Open-access Teatros do Som: escuta, imersão, estranhamento

Théâtres du Son: écoute, immersion, distanciation

RESUMO

Teatros do Som: escuta, imersão, estranhamento – Nos Teatros do Som, o som encena: sonoridade e visualidade solidarizam-se. O artigo se desenvolve nesse domínio, em modo teórico e poético, segundo um eixo que problematiza as concepções de imersão e estranhamento, articuladas com presença e ausência. Impulsam o ensaio prospecções conceituais, considerações sobre a incisão anatômica do som, as relações entre cena e tecnologia, e uma série de gestos de escuta, em diálogo com poéticas teatrais, tais como: Elettra, de Hugo von Hofmannsthal, sonorizada por Hubert Westkemper (2004); Ouverture Alcina, de Nevio Spadoni, com Ermanna Montanari e música de Luigi Ceccarelli (2009); Not I / Eu Não, de Samuel Beckett, com Maria Alice Vergueiro (1986) e Eislermaterial, encenação de Heiner Goebbels (1998).

Palavras-chave:
Escuta; Imersão; Presença; Ausência; Estranhamento

ABSTRACT

Theaters of Sound: listening, immersion, strangeness – In the Theaters of sound, sound stages: sonority and visuality are in solidarity. The article develops in this field, in a theoretical and poetic mode, according to an axis that problematizes the concepts of immersion and strangeness, articulated with presence and absence. The essay is driven by conceptual prospecting, considerations on the anatomical incision of sound, on the relations between scene and technology, and a series of listening gestures, in dialogue with theatrical poetics, such as: Elettra, by Hugo von Hofmannsthal, with sound by Hubert Westkemper (2004); Ouverture Alcina, by Nevio Spadoni, with Ermanna Montanari and music by Luigi Ceccarelli (2009); Not I / Eu Não, by Samuel Beckett, with Maria Alice Vergueiro (1986) and Eislermaterial, directed by Heiner Goebbels (1998).

RÉSUMÉ

Théâtres du Son: écoute, immersion, distanciation – Dans les Théâtres du son, le son est en scène: le son et la visualisation sont solidaires. L’article se développe dans ce domaine, de manière théorique et poétique, selon un axe qui problématise les concepts d'immersion et de distanciation, articulés avec présence et absence. L’essai est stimulé par des prospections conceptuelles, des réflexions sur l’incision anatomique du son, le rapport entre scène et technologie, et une série de gestes d’écoute, en dialogue avec des poétiques théâtrales, comme: Elettra, de Hugo von Hofmannsthal, sonorisée par Hubert Westkemper (2004); Ouverture Alcina, de Nevio Spadoni, avec Ermanna Montanari et musique de Luigi Ceccarelli (2009); Not I / Eu Não, de Samuel Beckett, avec Maria Alice Vergueiro (1986), et Eislermaterial, mise en scène de Heiner Goebbels (1998).

Mots-clés:
Écoute; Immersion; Présence; Absence; Distanciation

Prelúdio

Posso escolher qualquer espaço vazio e considerá-lo um palco nu.

Um homem atravessa este espaço enquanto outro o observa.

Isto é suficiente para criar uma ação cênica (Brook, 1970, p. 1)

Posso escolher qualquer espaço escuro e considerá-lo um palco silencioso.

Um homem sonoriza esse espaço enquanto outro o escuta.

Isto é suficiente para criar a ação cênica.

O sentido original da palavra teatro aponta para o lugar da visão. Para Heródoto, antecede esse lugar o ato de se reunir o público para assistir algo. Este ato não prescinde do espaço, mas o coloca em segundo plano, ou seja, não exige um lugar específico e paradigmático para o acontecimento teatral. Na primeira acepção, atuantes e público participam do ato visivo. Na segunda, o palco só será incluído se aceitarmos a premissa de que atuantes sejam parte do público, diferenciando-se deste no risco da exposição. Seja como for, afirma Enrico Pitozzi (2017, p. 36, tradução nossa)1, “Teatro é uma palavra usada, em primeira instância, para indicar o espectador [...]”.

O substantivo teatro conecta-se ao verbo que significa ver, contemplar, ver o céu a partir do templo2. Deriva daí analogia entre templo e teatro, como lugar da contemplação3 por um público reunido, indicando que o teatro é uma cisão espaço-temporal no cotidiano, que exige um rito e uma liturgia.

Pitozzi (2017, p. 36-37) precisa as ações de ver e contemplar:

[...] uma visão fruto de intuição, semelhante em tudo àquela dos mistérios, que se produzem na ausência do objeto externo. [...] a intuição é uma consciência visiva das coisas, a capacidade de receber imagens que se entrelaçam com a consciência fruto de abstração, na qual o primeiro aspecto (aquele concreto das coisas presentes) é o requisito para que se desenrole o segundo (aspecto abstrato das coisas ausentes). É como se a visão [...] contivesse a possibilidade de acesso, mediante uma realidade material e empírica, a uma realidade imaterial de outra ordem (tradução nossa).

Estas duas qualidades de visão, de contemplação intuitiva, convergem para “um momento supremo, oportuno, lá onde a imagem produzida por um (ator) coincide com a inserção da intuição do outro (espectador). [...] Chamamos teatro a este processo que conduz a uma visão compartilhada” (Pitozzi, 2017, p. 37).

Ver e escutar não são gestos isolados: todo som provoca imagens e, inversamente, toda imagem convoca sons.

Nesta lógica contemplativa – à qual a palavra teatro, como vimos, alude – é o som que assume uma visão capaz de transformar em olhos as impressões sonoras que atingem aqueles que estão à escuta. [...] escutar produz, naquele que é tocado, uma imagem da coisa escutada, abrindo caminho para uma compreensão da imagem de ordem vocal (e sonora) [...] (Pitozzi, 2017, p. 38-39, tradução nossa).

Som e imagem imbricam-se, ou, mais precisamente, imagem sonora e imagem visiva confrontam-se em um campo de tensões harmônicas, no contato entre cena e público.

Entre a ‘visão’ do ator e aquela do espectador há portanto homologia, mas não sincronia [...]. A intuição que produz a imagem para o ator acontece em outro lugar que precede a cena e – no espaço compartilhado do momento teatral – deve ser renovada em sua potência. [...] Para o espectador, ao invés, este outro lugar no qual se produz a imagem da intuição segue a cena, é uma persistência que nele se imprime (Pitozzi, 2017, p. 37, tradução nossa).

Pitozzi se refere aqui ao teatro formal. Expandindo o terreno das concepções teatrais, podemos postular graus de sincronia entre participantes do ato teatral, com a tendência a um limite4, no sentido matemático do termo, se nos encontrarmos, por exemplo, em terreno fortemente performativo.

A princípio, o gesto contemplativo poderia sugerir a condição de envolvimento e abandono do público teatral, imerso no desenrolar cênico. Entretanto, Oduvaldo Vianna Filho, para quem o teatro deve “instigar questionamentos, levantar critérios para a ação e apontar uma nova forma de sentir a realidade”, como afirma Maria Sílvia Betti (1997, p. 33), reivindica o teatro como o lugar da contemplação, em um Prólogo inédito para a peça Rasga Coração:

Esperamos que os senhores não se inquietem
com um início de espetáculo tão desavisado
os gregos inventaram esta forma em desuso
talvez porque necessitassem prender a atenção de seu público
que vinha das ruas sujas de Atenas, temendo os deuses,
trazendo feridos de guerra,
preocupados com levantes de escravos.
De qualquer forma, não pretendemos inquietá-lo
aqui é um lugar de repouso e contemplação […] (Vianna Filho, 2018, p. 165).

Esta é também atitude preconizada por Brecht para o espectador do Teatro Épico, como sugere Walter Benjamin (1975, p. 33, tradução nossa):

Nada mais gostoso que estar deitado em um sofá e ler um romance, diz um dos autores épicos do século passado. Com isso, insinua quanto pode ser benéfica a distensão de quem desfruta uma obra de arte. […] O conceito de teatro épico (no qual Brecht se constitui como teórico de sua práxis poética) indica, sobretudo, que este teatro deseja um público relaxado, que siga a ação sem tensões.

Trata-se, portanto, de um princípio comum a estes dramaturgos, comprometidos com a ação política transformadora do teatro. O gesto de estranhamento, cujo fito é desnaturalizar para historicizar, requer atitude contemplativa, selando um compromisso dialético com a imersão.

Dado o duplo regime da imagem – visiva e sonora, os Teatros do som e os Teatros da imagem se enfeixam no Teatro, são Teatro. Expressão desta dialética, a Musa Melpômene, inspiradora do Coro – aquela que cantadança – demonstra a solidária conexão entre corpo e voz, na poética trágica. Além disso, como observa o compositor e encenador Heiner Goebbels, a respeito de sua montagem performática Stifters Dinge, “quando as nossas tentativas de classificar o que vimos não funcionam mais é quando as coisas começam a ficar interessantes” (Goebbels apud Carrijo, 2019, p. 52).

Ocorre que há uma prevalência da imagem visiva, não obstante a presença sonora da voz na palavra cênica. A palavra cena e sua derivada encenação enraízam-se na palavra grega skené, uma tenda do equipamento teatral grego5, espaço elevado ao fundo, de onde surgiam os atores, espaço dos Heróis, em diálogo com o Coro, que ocupa a orchestra, regularização do terreno, ao pé do público. Cena encerra, portanto, uma acepção imagética. Escena, scène, scena, scene, szene – a força desta palavra no vocabulário teatral, em diferentes línguas, concretiza-se no movimento histórico de ocupação (invasão?) e domínio crescente do espaço da orquestra pela cena – skené, do palco frontal ao espaço performático sem limites, transformando as fronteiras entre palco e público. Essa prevalência justifica a adoção do campo Teatros do som, no âmbito dos estudos teatrais.

Podemos definir Teatros do som como sendo o conjunto de poéticas teatrais e performativas, em que imagem [cena] visiva e imagem [cena] sonora se imbricam.

Nos Teatros do som, o som encena.

Anatomia do som

Entre os séculos XVI e XVIII nasce o homem da Modernidade: um homem cindido de si mesmo (aqui sob os auspícios da divisão ontológica entre o corpo e o homem), cindido dos outros (o cogito não é cogitamos) e cindido do cosmos (doravante o corpo não pleiteia mais do que por si mesmo; desenraizado do resto do universo, ele encontra seu fim em si mesmo, ele não é mais o eco de um cosmo humanizado); [...] abre-se o caminho que deprecia os saberes populares e, em contrapartida, legitima o saber biomédico nascente (Le Breton, 2013, p. 89 e 93).

Oficialmente permitidas no começo do século XIV, nas universidades italianas, as dissecações se tornam espetáculos no século XVII, quando cirurgiões performam o ato em teatros anatômicos e a casa burguesa reserva para isso um espaço especial. Como observa o antropólogo David Le Breton, o gesto do corte anatômico implica em um leque de cisões nas relações humanas, pela objetivação do corpo como campo de estudo, constantemente crescente até o enfoque contemporâneo da verdade estatística.

No campo sonoro e musical, o corte anatômico revela-se no temperamento, intervenção cirúrgica no interior do fenômeno acústico, responsável pelo advento do tonalismo na música europeia, sistema absolutamente dominante nas composições musicais atuais. Sabemos que Pitágoras de Samos (570-490 a.C.) percebeu a relação aritmética entre as dimensões sonantes da corda de seu monocórdio e as alturas das notas musicais. Com esse procedimento, definiu 25 notas em uma oitava, com intervalos variáveis entre elas.

O temperamento impõe um conjunto de cortes na afinação, de maneira que a distância entre as notas seja constante, gesto que resulta nas atuais doze notas da oitava. O teclado do piano explicita o padrão de sete teclas brancas e cinco pretas intercaladas, a se repetir em toda a sua extensão. Para Carpeaux (1977, p. 84), “o temperamento foi um golpe de estado musical”. Seguindo o movimento do corte anatômico, o temperamento e o tonalismo, seu corolário, impelem para a periferia as músicas modais, associadas a cantos e sonoridades comunitários e de tradição, constituindo-se no embasamento estético da tecnologia sônica e, como consequência, da produção em série.

O gesto anatômico no interior do som engendra modos contemporâneos de compor, penetrando sua intimidade por cortes, separações, dissecações. Escutemos a esse respeito os procedimentos de Scott Gibbson (2018, p. 80), compositor estadunidense, parceiro em várias obras do encenador italiano Romeo Castellucci:

Considero meu trabalho atual com o material sonoro como uma espécie de cirurgia acústica. Um dos primeiros artistas de quem senti um forte impulso foi Andreas Vesalius (1514-1564), que fez desenhos anatômicos de cadáveres, um médico e anatomista. [...] Mais do que tentar trazer algo de fora, eu faço incisões e vou para dentro. Em algum lugar entre o som e o ouvido, há um espaço fantástico que me interessa explorar. Sou muito mais curioso sobre essas trajetórias do que sobre o que um sintetizador ou programa pode fazer. Este espaço borrado em que um termina e o outro começa é uma grande fonte de inspiração para mim. Em meus projetos gravados e performances, já utilizei dispositivos médicos e rádio astronômicos como puros instrumentos (tradução e grifo nossos).

A realização desse gesto de prospecção íntima no som só foi possível graças à evolução eletrônica e tecnológica, nos mecanismos de captação, processamento e operação sonora, exaltada pelo compositor francês George Grisey, em 1991.

Faz alguns anos, a eletrônica permite uma escuta microfônica do som. O interior mesmo do som, escondido e oculto por muitos séculos por práticas essencialmente macrofônicas, enfim propõe uma nova maravilha. De outra parte, o elaborador se permite afrontar campos timbrísticos inauditos até hoje e de analisar em detalhe a composição. O encontro com este novo campo acústico ainda virgem renovou nossa escuta e determinou novas formas: finalmente tornou-se possível explorar o interior de um som ampliando sua duração e viajar do macrofônico ao microfônico6 em velocidades variadas (Grisey apud Pitozzi, 2018, p. 20, tradução e grifos nossos).

Som é um sinal, uma perturbação ondulatória que um meio material conduz de um ponto a outro. Determinam-se assim dois espaços sonoros: interior - provocado pela vibração de uma fonte sonora, e exterior continente do meio condutor do sinal sonoro: o ar, no âmbito do teatro e da música.

Na fonte, um mecanismo de excitação provoca oscilações sonoras: o raio engendra trovões, o arco do violoncelo fricciona notas musicais, o toque da baqueta no tamborim pulsa ritmos. Nossa voz soa pelo sopro como flautas doces e transversais, flautins e pífaros, zamponhas, trompas, trompetes, tuba e bombardinos, trombones de pisto e de vara, saxes: sopraninos, sopranos, altos, tenores, barítonos e baixos, oboés e fagotes, gaitas e gaitas de fole, e todos os instrumentos movidos pelo ar, dos rincões mais distantes. Cordas em fricção por arcos de violinos, violas, rabecas, violoncelos, contrabaixos, serrotes. Violões, cravos e harpas soam no beliscar das cordas. Tambores, tímpanos e tamborins, agogôs, bongôs e pandeiros, pianos, tocam-se por percussão.

O espaço interior do som gerado pela fonte assenta-se em quatro qualidades acústicas: duração, intensidade, altura e timbre. A duração expressa o caráter efêmero do fenômeno sonoro ao delimitar os pontos inicial e final. Quando lançado no ar, em voo sobre a sonoridade, o som instantaneamente nasce e cresce, atinge um corpo estável, declina e morre, reverberando no espaço exterior. Constituinte da Natureza, o som encena o movimento da vida. Ecos e reverberações são memória.

Parâmetro físico da energia do som, percebemos a intensidade pelo volume sonoro: a leveza do pianíssimo bater das asas de um colibri e do sussurro secreto, o violento choque das ondas do mar no rochedo e do avião que sobrevoa baixo.

A altura exprime a frequência ondulatória do som: de graves a agudos, baixas a altas frequências. O grave do rugido do leão gera ondas maiores e por isso mais lentas, no canto agudo do sabiá, ondas menores vibram mais rápido. A altura é medida vibracional.

O timbre nasce do contato com o exterior, da relação da onda sonora com os anteparos que encontra em sua trajetória, do modo de repercussão do som: a ressonância. A forma, o tamanho e a disposição relativa desses anteparos permitem diferenciar o som de um clarinete de um contrabaixo, o ruído de um motor do uivo de um lobo. Em uma espécie de ressonância interna, todo som quando soa mobiliza uma série de notas, que vibram simpaticamente com a nota fundamental: os harmônicos, cuja presença relativa na composição do espectro sonoro determina o timbre7.

O timbre instaura a ligação entre espaço interior e exterior, pela ação da ressonância. No espaço exterior, o som se amplifica e ganha qualidade timbrística nas caixas de ressonância. A forma do violão determina o som do violão. A disposição de nossos vazios corporais – ossos e câmaras – colore a pluralidade de nossas vozes. Na continuidade de sua viagem, o som encontra outras caixas de ressonância: salas, auditórios, banheiros, igrejas, cânforas. Três parâmetros físicos condicionam esse encontro: a reflexão – geratriz da reverberação e do eco, a atenuação – provocadora da absorção e consequente perda de intensidade, e a refração, referente à mudança de meio8.

O som, portanto, é sensível à arquitetura sonora. Para o teatro, trata-se da concepção do espaço cênico e da disposição das caixas acústicas, em sistemas amplificados. No curso de pós-graduação Concepções do espaço cênico9, o professor Clóvis Garcia propunha uma tipologia da disposição do público em relação à cena. Na arena, o público circunda a cena, em oposição à relação linear da configuração frontal, modelo padrão do teatro burguês e do espaço wagneriano, destinados a ilusão e imersão. Quando a cena circunda o público, diz-se que a relação é panorâmica, estrutura que, associada à frontalidade, expande as possibilidades imersivas, como se verá. Semiarena, como nos espaços grego e elisabetano, e semipanorâmica, completam a tipologia. Se não há distinção entre público e cena, a configuração diz-se semlimites (Dal Farra Martins, 1999, p. 113-115).

Duas perspectivas se apresentam quanto às relações da fonte com a arquitetura sonora. A localização corresponde a fontes fixas, enquanto que o movimento sonoro pelo espaço exterior associa-se à espacialização. Em situação acústica, apenas o deslocamento de atuantes – atores, atrizes, instrumentistas, performers – instaura a espacialização.

O posicionamento dos difusores sonoros na arquitetura teatral determina o regime espacial, em sistemas amplificados. Grande parte dos teatros com configuração frontal apresentam fontes fixas, localizadas em geral na boca de cena. Augusto Boal preconizava o posicionamento no fundo do palco – seja de caixas acústicas ou de musicistas, a fim de que a sonoridade impulsasse as vozes. Já a espacialização dos difusores modifica o perímetro cênico: uma configuração frontal pode transformar-se em panorâmica, envolvendo-se o público pelo simples posicionamento de fontes sonoras em torno dele.

Em perspectiva digital-tecnológica, o espaço exterior pode concentrarse na aderência de fones de ouvido às orelhas, concatenados a gravações ou microfones em modo estéreo ou binaural. O modo estéreo permite a espacialização sonora bidimensional, enquanto que, na disposição binaural, ouvese o som em três dimensões10. Semelhante à holografia no campo da imagem, a holofonia binaural “se assenta nas diferenças interaurais, ou seja, nos diferentes sinais acústicos que atingem nossas orelhas, dependendo da posição das fontes sonoras […], causadas pelo fato que, entre as duas orelhas, há no meio a nossa cabeça, e esta separação produz um som mais na orelha voltada à fonte, e mais velado na oposta”, aponta Westkemper (2018, p. 60, tradução nossa).

O sistema Wave Field Synthesis11 translada para o espaço teatral a recepção sonora individual dos fones de ouvido, requisito da condição binaural: dezenas de difusores, que atuam como se fossem difusor único, dispostos segundo um projeto de arquitetura sonora, recebem sinais sonoros monofônicos, processados e enviados digitalmente em tempo real.

Toda música está cheia de inferno e céu, pulsos estáveis e instáveis,
ressonâncias e defasagens, curvas e quinas.
De modo geral, o som é um feixe de ondas, um complexo de ondas,
uma imbricação de pulsos desiguais, em atrito relativo (Wisnik, 1989, p. 23).

Som é todo evento físico que gera ondas sonoras. Som, portanto, inclui ruído. A música corresponde a uma porção organizada de sons e silêncios, já que silêncio teoricamente seria a ausência de som. Entretanto, há sons no silêncio e silêncios no som.

Numa câmara anecoica, em que todo som exterior é abafado por meio de grossas paredes isolantes e um sistema de amortecedores, a audição capta a sonoridade dos ruídos e pulsos corporais - respiração, movimentos sanguíneos e digestivos, o som do sistema nervoso. Há, portanto, som no silêncio: a sonoridade do silêncio não é silenciosa. O professor e poeta Marco Antonio Matos (1970) captou em verso: “silêncio é um barulho interno”.

Inversamente, há silêncios no som. Por exemplo, tome-se um pulso de uma batida por segundo: olhe para um relógio e observe a pulsação do ponteiro dos segundos, ou dos dígitos indicativos dos segundos, se digital. Cada segundo um toque. Observe agora a pausa entre uma batida e a seguinte, espaço de silêncio. Agora bata duas vezes em um segundo. Note que a pausa entre as batidas diminui e diminuirá ainda mais se percutirmos quatro vezes em um segundo. Por indução, concluímos que as pausas diminuirão crescentemente e as batidas soarão cada vez mais próximas. Há uma região, situada entre cerca de treze e quarenta pulsações por segundo, em que não sabemos ser ritmo ou altura. Acima dessa faixa, percebemos claramente não pulsos isolados, mas alturas – e, portanto, ressonâncias, pois toda a altura se concretiza num timbre e, assim, numa ressonância. Embora pareçam contínuas, as alturas ocultam silêncios imperceptíveis, contidos nos sons.

Há sons no silêncio e silêncios no som. John Cage, compositor do silêncio, depois de experimentar a sonoridade da câmara anecoica, declara: “O silêncio é uma escuta de sons involuntários”. Ou, dito de outra forma, a sonoridade, toda a manifestação sonora simultânea e sucessiva, é testemunhal, ou seja, depende fortemente de quem escuta, pois inclui seus sons corporais.

Concebida como organização sonora, a música intercepta os conjuntos de sons e silêncios. Esta definição colocaria o aleatório, desorganizado a priori, como não musical. Portanto, uma peça como Tacet 4'33”, de John Cage, não seria música12. Entretanto, um detalhe preciso afirma a organização: as marcas inicial e final da peça, limitadas pela duração contida no título, recortam as sonoridades aleatórias que o silêncio propicia. Essa condição talvez seja um exemplo de mínima organização musical. Como corolário, diremos que toda sonoplastia é música13.

Sonoridade é percepção auditiva que inclui os sons do exterior, bem como os ritmos e ruídos do interior de quem escuta. Assim, em um acontecimento teatral, a sonoridade compreenderá a sonoplastia, as vozes, os ruídos acústicos de atuantes, as manifestações sonoras do público, os sons de fora da sala teatral e os pulsos de cada ouvinte. Portanto, a experiência teatral sonora é absolutamente pessoal.

Em situação de escuta, sonoridade é o som do silêncio14.

Escutas

Escuto a música silenciosa de Peter Gast
(Caetano Veloso letra de Peter Gast, 1983)

Antes do ar mover o grito original, antes dos olhos saturados de luz, antes do cheiro e do sabor, a criança sente o contato. Em seguida, silenciosa, ouve. Audição fisiológica pura.

Escutar o silêncio. Deixar a sonoridade passar, deixar atravessar, deixar penetrar: deixar.

feche os olhos. escuta flutuante. um tempo.
escute a espacialidade da escuta. desfrute: sabor de escuta.
a ausência da imagem visiva intensifica a presença sonora da imaginação:
mira sentidos.
abra os olhos. olhar flutuante. um tempo.
veja a temporalidade da visão. desfrute: sabor de vista.
a ausência sonora é presença de som: não há silêncio sem som.
silêncio: escuta de sons involuntários.
a modulação da escuta rumo ao silêncio intensifica a presença visiva.

O circuito sonoro conecta fonte e escuta, em trânsito ondulatório pelo meio. O ar materializa o meio que garante a propagação sonora tridimensional, no sentido de fronteiras – corpos, anteparos, paredes – que podem absorver, reverberar, refletir. O circuito se completa com a escuta – gesto de vontade. No limiar do escutar, ouvir.

Ouvir – ato fisiológico – e audição, seu substantivo correlato, seguem processos instantaneamente sequenciais de transformação de energia. O som que penetra o pavilhão auditivo – energia acústica – toca a pele do tímpano e faz vibrar mecanicamente um conjunto de minúsculos ossos – martelo, bigorna e estribo. A excitação mecânica movimenta um complexo sistema hidráulico, no interior da cóclea, órgão em forma de caracol, que provoca a geração de campos elétricos, matrizes de impulsos nervosos, remetidos ao cérebro. Ouvir e escutar percorrem a fita de Möbius – solidarizam-se, mas o corte da fita garante separar e analisar.

Quando cantamos, dizemos, tocamos, os sons projetados nas câmaras de ressonância alcançam o espaço exterior, vibram em três dimensões, irradiam-se no sentido de outras pessoas, reverberam nas paredes. Nesse trajeto, nossas orelhas captam o som que lançamos. A ressonância produzida retorna remissiva: só sabemos o que tocamos e o que dizemos no momento em que tocamos e dizemos.

No francês, entendre, entender, também significa escutar, tender para um sentido: o gesto de escuta como entendimento é um gesto de vontade. No italiano, sentire, sentir, também significa escutar: sou tocado pela escuta, faz-me vibrar como corda tocada no violão.

Para Enrico Pitozzi (2018, p. 21, tradução nossa), “Escutar significa estender a própria percepção: habitar o som como se habita um pensamento, com ele respirar, segundo o seu impulso, permanecer na sua batida. Quanto mais alta for a penetração na escuta, mais extensa será a paisagem revelada de sensações acústicas”.

Habito um som como habito uma cidade: as esquinas, ruas e becos sempre reservam assombros. Como há som no silêncio, segue-se que todo ar conduz incessantemente ondas sonoras que afetam todos os sentidos: tocam olhos, nariz, corpo. Meus pulmões, quando inspiro, enchem-se de ar sonoro, consonância sensorial com a escuta.

Posso fechar os olhos e velar as imagens, um pacto com a respiração suspende o olfato, agasalho-me no frio, escolho quando saborear. Ouvir e escutar não se fecham, em constante contato com o mundo. Não obstante, é preciso aprender a escutar. Uma forma de acessar esse aprendizado consiste em estudar poéticas de escuta15 por meio de gestos de escuta: ações em relação, se concretizam no portal da escuta, fronteira entre interior e exterior.

I. Gesto simpático

O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles.

A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo que se propõe interpretar. A atitude cauta, a irônica, a deslocada - todas elas privam o intérprete da primeira condição para poder interpretar (Pessoa, 1980, p. 43-44).

A argumentação de Fernando Pessoa nos sugere o gesto simpático como pré-condição da escuta. Simpatia é um modo de ressonância: a vibração de um objeto coloca um outro em vibração, sem que haja contato entre eles. O gesto simpático ara o terreno para fertilizar a escuta. O cineasta Harun Farocki (2016, p. 104), em um breve, mas contundente texto, combina simpatia e penetração em empatia, Einfühlung.

Esta palavra pertencia ao outro lado. [...] Empatia é uma palavra demasiado boa para ser deixada de lado. Empatia é uma expressão mais refinada que identificação, e a palavra alemã Einfühlen tem o gosto da transgressão. Uma combinação de Eindringen (penetrar) e Mitfühlen (simpatizar). Uma simpatia um tanto forte. Deveria ser possível empatizar de tal maneira que produza um efeito de estranhamento (tradução nossa).

Deixar-se simpaticamente penetrar pela escuta, potência de imersão, engendra a penetração no que se escuta, potência de estranhamento. O trinômio simpatia-penetração-empatia prenuncia transformação: o gesto receptivo germina o gesto criativo.

II. Gesto flutuante

A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe, porém não criá-la. Por intuição entende-se aquela espécie de entendimento com que se sente o que está além do símbolo, sem que se veja (Pessoa, 1980, p. 44).

O gesto flutuante abre-se à intuição e ao entendimento. É escuta macrofônica, apontada para a totalidade sonora, ou seja, a sonoridade. Deriva de uma escuta inconsciente, de que nos fala Barthes, a partir de uma formulação de Freud.

Não devemos atribuir uma importância particular a nada do que ouvimos e é conveniente que prestemos uma atenção flutuante, expressão que adotei. Economizamos, assim, um esforço de atenção... e nos livramos do perigo inerente a toda atenção intencional, o perigo de escolher entre as informações que nos são transmitidas. [...] É justamente o que se deve evitar; ao adaptar nossa escolha à nossa expectativa, corremos o risco de encontrar apenas o que, de antemão, já sabíamos (Freud apud Barthes, 2009, p. 223).

Walter Benjamin (1987, p. 205) completa: “Quanto mais o ouvinte se esquece de si mesmo, mais profundamente grava nele o que é ouvido”.

O gesto flutuante ocupa o limiar entre ouvir e escutar.

III. Gesto anatômico

A terceira é a inteligência. A inteligência analisa, decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo: tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é tudo o mesmo. [...] é o de relacionar no alto o que está de acordo com a relação que está embaixo. Não poderá fazer isto se a simpatia não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado (Pessoa, 1980, p. 44).

O gesto anatômico se lança na escuta do objeto sonoro. Como o anatomista disseca os órgãos para enfocar sua análise, o gesto anatômico da escuta é microfônico – dirige-se ao centro do som – e acusmático – desvincula o som de sua fonte e de suas causas, para perscrutar a imagem sonora pura, por meio do que Pierre Schaeffer chama escuta reduzida.

[...] um ouvinte escuta um som (e não um discurso sonoro de dormir em pé nem uma música para sonhar, dançar, chorar ou rir). Colocamos à disposição de sua escuta determinado fragmento de som que se repete, ao qual ele se dedica como se fixasse uma luz, uma maçaneta ou a linha do horizonte. Ele não está recebendo nem Deus nem o fluxo de seu corpo, mas um sinal do mundo exterior cuja imagem sonora se forma em sua consciência. Para considerá-lo, é necessário também prestar atenção e fazer silêncio, e paradoxalmente, para assimilá-lo, é necessário também despojar- se de tudo o que até então se sabe dele, descartar os sentidos, os índices e qualquer sugestão relativa ao sinal. Se o reescutamos agora ou em algumas horas, em alguns dias, mais aprenderemos, não apenas sobre o objeto que estamos considerando como também sobre as faculdades do sujeito que somos, nos observando observar (Schaeffer apud Brunet, 1969, p. 209).

Para captar o objeto sonoro em si, o gesto anatômico processa a imersão de quem escuta, pela espiral da repetição. Pierre Schaeffer secciona a argumentação, quando corta do objeto para o sujeito que somos, nos observando observar. Estabelece-se então, no curso desse processo alquímico, uma distância que permite observar o objeto e a nós mesmos: na escuta reduzida, quem escuta é aprendiz de si.

IV. Gesto hermenêutico

A quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias, que permitam o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois a erudição é uma soma. Nem direi cultura, porque cultura é uma síntese; e a compreensão é uma vida (Pessoa, 1980, p. 44).

O gesto hermenêutico aponta para a escuta do sentido, em busca do entendimento e compreensão do signo sonoro: “escutar é colocar-se em posição de decodificar o que é obscuro, confuso ou mudo, para fazer que venha à consciência o lado secreto do sentido (aquilo que é vivido, postulado, intencionalizado como oculto)” (Barthes, 2009, p. 220). Manifesta-se aqui fortemente a ideologia na escuta, véu a ser desvelado para descobrir o avesso dos sons e das palavras. A mudez da palavra contemporânea, desincorporada pela disseminação crescente de uma linguagem meramente informativa, esvaziada de seus sabores de boca, dos rastros amargos e doces de um enfrentamento com o dizer, implica uma escuta surda, conformada aos dispositivos linguísticos de controle, obediente a uma voz de comando – habilmente manipulada pelas estratégias da propaganda. Calibrada pelas exigências de padronização e modulação da produção em série, capturada pelos requisitos da circulação da mercadoria, a escuta contemporânea é levada a captar significados explícitos, destinados a explicar mais que a compreender.

Descobrir as ressonâncias dos dizeres, pois sabor de boca engendra sabor de escuta. Perfurar os invólucros das palavras para penetrar nos ritmos da compreensão, com paciência e perseverança, pois “a compreensão é uma vida”. Tarefas de aprendizes do gesto hermenêutico, no sentido de uma escuta estranha.

V. Gesto imersivo

O gesto imersivo almeja a submersão na substância sonora. Para o gesto imersivo,

[...] escutar não significa simplesmente atentar para o efeito de um som ou de uma voz; de maneira bem mais radical, implica em uma penetração na qualidade do que se percebe. Tal atitude requer uma imersão nas regiões mais sutis do som e da voz, além de poder provar as nuances, até os espaços de inaudibilidade que nelas se abrem, para deixar depois aflorar, como amplificada, a percepção de uma vibração ou de um respiro (Pitozzi, 2018, p. 36).

Seguindo os passos dessa premissa, o processo imersivo possui uma dimensão pedagógica, voltada ao aprendizado na percepção do som. Nesse sentido, guarda relações com o gesto anatômico, exceto pelo aspecto de que a imersão aponta para a totalidade sonora. Por mirar o envolvimento pleno, o gesto imersivo contrapõe-se ao gesto hermenêutico. Entretanto, um corte na imersão potencializa a hermenêutica.

Esses cinco gestos de escuta não são excludentes, mas por vezes se complementam, em outras, interceptam-se. Só a simpatia pulsa sempre, como impulso receptivo no sentido das ondas sonoras e afetivas que tocam orelhas e escutas.

Imersão

O plano do visível age no imediato: é localizável, visível precisamente.

O plano da imagem sonora é inerente a uma certa discrição, age como na sombra,

de modo difuso, se expressa na duração: não é sempre localizável,

não podemos com exatidão estabelecer de que ponto do espaço provém.

É acusmático,

sua peculiaridade não é a evidência, mas a profundidade:

sua lógica não é aquela do evento, mas da eficácia (Pitozzi, 2018, p. 31).

Em grego, há três acepções para a palavra som: eco, concernente ao movimento ondulatório no espaço exterior e à reflexão; phoné, alusiva à sonoridade da voz; e acusma, relacionada à ocultação das causas e origens do som, o que corresponde, contemporaneamente, a camuflar fonte e difusores sonoros. Pierre Schaeffer, na conceituação do modo acusmático da escuta, fundamento do gesto anatômico, parte da definição do Larousse:

[...] nome dado aos discípulos de Pitágoras que, durante cinco anos, escutavam suas lições escondidos atrás de uma cortina, sem vê-lo e observando o mais rigoroso silêncio, à qual acrescenta, ainda com base em Larousse: Acusmática, adjetivo: se diz de um ruído que escutamos sem ver as causas de que provém. [...] Essa audição desvinculada da visão e dos demais sentidos, cega e senhora de si, é um dos princípios da escuta acusmática (Reyner, 2011, p. 83 e 90).

O princípio acusmático embasa a imersão. O relato do escritor e músico tcheco Joseph Wechsberg, ao assistir a montagem de O ouro do Reno, de Wagner, no Teatro Festspielhaus, de Bayreuth, em 18 de agosto de 1956, mostra a potência da sonoridade acusmática na percepção do espectador, enfatizando, nesse caso, o caráter e propósito ilusionistas da obra.

Então havia o silêncio, e de fora da escuridão veio um mi bemol sustentado - tão baixo que eu não podia distinguir exatamente quando o silêncio acabou e o som começou. Eu nem podia estar certo de onde o som vinha; podia vir dos lados do auditório, ou do fundo ou do teto. Ele apenas estava lá. Lentamente, a orquestra passou a tocar passagens melódicas, pouco audíveis no início e gradualmente crescendo em volume, até que o auditório estivesse cheio de música - a música do Reno. Quando a cortina abriu, o palco pareceu cheio de água - ondas azul-esverdeadas, flutuando em precisa sincronização com a música. [...] A música, o canto, as águas e as luzes misturam-se perfeitamente. [...] Eu estava sob encantamento (Beranek apud Dal Farra Martins, 1999, p. 119).

No Teatro Festspielhaus, de Bayreuth, a franca frontalidade diminui os privilégios e direciona pontos de vista. Os ângulos de trinta graus das faces laterais da plateia, além de também contribuírem para a boa acústica da sala, criam perspectivas, cujo encontro focal coincide com o centro do palco. As paredes laterais, livres da decoração, facilitam a reflexão acústica. A iluminação a gás, substituta das velas, permite a Wagner o escurecimento da plateia, como recurso de mistério e concentração: o espetáculo é o protagonista. Inovação fundamental é a orquestra oculta: o fosso da orquestra, mascarado, oculta os músicos. A música, acusmática, instaura o grande espetáculo total wagneriano. Inaugurado em 1876, é teatro imersivo, destinado à ilusão.

Atualmente, as estratégias imersivas derivam da tecnologia eletrônicodigital. Superando a configuração bidimensional do estéreo, a holofonia, captação e reprodução sonora em três dimensões, “permite então avizinhar, aproximar, a cena do espectador, como se este último participasse da cena, até mesmo sentir as sombras da voz e os soluços mais sutis de cada figura cênica, entrando assim em um panorama de lapidação sonora [...]” (Westkemper, 2018, p. 61, tradução nossa).

Dentre as possibilidades holofônicas16, o engenheiro sonoro Hubert Westkemper relata a utilização do dispositivo binaural no espetáculo Elettra, de Hugo von Hofmannsthal17, dispondo-se o microfone para captação a partir do ponto de fala da protagonista. Diz Westkemper (2018, p. 60): “[...] esta técnica permite uma total imersão no som e, em Elettra, o espectador - que escuta por fones de ouvido - é isolado do resto da sala e como que projetado na cabeça da protagonista” (tradução nossa). Esse isolamento, além de enfatizar a condição individualista da sociedade contemporânea, imuniza o contato entre as pessoas da audiência: apagam-se respirações, ruídos e movimentos, índices da presença coletiva. Qual quarta parede materializada, um vitral separava palco e público, para garantir que apenas os fones de ouvido transmitissem os sinais sonoros, “evitando a dupla exposição ditada pela acústica da sala e o som dos fones, o que teria prejudicado o efeito de imersão total buscado pela encenação. [...] Se trata de uma viagem solitária dentro da cabeça de Elettra” (Westkemper, 2018, p. 60-61, tradução nossa). O espectador percebe a geografia sonora a partir das escutas e dos dizeres da protagonista. A encenação, baseada fortemente na vocalidade poética, ou seja, no movimento das palavras, coaduna com a opção pelo dispositivo digital.

A fixidez da cena frontal contrasta com a mobilidade da espacialização acústica. Entretanto, em condição binaural, toda a audiência escuta a mesma sonoridade digitalizada, independentemente da posição relativa que ocupa na sala: perde-se a percepção das distâncias e o contato direto com vozes e, de certa forma, com corpos, velados pelo anteparo do vitral. Há plena dissociação entre vozes e corpos.

Se, no enfoque naturalista, o público assenta-se na condição de voyeur da vida privada, o processo holofônico binaural expande essa poética, ao propor a imersão do espectador na própria protagonista pela voz e pela escuta: do ambiente, das outras vozes e de sua própria voz em movimento remissivo. Trata-se de identificação por imersão holofônica.

No campo das vocalidades poéticas imersivas, destaca-se a arte da atriz romanhola, Ermanna Montanari, fundadora com Marco Martinelli do Teatro Delle Albe, sediado em Ravenna, à beira do Adriático italiano18. Dentre um leque significativo de experimentos teatrais – da Divina Commedia, de Dante, montado com a participação de habitantes da cidade, onde se encontra enterrado o corpo do poeta florentino, ao processo pedagógico Malagola, desenvolvido com a participação teórica de Enrico Pitozzi – sobressaem Fedeli d’Amore (2018) e Acusma (2009-2015)19, conjunto de duas obras gestadas por Montanari e Martinelli, com a participação do poeta Nevio Spadoni e do compositor Luigi Ceccarelli: Ouverture Alcina e Lus20. A palavra Ouverture não esconde o sentido acusmático dos espetáculos, apontado para a espacialização sonora de música e vocalidade, encenada em forma de concerto, com o fito de ressaltar e focalizar imagens sonoras.

Na encenação de Ouverture Alcina, por exemplo, Ermanna Montanari está só no palco. Em torno dela, o espaço é negro, vazio e denso. Alcina, louca de amor, é presa de fantasmas e se lança em um corpo a corpo com a única entidade que a envolve: o som composto por Luigi Ceccarelli, que segue sua voz como um contraponto. Seu corpo está imóvel, possuído por um tremor, uma vibração contínua. Aparece e desaparece pelo efeito da luz. Atravessa uma mínima vibração, os micromovimentos a tornam vulnerável. Não há ação, nem drama, só uma voz que se propaga em um labirinto de luzes e sons eletroacústicos, criados a partir do som de gaitas de fole romanholas reelaboradas (Pitozzi, 2018, p. 31, tradução nossa).

Spadoni recorta a personagem Alcina, do texto renascentista Orlando Furioso, de Ariosto. Ao implantá-la em solo romanholo, o poeta incita o confronto entre a língua italiana e o dialeto, encenado magistralmente por Montanari, com matizes ora sutis, ora cortantes, ora raiz, ora volantes.

O idioma áspero que utiliza é o dialeto de Campiano, vilarejo onde Ermanna Montanari nasceu e foi criada. Falado por alguns milhares de habitantes da região da Romagna, esse dialeto é uma língua dos mortos cada vez menos transmitida às novas gerações. Assim, ao impedir que os espectadores compreendam a narrativa, a peça produz o delírio de Alcina em cena, ao invés de representá-lo (De Giorgi, 2017, p. 449).

Em confronto harmônico com a música de Ceccarelli, Ermanna Montanari se lança em busca de uma voz desmesurada, soprada nas fronteiras entre o humano e o animal, enraizada no telúrico. Margherita De Giorgi (2017, p. 454-455) detalha o processo compositivo da dupla.

Durante a criação do monólogo, Montanari enviava ao compositor gravações de suas tentativas com o texto de Spadoni. Ceccarelli ouvia esses registros e enviava fragmentos sonoros esboçados com base nas vocalizações. Foi a partir do acúmulo desse material bruto, improvisado e modificado a cada passagem, que a figura de Alcina tomou corpo.

Composição e vocalidade caminham pari passu, de modo que a construção orgânica se dá por um diálogo de escutas. A música eletroacústica de Luigi Ceccarelli combina sons sintetizados, evocação de nevoeiros e águas, com a sonoridade da trompa romanhola. Relembrança de camadas sedimentares de ressonância, vivas na presença do sopro do instrumentista, tocam e fazem vibrar as escutas. A percepção dos sentidos dessa glossolalia exige uma escuta afetiva, cuja condição necessária será a imersão21, engendrada pela arquitetura sonora baseada na espacialização. Diz Ceccarelli (2018, p. 75):

O espaço sonoro é criado por cinco difusores sobre o palco, um central para a voz, dois ao lado da cena e dois no fundo para dar a profundidade tridimensional, acrescida também de dois difusores atrás do público. O espaço visivo, suporte do som, pode assim ser reduzido ao essencial; neste caso, a solução foi um enquadre negro.

Escutemos o relato de Margherita De Giorgi de sua experiência perceptiva, ao assistir uma récita de Alcina.

A sequência final abre-se com uma volta súbita e explosiva da trompa. No meio do palco, Alcina lança-se em um violento delírio. Mergulhada em um som crepitante, ela vocifera como se uma enorme distância a separasse de seus interlocutores. [...] O tom de sua voz torna-se mais grave à medida que fala, seus estremecimentos mais fortes; o volume sonoro reflete a violência de seus pequenos gestos.

No momento dessa sequência, as vibrações do tecido sonoro disseminavamse do chão através das pernas e do interior do tronco. O grão de voz de Alcina provocava tensões e tremores em toda a superfície do corpo. A vibração também transformava o tônus ordinário do corpo. Os músculos cervicais contraíam-se involuntariamente – efeito que permaneceu até a saída do teatro. Especialmente durante esta sequência, as perturbações cinestésicas eram tão intensas que me condicionavam a manter a atenção alerta, a ficar à escuta, mas esvaziada de qualquer resistência ou subjetivação. A sensação dessa invasão perceptiva, intensificada pela imobilidade que caracteriza a condição do espectador, tornava a experiência da presença de Alcina perturbadora, hipnotizante, não localizável.

A ausência do entendimento forja a vibrante presença sonora de Alcina. A imersão arrebata, captura, enfrenta e vence toda resistência, convoca e magnetiza todos os sentidos corporais.

Fedeli d’Amore, políptico em sete quadros para Dante Alighieri, em torno da noite de 12 a 13 de setembro de 1321, no quarto em que o poeta morre, se inicia com a fala da Névoa, omnipresente de Rimini a Ravenna, testemunha de seus últimos sopros. No percurso, surgem o Asno, símbolo do Teatro Delle Albe, cujas orelhas desproporcionais o condenam a escutar todos os lamentos; um salto contemporâneo, articulado à visão dantesca do Purgatório, sobre a corrupção da elite governante, transformada agora em fabricantes de armas e banqueiros; e Antônia, a filha do poeta, plena de ternura e acolhimento amoroso. O espetáculo adota a forma de concerto, como em Alcina: em Fedeli d’Amore, Ermanna contracena com um trompetista e a música gravada de Luigi Ceccarelli. Ela ocupa um praticável, microfone sempre na mão direita. À sua frente, uma estante com o texto. Ao fundo, na diagonal oposta, o trompetista separa-se da atriz por uma leve cortina, que serve como tela para projeções. A cena é frontal, com duas caixas acústicas laterais22, arquitetura que não estimula a imersão, a priori.

Silêncio quando a cortina se abre. Ermanna está só, apenas com os primeiros acordes da música notamos a presença do trompetista por trás da cortina do fundo. Sua voz murmurante diz a Névoa, sussurra e aos poucos escapam sons agudos, ora romanholo, ora italiano, um jogo entre língua e dialeto, fricção. No decorrer dos sete quadros, sua voz viajará por espaços corporais de muitas ressonâncias. Em nenhum momento a atriz ataca, fere, com a força cortante do trompete. Sua voz explora tecnicamente diversos registros, com perfeição, escutamos sua voz mais que a pessoa, até a aparição de Antônia, quando seu rosto se esfuma. Ermanna parece encontrar aí a voz do poeta, não a voz metafórica, mas as bordas de sua materialidade. E Antônia é sua síntese, como se as vozes que vieram antes e que virão depois convergissem para ela, carregadas de afeto. A Névoa volta no último quadro e a imagem da neblina permanece, pelo poder da vocalidade poética. Não há arrebatamento, mas um jogo sutil entre aproximação e afastamento, imersão e estranhamento.

Soberana em todo o espaço, pela ação do microfone e dos difusores, a voz de Ermanna é acusmática, dissociada da imagem visiva. Em conversa com Julia Varley23, Montanari esclarece a opção pelo som amplificado.

Julia: Houve um momento em que você começou a usar o microfone com a voz, como isso influi sobre o seu trabalho vocal, do grito ao silêncio, que coisa sucede quando se coloca um microfone no meio?

Ermanna: [...] Com o microfone, [...] vamos mostrar ao invés de onde está o rosto, vamos mostrar onde está a boca, porque o microfone permite colocar na sala tantos difusores, e assim criar um som imersivo, isto é, as pessoas podiam ver a minha boca, mas o som vinha pelas costas. A luz podia iluminar todos os corpos, mas aqueles corpos não estavam ali.

Sem negar a premissa imersiva, Julia formula uma defesa do modo acústico em contraposição ao eletrônico.

Julia: [...] quando você diz que esconde de onde vem a voz, é uma das coisas que eu acho difícil quando escuto vozes com microfone. É porque eu quero ver de onde vem, não necessariamente a boca, mas este corpo que vive no espaço através da voz. Esta pessoa, esta individualidade que é diversa. E para mim é muito importante a vibração que existe na voz [...]. Compreendo que dá muitas possibilidades, pois se pode [...] trabalhar aqueles detalhes com o microfone, porém me falta sempre aquela vibração viva que existe na voz natural, aquela que a gente escuta [sente] de uma pessoa para outra (Montanari; Varley, 2021).

Estratégias poéticas de atuação de duas grandes atrizes, que têm na voz e na vocalidade poética seu chão e seu voo. Coloquemos nesse jogo a atriz brasileira Maria Alice Vergueiro, em sua atuação memorável na peça Not I / Eu não, de Samuel Beckett, uma das quatro cenas do espetáculo Katastrophé, dirigido por Rubens Rusche, em 1986.

Boca – ... expulsa ... para dentro deste mundo ... este mundo ... coisinha de nada ... antes da hora ... num mi- será ... o quê? ... menina? ... sim ... menininha ... dentro deste ... expulsa para dentro deste ... antes da hora … miserável buraco chamado ... chamado ... não importa ... pais ignorados ... desconhecidos ... ele desapareceu ... ninguém sabe ninguém viu ... mal abotoou as calças ... como ela ... oito meses depois ... quase no mesmo momento ... assim nada de amor ... nem mesmo ... aquele amor que normalmente se sente ... pela criança indefesa ... no lar ... não ... nenhum amor ... de nenhum tipo ... nem antes e nem depois ... portanto uma história banal ... uma vida comum ... até aquela manhã ... ela já então sexagenária ... um dia em que ela ... o quê? ... septuagenária? ... santo Deus! ... ela já então septuagenária ... numa campina ... um dia em que ela passeava por uma campina ... à procura de algumas flores ... algumas florzinhas ... para se fazer uma coroa ... alguns passos e então parava ... o olhar perdido no vazio ... depois ... alguns mais ... e de novo parava... o olhar perdido no vazio ... e assim ia... deixando-se ir … quando de repente ... pouco a pouco ... tudo se desfez ... toda aquela luz matinal ... início da primavera ... e ela deu consigo no ... o quê? ... quem? ... não! ... ela! … [pausa e primeiro movimento] (Beckett apud Yazbek, 2017, p. 119).

Um foco de luz recortava apenas a boca da atriz, possuída crescentemente pelo fluxo exaustivo das palavras, assentada em um dispositivo semelhante a uma cadeira de dentista, “em que eu tinha que ficar com a cabeça meio encaixada, uma máscara onde passava um aro pela minha testa, para me dar os limites de onde eu poderia me mexer” (Yazbek, 2017, p. 121), conta Maria Alice. No gesto narrativo, respiração, ressonância e ritmo imbricavam-se perfeitamente com os sentidos implícitos do texto e a encenação da voz como imagem. Os movimentos desenhavam com precisão as articulações das palavras nas ações do maxilar, na embocadura dos lábios, nos voos da língua. A boca se revelava nas frestas do acusmático: “A máscara era a boca, quer dizer, o ator era a boca, como se a boca fosse a personagem” (Yazbek, 2017, p. 121). Não era direta a relação sonora com o público: um microfone camuflado na máscara propiciava a amplificação da voz e a inserção de ecos a cada pausa de fim de movimento, quando a atriz dizia … ela!… “Esse microfone era oculto, porque eu tinha que falar muito baixo [falando bem baixinho], era uma voz de travesseiro, era uma voz monótona, não era possível eu projetar a voz acusticamente” (Yazbek, 2017, p. 123).

O impacto da cena sonora assombrava, lembra Maria Alice: “O público não aplaudia, não fazia nada. Ele não conseguia aplaudir. E os atores não vinham agradecer. Não dava, imagina” (Yazbek, 2017, p. 124).

O compositor e encenador Ryüichi Sakamoto e o artista Shiro Takatani, ambos japoneses, oferecem um modelo em que tecnologia e arte processam uma outra qualidade de imersão. Em 2011, um tsunami devastador atingiu o norte do Japão. Sequela da violência climática, um piano deformou-se. Esse instrumento gera a montagem24 Is your time, concebida por Sakamoto em 2017.

Então eu consegui esse chamado piano-tsunami e usei esse aparato para expressar a vibração da terra, do nosso planeta. Nós [Sakamoto e Takatani] conseguimos dados de terremotos do último mês e os compactamos em oito horas, e esse piano-tsunami poderia tocar as vibrações da terra de acordo com dados reais. Então, em termos literais e físicos, nós estávamos escutando e sentindo a vibração do planeta convertida em um som audível por meio do piano. Este é apenas um exemplo de como arte, som, música e natureza física real podem interagir juntos através de tecnologia utilizada para fins artísticos (Sakamoto, 2018, p. 54).

A deformação do instrumento distorce também sua afinação e destrói o temperamento, sua hipótese musical, fundamento e referência tonal. Ryüichi considera uma ação da natureza e aceita a alteração que torna as notas imprecisas e a atmosfera estranha. O epicentro da montagem é o pianotsunami, acionado por ondas sísmicas digitais. Luzes e música em volta se manifestam, criando-se a sensação de toque em algo contínuo, que já existia antes da montagem e existirá depois. O público é envolvido pelo concerto do piano-tsunami, regido pela natureza digitalizada.

Espaço, coisas, levam-me a pensar na natureza, e nossos corpos são parte da natureza, o piano é parte da natureza e o tsunami é também um fenômeno natural. Ao fim e ao cabo, o que quero fazer é integrar tudo, espaço, coisas, som e tsunami, nossos corpos, vida, todos juntos em um espaço, um espaço imersivo (Sakamoto, 2018, p. 57).

A circulação do público pela montagem, ao proporcionar possibilidades de seleção, inocula traços épicos no ambiente visivo-sonoro, estabelecendo-se assim um jogo entre presença e ausência, imersão e estranhamento.

Ausência

Não me interesso por um tipo de arte
em que você tem que deixar seu cérebro na chapelaria (Eisler; Bunge, 2014, p. 224).

A ausência mobiliza o músico e encenador alemão Heiner Goebbels desde a montagem de Ou bien le débarquement désastreux25, em 1993. O tema ganha importância crescente nos quatro espetáculos seguintes, até culminar na obra Stifters Dinge26, “uma instalação performativa sem performer” (Goebbels, 2015, p. 314), com mais de duzentas apresentações em vários países, desde 2007 (Carrijo, 2019, p. 161-175). No meio desse percurso, Goebbels homenageia o compositor e escritor alemão Hanns Eisler, na peça-concerto Eislermaterial (1998), em que uma pequena estátua de Eisler, colocada no centro de um palco quadrado, substitui o regente ausente, enquanto os músicos ocupam três lados, nas bordas da cena. Goebbels (2015, p. 320) esclarece que “[...] obstáculos/resistências/dificuldades estruturais para os músicos (a distância entre eles, a separação entre os instrumentos de corda e assim por diante) ajudam o público a visualizar o processo comunicativo de um conjunto sem maestro, responsável por si mesmo”. Eis o sentido ético-político dessa ausência. Uma reflexão de Elias Canetti sobre o poder do maestro aprofunda esse sentido.

Não há expressão mais óbvia de poder do que a performance de um maestro. [...] A imobilidade do público é tão parte do propósito do maestro quanto a obediência da orquestra. Ambos estão compelidos à imobilidade. Até que ele apareça, eles se movem e conversam livremente entre si. [...] Durante um concerto, e para as pessoas reunidas na sala de concerto, o maestro é um líder. [...] Ele é a encarnação viva da lei, tanto positiva como negativamente. Suas mãos ordenam e proíbem. Seus ouvidos sondam a profanação. Assim, para a orquestra, o maestro literalmente encarna o trabalho que ela realiza, a simultaneidade dos sons, bem como sua sequência; e como, durante a apresentação, não há supostamente nada para existir a não ser este trabalho, neste tempo o maestro é o governante do mundo (Canetti, 1962, p. 394-396)27.

Há, portanto, um questionamento político e uma superação do poder, posto que a ausência do regente provoca a transgressão dos músicos, que fundam um novo acordo, baseado na solidariedade. Eisler almeja eliminar o regente, quando diz, com impecável humor profético:

Um dia nós teremos máquinas que podem compor sinfonias, ou fazer diagnósticos médicos mais acurados que um doutor, baseadas nos sintomas. […] O doce véu dos artistas será abolido! […] o regente em particular será substituído por máquinas. Isso é um enorme progresso (Eisler; Bunge, 2014, p. 222-223, tradução nossa).

Eisler foi o principal parceiro de Bertolt Brecht, em canções e peças notáveis, nas quais desenvolvem um teatro dialético, dedicado ao entendimento das contradições do sistema capitalista, com vistas à sua superação e transformação. O estranhamento, criação de superfícies de fricção, destinadas a engendrar possibilidades de assombro, será sua operação dramatúrgica e cênica. Como consequência destas premissas, a música de Eisler é lacunar, pela inserção de cortes, pausas e silêncios, pelo confronto entre canto, cantofalado e fala, por mudanças de ritmo. Goebbels capta essas características, já em relação à obra Ou bien le débarquement désastreux, quando diz:

[...] o confronto entre texto e música, a separação entre a voz e o corpo do ator, o conflito repentino entre uma música e outra (música de dois griots do Senegal e minha própria música tocada com trombone, teclado e guitarra elétrica), o conflito entre uma cena e outra. Entre esses elementos separados, como diz Brecht, é que se produzem distâncias, vazios, para que a imaginação do espectador possa agir (Goebbels, 2015, p. 316).

A ausência provoca a ação da imaginação, espaço aberto para surgir um gesto hermenêutico da escuta. Na direção do estranhamento, Goebbels cita Elinor Fuchs: “Um teatro da Ausência […] dispersa o centro, desloca o Sujeito, desestabiliza o sentido” (Goebbels, 2015, p. 319).

Sobre Eislermaterial, o crítico Roberto Becker (2004) escreveu:

Eisler pertence à música e à história contemporânea e sempre foi político. O compositor Heiner Goebbels [...] não só escreveu sobre ele a sua tese de sociologia [...]. O homem tão venerado chega a ser um monumento no palco do Teatro Nacional. Mas a estátua de bronze é pequena o suficiente para a irreverência amorosa com que Goebbels transforma os motivos de Eisler, combinando luta de classes e humor melancólico e intercalando-os com documentos de conversação que ele processou numa colagem sonora livre. A certa altura, a escultura é iluminada de tal forma que lança uma sombra gigante. [...] No brilho melancólico do som do saxofone, transparece a memória do poder inspirador de uma utopia (tradução nossa).

É provável que os documentos citados sejam trechos das conversações de Eisler com Hans Bunge, transcritas em Eisler e Bunge (2014), uma série de catorze encontros, realizados entre abril de 1958 e agosto de 1962. Os Diários de Trabalho de Brecht impulsionam as reflexões do compositor sobre assuntos como a discussão dos conceitos de estranhamento e Gestus, a estupidez musical e a função da arte. A canção de abertura de Eislermaterial mostra que o interesse de Goebbels supera a potência estritamente musical de Eisler, reconhecida e aclamada por seu mestre, Arnold Schönberg, nos anos 1920, ao encontro de sua dimensão política: o Kinderhymne, poema de Brecht escrito em 1950, portanto em Berlim Oriental, um hino à criança socialista, de solidariedade e esperança28.

Eislermaterial ilumina a reflexão empreendida por Goebbels, expõe a ausência como estratégia de estranhamento e estimula possibilidades de leituras e percepções políticas, como fissuras no tecido imersivo. O caráter lúdico, presente nas cinco obras elencadas pelo encenador29, ressalta esta condição: no espaço das ausências, o encenador joga com o público.

Através de Eisler, Goebbels é leitor contemporâneo de Brecht.

Em síntese, para o compositor, a ausência pode ser entendida:

como o desaparecimento do ator/performer do centro de atenção [...];

como uma divisão da presença entre todos os elementos envolvidos – vocês

poderiam chamar isso de uma polifonia dos elementos [...];

como uma divisão da atenção do espectador para um protagonista coletivo,

com performers que frequentemente ocultam seu significado individual ao

se virarem de costas para o público;

como uma separação das vozes dos atores de seus corpos e dos sons dos músicos

de seus instrumentos;

como uma dessincronização entre ver e escutar, uma separação ou divisão

entre o palco acústico e o visual;

como a criação de espaços intermediários, espaços de descoberta, espaços

que permitam que a emoção, a imaginação e a reflexão aconteçam;

como um abandono da expressão dramática [...];

como um centro vazio [...];

como a ausência de uma história [...];

e a última, mas não menos importante ausência, pode ser entendida como o

ato de evitar as coisas em relação às quais criamos expectativa, as coisas que

vimos, que escutamos, que geralmente são feitas no palco (Goebbels, 2015, p. 322-324).

Essa série de princípios para a encenação da ausência confirmam sua condição de estratégias de estranhamento, cortes no tecido cênico, lacunas entre superfícies de fricção: espaços dialéticos. Estranhar é ver e escutar com olhos e orelhas estrangeiras. Estranhar é historicizar.

Coda

Em 2012, escreve o jornalista Ivan Hewett: “Eu pergunto em que medida o que Goebbels está querendo é uma Gesamtkunstwerk [Obra de arte total] wagneriana, uma combinação entre todas as diferentes artes”. A esse respeito, diz Goebbels:

Não seria isso, absolutamente; diria que faço o oposto. Em Wagner, está tudo está misturado e voltado a um mesmo fim. O que se vê é o mesmo que se escuta. Em meu trabalho, a iluminação, as palavras, a música e o sons são todos formas em si mesmas. O que estou buscando é uma polifonia entre os elementos, onde cada coisa mantém a sua integridade, como uma voz em uma peça de música polifônica. Meu papel é compor essas vozes e criar assim alguma coisa nova (Carrijo, 2019, p. 62).

A contestação afirma a combinação, mas em perspectiva épica, na qual a totalidade não oculta as partes. Neste sentido, estranhamento e imersão, e seus correlatos ausência e presença, são polos em tensão dialética, como sugere este breve percurso no campo dos Teatros de som. Quando abordava a distância necessária para a relação pedagógica no teatro, Myrian Muniz dizia: “é preciso se colocar nem tão próximo que não seja possível se afastar, nem tão distante que não se possa aproximar” (Dal Farra Martins, 2020, p. 40).

Trata-se de calibrar distâncias.

Notas

  • 1
    O dossiê Teatri del suono, organizado por Enrico Pitozzi (2018), constitui-se na fonte central deste ensaio.
  • 2
    Uma análise conceitual aprofundada dos percursos etimológicos da palavra teatro, inadequada às dimensões e objetivos deste artigo, encontra-se em Enrico Pitozzi (2017, p. 36-41), em torno da qual se baseia esse prelúdio.
  • 3
    Hannah Arendt (1987, p. 20-21, grifo nosso) ensina que “Aristóteles distinguia três modos de vida (bios) que os homens podiam escolher livremente, isto é, em inteira independência das necessidades da vida e das relações dela decorrentes. Esta condição prévia de liberdade eliminava qualquer modo de vida dedicado basicamente à sobrevivência do indivíduo – não apenas o labor, que era o modo de vida do escravo, coagido pela necessidade de permanecer vivo e pela tirania do senhor, mas também a vida de trabalho dos artesãos livres e a vida aquisitiva do mercador. [...] Os três modos de vida restantes têm em comum o fato de se ocuparem do ‘belo’, isto é, de coisas que não eram necessárias nem meramente úteis: a vida voltada para os prazeres do corpo, na qual o belo é consumido tal como é dado; a vida dedicada aos assuntos da polis, na qual a excelência produz belos feitos; e vida do filósofo, dedicada à investigação e à contemplação das coisas eternas, cuja beleza perene não pode ser causada pela interferência produtiva do homem nem alterada através do consumo humano”. A analogia entre templo e teatro sugere uma relação de simetria entre a contemplação das coisas eternas e a contemplação do espetáculo teatral, permitindo-nos imaginar que o público grego era convidado a se colocar na condição do filósofo.
  • 4
    Significa dizer que haverá sempre um resíduo de diferença entre a visão intuitiva do ator e do espectador, mas que este resíduo pode tender a uma situação de nulidade, sem que se anule.
  • 5
    Drew (1979, p. 205) afirma que a palavra grega para tenda, σχηνή – skené, aparece pela primeira vez em Os Persas, de Ésquilo, forte indício de que haja conexão entre a vitória grega de 480 a.C. e o aparecimento da tenda entre os gregos. Capturada na batalha de 479 a.C., a tenda de Xerxes, imperador persa, filho e sucessor de Dario, deve ter sido exibida em Atenas, como troféu de guerra, época em que parece ter-se originado a palavra σχηνή. O arqueólogo Brooner (1944) vê uma conexão entre a tenda de Xerxes e a skené, especulando que ela tenha servido de cenário não só para Os Persas, como para uma tragédia anterior, As Mulheres Fenícias, de Frínico.
  • 6
    Macrofônico e microfônico definem duas escutas, como veremos.
  • 7
    “[...] o timbre [...] sugere numerosas analogias com as cores do som quanto ativa a percepção visiva. De fato, o timbre vem designado como cor do som tanto em inglês (tone-colour) quanto em alemão (Klagfarbe). [...] talvez poucos o recordam, mas os instrumentos musicais são realmente invenções tímbricas, objetos pensados e construídos para criar novos sons, inéditos em relação aos sons da natureza. Então a música, constitutivamente, produz uma superação do até aqui ouvido (o mundo sonoro natural, por aquilo que é dado a conhecer), a favor de uma experiência inaudita da escuta” (Pitozzi, 2018, p. 26, tradução nossa).
  • 8
    Em nossa vivência cotidiana, o som se propaga pelo ar. O estudo da audição do feto, contudo, deve considerar a mudança de meio que ocorre entre o ar e o líquido amniótico - para o qual a velocidade de propagação do som é cerca de três vezes maior que no ar (Bastos, 2015).
  • 9
    Oferecido no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (ECA-USP), nos anos 1990.
  • 10
    A holofonia, ao digitalizar a espacialização do som, almeja imitar artificialmente, de forma eletrônica, a audição humana. Segue-se que o estéreo estreita o ouvir, sem que percebamos.
  • 11
    Síntese do campo de ondas, em tradução livre.
  • 12
    Na composição Tacet 4’33”, de 1952, o acaso é o regente absoluto da peça, dividida em três movimentos. O pianista senta-se ao piano, fecha a tampa do teclado e permanece em silêncio durante 4’33”. Limita-se sua performance a abrir o instrumento ao fim de cada movimento e a fechá-lo no início do seguinte. Baseada na constatação de que há sempre som no silêncio, trata-se de uma escuta do acaso: a música prescinde de executante. Embora não haja registro do compositor, a escolha desta duração de 273” (4X60+33) parece aludir à menor temperatura possível na natureza, o zero absoluto, correspondente a -273ºC.
  • 13
    O cenógrafo Cyro del Nero faz uma defesa desta palavra contra as estrangeiras, como design sonore e sound designer: sonoplastia “é o modo mais total de dizer o que queremos a propósito de som formado, plasmado, para um espetáculo” (Uhiara, 2011, p. 37, tradução nossa). A despeito de sua beleza, por interligar imagem sonora e imagem visiva, a palavra sonoplastia carrega uma acepção técnica, associada à gravação e operação sonora do espetáculo, o que justificaria a opção de compositores por música de cena e trilha sonora. Trata-se de valorização elitista da atividade compositiva. Ocorre que, contemporaneamente, devido à proliferação de dispositivos digitais de composição, registro e operação, os limites entre técnica, poética e estética se esvaem, o que nos autoriza a afirmar: sonoplastia é composição musical.
  • 14
    A sonoridade aproxima-se da definição de Murray Schafer (1991, p. 214) para paisagem sonora: “um conjunto de sons ouvidos em determinado lugar”. Apesar de sua elegância, o conceito suscita a questão de que a palavra paisagem encerra em si uma fortíssima ligação com a natureza. Quando dizemos paisagem, nos referimos a um quadro natural, tanto assim que reservamos para a cidade a expressão paisagem urbana. Já sonoridade abrange toda possibilidade sonora, seja natural ou cultural.
  • 15
    Poéticas no sentido dos fazeres no campo da escuta: poiesis. O entendimento da escuta e o exercício de sua expressão pode ser aprimorado pelo estudo da tradução, da transcriação e da adaptação, no âmbito literário; da transcrição e do arranjo, no musical. A leitura de textos e partituras constitui uma escuta sem audição, um escutar sem ouvir. Quando lemos, vozes soam silenciosas dentro. Ler é escutar com os olhos. Estes aspectos serão objeto de estudos futuros.
  • 16
    Ver página 7 acima.
  • 17
    Direção de Andrea De Rosa, montagem de 2004, com o Teatro Stabile di Napoli. Há um registro no endereço https://www.youtube.com/watch?v=g5BvENZmbM4. Acesso em: 29 jan. 2024.
  • 18
    O sítio do grupo oferece um panorama bastante extenso e generoso do percurso do grupo. Disponível em: https://www.teatrodellealbe.com. Acesso em: 30 jan. 2024.
  • 19
    Enrico Pitozzi (2017) ensaia a fundamentação teórica das encenações.
  • 20
    Há áudios disponíveis em: https://www.teatrodellealbe.com/ita/contenuto.php?id=111. Acesso em: 30 jan. 2024.
  • 21
    A condição necessária estimula, mas não garante o deixar-se penetrar pela afetividade da escuta.
  • 22
    Trata-se de récita realizada em Rimini, no Teatro Amintori Galli, em 14 de fevereiro de 2020.
  • 23
    Atriz e pedagoga teatral inglesa, componente do Odin Teatret desde 1976.
  • 24
    Utilizo montagem para enfatizar uma fronteira entre teatro e instalação.
  • 25
    Ou então um desembarque desastroso, em tradução livre. A montagem se apoia em três materiais textuais – Diário do Congo II, de Joseph Conrad; Herakles II, de Heiner Müller; e O caderno do pinhal, de Francis Ponge – e na música de Boubakar Djabate e Heiner Goebbels, para encenar o confronto Europa-África, em torno do tema da floresta. Em cena, o grande ator francês André Wilms.
  • 26
    Coisas de Stifter, em tradução livre. O título se refere ao escritor, pintor e pedagogo austríaco Adalbert Stifter (1805-1868). A obra foi “em parte inspirada na cuidadosa insistência de Stifter pela descrição de detalhes da natureza, desastres naturais, objetos desconhecidos, hábitos estranhos e as culturas de povos longínquos – era a isso que ele chamava de a coisa (das Ding)” (Goebbels, 2015, p. 326).
  • 27
    “Este texto é apresentado como um monólogo impressionante pelo ator André Wilms na peça de música-teatro Eraritjaritjaka, antes de ele sair do palco, seguido pelo câmera, enquanto sua imagem em vídeo continua a ser projetada ao vivo no fundo do palco, na fachada branca de uma casa” (Goebbels, 2015, p. 321). O desaparecimento do ator da cena é longo o suficiente para que o público julgue ser definitivo. Seu reaparecimento no final expõe uma dimensão lúdica da encenação: jogo de esconder.
  • 28
    Há uma singela interpretação de Eisler disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a7GkiBcPz1s. Acesso em 30 jul. 2024.
  • 29
    Não cabe nas dimensões deste ensaio problematizar cada uma destas obras. A exposição completa e detalhada encontra-se em Goebbels, 2015. Para uma abordagem específica de Stifters Dinge, consultar Carrijo (2019).
  • Disponibilidade de dados de pesquisa: o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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  • Editoras responsáveis: Ana Wegner; Rafaella Uhiara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2024
  • Aceito
    05 Ago 2024
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