operando com maneiras de fazer críticas e desviantes do senso comum - transvertendo, inclusive, a imagem classicamente concebida da figura do bufão, ampliando o campo de ação da bufonaria2 2 Segundo Bakhtin (2010), um dos principais elementos ligados aos bufões diz respeito ao rebaixamento grotesco, processo pelo qual se realizaria a transferência dos ideais espirituais e abstratos à materialidade corpórea. Dessa forma, os bufões geralmente apresentavam deformidades corpóreas que aludiam à afirmação de intensidades, quando o corpo desviante era capaz de operar com indefinições e instabilidades em relação aos padrões normativos. Tais desvios concediam a essas figuras cômicas o direito de proferir discursos provocativos que carregavam uma pulsão desestruturante sobre valores, hierarquias e relações de poder. .

Bassi comumente se apresenta vestindo terno, gravata e sapato social, indumentárias muito distantes do imaginário de monstruosidade carregado pelos bufões. O próprio artista esclarece que a opção por utilizar um figurino discreto, diferente da caracterização excêntrica da bufonaria, parte de uma premissa de potencialização das relações com a assistência, gerando surpresas sobre o espectador com o objetivo de “[...] alargar o campo do jogo” (Bassi, 2001BASSI, Leo. Entrevista. Revista Anjos do Picadeiro 3, Rio de Janeiro, Teatro de Anônimo, 2001., p. 34).

A pesquisadora Elizabeth Lopes (2001LOPES, Elizabeth Silva. Ainda é Tempo de Bufões. 2001. 176 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. ), por sua vez, ressalta que a ambiguidade provocada pela bufonaria não se mantém restrita a uma corporeidade escandalosa ou a gestos histriônicos, mas compõe visões de mundo capazes de representar o ser humano em sua complexidade e amoralidade, espécie de superfície espelhada capaz de mostrar ao homem suas porções invertidas e degradadas.

Assim, seguindo a perspectiva provocadora da bufonaria, Bassi realiza a primeira ação denominada Bassibus - Viagem ao pior de Madrid, em 2004BASSI, Leo. A arte de provocar. Entrevista concedida a Jairo Máximo e Lois Valsa. Isto É, São Paulo, n.1714, 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.istoe.com.br/ reportagens/22763_A+ARTE+DE+PROVOCAR >. Acesso em: 11 maio 2016.
http://www.istoe.com.br/ reportagens/227...
, oferecendo o que afirma ser uma novidade mundial: o turismo político. Utilizando um ônibus especialmente preparado para conduzir cerca de cinquenta participantes a um passeio ciceroneado pelo artista e uma equipe de colaboradores, o bufão destaca que essa obra é um misto de jornalismo, espetáculo e provocação. A viagem levará seus passageiros ao coração de escândalos imobiliários, absurdos históricos relacionados ao passado do povo espanhol e espaços da cidade cujos processos de urbanização e construção acelerada têm sido alvo de denúncias de superfaturamento e corrupção política.

A primeira viagem do Bassibus foi organizada às vésperas da eleição espanhola de março de 2004BASSI, Leo. A arte de provocar. Entrevista concedida a Jairo Máximo e Lois Valsa. Isto É, São Paulo, n.1714, 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.istoe.com.br/ reportagens/22763_A+ARTE+DE+PROVOCAR >. Acesso em: 11 maio 2016.
http://www.istoe.com.br/ reportagens/227...
, pois, segundo o bufão: “Percebendo o estado desencorajado da oposição na Espanha, o Bassibus, em sua humilde proposta, pretende reavivar o espírito rebelde e crítico sem o qual a democracia não pode se desenvolver”3 3 “Constatando el estado desanimado de la oposición en España, el BassiBus, en su humilde propuesta, pretende reavivar el espiritu rebelde y crítico sin el que la democracia no puede desarrollarse”. Tradução minha a partir do sítio da web: <http://www.leobassi.com/bassibus/info-bassibus.html>. Acesso em: 20 jul. 2017. .

Apresentando itinerários diferentes e trajetos divulgados somente momentos antes de cada viagem, o Bassibus mantém em sua proposta o aporte irônico e provocativo das obras de Bassi. Em seu sítio da web, o artista defende sarcasticamente que essa ação está em consonância com as tendências turísticas espanholas e sua importância econômica, revolucionando a maneira de desfrutar de Madri - primeira cidade a receber a obra que, posteriormente, seria realizada em Barcelona, Lanzarote, Maiorca e Múrcia - oferecendo aos participantes a exploração do que Bassi define como “[...] selva de asfalto e sua fauna particular: especialmente os predadores”4 4 “[...] la selva asfáltica y su particular fauna: en especial a los depredadores”. Tradução minha do sítio supracitado. .

Nesta análise, abordarei de forma pormenorizada a excursão do Bassibus realizada na cidade espanhola de Barcelona, em julho de 2005, ação que gerara um filme de curta-metragem chamado BASSIBUS a Barcelona, obra de gênero documentário que entendo ultrapassar a função de registro videográfico, operando como um desdobramento espaço-temporal da ação de Bassi.

Disponível em uma das maiores plataformas de vídeos da web5 5 O documentário, BASSIBUS a Barcelona, pode ser encontrado em: <https://www.youtube.com/watch?v=sjza1hrf8kU>. Acesso em: 21 jul. 2017. , esse documentário amplia o alcance das denúncias produzidas durante a excursão, permitindo que os fatos que ela aborda, bem como o caráter provocativo da atuação de Bassi, sejam veiculados de maneira virtualmente irrestrita. Esse fator reforça a dimensão pública dessa obra artística e proporciona novas trocas no âmbito da coletividade, fazendo reverberar suas potências questionadoras para além do momento de sua realização, dilatando seu raio de alcance para lugares e pessoas que não participaram da experiência da excursão de maneira presencial.

O caráter de inserção do Bassibus na dimensão pública pode ser observado desde os seus momentos iniciais quando, antes que os participantes adentrem o ônibus de turismo, Bassi realiza uma fala na rua. Vestindo calça preta e camisa branca de estilo social, bem como sua tradicional gravata vermelha - o que confere um ar formal e sério ao bufão -, o artista discursa utilizando um microfone, fazendo ecoar sua voz pelo espaço público.

Ele se mantém de pé sobre uma elevação que o deixa acima dos demais, como se ocupasse posição num palanque - no filme não é possível afirmar com certeza, mas o bufão parece usar uma lixeira como púlpito. Bassi, então, esclarece ironicamente que aquela: “Será uma viagem a outro planeta. Um planeta diferente do nosso. Um planeta mais alegre, um planeta melhor. Povoado de gente que não tem nada a ver com gente normal como nós, de mortos de fome como nós [...]”6 6 Transcrição do vídeo mencionado. .

Ao ocuparem seus lugares no ônibus, os participantes recebem de uma simpática mulher, vestida com uniforme azul que lembra o de uma comissária de bordo, sacos de papel que trazem a provocação BASSIBUS: utilizar em caso de náusea ideológica, o que, juntamente com a proposta anunciada sobre a obra e o discurso de apresentação realizado por Bassi, antecipa o viés crítico sobre o espaço público e seus fluxos, que será o mote principal dessa ação artística.

Certeau (2014CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.) destaca que a Cidade seria constituída não por aglomerações de pessoas ou instituição dos poderes públicos, mas por conjuntos de operações e adensamento de trocas intersubjetivas. Nesse sentido, o espaço público se configura por sua multiplicidade de fluxos, não como território estanque. Dentre essas dinâmicas, o autor afirma que alguns feixes de trocas se destacariam como fluxos identitários daquela respectiva coletividade, construindo as noções de tradição de uma cidade, com valores e padrões comuns a seus sujeitos. Logo, é sobre esses fluxos tradicionais e identitários que a ação do Bassibus busca gerar intervenção.

E, assim, o ônibus de Bassi segue levando seus cinquenta passageiros para o primeiro lugar7 7 Certeau (2014), num olhar fenomenológico, estabelece a distinção entre lugar (ordem dos elementos espaciais distribuídos em relações de coexistência) e espaço (como lugar praticado, em relações singulares no mundo, apontando para uma dimensão existencial, como os sujeitos, em seus itinerários cotidianos, simbolizam o lugar a partir das interferências e o transformam a partir das suas ocupações, apropriações e vivências). Embora constitua um parâmetro interessante para pensar as relações espaciais, esta pesquisa não concorda com a distinção dos termos realizada pelo autor, uma vez que a ideia de transformação dos lugares em espaços, por meio das práticas subjetivas, parece apontar para uma ilusória possibilidade de livre escolha e apropriação do espaço urbano por seus ocupantes, fator que não me parece tão simples e nem tão acessível, conforme a ação Bassibus vem problematizar em seus enfrentamentos com as redes de força que incidem sobre o urbano. Dessa forma, a presente investigação opta por utilizar espaço e lugar como termos sinônimos. a ser visitado pela excursão, o bairro de Poblenou, antigo distrito industrial localizado junto à costa litorânea e que abriga a favela Mina, uma das mais pobres de Barcelona, comunidade que fora largamente afetada um ano antes pelo plano urbanístico chamado 22@. Também conhecido como Distrito da Inovação, o projeto arquitetônico promoveu a expulsão de centenas de famílias de baixa renda de suas residências em nome da criação de um território que seria transformado em centro de negócios, compras e área para construção de hotéis de luxo, iniciativa pública alinhada com grandes interesses imobiliários.

Dessa forma, o bufão começa a viagem do Bassibus efetuando denúncias que constituirão o foco principal da excursão: a adoção de um modelo de administração pública que privilegia o turismo e os investimentos de empresas privadas, em projetos de reorganização espacial que contribuem sobremaneira para o aumento das desigualdades econômico-sociais da cidade.

Ao longo do trajeto inicial, ainda dentro do ônibus, as comissárias de bordo exibem cartazes com fotografias de ocupantes de cargos políticos e empresários espanhóis envolvidos nas denúncias que serão realizadas ao longo da ação, sendo fornecidos seus nomes e dados relevantes de suas biografias, como suas ligações com empresas e partidos políticos, os cargos públicos que têm ocupado, denúncias de corrupção e improbidade administrativa, bem como os processos judiciais de que eles têm sido alvo.

No caso específico do Bassibus, pode-se observar que o bufão cria inicialmente um procedimento muito peculiar ao exercício de seu franco falar, lançando mão da exibição de placas que trazem estampados os rostos dos políticos e empresários envolvidos em suas denúncias. O artista realiza, ainda, a transmissão oral de informações que ele entende como necessárias para que o espectador/participante possa apreender o alcance das relações escusas existentes entre essas figuras públicas e as problemáticas de corrupção que afetam e constituem os lugares que serão visitados por sua excursão.

Assim, Bassi é capaz de levar até às últimas consequências suas opções artísticas, estas entendidas como exercícios de desnaturalização sobre o status quo, ainda que suas atuações lhe imputem inúmeros riscos, contaminando tanto o artista como o espectador/participante por esse chamado a uma responsabilidade de enfrentamento e resistência contra o embotamento das percepções em face dos dispositivos de captura e expropriação.

Nesse sentido, entendo que Bassi, ao criar suas estratégias, gera um fenômeno artístico que tangencia o que Caballero (2011CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares: teatralidades, performances e política. Uberlândia: EDUFU, 2011. ) chamaria de responsabilidade cidadã do artista, numa perspectiva em que a arte incita reflexões que ultrapassam as classificações estéticas para adentrar o campo do convívio como espaço de diálogo e encontro. Nas palavras da autora, uma das potências de afeto da arte, em sua força latente de intervenção nas percepções dos indivíduos de determinada sociedade, passaria pelo entendimento de que (nós) artistas:

[...] somos todos cidadãos que através do posicionamento na tribuna artística - que é uma tribuna por excelência política - temos um espaço privilegiado para poder colocar o pensamento ou o que se quer dizer, tanto de uma maneira direta, quanto através de uma dimensão metafórica (Caballero, 2011CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares: teatralidades, performances e política. Uberlândia: EDUFU, 2011. , p. 203).

Uma vez que o exercício da cidadania implica em direitos e deveres, apontando para a participação dos sujeitos nas dinâmicas da vida pública, o Bassibus coloca o espectador/participante no centro de uma experiência que insiste em confrontar o silenciamento e a aparente naturalidade de processos nocivos que afetam a todos nós, clamando coletivamente por posicionamentos críticos.

Retomando o exemplo da excursão do Bassibus em Barcelona, ainda durante o caminho a Poblenou, além de tratar do polêmico projeto urbanístico 22@, apontando suas implicações socioeconômicas, Bassi destaca a realização do Fórum das Culturas, evento organizado pela prefeitura barcelonesa, no ano de 2004. Baseado oficialmente na promoção da sustentabilidade e do multiculturalismo, essa iniciativa teria permitido, na prática, a valorização de terrenos públicos em favor de interesses econômicos de ordem privada, através da construção de um grande espaço junto ao mar rodeado por hotéis, empresas de tecnologia e edifícios para convenções.

O bufão ressalta o fato de que a construção das instalações do Fórum, ocupando uma grande área de terreno público, cortara definitivamente a paisagem, impedindo o acesso dos moradores pobres da favela Mina ao litoral. Logo, a primeira parada do Bassibus em Barcelona, realizada na área arquitetônica do Fórum das Culturas, conduz os participantes a um local capaz de gerar debates e indagações sobre temas de caráter público e interesse coletivo, sobretudo acerca dos processos de gentrificação.

Bidou-Zachariasen (2006BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De Volta à Cidade: dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros urbanos. São Paulo: Annablume, 2006.) esclarece que, mais do que um fenômeno físico e econômico, a gentrificação possui fortes características culturais e sociais, sendo considerada como umas das principais estratégias do capitalismo globalizado, quando determinada área urbana vai sendo requalificada por um duplo processo: de um lado, a demanda é criada pelo setor imobiliário, que investe na construção de habitações de médio e alto padrão, estimulando a ocupação desses locais pela classe média; por outro, há a oferta, partindo de negociações e negociatas entre a esfera governamental e o setor privado, de novos serviços, modelos de segurança vendidos como mais efetivos e espaços destinados ao consumo (lojas, restaurantes, shoppings) e ao entretenimento (centros culturais, livrarias, museus, galerias de arte).

Objetivando entender melhor as implicações da gentrificação, destaco a noção de Cidade-conceito, desenvolvida por Certeau (2014CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), ao afirmar que o espaço da cidade carrega em seu âmbito o projeto de articular e superar as contradições advindas da aglomeração urbana, primando, através de seus modelos e planejamentos, por paradigmas de organização racional que sufoquem e recalquem as poluições (físicas, mentais, políticas) que poderiam comprometer sua própria gestão, bem como a gestão do sistema que lhe produz e reproduz. Em suas palavras:

Nesse lugar organizado por operações ‘especulativas’ e classificatórias, combinam-se gestão e eliminação. De um lado, existem uma diferenciação e uma redistribuição das partes em função da cidade, graças a inversões, deslocamentos, acúmulos etc.; de outro, rejeita-se tudo aquilo que não é tratável e constitui, portanto, os ‘detritos’ de uma administração funcionalista (anormalidade, desvio, doença, morte etc.). [...] Assim funciona a Cidade-conceito, lugar de transformações e apropriações, objeto de intervenções [...] a cidade serve de baliza ou marco totalizador e quase mítico para as estratégias socioeconômicas e políticas [...] (Certeau, 2014CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 160-161).

Expondo as contradições da cidade e de seus modelos de gestão, Bassi demonstra como esse tipo de paradigma se apoia sobre bases constituídas por aberrações como exclusão social, acirramento da marginalidade às populações de baixo poder aquisitivo, exploração do medo e do preconceito diante dos abismos da desigualdade econômico-social, eliminação da diferença.

Na perspectiva consumista e funcionalista da cidade, uma das grandes consequências da exclusão e gentrificação, e talvez a mais cruel, é logo sentida pelas famílias de baixa renda que outrora habitavam a região revitalizada, sendo elas expulsas de suas residências, como ‘detritos’ que precisam ser eliminados seja pelo processo de especulação imobiliária, ou mesmo através de ações judiciais de despejo e desapropriação, sendo substituídas pela classe economicamente mais forte. Essa problemática não seria diferente com os moradores da favela Mina em Poblenou, alvos marginalizados e sem recursos diante de tantos predadores na lei especulativa e excludente da selva urbana - para lembrar a própria imagem criada pelo bufão no discurso inicial do Bassibus.

Pensando na constituição marginal que permeia a história da bufonaria, com seus sujeitos aberrantes e atravessados pela exclusão, estatuto de exterioridade que os permitia comentar e ridicularizar impunemente seus alvos, pode-se perceber o procedimento de ação do Bassibus como uma experiência de bufão, carregando os discursos dos que estão à margem dos poderes e que tantas vezes acabam neutralizados e silenciados.

Na contramão dos processos de organização e eliminação de heterogeneidades, esse bufão elabora, por meio do Bassibus, o que entendo como um evento de antiturismo, fenômeno turístico fora da ordem de circulação, ação de caráter interventivo que proporciona a ocupação efêmera e a reapropriação, por parte do seu grupo de passageiros/participantes, de espaços outrora confiscados por interesses especulativos e higienizadores.

O turismo, conforme destaca Debord (1997DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.), entende as dinâmicas da circulação humana como um consumo, subproduto da circulação de mercadorias, constituindo uma das atividades econômicas que promove a superficialização da experiência através da compra e venda de serviços. Embora seja defendida por muitos discursos governamentais como oportunidade necessária ao desenvolvimento, não se pode esquecer que a atividade turística é um dos braços do processo de reorganização espacial capitalista, permeado pela expropriação de lugares e a consequente gentrificação ou exploração de suas populações, dinâmica invasiva que ocorre em âmbito mundial.

Invertendo a própria lógica de apropriação capitalista para dela retirar potências críticas, Bassi subverte o esquema de consumo do aparato turístico, sem perder, contudo, a relação com seus elementos. Por meio das características estruturais do Bassibus - como a realização de uma excursão roteirizada, a visita guiada a lugares previamente escolhidos e a exposição das características desses locais, além da utilização de um ônibus preparado para receber confortavelmente os participantes e propiciar seu deslocamento com a participação de uma equipe responsável pela função de comissários de bordo -, o artista estabelece uma circulação outra, escavando a experiência turística por dentro, para gerar confrontos crítico-reflexivos.

Por meio de uma operação paródica sobre a atividade turística, mantendo ligações referenciais com o turismo, pretexto que origina ressignificações, Bassi produz acontecimento em seu turismo político, como ele o denomina, promovendo com seus cinquenta participantes a efêmera ocupação do lugar da cidade e o questionamento sobre as forças que nele incidem.

O Bassibus gera, assim, a inversão do turismo - como é próprio de uma ação criada por um bufão e seu modus operandi de abordagem do mundo pelos seus avessos e ambiguidades -, antiturismo que dá lugar e voz aos supostos detritos que vão sendo eliminados por dinâmicas administrativas de caráter funcional e totalizante.

A dinâmica de movimento e circulação dessa ação se afasta do caráter de consumo turístico do viajante-espectador, que percorre ou contempla (Augé, 2005AUGÉ, Marc. Não-Lugares. Introdução a uma antropologia da sobremodernidade. Lisboa: 90 graus, 2005.), para demandar dos participantes a cocriação da obra artística através da mobilização de seu papel de testemunhas e atores dos processos sociais, requisitando uma reflexão produzida in loco pela experiência que afeta seus corpos.

Pensando-se a sociedade como uma construção que gira em torno de fluxos - fluxos de capital, de informação, de tecnologia, de interação organizacional, de imagens, sons e símbolos -, em processos que determinam as práticas sociais (Castells, 2000CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.), a obra Bassibus vai criando uma dinâmica outra de atravessamento nos fluxos de circulação. Promovendo o que entendo como uma dinâmica de intervenção urbana performativa, essa ação privilegia a imersão do corpo dos participantes no acontecimento artístico, na cocriação da ação, colocando em jogo sua subjetividade e capacidade de afetos.

Atuando diretamente no lugar da cidade, as intervenções artísticas urbanas, em sua pluralidade de ações, provocam e precipitam ressignificações e sentidos outros aos espaços, apontando para um campo híbrido, que embaralha contexto social, político, cultural e artístico. Nesse sentido, destaca Brissac (1998BRISSAC, Nelson. Arte e cidade. In: MIRANDA, Danilo Santos de. Arte Pública. São Paulo: Sesc, 1998. , p. 117):

Numa cidade onde não se sabe mais o que é público, o que é privado, fomos alienados do espaço público que, na verdade, é um espaço de guerra. Quando o espaço público está em crise, é preciso pensar que tipo de intervenção pode ajudar a nos relacionarmos com essa cidade contemporânea.

Assim, o Bassibus gera intervenção nos modos hegemônicos de circulação espacial e circulação da informação, ressignificando deslocamentos e ocupações, friccionando essas instâncias com conjuntos de saberes que vão sendo adquiridos, sobretudo, através da participação presencial do grupo. Nesse sentido, há uma performatividade envolvida, pela ação imediata dos participantes que seguem junto com o bufão, esfumaçando as fronteiras entre o espaço da cidade e a experiência artística.

A ação Bassibus coloca seus participantes no interior de uma situação testemunhal, acontecimento que gera um pacto coletivo que os levará a experienciar em seus corpos, na surpresa do aqui-agora, os absurdos a que cada um de nós se vê exposto diariamente como cidadão e que, muitas vezes, não temos mais escopo físico, emocional e temporal para lidar.

Bassi transmuta o lugar do observador em participante de um dispositivo artístico, sujeito que recebe as informações veiculadas pela ação e, ao mesmo tempo, é responsável por lhe dar vida, participando da elaboração de seu sentido, que é dado em situação e em grupo.

Reivindicando uma ideia de desobstrução - dos sentidos, de reflexões que atravessem a própria carne -, Bassi se apropria de certo caráter jornalístico e, ao mesmo tempo, ultrapassa-o, pois, se há no Bassibus a transmissão de fatos e denúncias, nessa ação as informações vêm misturadas com o cheiro dos lugares por onde transita, pela dureza do concreto que repele o corpo dos participantes, o sol que queima sua pele e os faz suar.

O incômodo no Bassibus envolve reflexão e suor, saliva, passos, movimentos, odores, palavras e imagens que tocam de maneira sensorial a cada passageiro, em exercícios de deslocamentos de ideias, operação de distâncias e aproximações em reorganizações críticas e corpóreas.

Desnaturalizando e desorganizando, assim, a lógica da banalidade do entretenimento turístico e da transmissão de informações que, por seu excesso vertiginoso, tem sua capacidade de afetar ou criar experiência esvaziada, essa ação gera uma dinâmica coletiva, espécie de coro que amplia seu caráter de ação como prática intervencionista no lugar da cidade, o que pode ser mais bem observado durante a visita da excursão ao Fórum das Culturas.

Desembarcando do ônibus em sua primeira parada, Bassi conduz os participantes da excursão pelas instalações arquitetônicas do Fórum, levando o grupo a caminhar pelo terreno coberto de cimento onde fora construído um prédio de convenções, agora utilizado como centro cultural. O dia ensolarado de verão atrelado ao excesso de concreto usado no local aumenta ainda mais a sensação de calor e de visitação a um lugar inóspito.

Enquanto o grupo de pessoas atravessa e ocupa o espaço, o artista destaca aos participantes as casas pobres da favela que insistem em habitar a paisagem não tão distante e, do outro lado da área de concreto, pode-se ver um porto que abriga barcos de luxo, territórios opostos geograficamente (e em suas demandas), cuja comunicação é rasgada pelas instalações de cimento do Fórum.

E o bufão questiona: seriam os moradores da Mina os donos dos barcos luxuosos? Um barco coletivo talvez... Ele afirma, então, que descera até a marina e perguntara pessoalmente qual seria o valor do aluguel de uma vaga para um iate de cerca de quinze metros, tamanho de embarcação que, segundo o artista, fora considerado como de pequeno porte pelo funcionário do porto. E Bassi obtém a resposta que reafirma a lógica perversa da desigualdade: a quantia necessária ao aluguel de um pequeno trecho do porto, local onde se encontravam outras embarcações atracadas, seria de cento e trinta mil euros mensais, montante que permitiria a compra de cento e quinze moradias na Mina.

Em sua explicação, Bassi também destaca a incongruência de que a equipe de urbanização responsável pelas obras do Fórum seria formada em sua maioria por figuras públicas da área médica, entre eles cirurgiões e médicos anestesistas ligados ao governo espanhol. E o artista ironicamente conclui que, no fim das contas, as funções profissionais da equipe seriam de grande valia para reanimar o espaço, uma vez que, devido às construções arquitetônicas, sentencia o bufão: aquele lugar estaria visivelmente morto.

Enquanto caminha pelo terreno coberto de cimento do Fórum, Bassi puxa um carrinho com caixa de som acoplada e um microfone, dispositivo que permite ao bufão atravessar o espaço com seu corpo e seu discurso oral, à medida que atrai e guia os corpos dos participantes por essa ação de ocupação interventiva.

Bassi segue destacando que os próprios arquitetos, à época da construção daquelas instalações arquitetônicas, teriam sido flagrados em declarações polêmicas acerca da improvável futura ocupação de suas estruturas pela população barcelonesa após a realização das atividades do evento, devido a distância da costa em relação ao resto da cidade e à dificuldade de acesso ao local. Esse fato seria comprovado pelo grupo do Bassibus diante do espaço com pouca circulação de pessoas do Fórum - qualquer semelhança com a construção do Parque Olímpico na cidade do Rio de Janeiro não parece ser mera coincidência, apenas mais um sintoma das dinâmicas de sequestro do lugar da cidade e da má administração dos bens públicos8 8 Diversas matérias jornalísticas têm retratado o abandono e a ocupação quase inexistente por parte da população de áreas construídas para sediar os jogos olímpicos no Rio de Janeiro. Mais informações podem ser obtidas em: <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/apos-quatro-meses-parque-olimpico-no-rio-tem-sinais-de-abandono.ghtml>. Acesso em: 04 de mar. 2018. .

E assim fora construído com dinheiro público da prefeitura de Barcelona um enorme espaço vazio junto ao mar, obra arquitetônica de grande porte cujo gasto teria chegado a três milhões de euros. Bassi conta, ainda, que descera até o espaço da orla e junto ao mar encontrara dois bombeiros salva-vidas sentados em grandes cadeiras em uma praia sem banhistas, e o artista descreve a cena: “- Olhando para a eternidade [...] uma visão poética. Eles podem escrever romances, obras de teatro sobre o que se passa na cabeça de um salva-vidas quando não há ninguém para socorrer”, conclui o bufão.

O bufão, então, convida os participantes da excursão a subirem ao terraço do prédio, que funciona como centro cultural (para quem?), onde haveria um lago formando um espelho d’água e uma nova paisagem em interação com o céu e o mar. Segundo ele, esse espaço não seria divulgado e possuiria um acesso restrito, para que fosse desfrutado por poucos. Os participantes prontamente se animam e logo o grupo de cinquenta pessoas atravessa apressadamente os grandes salões que funcionam como local de exposições artísticas (vistas por quem?) para subir em correria as escadas.

No documentário não é possível perceber se existe mesmo o tal lago, porém o registro videográfico exibe os cinquenta participantes do Bassibus ocupando o terraço do Fórum e, ao longe, os hotéis de luxo que compõem a paisagem litorânea. A narradora do filme destaca que aquelas construções teriam sido realizadas por uma empresa imobiliária cujo dono fora um dos organizadores do projeto de reurbanização de Poblenou, um dos responsáveis pela desapropriação e expulsão de muitas famílias da Mina e, não por acaso, um dos grandes privilegiados com o retorno lucrativo daquele empreendimento urbanístico.

Nesse sentido, ao pensar que “[...] um lugar é uma singularidade histórica, reverberando passados, presentes e futuros (políticos) [...]” (Lepecki, 2012LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. ILHA, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. 2012. , p. 56), não causa surpresa que o lugar da cidade vá se tornando um espaço hostil, elemento produtor e reprodutor das engrenagens da expropriação capitalista, extensão do sequestro do comum que incide em instâncias políticas, econômicas e sociais.

Dialogando com os conceitos de movimento e urbanidade, Lepecki (2012LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. ILHA, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. 2012. ) destaca que, na contemporaneidade, a espacialização da polis torna-se alvo de um duplo processo ilusório: num primeiro viés, a cidade se apresenta e representa como espaço de circulação de sujeitos supostamente livres, apontando para os ideais de mobilidade e liberdade como lócus privilegiado para os (supostos) processos de subjetivação e autonomia política; e, em uma segunda perspectiva, de ordem topológica, a cidade se apresenta na qualidade de lugar supostamente neutro, palco aberto à construção de aparatos arquitetônicos, que determinariam o urbano como circulação dos emblemas da autonomia.

Assim, o autor supramencionado aponta para a ligação entre movimento e arquitetura, dois elementos fundamentais ao fantasioso (ou seria fantasmagórico) ideal político-cinético da urbanidade contemporânea. E são esses dois elementos, fluxos de movimento e edificações arquitetônicas, que entendo constituir a matéria sobre a qual o Bassibus atua diretamente, assinalando as incongruências e absurdos que constroem e destroem o urbano a partir das estruturas arquitetônicas e das dinâmicas de movimentação e exclusão que elas denunciam.

Ação intersubjetiva, que demanda dos participantes o engajamento de seus corpos, suas histórias e comportamentos, o Bassibus propicia o entrecruzamento de temporalidades distintas, quando em sua realização se chocam e interagem: o tempo do lugar visitado (com seus passados, presentes e apontamentos de futuro), o tempo de entendimento do participante sobre as informações compartilhadas, suas próprias temporalidades na condição de sujeito, o tempo de tomada de decisões.

Experimento criativo que clama pela resistência, pelo posicionamento crítico que Bassi demanda dos participantes da excursão, o próprio artista discorre em tom de manifesto sobre o objetivo das viagens do Bassibus a Madri - cujas palavras poderiam ser estendidas sem grandes dificuldades a diversas outras cidades do mundo, seja Barcelona, Rio de Janeiro ou São Paulo:

Para levar as pessoas onde ninguém as levou antes, visitando a Madri de hoje com seus horrores estéticos e seus desastres ecológicos e sociais. Relembrando os atentados contra a memória histórica, as zombarias ao código penal, as quantias astronômicas e o ataque planejado ao sistema democrático. Uma cidade com ricos que vivem em refúgios urbanizados protegidos por exércitos privados. Uma cidade de organizações medievais que dominam o mundo das finanças, de crianças que caminham sem sapatos nas favelas [...] e de túmulos faraônicos para velhos ditadores. Uma Madri cheia de guindastes, invadida por asfalto e concreto. Com projetos ambiciosos e que, ao mesmo tempo, mostra-se profundamente atrasada e provinciana em seu desejo de ser ‘moderna’9 9 “Para llevar a la gente donde nadie les ha llevado antes, visitando el Madrid de hoy con sus horrores estéticos y sus desatres ecológicos y sociales. Recordando los atentados contra la memoria histórica, las burlas al código penal, las estafas astronómicas y el asalto planificado al sistema democrático. Una ciudad con ricos que viven en urbanizaciones-bunker defendidas por ejércitos privados. Una ciudad de sectas medievales que dominan el mundo de las finanzas, de niños que caminan sin zapatos en las aldeas de chabolas [...] y de tumbas faraónicas para viejos dictadores. Un Madrid lleno de gruas, invadido de asfalto y de hormigón. Con proyectos ambiciosos, y que paralelamente resulta profundamente paleta y provinciana en su deseo de ser ‘moderna’”. Tradução minha do sítio da web: <http://www.leobassi.com/ bassibus/info-bassibus.html>. Acesso em: 20 jul. 2017. (Bassi, 2004BASSI, Leo. A arte de provocar. Entrevista concedida a Jairo Máximo e Lois Valsa. Isto É, São Paulo, n.1714, 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.istoe.com.br/ reportagens/22763_A+ARTE+DE+PROVOCAR >. Acesso em: 11 maio 2016.
http://www.istoe.com.br/ reportagens/227...
, s. p.).

Dessa forma, mirando uma paisagem urbana e política que assume contornos quase apocalípticos, urge repensar o político e suas potências de resistência. Quando as instituições políticas acenam com a bandeira de suas formas caducas e reacionárias, invocação de um sequestro que tem cada vez menos astúcia de dissimulação e cada vez mais orgulho de seu espetáculo de manipulações grosseiras, faz-se necessário investigar o político como espaço de troca, visibilidade e circulação, processo intersubjetivo de enfrentamento e criação.

Pelbart (2008PELBART, Peter Pál. Elementos para uma cartografia da grupalidade. In: SAADI, Fátima; GARCIA, Silvana (Org.). Próximo Ato: questões da teatralidade contemporânea. São Paulo: Itaú Cultural, 2008. P. 1-10.) aponta para o fato de que, se por um lado, o comum é matéria de captura dos fluxos capitalistas, é sobretudo o comum que carrega a capacidade de criar linhas de fuga em suas dinâmicas as mais diversas, embaralhando singularidades de variação contínua, heterogeneidade avessa à totalização e aos ideais de representação, defendendo:

[...] o comum mais como premissa do que como promessa, mais como um reservatório compartilhado, feito de multiplicidade e singularidade, do que como uma unidade atual compartida, [...] do que como unidade ideal perdida ou futura (Pelbart, 2008PELBART, Peter Pál. Elementos para uma cartografia da grupalidade. In: SAADI, Fátima; GARCIA, Silvana (Org.). Próximo Ato: questões da teatralidade contemporânea. São Paulo: Itaú Cultural, 2008. P. 1-10., p. 4).

Conforme o autor destaca, não se trata de pensar de maneira saudosista acerca de uma possível noção de comunidade que se perdera. A sociedade com seus fluxos de signos, suas forças e necessidades, não fora construída sobre os escombros de uma comunidade perdida em tempos imemoriais. E assim Pelbart (2008PELBART, Peter Pál. Elementos para uma cartografia da grupalidade. In: SAADI, Fátima; GARCIA, Silvana (Org.). Próximo Ato: questões da teatralidade contemporânea. São Paulo: Itaú Cultural, 2008. P. 1-10., p. 5) problematiza: “Nada foi perdido, e por esta razão nada está perdido. Só nós estamos perdidos, nós sobre quem o ‘laço social’ (as relações, a comunicação), nossa invenção, recai pesadamente...”.

Logo, a ideia de comunidade como unidade e comunhão não passa de uma fantasmagoria, uma vez que o comum deve ser exercitado como negação das forças identitárias de fusão, negação de qualquer homogeneidade ou ímpeto totalizante. A condição para o experimento do comum, em seu processo de experimentação por tentativa e erro, é a abertura à heterogeneidade, à pluralidade, jogo de proximidades e distâncias. O comum seria, então, o espaço da dissimetria, da alteridade que “[...] encarnada pelo Outro devasta a inteireza do sujeito, fazendo ruir sua identidade centrada e isolada, abrindo-o para uma exterioridade irrevogável, num inacabamento constitutivo” (Pelbart, 2008PELBART, Peter Pál. Elementos para uma cartografia da grupalidade. In: SAADI, Fátima; GARCIA, Silvana (Org.). Próximo Ato: questões da teatralidade contemporânea. São Paulo: Itaú Cultural, 2008. P. 1-10., p. 6).

Dessa forma, a provocação e a subversão do status quo são noções importantes para pensar a atuação de Bassi como bufão, artista que busca dinamizar processos de desnaturalização das coisas instituídas, instaurando uma experiência cênica em que a dissimetria possa emergir. O espelho invertido da bufonaria reflete as porções obscuras das relações sociais, dinâmica em que não existem instâncias resguardadas, embaralhando noções como bem e mal em uma configuração amoral, pois cada sujeito pode ser vítima e algoz de ações de exclusão e opressão.

Voltar o olhar ao passado da bufonaria nos faz retornar a figuras cômicas cuja presença é registrada, em artefatos pictóricos e literários, desde a Antiguidade, em ritos e cerimônias greco-romanas, bem como na Pérsia e no Egito. De acordo com Castro (2005CASTRO, Alice Viveiros de. O Elogio da Bobagem: palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Família Bastos, 2005.), a atuação dos bufões estava relacionada, inicialmente, às práticas rituais sagradas e mantinham seu foco no afastamento do mal, através da imitação de deficiências humanas como deformidades físicas, cegueira e lepra.

Ademais, a bufonaria mantém parte de sua história na atuação de bobos e bufões medievais, cuja existência era dedicada ao exercício do ridículo e da subversão dos padrões, atuando junto ao poder de nobres e soberanos. Criaturas excêntricas e fisicamente desviantes da chamada normalidade, elas geravam, ao mesmo tempo, asco e fascínio. Alvo de chacotas e zombarias, por vezes até violentas, também despertavam a admiração dos demais pela abertura que conquistavam para proferir críticas ácidas que a sensatez do homem comum não comportava.

Quanto mais sinceros e cruéis fossem em suas colocações, mais os bufões eram admirados por sua ousadia, levando reis e senhores ao deleite. Sob a proteção do riso e da loucura, era dado a essas figuras o poder de transgredir hierarquias, sendo os únicos que podiam dizer tudo ao soberano, em jogos de astúcia e inteligência. Nas palavras de Minois (2003MINOIS, Georges. História do Riso e do Escárnio. São Paulo: Unesp, 2003., p. 232):

O riso do bobo tem ainda, na Idade Média, outra função: ritualizar a oposição representando-a. Verdadeiro anti-rei, soberano invertido, o bobo assume simbolicamente a subversão, a revolta, a desagregação, a transgressão. É um parapeito que indica ao rei os limites de seu poder. O riso razoável do louco é um obstáculo ao desvio despótico. Não é apenas uma coincidência que a função de bobo de rei tenha desaparecido da França na aurora do absolutismo, no início do reino de Luís XIV: o monarca que pode, sem rir, comparar-se ao sol é muito sério para ser sensato.

Seja na China, no Egito ou na Europa Medieval, não faltam exemplos desses tipos cômicos que, atuando em cortes de reis e imperadores, ou em feiras populares, colocavam em choque as estruturas do mundo sério e suas aparências por meio do ridículo, alvos férteis ao escárnio. Os bufões perpetravam a visão dos marginalizados, daqueles cuja vida está erigida sobre os atos de zombar e transgredir devido a sua inadequação.

Dessa forma, através do Bassibus, seu bufão criador investe esforços em uma prática coletiva e interventiva no fluxo de movimento da cidade e nos esquemas de representação hegemônica que a atravessam, espelhando-os de maneira cômica e ácida.

Últimos Passos: considerações finais

Pelas intensidades que evocam, chegando a tangenciar o ativismo político, entendo que a práxis cômica de Bassi cria redes de deslocamento entre duas configurações que Rancière (2012RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 53) nomeia como “modelo pedagógico da eficácia da arte” e o dissenso. Segundo este filósofo, o modelo de eficácia da arte pressupõe a existência de um continuum entre a obra artística e a percepção de determinada situação, espécie de mote pedagógico que conduziria o espectador a um conjunto de saberes a ser transmitido pelo artista.

Haveria, assim, uma relação causal na qual a assistência se depara com certa organização dos signos sensíveis, que ocasionaria uma leitura previamente desejada pelo autor - o que parece apontar para a experiência cênico-jornalística do Bassibus, em que o público é conduzido, física e ideologicamente, pelo bufão através dos espaços públicos que ajudam a compor um inventário de denúncias sobre a má administração do lugar da cidade. Nas próprias palavras do artista:

Eu sei como o público funciona, e precisa de pontos de apoio, precisa de uma pessoa em que tenha confiança, necessita delegar o poder a alguém que seja capaz de mantê-lo. Que tenha a sensualidade física para manter esse poder10 10 “Yo sé cómo funciona el público, y necesita puntos de apoyo, necesita una persona en la que tener confianza, necesita delegar el poder en alguien que sea capaz de mantenerlo. Que tenga la sensualidad física para mantener ese poder”. Tradução minha a partir de trecho de entrevista concedida por Leo Bassi e disponível no sítio: <https://blogderadiaciones.wordpress.com/2007/04/26/leo-bassi-un-bufon-activista-version-completa-de-la-entrevista-publicada-en-el-no53-de-diagonal/>. Acesso em: 20 ago. 2017. (Bassi, 2007BASSI, Leo. Leo Bassi, un bufón activista. Radiaciones, blog, 26 abr. 2007. Disponível em: <Disponível em: https://blogderadiaciones.wordpress.com/2007/04/26/leo-bassi-un-bufon-activista-version-completa-de-la-entrevista-publicada-en-el-no53-de-diagonal/ >. Acesso em: 23 jan. 2018.
https://blogderadiaciones.wordpress.com/...
, s. p.).

O trecho de entrevista concedida por Bassi ilustra seu posicionamento acerca da manutenção do poder por parte do artista, apontando para certo viés totalizador em sua relação com o espectador. Por outro lado, a própria dinâmica de inserção do Bassibus no espaço público, com sua proliferação de estímulos, gera um fenômeno artístico flutuante, tornando instável qualquer transmissão assertiva de saberes por parte do bufão.

Uma vez que a atenção e a percepção dos espectadores podem ser vazadas pelos signos e informações que permeiam os locais visitados pela excursão, não haveria garantias que assegurassem a assimilação inequívoca de um possível conjunto pedagógico de informações e reflexões.

Mais do que criar meros comentários políticos com seu Bassibus, entendo que esse bufão gera um campo híbrido entre um certo caráter pedagógico em sua organização sensível e a perspectiva que Rancière (2012RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.) denominaria como dissenso, experiência de desconexão provocada pelo fazer artístico que ocasiona o choque entre diversos regimes de sensorialidade. Em um viés emancipatório, esse filósofo destaca a capacidade que o teatro contemporâneo possui de gerar constituições porosas entre a instância do fenômeno cênico e a do espectador, um entre que é formado por aproximações e distâncias. Experiência que não é passível de apropriação inequívoca ou controle de causas e efeitos, seja por parte do artista, seja pela assistência, devido à imprevisibilidade de seus jogos de associação e dissociação, em dinâmicas que são flutuantes e vazadas.

Indo além da suposta aquisição de saberes por parte do espectador, ou da criação de novos hábitos ou incentivo a tomadas de decisões, Bassi gera desestabilizações na percepção de sua assistência, subvertendo, pela ironia e pela blasfêmia, lógicas, padrões e expectativas, processo que é político na medida em que: “Reconfigurar a paisagem do perceptível e do pensável é modificar o território do possível e a distribuição das capacidades e incapacidades” (Rancière, 2012RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012., p. 48-49).

Bassi confronta o espectador com o choque da ação viva, presença cênica que carrega em sua latência nossas porções obscuras, avessas ao controle, ao convencional, numa experimentação artística limítrofe e perturbadora. As estratégias racionais de Bassi se presentificam no fazer performativo-teatral, ao encontrar com o outro, construindo reflexões e jogos sensoriais junto com a alteridade, celebração das potências controversas do bufão como afirmação de um vitalismo insubordinado.

Assim, o Bassibus é capaz de produzir reflexões e denúncias em face de problemas cujo enfrentamento se torna cada vez mais urgente à manutenção da esfera democrática, em questionamentos flutuantes acerca das instituições e também acerca do papel de cada um de nós na perpetuação desses processos de apagamento das diferenças. Uma vez que não existem instâncias resguardadas a essas dinâmicas, e essa é uma das grandes dificuldades em lidar com elas, cada um de nós pode espelhar e gerar cotidianamente mecanismos de opressão, sendo, ao mesmo tempo, vítimas, cúmplices e algozes desses processos.

Carregando esses questionamentos e ambiguidades que atravessam a carne em suas dúvidas e inquietações, esta parece ser uma das principais características do Bassibus: entre potências e riscos, oferecer resistência a partir da ação, mesmo que de maneira nômade e efêmera, pelas raias do improvável, reivindicando aberturas e possíveis desobstruções como modo de escape ao sufocamento. Entre pedaços de caminho, poeira, vestígios e singularidades, quem sabe possam se constituir microrrespostas, mesmo que utópicas e passageiras, linhas de fuga possíveis contra as zonas de apagamento e eliminação da diferença que atravessam o espaço urbano e a todos nós.

Referências

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  • BAKHTIN, Mikhail M. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec; Ed. da Univ. de Brasília, 2010.
  • BASSI, Leo. Entrevista. Revista Anjos do Picadeiro 3, Rio de Janeiro, Teatro de Anônimo, 2001.
  • BASSI, Leo. A arte de provocar. Entrevista concedida a Jairo Máximo e Lois Valsa. Isto É, São Paulo, n.1714, 2004. Disponível em: <Disponível em: http://www.istoe.com.br/ reportagens/22763_A+ARTE+DE+PROVOCAR >. Acesso em: 11 maio 2016.
    » http://www.istoe.com.br/ reportagens/22763_A+ARTE+DE+PROVOCAR
  • BASSI, Leo. Leo Bassi, un bufón activista. Radiaciones, blog, 26 abr. 2007. Disponível em: <Disponível em: https://blogderadiaciones.wordpress.com/2007/04/26/leo-bassi-un-bufon-activista-version-completa-de-la-entrevista-publicada-en-el-no53-de-diagonal/ >. Acesso em: 23 jan. 2018.
    » https://blogderadiaciones.wordpress.com/2007/04/26/leo-bassi-un-bufon-activista-version-completa-de-la-entrevista-publicada-en-el-no53-de-diagonal/
  • BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De Volta à Cidade: dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros urbanos. São Paulo: Annablume, 2006.
  • BRISSAC, Nelson. Arte e cidade. In: MIRANDA, Danilo Santos de. Arte Pública. São Paulo: Sesc, 1998.
  • CABALLERO, Ileana Diéguez. Cenários Liminares: teatralidades, performances e política. Uberlândia: EDUFU, 2011.
  • CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
  • CASTRO, Alice Viveiros de. O Elogio da Bobagem: palhaços no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: Família Bastos, 2005.
  • CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.
  • DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
  • LEPECKI, André. Coreopolítica e coreopolícia. ILHA, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. 2012.
  • LOPES, Elizabeth Silva. Ainda é Tempo de Bufões. 2001. 176 f. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
  • MINOIS, Georges. História do Riso e do Escárnio. São Paulo: Unesp, 2003.
  • PELBART, Peter Pál. Elementos para uma cartografia da grupalidade. In: SAADI, Fátima; GARCIA, Silvana (Org.). Próximo Ato: questões da teatralidade contemporânea. São Paulo: Itaú Cultural, 2008. P. 1-10.
  • RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
  • 1
    Informações biográficas retiradas do site do artista. Denominado Bassiblog, esse sítio constitui um canal de comunicação entre Leo Bassi, suas práticas artísticas e aqueles interessados em seu trabalho. Disponível em: <http://www.leobassi.com/biografia.html>. Acesso em: 23 dez. 2017.
  • 2
    Segundo Bakhtin (2010BAKHTIN, Mikhail M. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec; Ed. da Univ. de Brasília, 2010. ), um dos principais elementos ligados aos bufões diz respeito ao rebaixamento grotesco, processo pelo qual se realizaria a transferência dos ideais espirituais e abstratos à materialidade corpórea. Dessa forma, os bufões geralmente apresentavam deformidades corpóreas que aludiam à afirmação de intensidades, quando o corpo desviante era capaz de operar com indefinições e instabilidades em relação aos padrões normativos. Tais desvios concediam a essas figuras cômicas o direito de proferir discursos provocativos que carregavam uma pulsão desestruturante sobre valores, hierarquias e relações de poder.
  • 3
    Constatando el estado desanimado de la oposición en España, el BassiBus, en su humilde propuesta, pretende reavivar el espiritu rebelde y crítico sin el que la democracia no puede desarrollarse”. Tradução minha a partir do sítio da web: <http://www.leobassi.com/bassibus/info-bassibus.html>. Acesso em: 20 jul. 2017.
  • 4
    “[...] la selva asfáltica y su particular fauna: en especial a los depredadores”. Tradução minha do sítio supracitado.
  • 5
    O documentário, BASSIBUS a Barcelona, pode ser encontrado em: <https://www.youtube.com/watch?v=sjza1hrf8kU>. Acesso em: 21 jul. 2017.
  • 6
    Transcrição do vídeo mencionado.
  • 7
    Certeau (2014CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.), num olhar fenomenológico, estabelece a distinção entre lugar (ordem dos elementos espaciais distribuídos em relações de coexistência) e espaço (como lugar praticado, em relações singulares no mundo, apontando para uma dimensão existencial, como os sujeitos, em seus itinerários cotidianos, simbolizam o lugar a partir das interferências e o transformam a partir das suas ocupações, apropriações e vivências). Embora constitua um parâmetro interessante para pensar as relações espaciais, esta pesquisa não concorda com a distinção dos termos realizada pelo autor, uma vez que a ideia de transformação dos lugares em espaços, por meio das práticas subjetivas, parece apontar para uma ilusória possibilidade de livre escolha e apropriação do espaço urbano por seus ocupantes, fator que não me parece tão simples e nem tão acessível, conforme a ação Bassibus vem problematizar em seus enfrentamentos com as redes de força que incidem sobre o urbano. Dessa forma, a presente investigação opta por utilizar espaço e lugar como termos sinônimos.
  • 8
    Diversas matérias jornalísticas têm retratado o abandono e a ocupação quase inexistente por parte da população de áreas construídas para sediar os jogos olímpicos no Rio de Janeiro. Mais informações podem ser obtidas em: <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/apos-quatro-meses-parque-olimpico-no-rio-tem-sinais-de-abandono.ghtml>. Acesso em: 04 de mar. 2018.
  • 9
    “Para llevar a la gente donde nadie les ha llevado antes, visitando el Madrid de hoy con sus horrores estéticos y sus desatres ecológicos y sociales. Recordando los atentados contra la memoria histórica, las burlas al código penal, las estafas astronómicas y el asalto planificado al sistema democrático. Una ciudad con ricos que viven en urbanizaciones-bunker defendidas por ejércitos privados. Una ciudad de sectas medievales que dominan el mundo de las finanzas, de niños que caminan sin zapatos en las aldeas de chabolas [...] y de tumbas faraónicas para viejos dictadores. Un Madrid lleno de gruas, invadido de asfalto y de hormigón. Con proyectos ambiciosos, y que paralelamente resulta profundamente paleta y provinciana en su deseo de ser ‘moderna’”. Tradução minha do sítio da web: <http://www.leobassi.com/ bassibus/info-bassibus.html>. Acesso em: 20 jul. 2017.
  • 10
    Yo sé cómo funciona el público, y necesita puntos de apoyo, necesita una persona en la que tener confianza, necesita delegar el poder en alguien que sea capaz de mantenerlo. Que tenga la sensualidad física para mantener ese poder. Tradução minha a partir de trecho de entrevista concedida por Leo Bassi e disponível no sítio: <https://blogderadiaciones.wordpress.com/2007/04/26/leo-bassi-un-bufon-activista-version-completa-de-la-entrevista-publicada-en-el-no53-de-diagonal/>. Acesso em: 20 ago. 2017.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2018
  • Aceito
    30 Dez 2018
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