Acessibilidade / Reportar erro

A Cênica Feminista: teorizações sobre a ciência e a prática da cena teatral feministas e a importância de uma pedagogia feminista no campo teatral

La Scénique Féministe: théorisations sur la science et la pratique de la scène théâtrale féministe et l'importance d'une pédagogie féministe dans le domaine théâtral

RESUMO

A Cênica Feminista: teorizações sobre a ciência e a prática da cena teatral feministas e a importância de uma pedagogia feminista no campo teatral1 – Este artigo teoriza sobre uma cênica feminista, resultante da aplicação ao teatro das epistemologias feministas, sintetizando a crítica que fazem às demarcações canônicas atreladas ao ato de conhecer, que contribuem para a desvalidação da experiência das mulheres. Associa-se seu modo de funcionamento à consciência das hierarquias de gênero, às quais reage por meio da formulação de estratégias poéticas e políticas de enfrentamento aos modelos sociais discriminatórios e sexistas e aos seus sustentáculos simbólicos. Conclui-se que essa cênica feminista encontra centralidade na pedagogia, onde emergem formas de saber emancipatórias e territórios de resistência e criação, que ressignificam o ser.

Palabras-clave:
Cênica Feminista; Epistemologias Feministas; Pedagogia do Teatro; Teorias Críticas

RÉSUMÉ

La Scénique Féministe: théorisations sur la science et la pratique de la scène théâtrale féministe et l'importance d'une pédagogie féministe dans le domaine théâtral – Cet article décrit un scénique féministe, issu de l'application des épistémologies féministes au théâtre, synthétisant la critique qu'elles font des démarcations canoniques liées à l'acte de connaître, qui contribuent à invalider l'expérience des femmes. Son mode de fonctionnement est associé à la conscience des hiérarchies de genre, à laquelle il réagit à travers la formulation de stratégies poétiques et politiques pour affronter les modèles sociaux discriminatoires et sexistes et leurs supports symboliques. On conclut que ce scénique féministe trouve une place centrale dans la pédagogie, où émergent des formes de connaissance émancipatrices et des territoires de résistance et de création, qui donnent un nouveau sens à l'être.

Mots-clés:
Scénique Féministe; Épistémologies Féministes; Pédagogie Théâtrale; Théories Critiques

ABSTRACT

The Feminist Scenics: theorizations about science and practice of the feminist theater scene and the space and importance of feminist epistemologies in the theatrical field1 – This article describes a feminist scenic, resulting from the application of feminist epistemologies to theater, synthesizing the criticism they make of the canonical demarcations linked to the act of knowing, which contribute to the invalidation of women's experience. Its way of functioning is associated with the awareness of gender hierarchies, to which it reacts through the formulation of poetic and political strategies to confront discriminatory and sexist social models and their symbolic supports. It is concluded that this feminist scenic finds centrality in pedagogy, where emancipatory forms of knowledge and territories of resistance and creation emerge, which give new meaning to being.

Keywords:
Feminist Scenic; Feminist Epistemologies; Theater Pedagogy; Critical Theories

Para Socorro Trindad, a primeira feminista brasileira foi a índia potiguar Clara Camarão, figura de destaque nas lutas contra os holandeses, durante a primeira metade do século XVII. Nos campos de batalha, ela liderava um grupo de índias no incentivo aos combatentes pró-Portugal para heróicos feitos de armas (Sharpe-Valadares, 1989SHARPE-VALADARES, Peggy. Introdução. In: FLORESTA, Nísia. Opúsculo humanitário. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: INEP, 1989. p. i-xliii. Available at: https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-48913/opusculo-humanitario. Accessed on: Nov. 10, 2022.
https://www.livrosgratis.com.br/ler-livr...
).

Qual é o espaço de inserção das epistemologias feministas no campo teatral? Pode-se dizer que constituem um território de observação sobre o fazer teatral que se afasta da teoria geral do teatro, ou ainda, que inspiram processos de criação e treinamento distintos da prática cênica “de um modo geral”? Sua utilidade está voltada para o “lugar das mulheres” na cena, ou estende-se para além do protagonismo delas, intervindo nas formas de compreensão dos fenômenos cênicos, atravessados pelas relações entre viventes, homens e mulheres? É possível, então, descrever uma cênica feminista, que envolva uma práxis do teatro cujo modo de funcionamento depende em grau elevado da consciência das hierarquias de gênero e que, diante dessa evidência, desdobre-se em estratégias poéticas e políticas de combate aos modelos sociais discriminatórios e sexistas, bem como em seus sustentáculos simbólicos?

Os feminismos são movimentos que almejam a transformação das relações sociais, que vêm se perpetuando com uma notável desigualdade entre os indivíduos. A ênfase deles na reação às hierarquias que sedimentam o lugar de privilégio que algumas pessoas ocupam, em detrimento de outras, se dá nas relações entre os gêneros, a princípio, entre homens e mulheres. Para estes movimentos, que vêm se organizando e mudando desde que as mulheres puderam encontrar meios de atravessar suas experiências individuais e perceber em outras mulheres sofrimentos e satisfações que se identificavam com os seus próprios, um dos objetivos é questionar as estruturas sociais que mantém essas diferenças, e as razões que fazem com que os homens tenham valor prevalente sobre as mulheres.

Os feminismos, portanto, estão aliados a outros movimentos sociais em prol dos direitos humanos, ou de direito a uma vida que dignifique o que se consagrou como humanidade, mas sem que se exclua desse projeto de humanidade nenhuma espécie de vida, incluindo as animais, vegetais, minerais etc… Para os feminismos, no que diz respeito à diversidade humana, entende-se as posições atribuídas aos homens e mulheres como culturalmente instituídas e historicamente e geograficamente demarcadas e, dessa maneira, passíveis de serem modificadas. Essa transformação, os feminismos constatam, virá quando houver uma compreensão ampla de que a rigidez e compulsoriedade dessas posições é prejudicial para homens e mulheres. Pragmaticamente, entretanto, inferem que caberá às mulheres a tarefa de impulsionar essas mudanças, uma vez que aqueles que detém benefícios dificilmente querem abrir mão daquilo que os favorece, para dividir com outrem o que seja.

Na perspectiva dos movimentos feministas, esse impulso revolucionário convoca muitas frentes de ação, que se relacionam aos focos de luta: se ela se dá nas ruas, na intimidade das casas, ou nos ambientes de trabalho; na grande cidade ou na pequena vila rural; nos campos da justiça, da política ou das subjetividades. Derivam também segundo as mulheres envolvidas nos grupos e organizações feministas, situadas em suas realidades, que determinam as urgências a serem enfrentadas. Por isso, embora o feminismo seja um movimento global, os feminismos têm reivindicações variáveis e composições diferentes.

Ao mesmo tempo, por ancorarem-se no fluxo histórico – visto que data de início do séc. XX, germinando da luta das mulheres pelo direito ao voto universal –, é possível listar facetas que caracterizam fases no percurso desses movimentos ao longo das décadas, bem como as localidades onde tiveram expressão mais contundente. Por exemplo, esse fluxo tem início como uma maneira das mulheres alcançarem direitos civis básicos (direito ao sufrágio, à independência no casamento, à herança etc.), nos países europeus e, a partir deles, em outras regiões do mundo. Encontra continuidade na discussão sobre os direitos à educação e melhores condições de trabalho, equiparáveis às dos homens, e amplia-se no debate a respeito do poder de decisão sobre o próprio corpo (envolvendo direitos sexuais, de expressão de múltiplas formas de desejo, de escolha sobre a maternidade e de controle da natalidade etc.).

É consenso que, adiante na história, os movimentos das mulheres irão diferenciar-se em termos de protagonismos, reivindicações e estratégias, com o necessário enfrentamento das desigualdades situadas no bojo da própria classe de mulheres. As agendas divergem e, por vezes, reencontram-se, no confronto (capitaneado pelas mulheres negras) ao racismo interseccionado às exclusões de classe social e de gênero; no reconhecimento da solidão e da dororidade2 2 Conceito definido pela feminista brasileira negra Vilma Piedade para especificar o sentimento de irmandade entre mulheres negras, determinado pela violência da escravidão colonial e seus ecos no tempo presente. Acrescenta ao conceito feminista de sororidade as marcas do racismo, traduzido na experiência social e subjetiva das mulheres negras em “Sofrimento moral, mágoa, pesar, aflição, dó, compaixão” (Piedade, 2017, p. 17). ; na grita por inclusão de mulheres trans e travestis nas instituições sociais (escolares, de Estado etc.) de maioria cisgênero; na coalisão de mulheridades3 3 Formulação estratégica que reage à essencialização da categoria “mulher” e à sua descrição dentro do sistema binário heterossexual, sustentando-se na reunião de atributos múltiplos e afeitos aos variados sujeitos que se identifiquem com a classe de mulheres. Associa-se ao womanliness, de Joan Riviere (2005) e aos feminismos da diferença, para definir sua retórica e pauta de reivindicações a partir de estruturas identitárias menos fixas e que representem um sujeito político plurívoco. pró-revisão crítica da branquitude; na luta pela terra liderada pelas mulheres campesinas; na ótica do feminismo indígena, tematizando a reação das mulheres originárias às dominações da colonialidade… Lado a lado com essa enumeração de coisas, sobrevivem outras pautas ainda urgentes, como a liberdade de ocupar o espaço público, ou a premência de interromper o ciclo de violência contra as mulheres.

Como há uma complementariedade entre os modos de agir e de pensar feministas, cruzamentos se processam, conjugando essas diferentes forças. Sem nos confundirmos com a questão sobre de onde veio a fagulha, vemos que o fogo continua se alastrando onde há combustível, esteja ele na mobilização cotidiana dos agentes políticos, ou nos espaços voltados à reflexão filosófica. Caso olhemos do ângulo dos movimentos sociais, ou dos grupos de estudos, é possível verificar como sujeito e objeto estão atrelados no ato de conhecer; ato esse que deriva de (e consagra) demarcações a respeito “[…] da natureza da agência, da justificação, da objetividade, da racionalidade e do próprio conhecimento […] (Sattler, 2019, p. 3SATTLER, Janyne. Epistemologia feminista. In: SATTLER, Janyne. Texto para leitura. São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Direito UFSC, 2019. Available at: https://ppgd.ufsc.br/files/2019/05/Epistemologia-Feminista-texto-paraleitura-pr%C3%A9via.pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://ppgd.ufsc.br/files/2019/05/Epist...
). A epistemologia feminista irá conflagrar-se contra os cânones do ato de conhecer, fazendo dialogar contexto, poder e critérios de validação da autoridade epistêmica (valores e concepções que justificam sua superioridade, subordinando outros sujeitos da experiência e seus estilos cognitivos) e denunciando o sistema político-ideológico que rege as dinâmicas de exclusão social.

Esse diálogo também é provocado entre teorias do feminismo e outras teorias críticas, nos campos da Filosofia, da Antropologia, da Literatura, da Economia, da História, das Artes etc. Assim, é possível falar de uma arte feminista, assim como de uma pedagogia feminista, que seriam aplicações do entendimento feminista aos mais diversos campos do pensamento e da ação transformadora. O engajamento às questões do gênero feminino é inspirador, portanto, de uma maneira de se abordar todos esses territórios do conhecimento humano, uma vez que, em todos eles, estão presentes as mesmas operações que subjugam a classe de mulheres.

Teatros feministas como ethos de um modo-pensamento

Diante dessa trama é que se diferenciam os teatros feministas, descritos num termo plural, evidenciando a reatividade a qualquer normatização estética que se anteponha a um ethos4 4 Segundo Maria Silvia Cintra Martins (2007): no capítulo Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna, Eggs (2005) expõe a forma com que, para Aristóteles, o discurso ou a argumentação se constroem com base em três pilares: o logos, o pathos e o ethos. O logos diz respeito à argumentação racional propriamente dita; o pathos concerne ao envolvimento e ao convencimento do interlocutor; o ethos refere-se ao aspecto ético ou moral que o enunciador deixa entrever em seu discurso. próprio, de onde derivam objetivos, estratégias expressivas, práticas e conceituações desses teatros, e em torno do qual se redirecionam seus modos de ser e fazer, ao longo do tempo. Dessa formulação também pode ser perspectivada uma teoria teatral feminista, ou uma ciência da cena feminista, que se sedimenta no mesmo engajamento à experiência das mulheres no território do teatro, em conjugação com a vida social. Vale a pena explorar o sentido e abrangência dessa cênica feminista (que sintetiza a ciência e a prática da cena teatral), a fim de valorizar sua potência em inspirar os variados territórios do teatro, da criação à produção crítica.

A estadunidense Helen Longino (2005)LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://www.studiagender.umk.pl/pliki/tek...
, filósofa da Ciência, dissertando em Can There Be A Feminist Science?, sobre o universo profissional onde atua, propõe discutir o sentido de se defender uma ciência feminista, ou seja, o que se ganha (ou perde) em associar a ciência feita pelas mulheres a uma noção de outra ciência. Contudo, ao invés de determinar essa ciência a partir de alguma qualidade singular (por exemplo, que ela seria “menos objetiva”, ou mais alinhada a um suposto temperamento das mulheres, ou ainda à sua capacidade cognitiva), a autora prefere remeter a um modo feminista de se fazer ciência, fortemente relacionado às condições sociais que tornariam possível uma ciência feminista.

Ao mesmo tempo, diante da pergunta sobre tais condições sociais, Longino responde só ser viável demonstrar as condições sociais que fizeram de alguns tipos de reflexão científica discursos misóginos. Como exemplo, a autora nos convida a olhar a própria história das mulheres cientistas, no quadro da estrutura social da ciência profissional, e perceber tanto a dificuldade que enfrentam para sustentar seus cotidianos de trabalho, com pressões estruturais que não favorecem seu percurso, quanto a maneira como elas vêm ampliando suas conquistas. Percurso e conclusão semelhantes são empreendidos pela historiadora da arte Linda Nochlin (2016)NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Translated by Juliana Vacaro. São Paulo: Edições Aurora / Publication Studio SP, 2016. p. 1-28. Available at: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5822294/mod_resource/content/1/Linda%20Nochlin_1971%20PORTUGUES.pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
, em Por que não houve grandes mulheres artistas?, questionamento que, ao passo que parece buscar conhecer o lugar e potência das mulheres nas artes visuais em outras práticas criativas, reforça a avaliação negativa que circula em torno das artistas na história da disciplina e no senso comum, porque sequer questiona a hipótese acerca da sua frágil presença no cânone hegemônico. A autora proclama:

Porém, na realidade, como todos sabemos, as coisas como estão e como estiveram, nas artes, bem como em centenas de outras áreas, são entediantes, opressivas e desestimulantes para todos aqueles que, como as mulheres, não tiveram a sorte de nascer brancos, preferencialmente classe média e acima de tudo homens (Nochlin, 2016, p. 8NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Translated by Juliana Vacaro. São Paulo: Edições Aurora / Publication Studio SP, 2016. p. 1-28. Available at: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5822294/mod_resource/content/1/Linda%20Nochlin_1971%20PORTUGUES.pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
).

Nochlin e Longino condizem que, ao invés de “[…] racionalizar a má consciência daqueles que detém o poder […]” (Nochlin, 2016, p. 10NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Translated by Juliana Vacaro. São Paulo: Edições Aurora / Publication Studio SP, 2016. p. 1-28. Available at: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5822294/mod_resource/content/1/Linda%20Nochlin_1971%20PORTUGUES.pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
), perpetuando suas distorções da realidade, é preciso escancarar o que se supõe como natural e esforçar-se na “[…] reinterpretação da natureza da situação ou uma alteração radical de posição ou programa por parte das próprias questões [...]” (Nochlin, 2016, p. 10NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Translated by Juliana Vacaro. São Paulo: Edições Aurora / Publication Studio SP, 2016. p. 1-28. Available at: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5822294/mod_resource/content/1/Linda%20Nochlin_1971%20PORTUGUES.pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
). Nas Artes Cênicas, reconhecemos uma série de indícios de padrões androcêntricos, a exemplo da frequência com que, na cultura teatral, são destacadas as produções de autores homens (demonstrando a divisão sexual do trabalho dentro das artes da cena); assim como na adoção continuada de artistas do sexo masculino à guisa de modelos a seguir; na insistência em certa neutralidade do corpo (dos sistemas de atuação, às atividades de treinamento e às análises sobre a presença na cena), e no uso de termos no masculino para categorias gerais, como ator/público/artista.

Essas condições, verdadeiras formas de dominação simbólica existentes no ambiente do teatro, também estão refletidas na desigualdade, em relação aos homens, no comparecimento e na permanência das mulheres nas atividades de docência em nível superior e de pesquisa acadêmica na área, replicando o que se processa na crítica teatral profissional e em certas funções da prática cênica, em especial naquelas que concentram maior poder decisório dentro dos processos criativos (por exemplo, encenação, dramaturgia e direção de produção). Essa análise, a ser aferida em termos quantitativos atualizados em novas pesquisas com foco na área teatral, provavelmente não será diversa do que se constata no universo acadêmico, conforme citado pela socióloga brasileira Lourdes Bandeira (2008)BANDEIRA, Lourdes. A contribuição da crítica feminista à ciência. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 207-230, Jan./Apr. 2008. Available at: https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJScmfcdsy4LxzJ/?format=pdf⟨=pt. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJ...
, a partir das estatísticas fornecidas pela CNPq, em 2007 (com dados de 2004). Ela enumera: “Os dados relativos ao Diretório dos Grupos de Pesquisa – DGP do CNPq informam, no tocante às bolsas de produtividade em pesquisa, [...] havia em 2004, 41.168 homens e 36.080 mulheres engajados em pesquisa, o que significa 47% de participação feminina” (Bandeira, 2008, p. 208BANDEIRA, Lourdes. A contribuição da crítica feminista à ciência. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 207-230, Jan./Apr. 2008. Available at: https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJScmfcdsy4LxzJ/?format=pdf⟨=pt. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJ...
). Do total, a grande área de Linguística, Letras e Artes está em terceiro lugar na quantidade de pesquisadoras, abaixo das Ciências Humanas e das Ciências Biológicas e acima apenas das Engenharias.

A defesa de um maior acesso das mulheres ao campo do teatro (assim como às ciências), entretanto, é uma parte da questão, que atende à valorização da diversidade de pensamento e expressão nas sociedades humanas, assim como à reparação de exclusões ainda presentes no cânone dominante. De outro lado, vemos que a persistência das mulheres tem conduzido à produção de imaginários alternativos, que irrompem as normas padronizadas e tradicionais dos comportamentos cênicos e permitem o reconhecimento, no espaço teatral, de individualidades mais múltiplas; além de promover a inserção de outras perspectivas analíticas, que vêm sugerindo novas temáticas e reformulando a maneira de produzir e compartilhar conhecimento.

A reflexão de Helen Longino (2005)LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://www.studiagender.umk.pl/pliki/tek...
nos ajuda a avaliar alguns contras e prós da circunscrição de um teatro feminista, em relação ao teatro em geral, assim como de uma teoria feminista do teatro, diante da teoria teatral já consagrada. Em ambos os casos, trata-se de enfatizar um modo feminista de criar e de refletir sobre a cena, mas sem que emane daí qualquer pressuposto, derivado de um gosto ou talento feminino, ou de práticas mais afeitas às mulheres. O que impulsiona tal caráter feminista no jeito de fazer teatro e pensar sobre ele são exatamente as estruturas e condições sociais, que nas artes da presença, assim como em outros ambientes, tornam as mulheres sujeitas ao desprestígio e dificultam sua realização profissional e pessoal, mas que também as mobiliza como uma classe de mulheres de teatro. Voltando à autora:

[Nós] mulheres somos muito diversas em nossas experiências para gerar uma estrutura cognitiva única (Lugones e Spelman 1983LUGONES, María C; SPELMAN, Elizabeth. Have we got a theory for you! Feminist theory, cultural imperialism and the demand for “the woman’s voice”. Women’s Studies International Forum, v. 6, n. 6, 1983. p. 573-581. Available at: https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/download/eid/1-s2.0-0277539583900195/first-page-pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/d...
). Além disso, as ciências são elas mesmas muito diversas para que eu conceba que elas podem ser igualmente transformadas por essa estrutura. Rejeitar essa concepção de uma ciência feminista, no entanto, não é desvincular a ciência de feminismo. Eu quero sugerir que nos concentremos na ciência enquanto prática, não como conteúdo, como processo, ao invés de produto, logo, não numa ciência feminista, mas em fazer ciência como uma feminista (Longino, 2005, p. 2LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://www.studiagender.umk.pl/pliki/tek...
, tradução nossa)5 5 No original: “[…] women are too diverse in our experiences to generate a single cognitive framework (Lugones and Spelman 1983). In addition, the sciences are themselves too diverse for me to think that they might be equally transformed by such a framework. To reject this concept of a feminist science, however, is not to disengage science from feminism. I want to suggest that we focus on science as practice rather than content, as process rather than product, hence, not on feminist science, but on doing science as a feminist”. .

Ao mesmo tempo que valoriza as escolhas do modo feminista de fazer ciência, Longino recusa uma dimensão universal para definir uma “ciência da mulher” e desbanca a relação mulher-holismo, entre outras acepções que tentam definir o que é o comportamento dominante das mulheres (aspecto que considera uma confusão funesta entre feminino e feminismo). Assim, a autora busca desfazer quaisquer traços universalistas e essencialistas que possam atravessar o diálogo entre ciência e gênero feminino. Também podemos transferir essas ponderações para o teatro, ambiente em que a diversidade entre as mulheres encontra correspondente nas múltiplas maneiras de se inserem nas artes da cena, bem como nas variadas compreensões que trazem sobre o fazer cênico e nos discursos que expressam em suas obras, da cena ao texto.

Se o ethos feminista, então, não deriva de condicionantes absolutas, determinadas apenas pela biologia, ou apenas pelo ambiente ou pela cultura, temos que sua emergência deriva da adoção de estratégias, escolhidas conscientemente e processualmente, ainda que sejam apropriadas por cada pessoa segundo esferas de afinidades e outros horizontes de expectativas. Concordamos que essa práxis feminista vai aparecer no emprego de uma epistemologia feminista, ou seja, na adoção de certos enquadramentos interpretativos, que apoiarão a compreensão dos fenômenos do mundo6 6 No exemplo das etapas de uma pesquisa científica, a análise dos dados seria um dos tipos de apoio possíveis. . Tal escolha é sempre determinada por crenças e valores que nos motivam e, no caso da cênica feminista, revela-se na eleição de modelos mais plásticos e dinâmicos, em detrimento de outros mais engessados, lineares. Ou seja, uma epistemologia (no sentido de busca de uma verdade) fará jus às propostas feministas se abrigar uma tendência pela complexidade e plasticidade, porque o ponto de vista político dos feminismos defende a potencialidade de agenciamento e a transformação.

A cênica feminista, portanto, não se resume a uma ação afirmativa, tampouco a um jeito de ser ou pensar nascido da experiência de ser mulher, mas deve créditos a um ponto de vista voluntariamente aplicado, que não ignora a igualdade como um direito – ou como diz Joan Scott (2005)SCOTT, Joan W. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, Jan./Apr. 2005. Available at: https://www.scielo.br/j/ref/a/H5rJm7gXQR9zdTJPBf4qRTy/?format=pdf⟨=pt. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.scielo.br/j/ref/a/H5rJm7gXQR...
, o pensamento da igualdade sustentado pelas diferenças nunca fixadas – e que objetiva aproximar as artes cênicas da justiça social. Por isso, requererá a criação de modelos mais “interacionistas” e complexos, conforme Longino (2005, p. 8)LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://www.studiagender.umk.pl/pliki/tek...
resume:

Nós não podemos nos restringir simplesmente à eliminação dos preconceitos, mas precisamos expandir nosso escopo para incluir a percepção de enquadramentos limitantes e interpretativos e o encontro ou construção de enquadramentos mais apropriados (tradução nossa)7 7 Do original: “We cannot restrict ourselves simply to the elimination of bias, but must expand our scope to include the detection of limiting and interpretive frameworks and the finding or construction of more appropriate frameworks”. .

Enquadramentos mais apropriados, pode-se acrescentar, são aqueles que compreendem que a capacidade analítica é formada por considerações políticas, determinantes para a atenção que lançamos a um conteúdo ou fenômeno, momento em que as disputas e tensionamentos de posições irão direcionar os recursos interpretativos, atuando sobre a reflexão. É essa evidência que nos permite avaliar a cênica feminista como um tipo de visada política para o que pode o teatro, em outras palavras, a atitude feminista diante da ciência do teatro é também anti-hegemônica e subversiva. Os teatros feministas são um teatro político, ainda que o feminismo, em termos gerais, seja um gesto político que nasce como a-político, como frisa Eleni Varikas (1996)VARIKAS, Eleni. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-80, 1996. Available at: https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg3-3.pdf. Accessed on: April 29, 2023.
https://www.historia.uff.br/tempo/artigo...
, ou contrário à defasagem entre os discursos políticos revolucionários (ou “progressistas”) – mesmo os “liberais” – e seu olhar para com as mulheres.

Desde Olympe de Gouges8 8 Na obra Déclaration des Droits de la Femme et de la Citoyenne, publicada na França em 1789, Olympe de Gouges (1748-1793) exige que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens, uma vez que nasceram livre como eles. A nação livre e soberana, portanto, deveria ser constituída por esses dois sujeitos e garantir-lhes os mesmos benefícios da justiça e da liberdade, conservando seus direitos naturais. Olympe de Gouges não encerra sua reivindicação na garantia abstrata desses direitos, mas postula que, em virtude da opressão das mulheres dever-se ao jugo de uns (os homens) sobre outros (as mulheres), caberia à lei (que expressa a verdade) restituir o que pertence a elas, colocando medidas no domínio dos homens, numa espécie de “revolução conjugal”. Da mesma maneira, todas as mulheres devem ser consideradas cidadãs e participar da contribuição que lhes cabe: o trabalho, mas também o direito à escrita das leis, que regerão a sociedade por meio da Constituição. , abolicionista e feminista francesa do século XVIII, que foi também dramaturga, as mulheres precisaram desconfiar da política institucional e criticá-la, para ver suas demandas de igualdade entre os sexos incluídas na pauta das disputas públicas. Sabe-se que de Gouges não só foi militante, como endereçou duras críticas aos seus parceiros de luta revolucionária do sexo masculino, em especial Robespierre e Marat, sendo por fim presa e assassinada pelo Tribunal Revolucionário. Nessa trajetória, de Gouges, assim como suas sucessoras na militância dentro e fora do teatro, ocupou o espaço público reclamando pela participação na vida política para, deste lugar, exigir a mudança da teoria sistêmica de organização política do projeto moderno9 9 Nesse projeto, a política busca constituir um todo coeso, regido por uma razão pétrea, fundamental, o que embasa um dilema entre igualdade e diferença que, não raro, encobre inequidades. , uma organização alicerçada na família convencional, um espaço privado de direitos, que abriga a hierarquia e a desigualdade entre homens e mulheres (Varikas, 1996VARIKAS, Eleni. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-80, 1996. Available at: https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg3-3.pdf. Accessed on: April 29, 2023.
https://www.historia.uff.br/tempo/artigo...
).

O impasse que de Gouges precisou superar – dilema que não deixa de ser parte do trabalho político – coincide com a necessária desconstrução das diferenças que o feminismo almeja, encontrando uma passagem entre eu e nós, por meio da demarcação da diferença entre homens e mulheres. A princípio e por princípio, os feminismos são movimentos pela igualdade, mas em termos da argumentação pública e da militância, operam a partir da exposição das diferenças de gênero e, estrategicamente, precisam desconstruir a oposição entre igualdade/diferença para, depois, afirmar a “igualdade na diferença”, ou seja, constituir uma oposição mais efetiva para a experiência das mulheres, que seria entre igualdade/desigualdade (Pierucci, 2008PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. In: PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 2008. p. 14-57.). Quer dizer, para os feminismos inexiste um princípio geral da diferença, mas sim uma diversidade extensiva (não apenas pautada na oposição homem-mulher), que serve para combater as categorias que têm dado suporte à naturalização da diferença: nas sociedades capitalistas tardias, a diversidade é esmagada por uma espécie de mesmidade, que elimina as diferenças entre os grupos de iguais, enquanto se ampliam as diferenças de valor entre as categorias, permitindo a hierarquização e a exploração.

De certa maneira, na cênica feminista, é preciso adotar estratagema semelhante, de composição com teorizações e práticas dos teatros políticos para, a partir disso, reconsiderar a maneira como estas se contrapõem à estrutura social de classes, tendo em vista o interesse de não manter a subordinação das mulheres num plano subjacente ao da economia, da exploração do homem pelo homem. Esta é a tarefa que a crítica feminista géstica tem efetivado, como descrevo em As contradições sobre a posição das mulheres em encenações de 'A Vida de Galileu Galilei’: jeitos de fazer gênero com Brecht no Brasil (2017), por meio do “[…] emprego da dialética brechtiana e dos recursos de seu teatro épico como ferramentas do teatro feminista, exatamente por oferecerem a possibilidade de exposição do fator de construção das convenções sociais de gênero, abrindo caminho à transformação de padrões e valores dominantes” (Romano, 2017, p. 7ROMANO, Lúcia R. V. As contradições sobre a posição das mulheres em encenações de “A Vida de Galileu Galilei”: jeitos de fazer gênero com Brecht no Brasil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11 & 13th., 2017, Florianópolis. Proceedings [...]. Florianópolis, 2017. p. 1-13. ISSN: 2179-510X. Available at: http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499483809_ARQUIVO_Texto_completo_LuciaRomano.pdf. Accessed on: April 15, 2023.
http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.b...
).

Autoras como Alisa Solomon (1994)SOLOMON, Alisa. Materialist Girl - “The Good Person of Szechwan” and making gender strange. Theather, North Carolina, USA, v. 25, n. 2, p. 42-55, 1994. Available at: https://read.dukeupress.edu/theater/article-abstract/25/2/42/23628/Materialist-Girl-The-Good-Person-of-Szechwan-and?redirectedFrom=fulltext. Accessed on: April 20, 2023.
https://read.dukeupress.edu/theater/arti...
, Della Pollock (1989)POLLOCK, Della. New man to new woman: women in Brecht and Expressionism. Journal of Dramatic Theory and Criticism, Kansas, USA, p. 85-107, Fall 1989. Available at: https://journals.ku.edu/jdtc/article/view/1729/1693. Accessed on: April 20, 2023.
https://journals.ku.edu/jdtc/article/vie...
, Iris Smith (1991)SMITH, Iris. Brecht and the Mothers of Epic Theater. Theatre Journal, Maryland, USA, v. 43, n. 4, p. 491-505, 1991. Available at: https://www.jstor.org/stable/3207978. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.jstor.org/stable/3207978...
, Jill Dollan (2012)DOLLAN, Jill. The feminist spectator as critic. USA: University of Michigan Press, 2012., Elin Diamond (1988)DIAMOND, Elin. Brechtian Theory/ Feminist Theory: Toward a Gestic Feminist Criticism. TDR, Cambridge, UK, v. 32, n. 1, p. 82-94, Spring 1988. Available at: https://www.jstor.org/stable/i247970. Accessed on: Nov. 10, 2022.
https://www.jstor.org/stable/i247970...
, Janelle Reinelt (1986REINELT, Janelle. Beyond Brecht: Britain’s New Feminist Drama. Theatre Journal, Maryland, USA, v. 38, n. 22, p. 154-163, 1986. Available at: https://www.scribd.com/document/517944585/Reinelt-Janelle-Beyond-Brecht. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.scribd.com/document/51794458...
; 1996REINELT, Janelle. After Brecht: British epic theater. USA: University of Michigan Press, 1996.) e Sue Ellen Case (1983)CASE, Sue Ellen. Brecht and Women: Homosexuality and the Mother. In: FUEGI, John et al. (Ed.). Brecht: Women and Politics. The Brecht Yearbook 12. Detroit: Wayne State University Press, 1983, p. 65-74. Available at: http://images.library.wisc.edu/German/EFacs/BrechtComm/BrechtCommv19n1 /reference/german.brechtcommv19n1.i0008.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://images.library.wisc.edu/German/EF...
reconhecem no tripé gestus-historicização-estrutura épica um legado que pode ser apropriado pelas fazedoras e pesquisadoras de teatro, de uma forma que o próprio pensador e dramaturgo não objetivou; como é o caso do emprego da sua teoria como modelo do teatro feminista (Mumford, 1997MUMFORD, Meg. Showing the gestus: a study of acting in Brecht’s theatre. 1997. Phd. (Doctorate in Philosophy) – The Faculty of Arts, Department of Drama, Theatre, Film and Television, University of Bristol, 1997. Available at: https://research-information.bris.ac.uk/ws/portalfiles/portal/34504209/502928.pdf. Accessed on: April 23, 2023.
https://research-information.bris.ac.uk/...
). Ao mesmo tempo, apesar da utilidade da teoria brechtiana para a desfamilizarização da ordem social e dos lugares sociais atribuídos aos gêneros, as autoras não deixam de observar no pensamento do autor alemão problemas herdados da análise de Marx e Engels sobre o papel da mulher na sociedade de classes, que Brecht atualizou, sem solucionar amplamente10 10 Outras críticas dizem respeito ao comportamento pessoal do autor em suas relações pessoais e de trabalho, estas últimas pautadas no pouco reconhecimento que deu às colaborações de autoras como Elisabeth Hauptmann, Margarete Steffin e Ruth Berlau em suas obras. .

Bárbara Santos (2019)SANTOS, Bárbara dos. Teatro das Oprimidas: estéticas feministas para poéticas políticas. Rio de Janeiro: Editora Casa Philos, 2019., criadora das diretrizes do Teatro das Oprimidas, também dá continuidade à inserção da perspectiva feminista na cena política, estendida da prática institucional, num campo macro, para o teatro de engajamento. Com base nas propostas de Augusto Boal para um teatro comprometido com a luta de classes, no viés do materialismo histórico, Bárbara Santos e outras artistas e militantes que com ela cooperaram, modificaram procedimentos e inventaram técnicas, voltando-se para grupos exclusivos de mulheres e, primordialmente, dos setores populares e de países “periféricos” (Santos, 2016SANTOS, Bárbara dos. Teatro do Oprimido, raízes e asas: uma teoria da práxis. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2016.). Nos termos de Maria Bernardete Toneto (2022, p. 100-101)TONETO, Maria Bernardete. Estética e resistência em rede e em cena do Teatro das Oprimidas. Extraprensa, São Paulo, v. 15, p. 98-118, May 2022. Available at: https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/194411/182552. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.revistas.usp.br/extraprensa/...
, eis uma determinação crucial: “Para falar sobre as mulheres e as suas diversas condições não basta repetir o velho: novas propostas estéticas precisam ser inventadas. O que há de novo nesse momento é a condição de rede que as Ma(g)dalenas assumem, em que o Brasil e América Latina têm muito a compartilhar”.

O aspecto de invenção é a atitude esperada da cênica feminista, porém não com a intenção de cooperar com a economia da novidade, uma das facetas da lógica do capital, traduzida para o universo da criação artística. Contrariamente, a invenção está a serviço da derrocada da automistificação e da genialidade individualizada. Na revisão dos jogos teatrais e dos fundamentos do Método de Boal, experimentada a partir de 2010 no Laboratório Madalena (no Rio de Janeiro), a seguir, no Estúdio Kuringa (em Berlim), e depois em diferentes espaços (na América Latina, Europa e África)11 11 Segundo Bárbara Santos (2021, s. p.): “Essa iniciativa, batizada de Laboratório Madalena, foi multiplicada, entre 2010 e 2011, na Argentina, Uruguai, Guiné-Bissau, Moçambique, Alemanha, Portugal, Espanha (Catalunha e País Basco), Áustria e Índia com grupos de artistas-ativistas, em parceria com movimentos feministas, organizações de defesa dos direitos das mulheres e associações socioculturais”. , a curinga e pesquisadora criou alianças com outras mulheres, fazendo da construção de redes um dos aspectos centrais da junção entre epistemologia feminista e T.O. Por fim, a autora complementa:

Suas bases [do Teatro das Oprimidas] incluem posicionamentos a partir da visão de mundo sob a perspectiva da Estética do Oprimido, que se une a uma rede de mulheres de países não centrais. O que se pretende é uma rede intencional de parcerias e a identificação de uma luta em comum, mesmo em situações geográficas dispersas e afastadas. Todas as envolvidas, além de sua condição feminina, trazem como registro as cicatrizes da colonização de seus povos. Nesse sentido, empreendem uma luta decolonial (Toneto, 2022, p. 113TONETO, Maria Bernardete. Estética e resistência em rede e em cena do Teatro das Oprimidas. Extraprensa, São Paulo, v. 15, p. 98-118, May 2022. Available at: https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/194411/182552. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.revistas.usp.br/extraprensa/...
).

Reconhecemos na rede de mulheres do Teatro das Oprimidas a oposição, que qualifica o modo feminista, à hipervalorização das conquistas individuais. De outra maneira, busca-se estabelecer colaborações e prezar aspectos relacionais, modulando a práxis cênica como uma “[…] função da estrutura comunal da investigação, ao invés de propriedade [individual]” (Longino, 2005, p. 5LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://www.studiagender.umk.pl/pliki/tek...
, Tradução nossa)12 12 No original: “[…] scientific objectivity has to be reconceived as a function of the communal structure of scientific inquiry rather than as a property of individual scientists”. . O diálogo constante com outras feministas também garante o desenho de um pensamento comunal, que extrapola um ponto de vista apenas, ou um momento único, ou um território limitado. Estrategicamente, lembra a socióloga e ativista argentina María Lugones, escrevendo em parceria com a filósofa estadunidense Elizabeth Spelman (Lugones; Spelman, 1983LUGONES, María C; SPELMAN, Elizabeth. Have we got a theory for you! Feminist theory, cultural imperialism and the demand for “the woman’s voice”. Women’s Studies International Forum, v. 6, n. 6, 1983. p. 573-581. Available at: https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/download/eid/1-s2.0-0277539583900195/first-page-pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/d...
), a rede também pode fortalecer blocos minoritários, que ganham maior poder de negociação em relação ao supremacismo de outros grupos, a exemplo do que ocorre entre mulheres “colorizadas” (latinas, negras e indígenas) e mulheres “não -colorizadas” (brancas Anglosaxãs). Para as autoras:

Ouvimos dizer que, agora que os países do Terceiro Mundo são mais poderosos como um bloco, os ocidentais precisam aprender mais sobre eles, que é do interesse deles fazê-lo. [...] Ver-nos em nossas comunidades deixará claro e concreto para você como realmente somos incompletos em nossos relacionamentos com você (Lugones; Spelman, 1983, p. 580-581LUGONES, María C; SPELMAN, Elizabeth. Have we got a theory for you! Feminist theory, cultural imperialism and the demand for “the woman’s voice”. Women’s Studies International Forum, v. 6, n. 6, 1983. p. 573-581. Available at: https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/download/eid/1-s2.0-0277539583900195/first-page-pdf. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/d...
)13 13 No original: “We have heard it said that now that Third World countries are more powerful as a bloc, westerners need to learn more about them, that it is in their self-interest to do so. […] Seeing us in our communities will make clear and concrete to you how incomplete we really are in our relationships with you”. .

Fortalecidas como coletividade, mulheres colorizadas do Terceiro Mundo adquirem o estatuto de reconhecimento de uma alteridade ímpar, expressa por elas mesmas, que levará ao estabelecimento de relações de “amiguismo” intercultural mais isonômicas. Isso passa a exigir, da parte da episteme dominante, circunspeção, autoquestionamento e, por fim, a construção conjunta, pelo diálogo mútuo, de uma outra sensibilidade.

Mais uma vez, vemos a potência dos feminismos em oferecerem outras possibilidades para o modo como o conhecimento teatral se constrói. A adoção de conceitos que rompem com o modelo masculinista de saberpoder – por exemplo, os usos do gênero como categoria analítica14 14 Conforme pontua Margareth Rago (1998). , ou do pertencimento como via do despertar da consciência feminista e do ativis-mo15 15 A metodologia do despertar da consciência aplicada aos espaços teatrais exclusivos de mulheres está discutida no artigo Provocando gênero na criação cênica em colaboração: contribuições feministas para os processos colaborativos do teatro de grupo, de minha autoria. Ver em: Romano (2023). – tem auxiliado a ciência teatral feminista a urdir outra ordem simbólica, assim como a relacionar-se com as inquietações dos movimentos sociais, não apenas “das mulheres” (Bandeira, 2008BANDEIRA, Lourdes. A contribuição da crítica feminista à ciência. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 207-230, Jan./Apr. 2008. Available at: https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJScmfcdsy4LxzJ/?format=pdf⟨=pt. Accessed on: April 20, 2023.
https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJ...
). Resultam daí pesquisas teatrais de viés feminista que se orientam na busca por processos mais indutivos (que nasçam dos próprios fenômenos investigados), que consideram temporalidades múltiplas (em atenção às diversas narrativas que compõem a história16 16 Walter Benjamin (1993) resume que “[…] a história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras” (Benjamin, 1993, p. 229). Já Jacques Ranciére (2021) argumenta que a temporalidade é também uma categoria política e estética, a partir do que formula sua noção de “qualquer momento”, um plano de temporalidade redefinido pelos sujeitos políticos e que resiste à homogeneização do tempo (que ordena a vida e pré-determina os destinos), permitindo, assim, a emancipação e o dissenso. Leda Maria Martins (2021), inspirada pela tradição Iorubá, vai muito além do modelo de temporalidade da filosofia ocidental, sugerindo “[…] o tempo como espirais […], enoveladas agora em novas dicções, como ritornelos. As composições, como se fossem células-síntese das ideias ressurgentes, podem ser lidas em uma sintaxe consecutiva ou como condensações cumulativas e acumulativas complementares que, como nos responsos, mantêm o tema, mas com ele também improvisam, como o próprio tempo espiralar que as inspira (Martins, 2021, p. 17). ) e não abrem mão de uma aproximação com a vida, inclusive, inserindo materiais de referência (tais como entrevistas, cartas, artefatos, histórias de vida etc.) que excedem fontes bibliográficas mais tradicionais (Neves, 2012NEVES, Sofia. Investigação Feminista Qualitativa e Histórias de Vida. In: MAGALHÃES, Maria José; CRUZ, Angélica Lima; NUNES, Rosa (Org.). Pelo fio se vai à meada: percursos de investigação em histórias de vida. Lisboa: Ela por Ela, 2012. p. 69-81.). A psicóloga portuguesa Sofia Neves (2012)NEVES, Sofia. Investigação Feminista Qualitativa e Histórias de Vida. In: MAGALHÃES, Maria José; CRUZ, Angélica Lima; NUNES, Rosa (Org.). Pelo fio se vai à meada: percursos de investigação em histórias de vida. Lisboa: Ela por Ela, 2012. p. 69-81. acrescenta a necessidade de assumirmos uma perspectiva interseccional, em resposta ao risco de essencialismo em que o gênero como categoria pode incidir. A interseccionalidade também implica numa análise mais compreensiva para com a complexidade dos processos discriminatórios, em especial, envolvendo mulheres racializadas. Em suas palavras:

A perspectiva interseccional evita o reduto biológico em que assenta o essencialismo, bem como a estereotipia das identidades (DeFrancisco & Palczewsky, 2007), propondo uma leitura do género para além do género. Assim, a análise interseccional faz-se por via do reconhecimento da pluralidade dos processos que condicionam a discriminação, sendo o género apenas um desses processos (Neves, 2012, p. 2NEVES, Sofia. Investigação Feminista Qualitativa e Histórias de Vida. In: MAGALHÃES, Maria José; CRUZ, Angélica Lima; NUNES, Rosa (Org.). Pelo fio se vai à meada: percursos de investigação em histórias de vida. Lisboa: Ela por Ela, 2012. p. 69-81.).

O pensamento e a prática feministas no teatro também propõe reconhecer a historiografia teatral, para revelar perspectivas e ideologias operantes, e como elas influenciam na eleição dos eventos marcantes e no entendimento dado à participação dos sujeitos históricos no próprio fluxo histórico. É esta revisão da história que permite dar visibilidade a o que foi tornado invisível, ou seja, revelar apagamentos e silenciamentos encobertos pela Lei, que forja o tecido do real (Foucault, 2009FOUCAULT, Michel. O pensamento do exterior. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.) Ditos e Escritos III: Estética: Literatura e pintura, música e cinema. Translated by Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 219-242.)17 17 O autor resume: “A ficção consiste, portanto, não em mostrar o invisível, mas em mostrar o quanto é invisível a invisibilidade do visível” (Foucault, 2009, p. 225). .

No bojo da escrita de uma her-story, ou “história delas”, como ficou conhecida a formulação de narrativas históricas da perspectiva das Mulheres (Morgan, 1970MORGAN, Robin. Sisterhood is powerful: an anthology of writings from the women’s liberation movement. New York: Random House, 1970.; Scott, 1998SCOTT, Joan W. Gender and the politics of history. New York: Columbia University Press, 1998.; Perrot, 1988PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.), Michelle Perrot (2003)PERROT, Michelle. O silêncio dos corpos das mulheres. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Org.). O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 13-27. irá recupera a história do corpo das mulheres, sobre o qual pesa o maior silenciamento de todos. O corpo, que no pensamento racionalista é “[…] inimigo principal da objetividade” (Jaggar; Bordo, 1997, p. 10JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Ed.). Gênero, corpo, conhecimento. Translated by Brítta Lemos de Freitas. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.), irá adquirir estatuto central na epistemologia feminista. A concepção da ciência a respeito de si mesma, que determina seus métodos e pressupostos, incluindo as generalizações sobre a natureza do conhecimento e as habilidades cognitivas, expressivas e sociais de homens e mulheres, será francamente confrontada pela construção de um conhecimento corporificado, que prioriza as relações constitutivas entre ética, conhecimento e corpo vivo. O conhecimento corporificado torna-se um ponto de partida filosófico feminista e um caminho que permite acessar saberes, e descrevê-los numa linguagem “saturada” de experiência. É o que destaca Daniel Lemos Cerqueira (2021, p. 36)CERQUEIRA, Daniel Lemos. Pesquisa Artística: um breve panorama. Rev. Interd. em Cult. e Soc. (RICS), São Luís, v. 7, n. 1, p. 28-43, Jan./June 2021. Available at: https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade/article/view/17143/9223. Accessed on: April 20, 2023.
https://periodicoseletronicos.ufma.br/in...
:

Dessa forma, a compreensão de conhecimento se amplia para os outros tipos de informação provenientes do mecanismo sensorial de nosso corpo: tato, espacialização, cinestesia (que, em conjunto, compõem movimento, gesto e expressão corporal), olfato, paladar e um uso mais abrangente da visão e audição.

Se, na sociedade a largo, a corporeidade é território de disputa das inscrições de gênero, refletindo a dominação masculinista e o controle social, a epistemologia feminista confronta o dualismo mente/corpo e alça o corpo, em sua complexidade sistêmica, a uma via de resgate da subjetividade feminina insubmissa, que resiste à opressão do masculino (difundidas das normas de beleza aos modelos de saúde, e dos arranjos sexuais às políticas de visualidade). O corpo de gênero, dessa forma, é uma unidade distinta – porque pode ser conhecida –, mas nunca um “objeto”, uma vez que se mostra um exemplar ativo da realidade multidimensional, testemunhando materialmente tanto os aspectos da subjetividade, encarnada e realizada na presença viva, quanto da ideologia, replicando valores e instituições sociais que organizam e modelam a existência cotidiana.

Por isso, na cênica feminista, o corpo não é um mero suporte, mas é performativo, ou seja, “[…] não se repete a si próprio. Não se torna estático e fossilizado […]” (Lugones, 2014, p. 948LUGONES, María C. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755/28577. Accessed on: Nov. 10, 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
). No espaço da prática, o corpo promove agrupamentos, escapa à lógica da mercadoria e resiste à representação, porque joga com as nomeações e afetos que são determinados aos sujeitos, gerando situações complexas, onde é mais difícil reconhecer os “[…] modos vividos de corporificação […]” (Butler, 2018, p. 37BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas sobre uma teoria performativa de assembleia. Translated by Fernanda Siqueira Miguens, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.) que as práticas de legitimação logram normatizar. Na pesquisa, por sua vez, o conhecimento corporificado converge para a noção de pesquisa-criação, em que a pesquisadora está integrada ao objeto artístico analisado, sendo a criação uma maneira de conhecer melhor o que está sendo examinado teoricamente, ao mesmo tempo que uma forma de descrição das reflexões elaboradas.

A evidenciação do corpo como locus do conhecimento corporificado, por fim, faz do modo feminista uma práxica18 18 Em Marx (2007), a noção de práxica é situada no contexto revolucionário, sendo descrita como uma teoria que emana da prática e que, uma vez experimentada, permite novas considerações reflexivas. Desse modo, não pode ser definida apenas teoricamente, mas deve ser “agida”, ou socialmente realizada; ou seja, ela é uma atividade prático-crítica. , o que nos permite nomear o fundamento práxico de toda a cênica feminista, em que teoria e prática se retroalimentam. Em termos da teoria da cena, a maneira feminista deriva do reconhecimento do fracasso de se trabalhar a análise teórica de um modo objetivo, apegado à pretensão de que dados objetivos conduzem a um repertório de saberes: para a epistemologia feminista, contudo, valores são contextuais e regidos subjetiva e culturalmente, e assim também devem ser descritos os fenômenos. A reprodução de uma visão dualista e hierarquizada, apresentada numa série de universais (natureza/cultura; corpo/mente; emoção/razão; margem/centro), contribui para uma leitura sexista do mundo, em correspondência ao binarismo mulher/homem. Dessa maneira, também o binarismo teoria/prática e a fragmentação entre essas instâncias precisam ser superados, dando vazão a um dinamismo entre o mundo da vida, o mundo teórico, a razão prática, a técnica, o conhecimento no e pelo corpo e a cognição teórica (Deconto; Ostermann, 2021DECONTO, Diomar Caríssimo Selli; OSTERMANN, Fernanda. Dimensões práxica, ética e estética da formação docente: uma perspectiva à luz do pensamento Bakhtiniano. Ciência & Educação, Bauru, v. 27, p. 1-18, e21067, 2021. Available at: https://doi.org/10.1590/1516-731320210067. Accessed on: April 20, 2023.
https://doi.org/10.1590/1516-73132021006...
).

Conclusão: aprender com o jogo mutante entre “igualdade e diferença”, sedimentando uma pedagogia na cênica feminista

Nos feminismos contemporâneos, está absorvida a ideia de que sujeitos são discursivamente tornados homens e mulheres, a partir da definição de um sexo natural, já no nascimento. O esforço em desvelar essa construção e os prejuízos que ela significa para as ditas “minorias”, entretanto, encontra desenvolvimento em estratégias cujas bases residem na afirmação positiva e produtiva da diferença entre homens e mulheres (que resultaram, como já dito aqui, na escrita de uma nova história, a história das mulheres; assim como na formulação de uma “cultura feminina” e na constituição do campo dos “estudos da mulher”).

Ao lado desse discurso, contradiscursos afrontam qualquer possibilidade de estabilização do sujeito de gênero, assumindo potências de tendências diversas, entre outras, a teoria queer e o anti-especismo, do ecologismo radical (Agra, 2016AGRA, Lucio. 6 - A era ideal dos monstros, Butler, Preciado, Pelúcio. In: GREINER, Christine. Leituras de Judith Butler. São Paulo: Annablume, 2016. p. 139-162.). Pode-se afirmar, portanto, que jogo entre “igualdade e diferença” constitui, desse modo, o próprio percurso de aprendizado dos feminismos.

Aprender com a experiência das lutas das mulheres espelha o quão central é, na epistemologia feminista, a possibilidade de conhecer mais uma vez, ou conhecer diferente. Desde o discurso fundador das primeiras feministas, no Brasil e fora dele, a mudança do poder instituído já dependia da plasticidade do conhecimento, de tal maneira que a educação, em correspondência direta com mudanças no projeto de mundo, foi e tem sido um recurso incomparável. Para questionar espaços de privilégio, a educação é convocada a transformar conscientemente até o último bastião da opressão das mulheres.

Nísia Floresta Brasileira Augusta (1989)FLORESTA, Nísia. Opúsculo humanitário. Introduction and notes by Peggy Sharpe-Valadares. São Paulo; Brasília: Cortez; INEP, 1989. Available at: https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-48913/opusculo-humanitario. Accessed on: Nov. 10, 2022.
https://www.livrosgratis.com.br/ler-livr...
, poetisa, educadora e escritora do Rio Grande do Sul, mergulhou na obra da filósofa e ativista inglesa Mary Wollstonecraft, A vindication of the rights of women (1792), inaugurando as primeiras tintas do feminismo nacional. Escreveu também o Opúsculo Humanitário (1853), onde defendia que apenas uma “educação esclarecida” poderia nos libertar da opressão dos governantes, visto que a diferença entre os homens e as mulheres tinha origem na carência de educação e escolaridade, e não na inferioridade biológica.

A relação entre a defesa da educação para as mulheres e a emancipação política, com participação efetiva na sociedade civil, motivou ainda a criação de uma escola para mulheres, em 1838, batizada como “Colégio Augusto”. João Telésforo (2015TELÉSFORO, João. Nísia Floresta: A feminista brasileira que você não encontrará nos livros de história. Fórum, May 31, 2015. Available at: https://revistaforum.com.br/direitos/2015/5/31/nisia-floresta-feminista-brasileira-que-voc-no-encontraranos-livros-de-historia-12812.html. Accessed on: April 20, 2023.
https://revistaforum.com.br/direitos/201...
, s. p.) comenta sobre o projeto educacional dessa feminista brasileira fundadora:

Enquanto outras escolas para mulheres preocupavam-se basicamente com costura e boas maneiras, a de Nísia ensinava línguas, ciências naturais e sociais, matemática e artes, além de desenvolver métodos pedagógicos inovadores. Uma afronta à ideologia dominante de que esses saberes caberiam somente aos homens, restando às mulheres aprenderem os cuidados do ‘lar’ e as virtudes morais de uma boa mãe e esposa…

Guacira Lopes Louro, mais de cento e trinta anos depois da fundação do Colégio Augusto, volta-se para a escola, oferecendo uma abordagem queer19 19 Para Butler, tendo o queer como perspectiva, as políticas não devem objetivar apenas o reconhecimento da identidade, mas contrapor-se à “vigilância da identidade”, recusando a perspectiva heteronormativa também presente na lógica do estado democrático-liberal (onde o sentido do “direito”, da “legalidade” é fundamental). , afeita a um contexto pós-identitário, para questionar a normalização dos corpos. Analisando o efeito das tecnologias heterossexuais, a fim de contrapô-las a outras possibilidades de compreensão dos sujeitos, a pesquisadora e educadora brasileira reavalia o ambiente da pedagogia como um lugar estratégico e contraditório, de submissão, mas de emancipação dos sujeitos que se encontram nas fronteiras.

É possível vislumbrar a pertinência do enfrentamento às hierarquias de gênero por meio da pedagogia do teatro na dimensão de uma cênica feminista, que interroga o modo feminista de fazer teatro a partir de mulheridades múltiplas, a ponto de desafiar valores arraigados na própria concepção de ensino-aprendizado. Diante dos modelos teatrais hegemônicos, cabe a uma pedagogia da cênica feminista ser disruptiva, porque carrega o potencial, “[…] em última análise, de transformar o caráter [do] discurso” (Longino, 2005, p. 09LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://www.studiagender.umk.pl/pliki/tek...
)20 20 No original: “[…] ultimately to transform the character of [the] discourse”. . Essa pedagogia concebida à maneira feminista emerge também de um processo não-sexista de escolhas (Romano, 2019ROMANO, Lúcia R. V. Atue como uma mulher: pedagogias da atuação para mulheres cis e trans. In: REUNIÃO CIENTÍFICA ABRACE, 10., 2019, Campinas. Proceedings [...]. Campinas: Unicamp, 2019. p. 1-16. Available at: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/download/4345/4545. Accessed on: April 15, 2023.
https://www.publionline.iar.unicamp.br/i...
), desde as práticas de ensino, materiais pedagógicos, vocabulários e atividades de treinamento, até os modelos estéticos e esquemas interpretativos21 21 Aqui, uma pedagogia feminista associa-se a uma curadoria feminista, que busca na prática cênica, em campo expandido, exemplos que conjuguem as perspectivas aqui elencadas, fornecendo temas, operações estéticas, poéticas e práticas de processo. Esses exemplos não estão aqui discutidos, por limitações do escopo do artigo. Contudo, podem ser encontrados em outras produções teóricas sobre o teatro feminista contemporâneo, no Brasil e fora dele. Enfatizamos, apenas, que serão exemplos sempre enraizados nos contextos localizados de suas criações. . Impossível não estender sua curiosidade inventiva, por fim, ao tipo de envolvimento entre professor(a)/aluno(a), à convocação da corporeidade, à autonomia enunciativa do grupo e à postura crítica diante das tecnologias disciplinares, sabidamente de hegemonia masculina22 22 Para considerar as realizações e possibilidades da cênica feminista, além disso, vale lembrar a inexistência de uma só corrente feminista, mas sim de correntes que colaboram entre si e concorrem para tentar explicar a razão da subordinação das mulheres em variados campos. Essa tentativa passa pela consciência, pela reação/revolta ao conhecimento androcêntrico, totalizante e universalizante; bem como pela luta em prol da transformação dos sistemas de dominação presentes também nas artes cênicas. .

Imaginamos esta ação formativa, entretanto, distante de uma visão essencialista do que é a mulher, ou seja, nunca a partir de atributos biológicos, aspectos intelectivos ou expressivos únicos, ou “próprios da mulher”. Como quer Longino (2005)LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf. Accessed on: Nov. 10, 2022.
http://www.studiagender.umk.pl/pliki/tek...
, a ação formativa da cênica feminista será conduzida “[…] por feministas […] e por membros de outros grupos privados de direitos […]” (Longino, p. 9, Tradução nossa)23 23 No original: “[…] done by feminists […], and by members of other disenfranchised groups […]”. como feministas; ou seja, determinada pela resistência à heterossexualidade compulsória, ao racismo, à cisgeneridade, ao especismo e ao capitalismo, padrões de existência que também atravessam, de modo interseccionado, as relações interpessoais e as formas de representação encarnadas na cena.

Assim, a cênica feminista é também fronteiriça, partícipe do mundo do teatro “de um modo geral” e, ao mesmo tempo, estranha a ele. Se os predicados que vemos nesta cênica parecerem insuficientes ou excessivamente radicais, uma vez que sugerem a alternância dos lugares de saberpoder estabelecidos no campo teatral, valeria lembrar, como ressalta Heleieth Safiotti (1976)SAFIOTTI, Heleieth E.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976., que as formas de opressão contra as mulheres são responsáveis também pela precariedade das interações sociais nas sociedades competitivas; em suas palavras: “Na vida real, entretanto, as ações de homens e mulheres continuam a complementar-se de modo que à mistificação dos seres femininos corresponde a mistificação dos seres masculinos” (Safiotti, 1976, p. 6SAFIOTTI, Heleieth E.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.). Por fim, será no motor central desta cênica feminista, a pedagogia, que a oportunidade de construção de valores simbólicos mais equânimes se dará, assumindo a aventura de “descolonização do gênero”. Esta pedagogia qualifica-se como feminista e decolonial, pois desenha “[…] o espaço onde a restituição do saber subalterno está tomando lugar e onde o pensamento de fronteira está emergindo” (Mignolo apud Lugones, 2014, p. 947LUGONES, María C. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755/28577. Accessed on: Nov. 10, 2022.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
), milhas adiante da leitura das diferenças sexuais como disputa.

Notas

  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil.
  • 2
    Conceito definido pela feminista brasileira negra Vilma Piedade para especificar o sentimento de irmandade entre mulheres negras, determinado pela violência da escravidão colonial e seus ecos no tempo presente. Acrescenta ao conceito feminista de sororidade as marcas do racismo, traduzido na experiência social e subjetiva das mulheres negras em “Sofrimento moral, mágoa, pesar, aflição, dó, compaixão” (Piedade, 2017, p. 17PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo: Editora Nós, 2017.).
  • 3
    Formulação estratégica que reage à essencialização da categoria “mulher” e à sua descrição dentro do sistema binário heterossexual, sustentando-se na reunião de atributos múltiplos e afeitos aos variados sujeitos que se identifiquem com a classe de mulheres. Associa-se ao womanliness, de Joan Riviere (2005)RIVIERE, Joan. A feminilidade como máscara. Psyche, São Paulo, v. 9, n. 16, p. 13-24, Dec. 2005. Available at: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382005000200002&lng=pt&nrm=iso. Acessed on: Feb. 13, 2024.
    http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
    e aos feminismos da diferença, para definir sua retórica e pauta de reivindicações a partir de estruturas identitárias menos fixas e que representem um sujeito político plurívoco.
  • 4
    Segundo Maria Silvia Cintra Martins (2007)MARTINS, Maria Sílvia Cintra. Ethos, gêneros e questões identitárias. DELTA, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 27-43, 2007. Available at: https://doi.org/10.1590/S0102-44502007000100002. Accessed on: April 20, 2023.
    https://doi.org/10.1590/S0102-4450200700...
    : no capítulo Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna, Eggs (2005) expõe a forma com que, para Aristóteles, o discurso ou a argumentação se constroem com base em três pilares: o logos, o pathos e o ethos. O logos diz respeito à argumentação racional propriamente dita; o pathos concerne ao envolvimento e ao convencimento do interlocutor; o ethos refere-se ao aspecto ético ou moral que o enunciador deixa entrever em seu discurso.
  • 5
    No original: “[…] women are too diverse in our experiences to generate a single cognitive framework (Lugones and Spelman 1983LUGONES, María C; SPELMAN, Elizabeth. Have we got a theory for you! Feminist theory, cultural imperialism and the demand for “the woman’s voice”. Women’s Studies International Forum, v. 6, n. 6, 1983. p. 573-581. Available at: https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/download/eid/1-s2.0-0277539583900195/first-page-pdf. Accessed on: April 20, 2023.
    https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/d...
    ). In addition, the sciences are themselves too diverse for me to think that they might be equally transformed by such a framework. To reject this concept of a feminist science, however, is not to disengage science from feminism. I want to suggest that we focus on science as practice rather than content, as process rather than product, hence, not on feminist science, but on doing science as a feminist”.
  • 6
    No exemplo das etapas de uma pesquisa científica, a análise dos dados seria um dos tipos de apoio possíveis.
  • 7
    Do original: “We cannot restrict ourselves simply to the elimination of bias, but must expand our scope to include the detection of limiting and interpretive frameworks and the finding or construction of more appropriate frameworks”.
  • 8
    Na obra Déclaration des Droits de la Femme et de la Citoyenne, publicada na França em 1789, Olympe de Gouges (1748-1793) exige que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens, uma vez que nasceram livre como eles. A nação livre e soberana, portanto, deveria ser constituída por esses dois sujeitos e garantir-lhes os mesmos benefícios da justiça e da liberdade, conservando seus direitos naturais. Olympe de Gouges não encerra sua reivindicação na garantia abstrata desses direitos, mas postula que, em virtude da opressão das mulheres dever-se ao jugo de uns (os homens) sobre outros (as mulheres), caberia à lei (que expressa a verdade) restituir o que pertence a elas, colocando medidas no domínio dos homens, numa espécie de “revolução conjugal”. Da mesma maneira, todas as mulheres devem ser consideradas cidadãs e participar da contribuição que lhes cabe: o trabalho, mas também o direito à escrita das leis, que regerão a sociedade por meio da Constituição.
  • 9
    Nesse projeto, a política busca constituir um todo coeso, regido por uma razão pétrea, fundamental, o que embasa um dilema entre igualdade e diferença que, não raro, encobre inequidades.
  • 10
    Outras críticas dizem respeito ao comportamento pessoal do autor em suas relações pessoais e de trabalho, estas últimas pautadas no pouco reconhecimento que deu às colaborações de autoras como Elisabeth Hauptmann, Margarete Steffin e Ruth Berlau em suas obras.
  • 11
    Segundo Bárbara Santos (2021SANTOS, Bárbara dos. A promessa feminista de um teatro revolucionário. Jacobin - Brasil, March 16, 2021. Available at: https://jacobin.com.br/2021/03/apromessa-feminista-de-um-teatro-revolucionario/. Accessed on: April 15, 2023.
    https://jacobin.com.br/2021/03/apromessa...
    , s. p.): “Essa iniciativa, batizada de Laboratório Madalena, foi multiplicada, entre 2010 e 2011, na Argentina, Uruguai, Guiné-Bissau, Moçambique, Alemanha, Portugal, Espanha (Catalunha e País Basco), Áustria e Índia com grupos de artistas-ativistas, em parceria com movimentos feministas, organizações de defesa dos direitos das mulheres e associações socioculturais”.
  • 12
    No original: “[…] scientific objectivity has to be reconceived as a function of the communal structure of scientific inquiry rather than as a property of individual scientists”.
  • 13
    No original: “We have heard it said that now that Third World countries are more powerful as a bloc, westerners need to learn more about them, that it is in their self-interest to do so. […] Seeing us in our communities will make clear and concrete to you how incomplete we really are in our relationships with you”.
  • 14
    Conforme pontua Margareth Rago (1998)RAGO, Margarete. Epistemologia feminista, gênero e história. In: PEDRO, Joana; GROSSI, Miriam (Org.). Masculino, feminino, plural. Florianópolis: Ed. Mulheres, 1998. p. 316-342..
  • 15
    A metodologia do despertar da consciência aplicada aos espaços teatrais exclusivos de mulheres está discutida no artigo Provocando gênero na criação cênica em colaboração: contribuições feministas para os processos colaborativos do teatro de grupo, de minha autoria. Ver em: Romano (2023)ROMANO, Lúcia R. V. Provocando gênero na criação cênica em colaboração: contribuições feministas para os processos colaborativos do teatro de grupo. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE: ARTES CÊNICAS NA AMAZÔNIA, 11., 2022, Rio Branco. Proceedings [...]. Nov. 2023. p. 1-15. (in press)..
  • 16
    Walter Benjamin (1993)BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Translated by Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993. resume que “[…] a história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras” (Benjamin, 1993, p. 229BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Translated by Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993.). Já Jacques Ranciére (2021)RANCIÉRE, Jacques. As margens da ficção. Translated by Fernando Scheibe. São Paulo: Editora 34, 2021. argumenta que a temporalidade é também uma categoria política e estética, a partir do que formula sua noção de “qualquer momento”, um plano de temporalidade redefinido pelos sujeitos políticos e que resiste à homogeneização do tempo (que ordena a vida e pré-determina os destinos), permitindo, assim, a emancipação e o dissenso. Leda Maria Martins (2021)MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpotela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021., inspirada pela tradição Iorubá, vai muito além do modelo de temporalidade da filosofia ocidental, sugerindo “[…] o tempo como espirais […], enoveladas agora em novas dicções, como ritornelos. As composições, como se fossem células-síntese das ideias ressurgentes, podem ser lidas em uma sintaxe consecutiva ou como condensações cumulativas e acumulativas complementares que, como nos responsos, mantêm o tema, mas com ele também improvisam, como o próprio tempo espiralar que as inspira (Martins, 2021, p. 17MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpotela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.).
  • 17
    O autor resume: “A ficção consiste, portanto, não em mostrar o invisível, mas em mostrar o quanto é invisível a invisibilidade do visível” (Foucault, 2009, p. 225FOUCAULT, Michel. O pensamento do exterior. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.) Ditos e Escritos III: Estética: Literatura e pintura, música e cinema. Translated by Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 219-242.).
  • 18
    Em Marx (2007)MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Tranlated by Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 27-29., a noção de práxica é situada no contexto revolucionário, sendo descrita como uma teoria que emana da prática e que, uma vez experimentada, permite novas considerações reflexivas. Desse modo, não pode ser definida apenas teoricamente, mas deve ser “agida”, ou socialmente realizada; ou seja, ela é uma atividade prático-crítica.
  • 19
    Para Butler, tendo o queer como perspectiva, as políticas não devem objetivar apenas o reconhecimento da identidade, mas contrapor-se à “vigilância da identidade”, recusando a perspectiva heteronormativa também presente na lógica do estado democrático-liberal (onde o sentido do “direito”, da “legalidade” é fundamental).
  • 20
    No original: “[…] ultimately to transform the character of [the] discourse”.
  • 21
    Aqui, uma pedagogia feminista associa-se a uma curadoria feminista, que busca na prática cênica, em campo expandido, exemplos que conjuguem as perspectivas aqui elencadas, fornecendo temas, operações estéticas, poéticas e práticas de processo. Esses exemplos não estão aqui discutidos, por limitações do escopo do artigo. Contudo, podem ser encontrados em outras produções teóricas sobre o teatro feminista contemporâneo, no Brasil e fora dele. Enfatizamos, apenas, que serão exemplos sempre enraizados nos contextos localizados de suas criações.
  • 22
    Para considerar as realizações e possibilidades da cênica feminista, além disso, vale lembrar a inexistência de uma só corrente feminista, mas sim de correntes que colaboram entre si e concorrem para tentar explicar a razão da subordinação das mulheres em variados campos. Essa tentativa passa pela consciência, pela reação/revolta ao conhecimento androcêntrico, totalizante e universalizante; bem como pela luta em prol da transformação dos sistemas de dominação presentes também nas artes cênicas.
  • 23
    No original: “[…] done by feminists […], and by members of other disenfranchised groups […]”.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Disponibilidade dos dados da pesquisa:

o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Referências

  • AGRA, Lucio. 6 - A era ideal dos monstros, Butler, Preciado, Pelúcio. In: GREINER, Christine. Leituras de Judith Butler São Paulo: Annablume, 2016. p. 139-162.
  • BANDEIRA, Lourdes. A contribuição da crítica feminista à ciência. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 207-230, Jan./Apr. 2008. Available at: https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJScmfcdsy4LxzJ/?format=pdf⟨=pt Accessed on: April 20, 2023.
    » https://www.scielo.br/j/ref/a/LZmX67CZRJScmfcdsy4LxzJ/?format=pdf⟨=pt
  • BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Translated by Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993.
  • BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas sobre uma teoria performativa de assembleia. Translated by Fernanda Siqueira Miguens, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
  • CASE, Sue Ellen. Brecht and Women: Homosexuality and the Mother. In: FUEGI, John et al (Ed.). Brecht: Women and Politics. The Brecht Yearbook 12. Detroit: Wayne State University Press, 1983, p. 65-74. Available at: http://images.library.wisc.edu/German/EFacs/BrechtComm/BrechtCommv19n1 /reference/german.brechtcommv19n1.i0008.pdf Accessed on: Nov. 10, 2022.
    » http://images.library.wisc.edu/German/EFacs/BrechtComm/BrechtCommv19n1 /reference/german.brechtcommv19n1.i0008.pdf
  • CERQUEIRA, Daniel Lemos. Pesquisa Artística: um breve panorama. Rev. Interd. em Cult. e Soc. (RICS), São Luís, v. 7, n. 1, p. 28-43, Jan./June 2021. Available at: https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade/article/view/17143/9223 Accessed on: April 20, 2023.
    » https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade/article/view/17143/9223
  • DECONTO, Diomar Caríssimo Selli; OSTERMANN, Fernanda. Dimensões práxica, ética e estética da formação docente: uma perspectiva à luz do pensamento Bakhtiniano. Ciência & Educação, Bauru, v. 27, p. 1-18, e21067, 2021. Available at: https://doi.org/10.1590/1516-731320210067 Accessed on: April 20, 2023.
    » https://doi.org/10.1590/1516-731320210067
  • DIAMOND, Elin. Brechtian Theory/ Feminist Theory: Toward a Gestic Feminist Criticism. TDR, Cambridge, UK, v. 32, n. 1, p. 82-94, Spring 1988. Available at: https://www.jstor.org/stable/i247970 Accessed on: Nov. 10, 2022.
    » https://www.jstor.org/stable/i247970
  • DOLLAN, Jill. The feminist spectator as critic USA: University of Michigan Press, 2012.
  • FLORESTA, Nísia. Opúsculo humanitário Introduction and notes by Peggy Sharpe-Valadares. São Paulo; Brasília: Cortez; INEP, 1989. Available at: https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-48913/opusculo-humanitario Accessed on: Nov. 10, 2022.
    » https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-48913/opusculo-humanitario
  • FOUCAULT, Michel. O pensamento do exterior. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.) Ditos e Escritos III: Estética: Literatura e pintura, música e cinema. Translated by Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. p. 219-242.
  • JAGGAR, Alison M.; BORDO, Susan R. (Ed.). Gênero, corpo, conhecimento Translated by Brítta Lemos de Freitas. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.
  • LONGINO, Helen. Can there be a feminist science?. Kontext: časopis pro gender a vědu, Czechoslovakia, v. 1-2, p. 1-11, 2005. Available at: http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf Accessed on: Nov. 10, 2022.
    » http://www.studiagender.umk.pl/pliki/teksty_longino_can_there_be_a_feminist_science.pdf
  • LUGONES, María C. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755/28577 Accessed on: Nov. 10, 2022.
    » https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755/28577
  • LUGONES, María C; SPELMAN, Elizabeth. Have we got a theory for you! Feminist theory, cultural imperialism and the demand for “the woman’s voice”. Women’s Studies International Forum, v. 6, n. 6, 1983. p. 573-581. Available at: https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/download/eid/1-s2.0-0277539583900195/first-page-pdf Accessed on: April 20, 2023.
    » https://www.sciencedirect.com/sdfe/pdf/download/eid/1-s2.0-0277539583900195/first-page-pdf
  • MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpotela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
  • MARTINS, Maria Sílvia Cintra. Ethos, gêneros e questões identitárias. DELTA, São Paulo, v. 23, n. 1, p. 27-43, 2007. Available at: https://doi.org/10.1590/S0102-44502007000100002 Accessed on: April 20, 2023.
    » https://doi.org/10.1590/S0102-44502007000100002
  • MARX, Karl. Teses sobre Feuerbach. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã Tranlated by Marcelo Backes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. P. 27-29.
  • MORGAN, Robin. Sisterhood is powerful: an anthology of writings from the womens liberation movement. New York: Random House, 1970.
  • MUMFORD, Meg. Showing the gestus: a study of acting in Brecht’s theatre. 1997. Phd. (Doctorate in Philosophy) – The Faculty of Arts, Department of Drama, Theatre, Film and Television, University of Bristol, 1997. Available at: https://research-information.bris.ac.uk/ws/portalfiles/portal/34504209/502928.pdf Accessed on: April 23, 2023.
    » https://research-information.bris.ac.uk/ws/portalfiles/portal/34504209/502928.pdf
  • NEVES, Sofia. Investigação Feminista Qualitativa e Histórias de Vida. In: MAGALHÃES, Maria José; CRUZ, Angélica Lima; NUNES, Rosa (Org.). Pelo fio se vai à meada: percursos de investigação em histórias de vida. Lisboa: Ela por Ela, 2012. p. 69-81.
  • NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Translated by Juliana Vacaro. São Paulo: Edições Aurora / Publication Studio SP, 2016. p. 1-28. Available at: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5822294/mod_resource/content/1/Linda%20Nochlin_1971%20PORTUGUES.pdf Accessed on: April 20, 2023.
    » https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5822294/mod_resource/content/1/Linda%20Nochlin_1971%20PORTUGUES.pdf
  • PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
  • PERROT, Michelle. O silêncio dos corpos das mulheres. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Org.). O corpo feminino em debate São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 13-27.
  • PIEDADE, Vilma. Dororidade São Paulo: Editora Nós, 2017.
  • PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença. In: PIERUCCI, Antônio Flávio. Ciladas da diferença São Paulo: Editora 34, 2008. p. 14-57.
  • POLLOCK, Della. New man to new woman: women in Brecht and Expressionism. Journal of Dramatic Theory and Criticism, Kansas, USA, p. 85-107, Fall 1989. Available at: https://journals.ku.edu/jdtc/article/view/1729/1693 Accessed on: April 20, 2023.
    » https://journals.ku.edu/jdtc/article/view/1729/1693
  • RAGO, Margarete. Epistemologia feminista, gênero e história. In: PEDRO, Joana; GROSSI, Miriam (Org.). Masculino, feminino, plural Florianópolis: Ed. Mulheres, 1998. p. 316-342.
  • RANCIÉRE, Jacques. As margens da ficção Translated by Fernando Scheibe. São Paulo: Editora 34, 2021.
  • REINELT, Janelle. Beyond Brecht: Britain’s New Feminist Drama. Theatre Journal, Maryland, USA, v. 38, n. 22, p. 154-163, 1986. Available at: https://www.scribd.com/document/517944585/Reinelt-Janelle-Beyond-Brecht Accessed on: April 20, 2023.
    » https://www.scribd.com/document/517944585/Reinelt-Janelle-Beyond-Brecht
  • REINELT, Janelle. After Brecht: British epic theater. USA: University of Michigan Press, 1996.
  • RIVIERE, Joan. A feminilidade como máscara. Psyche, São Paulo, v. 9, n. 16, p. 13-24, Dec. 2005. Available at: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382005000200002&lng=pt&nrm=iso Acessed on: Feb. 13, 2024.
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382005000200002&lng=pt&nrm=iso
  • ROMANO, Lúcia R. V. As contradições sobre a posição das mulheres em encenações de “A Vida de Galileu Galilei”: jeitos de fazer gênero com Brecht no Brasil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 11 & 13th., 2017, Florianópolis. Proceedings [...] Florianópolis, 2017. p. 1-13. ISSN: 2179-510X. Available at: http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499483809_ARQUIVO_Texto_completo_LuciaRomano.pdf Accessed on: April 15, 2023.
    » http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499483809_ARQUIVO_Texto_completo_LuciaRomano.pdf
  • ROMANO, Lúcia R. V. Atue como uma mulher: pedagogias da atuação para mulheres cis e trans. In: REUNIÃO CIENTÍFICA ABRACE, 10., 2019, Campinas. Proceedings [...] Campinas: Unicamp, 2019. p. 1-16. Available at: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/download/4345/4545 Accessed on: April 15, 2023.
    » https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/download/4345/4545
  • ROMANO, Lúcia R. V. Provocando gênero na criação cênica em colaboração: contribuições feministas para os processos colaborativos do teatro de grupo. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE: ARTES CÊNICAS NA AMAZÔNIA, 11., 2022, Rio Branco. Proceedings [...] Nov. 2023. p. 1-15. (in press).
  • SAFIOTTI, Heleieth E.B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.
  • SANTOS, Bárbara dos. Teatro do Oprimido, raízes e asas: uma teoria da práxis. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2016.
  • SANTOS, Bárbara dos. Teatro das Oprimidas: estéticas feministas para poéticas políticas. Rio de Janeiro: Editora Casa Philos, 2019.
  • SANTOS, Bárbara dos. A promessa feminista de um teatro revolucionário. Jacobin - Brasil, March 16, 2021. Available at: https://jacobin.com.br/2021/03/apromessa-feminista-de-um-teatro-revolucionario/ Accessed on: April 15, 2023.
    » https://jacobin.com.br/2021/03/apromessa-feminista-de-um-teatro-revolucionario/
  • SATTLER, Janyne. Epistemologia feminista. In: SATTLER, Janyne. Texto para leitura São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Direito UFSC, 2019. Available at: https://ppgd.ufsc.br/files/2019/05/Epistemologia-Feminista-texto-paraleitura-pr%C3%A9via.pdf Accessed on: April 20, 2023.
    » https://ppgd.ufsc.br/files/2019/05/Epistemologia-Feminista-texto-paraleitura-pr%C3%A9via.pdf
  • SCOTT, Joan W. Gender and the politics of history New York: Columbia University Press, 1998.
  • SCOTT, Joan W. O enigma da igualdade. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 11-30, Jan./Apr. 2005. Available at: https://www.scielo.br/j/ref/a/H5rJm7gXQR9zdTJPBf4qRTy/?format=pdf⟨=pt Accessed on: April 20, 2023.
    » https://www.scielo.br/j/ref/a/H5rJm7gXQR9zdTJPBf4qRTy/?format=pdf⟨=pt
  • SHARPE-VALADARES, Peggy. Introdução. In: FLORESTA, Nísia. Opúsculo humanitário São Paulo: Cortez; Brasília, DF: INEP, 1989. p. i-xliii. Available at: https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-48913/opusculo-humanitario Accessed on: Nov. 10, 2022.
    » https://www.livrosgratis.com.br/ler-livro-online-48913/opusculo-humanitario
  • SMITH, Iris. Brecht and the Mothers of Epic Theater. Theatre Journal, Maryland, USA, v. 43, n. 4, p. 491-505, 1991. Available at: https://www.jstor.org/stable/3207978 Accessed on: April 20, 2023.
    » https://www.jstor.org/stable/3207978
  • SOLOMON, Alisa. Materialist Girl - “The Good Person of Szechwan” and making gender strange. Theather, North Carolina, USA, v. 25, n. 2, p. 42-55, 1994. Available at: https://read.dukeupress.edu/theater/article-abstract/25/2/42/23628/Materialist-Girl-The-Good-Person-of-Szechwan-and?redirectedFrom=fulltext Accessed on: April 20, 2023.
    » https://read.dukeupress.edu/theater/article-abstract/25/2/42/23628/Materialist-Girl-The-Good-Person-of-Szechwan-and?redirectedFrom=fulltext
  • TELÉSFORO, João. Nísia Floresta: A feminista brasileira que você não encontrará nos livros de história. Fórum, May 31, 2015. Available at: https://revistaforum.com.br/direitos/2015/5/31/nisia-floresta-feminista-brasileira-que-voc-no-encontraranos-livros-de-historia-12812.html Accessed on: April 20, 2023.
    » https://revistaforum.com.br/direitos/2015/5/31/nisia-floresta-feminista-brasileira-que-voc-no-encontraranos-livros-de-historia-12812.html
  • TONETO, Maria Bernardete. Estética e resistência em rede e em cena do Teatro das Oprimidas. Extraprensa, São Paulo, v. 15, p. 98-118, May 2022. Available at: https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/194411/182552 Accessed on: April 20, 2023.
    » https://www.revistas.usp.br/extraprensa/article/view/194411/182552
  • VARIKAS, Eleni. O pessoal é político: desventuras de uma promessa subversiva. Tempo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 59-80, 1996. Available at: https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg3-3.pdf Accessed on: April 29, 2023.
    » https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg3-3.pdf
Editor responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2023
  • Aceito
    27 Nov 2023
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. Paulo Gama s/n prédio 12201, sala 700-2, Bairro Farroupilha, Código Postal: 90046-900, Telefone: 5133084142 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: rev.presenca@gmail.com