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Correntes do Conhecimento: o bailado do Santo Daime como dança decolonial1 1 A pesquisa para este projeto foi apoiada pela Source Research Foundation e pela Tinker Foundation. A autora recebeu apoio do Santa Cruz Summer Publishing Institute, UC para escrevê-la como parte de uma Hispanic-Serving Institution Doctoral Diversity Initiative.

Courants du Savoir: le bailado du Santo Daime comme danse décoloniale

Resumo:

Santo Daime, religião ayahuasca da Amazônia brasileira fundada em 1930, tem como uma de suas principais práticas uma dança chamada bailado que gera correntes energéticas por meio do balanço coletivo. Os praticantes assumem papéis de espectadores e performer ao dançarem o bailado e se envolvem em um discurso transcorpóreo com vários seres. Com base nos hinos do Santo Daime, na observação participante e em registros pessoais como daimista, neste artigo argumenta-se que o bailado decoloniza a dança de três maneiras: como parte de um sistema de conhecimento caboclo único; através do cultivo de subjetividades coletivas pelos participantes; e ao desafiar as definições eurocêntricas de dança.

Palavras-chave:
Santo Daime; Bailado; Ayahuasca; Transcorporeidade; Dança Decolonial

Résumé:

Le Santo Daime, une religion ayahuasca de l'Amazonie brésilienne fondée en 1930, a comme l'une de ses pratiques majeures une danse appelée le bailado qui génère des courants énergétiques par le balancement collectif. Les praticiens assument à la fois les rôles de public et d'interprète lorsqu'ils dansent le bailado et s'engagent dans un discours transcorporel avec divers êtres. Basé sur des hymnes de Santo Daime, de l'observation participante et entrées de journal personnel en tant que daimista, cet article soutient que le bailado décolonise la danse de trois manières: en tant que partie d'un système de connaissances caboclo unique; par la culture des subjectivités collectives par les participants; et en défiant les définitions eurocentriques de la danse.

Mots-clés:
Santo Daime; Bailado; Ayahuasca; Transcorporalité; Danse Décoloniale

Abstract:

Santo Daime, an ayahuasca religion of the Brazilian Amazon founded in 1930, has as one of its major practices a dance called the bailado that generates energetic currents through collective rocking. Practitioners take on roles of both audience and performer when dancing the bailado and engage in transcorporeal discourse with various beings. Drawing from Santo Daime hymns, participant observation and personal journal entries as a daimista, this paper argues that the bailado decolonizes dance in three ways: as part of a unique caboclo knowledge system; through cultivation of collective subjectivities by participants; and by challenging Eurocentric definitions of dance.

Keywords:
Santo Daime; Bailado; Ayahuasca; Transcorporeality; Decolonial Dance

A luz da manhã movimenta as sombras através do reluzente salão da nave estelar, enquanto melodias sincopadas de pássaros canoros acompanham nosso canto e dança. Lá fora, folhas verdes ovais de cajueiro esparramados se aquecem à luz, mal se mexendo enquanto balançamos para frente e para trás. A música ficou mais forte ao longo da noite desde que começamos com a nossa primeira dose do sacramento daime logo após o pôr do sol. Três doses depois, os passos de dança parecem fáceis enquanto cantamos sobre a beleza da luz da manhã, lembrando uma época muitos anos antes, quando um amigo e eu cantamos esse hino juntos na Califórnia. Sinto sua presença comigo enquanto acompanho minhas partes pesadas fluindo de um lado para o outro, balançando sempre de volta ao centro. A maior parte de nós ainda está nos próprios lugares, inclusive alguns membros mais velhos da comunidade. A maioria das crianças abandonou seus lugares há muito tempo, embora um bebê esteja sendo embalado contra o peito de sua mãe, balançando com ela. Minha voz é quase irreconhecível para mim junto com os outros. Tenho um desejo de abraçar a todos de uma vez. Até sinto amor por mim mesma!2 2 Trecho do diário pessoal da autora descrevendo um trabalho de bailado no nordeste do Brasil em junho de 2022.

Santo Daime3 3 Atualmente existem discussões entre estudiosos das religiões ayahuasqueiras sobre quando é apropriado referir-se à prática fundada por Raimundo Irineu Serra como Santo Daime, pois originalmente apenas o nome Daime era usado. Neste artigo, usarei o coloquial Santo Daime, pois foi assim que a prática foi originalmente apresentada a mim na Califórnia e no nordeste do Brasil. , uma religião ayahuasca brasileira fundada em 1930 na cidade amazônica de Rio Branco, inclui uma dança em grupo chamada bailado, que é realizada em datas especiais ao longo do ano. Como forma de conhecimento corpóreo, os praticantes do Santo Daime assumem simultaneamente papéis de intérprete e de espectador ao dançarem o bailado, estudando a nós mesmos em diálogo corpóreo com aqueles que ocupam o espaço conosco, tanto produzindo quanto recebendo conhecimento por meio dessas relações. Neste artigo, defendo que, como parte de uma doutrina religiosa4 4 Embora Santo Daime seja muitas vezes referido como uma religião, é conhecida entre os praticantes como uma doutrina, referindo-se a uma estrutura simbólica e religiosa mais geral, abrangendo princípios espirituais e metafísicos mobilizados através da prática regular (Hartogsohn, 2021, p. 3). do Sul global, o bailado decoloniza as definições de dança e recupera a dança como uma prática universal disponível a todos.

A colonização ideológica do conceito de dança através de séculos de codificação, profissionalização e direito autoral tornou as formas de dança que não se encaixam nas normas coloniais ilegíveis para alguns, inclusive para mim. Ingeri daime pela primeira vez ao visitar o nordeste do Brasil em 2004. Trabalhando na época como dançarina e instrutora de pilates na Califórnia, quando inicialmente vivenciei o bailado, não achei os movimentos muito interessantes. Os três principais ritmos do bailado são a marcha, a valsa e a mazurca, cada um com passos correspondentes que balançam o corpo para frente e para trás. As apresentações incluem o canto de hinos e dança enquanto se toca um maracá, instrumento cilíndrico de metal feito de uma lata cheia de esferas.

Como dançarina contemporânea, fui treinada para ocupar o espaço, estendendo meus membros em todas as direções, dobrando-os e retorcendo-os de diversas maneiras. Quando experimentei o bailado pela primeira vez, fiquei no meu lugar conforme havia sido instruída, menos de meio metro quadrado de chão, mas achei a encenação bastante limitante. Participei dos trabalhos porque queria sentir o estado desperto que experimentei com a infusão do daime, mas silenciosamente determinei que o bailado não era realmente dança. Fui iniciada como daimista5 5 Aqueles que praticam o Santo Daime e usam o uniforme são chamados de daimistas (Groisman, 1991). em 2009, mas não foi até que eu estivesse bebendo daime e participando de trabalhos do Santo Daime6 6 Os rituais ou cerimônias do Santo Daime são referidos como trabalhos, abrangendo tipos diferentes de trabalho, especialmente espirituais. Existem vários tipos de trabalhos do Santo Daime, um dos quais é o bailado. O estudioso religioso Andrew Dawson (2013, p. 65) descreveu a designação de rituais como trabalhos como uma forma de “regulação simbólica através da qual as ‘obrigações’ implicadas no espaço ritual daimista são levadas para casa”. Neste artigo, focalizo o trabalho de produção de conhecimento que ocorre por meio da prática do Santo Daime. há mais de uma década que aprendi que o bailado é realmente dança. Como uma forma de dança com suas próprias contribuições coreográficas e reflexões, o bailado tinha voado sob, ou sobre, o meu radar.

O conhecimento corpóreo do bailado é revelado através de sua simplicidade cinestésica, não apesar disso. O bailado rompe as percepções coloniais de uma quarta parede, separando espectadores de performer, enfatizando atos de autoestudo. Nos trabalhos do Santo Daime, uma infinidade de estimulantes estéticos envolve os sentidos, incluindo paladar, olfato, efeitos visuais, propriocepção e som. Esses estimulantes enfatizam a corporeidade como parte de uma escola espiritual, decolonizando e libertando a dança da mercantilização como um produto artístico que pode ser abstraído dos corpos.

Neste artigo, defendo que o bailado decoloniza a dança em três linhas de raciocínio. Primeiro, o bailado faz parte de um sistema de conhecimento caboclo único constituído pela prática do Santo Daime. Como uma ponte interespécies entre os reinos vegetal e animal, a medicina vegetal, popularmente conhecida e reduzida ao termo ayahuasca, é mais do que um remédio para muitas pessoas da floresta amazônica. Muitos se identificam com esse remédio e com os seres e forças que ele invoca, que são centrais para sua cultura e sistemas de conhecimento. Até mesmo escrever sobre a ayahuasca como algo que pode ser observado é uma forma de violência colonial se for considerada separadamente da cultura particular da qual faz parte.

Em segundo lugar, as subjetividades são estabelecidas coletivamente e os indivíduos contribuem para correntes coletivas enquanto dançam o bailado. A citação que abre este artigo é do meu diário pessoal e descreve um trabalho de bailado no nordeste do Brasil em junho de 2022. Eu estava recém começando o trabalho de campo para este projeto quando escrevi a passagem, na qual explico como me senti experimentando essa corrente coletiva. O princípio que está sendo evocado no espaço durante os trabalhos do Santo Daime é conhecido como Juramidam. Como um composto de Jura, que se refere a Deus, e midam, referindo-se à família de Deus (Mortimer, 2018MORTIMER, Lucio. Nosso Senhor Aparecido na Floresta. 2. ed. Céu de Maria, São Paulo: ICEFLU, 2018., p. 24) ou aos soldados de Deus (MacRae, 1992, p. 55), esse nome significa qualidades relacionais e coletivas do divino, em distinção das noções de um ser supremo singular e separado.

Minha terceira linha de raciocínio é que o bailado desafia as definições eurocêntricas de dança e coreografia, internalizando processos estéticos que foram amplamente externalizados e sexualizados ao longo de séculos de colonização, mercantilização e construção de nações (Pinho, 2022PINHO, Patricia de Santana. Labeling Brazil: A Nation’s Image on Beauty Products, Services, and Procedures. Feminist Studies, Washington, DC, v. 48, n. 2, p. 423-454, 2022.). O bailado do Santo Daime é contextualizado dentro de um sistema de conhecimento estético do qual não pode ser separado. As funções pedagógicas da estética nos sistemas de conhecimento do Santo Daime centram-se novamente no eu dentro de diferentes tipos de estimulação artística, produzidos e recebidos pelos praticantes.

A pesquisadora Maria Betânia B. Albuquerque considera a estética uma categoria pedagógica importante em seu trabalho sobre os sistemas de conhecimento da ayahuasca (Albuquerque, 2011ALBUQUERQUE, Maria Betânia. Epistemologia e Saberes da Ayahuasca. Belém: EDUEPA, 2011.). Como um profundo e multifacetado engajamento estético do corpo por meio dos sentidos, incluo os sentidos em minha análise coreográfica do bailado, apoiando meus argumentos com referências a mudanças em meus próprios modos de pensar e experimentar o mundo através do estudo e da prática do Santo Daime.

Neste artigo, baseio-me em observações de 18 anos como daimista praticante, cinco dos quais passei envolvida como pesquisadora e etnógrafa. Faço uso de escritos do meu diário pessoal ao longo dos anos desde que comecei a beber daime como um método autoetnográfico para articular meu processo de aprendizagem. Em minha análise do bailado, apoio minhas observações com ensinamentos de hinos do Santo Daime, referenciando experiências daqueles que vieram antes de mim por intermédio das mensagens musicais que deixaram para trás.

Realizei pesquisas para este projeto no nordeste do Brasil, na região sul da Amazônia brasileira e na Bay Area do norte da Califórnia, Estados Unidos. Por meio de observações nesses centros do Santo Daime, extraídas de performances do bailado, bem como conversas com daimistas e participação em diferentes tipos de atividades, ao longo deste artigo narro histórias de produção e troca de conhecimento coreografadas pelo bailado. Através dessas histórias e observações, descrevo maneiras pelas quais a performance do bailado decoloniza a dança como um autoestudo ecoespiritual contextualizado dentro das relações culturais com o mundo natural e a tendência natural de todos os seres vivos dançarem.

Antecedentes históricos e conceituais: corporeidades sensoriais do conhecimento caboclo

Embora eu tenha lido descrições do sabor do sacramento do daime, que geralmente é líquido como o chá7 7 Embora em geral a infusão do daime seja servida como líquido, às vezes referida como chá ou bebida, também pode ser espessa como mel ou sólida como gel. Nesse caso, geralmente é servida com uma colher. Os daimistas referem-se ao chá do daime como um sacramento. , com base em minha experiência, não existe um único gosto do daime. Recentemente um amigo descreveu o gosto para mim como de terra, embora eu ache que solo possa ser mais apropriado, pois lembra processos transformadores de organismos vivos que sustentam a nova vida. Para mim, às vezes o daime é doce, às vezes amargo ou fermentado. Uma dose típica é algo entre 20 ml e 60 ml e em geral é servido em um copo shot em trabalhos do Santo Daime, embora às vezes seja servido com uma colher. Pode ser quente ou frio, diluído ou espesso, e a cor pode variar de bege a avermelhado a marrom escuro. Quase sempre sinto o sacramento como um formigamento na parte de trás do pescoço, mesmo enquanto espero na fila antes de tomar a minha dose. Começo esta seção com uma descrição do gosto do sacramento daime pelas experiências sensoriais em primeiro plano que fazem parte do bailado e que ajudam os artistas a constituir o eu em diálogo com os sentidos. Essa forma de aprendizagem resiste à internalização da violência colonial que distancia o eu dos sentidos corpóreos.

Ayahuasca, que significa videira da alma em quéchua, também é conhecida como daime, nixi pai, huasca, uni, yagé, cipó e tem outros nomes em diferentes contextos e entre diferentes grupos étnicos. Conhecida como sacramento nas religiões ayahuasqueiras, e considerada como possuidora de caráter sagrado, a ayahuasca também é reconhecida como professora de espírito vegetal que compartilha conhecimento íntimo com aqueles que humildemente a buscam. Considerada um psicodélico clássico devido à sua natureza psicoativa quando ingerida, no campo da ciência psicodélica a ayahuasca é conhecida por conter DMT (dimetiltriptamina), classificada como uma droga da Lista I sob a Convenção das Nações Unidas de 1971 sobre Substâncias Psicotrópicas, considerada ameaçadora para a saúde pública internacionalmente. Apesar das histórias de difamação, perseguição e criminalização que continuam até hoje, o Santo Daime persistiu e se expandiu por todo o Brasil e transnacionalmente.

A comunidade original de praticantes do Santo Daime que se formou em Rio Branco, Acre8 8 Rio Branco foi fundada em 1909 e tornou-se município em 1913. O estado do Acre foi incorporado à República Brasileira em 1962. , na década de 1930, era composta em grande parte por migrantes do nordeste do Brasil, uma região devastada por ciclos de seca severa. De 1870 a 1912, o Acre foi propenso a especulações e conflitos entre as nações na esperança de capitalizar a abundância de borracha (MacRae; Moreira, 2011MACRAE, Edward; MOREIRA, Paulo. Eu venho de longe: mestre Irineu e seus companheiros. Salvador: SciELO Books; EDUFBA, 2011. E-book. Disponível em: https://www.doabooks.org/doab?func=search&query=rid:22569. Acessado em: 18 jan. 2020.
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). As condições nos campos de borracha do Acre eram extremamente duras, descritas como semelhantes às da escravidão. Antes de chegar ao Acre, muitos trabalhadores migrantes estavam em dívida com seus patrões por viagens, moradia, comida e ferramentas (Fernandes, 1988FERNANDES, Vera Fróes. Santo Daime Cultura Amazônica. História do Povo Juramidam. 2. ed. Manaus, Brazil: SUFRAMA, 1988., p. 21). Vulneráveis à voracidade do capitalismo e suas consequências, esses trabalhadores migrantes se uniram e formaram uma nova doutrina e uma nova dança.

O fundador do Santo Daime, Raimundo Irineu Serra, negro nascido apenas quatro anos após a abolição oficial da escravidão no Brasil, em 1888, deixou sua casa no estado do Maranhão, no nordeste do Brasil, e chegou ao Acre em 1912, tendo ouvido histórias de riquezas nos campos de borracha (Mortimer, 2018MORTIMER, Lucio. Nosso Senhor Aparecido na Floresta. 2. ed. Céu de Maria, São Paulo: ICEFLU, 2018.). Trabalhando como seringueiro, Serra rapidamente descobriu que havia sido enganado e assumiu um cargo na polícia militar depois de pagar sua dívida com seu chefe. Durante seu tempo atuando como guarda de fronteira em Brasileia, trabalhou com um caboclo peruano conhecido como Pizango (2018).

O termo caboclo comumente se refere a pessoas com combinações de ascendência indígena, europeia e africana, embora em linhagens espirituais como Santo Daime também possa se referir a um guia espiritual, um ser desencarnado que ensina e guia um iniciado através do diálogo espiritual. Embora muitas vezes seja usado de forma depreciativa no Brasil devido a associações historicamente racistas com a miscigenação e o campesinato (Schmidt, 2007SCHMIDT, Titti Kristina. Morality as Practice: The Santo Daime, an Eco-Religious Movement in the Amazonian Rainforest. Sweden: Acta Universitatis Upsaliensis, Uppsala University, 2007.), no Santo Daime, como em outras práticas culturais afro-indígenas do Brasil, o conhecimento especializado das populações caboclas é reconhecido como fundamental e é altamente valorizado nos hinos9 9 Alguns hinos que se referem ao conhecimento caboclo incluem: As Estrelas, hino #75; O Cruzeiro Universal, Mestre Raimundo Irineu Serra; Caboclo Guerreiro, hino #6; Caboclo Estrada Frente, hino #19; Caboclo Afirma o Ponto, hino #24; Caboclo Bom, hino #34; Caboclo Guerreiro, todos os hinos recebidos por outros e oferecidos ao Padrinho Manoel Corrente. . Indicativo do conhecimento corpóreo que sintetiza influências de diferentes sistemas de conhecimento, o símbolo do caboclo ameaça as normas coloniais eurocêntricas, em parte absorvendo diferentes estéticas em estruturas de resistência.

Embora os ritmos de marcha, valsa e mazurca do bailado recordem a estética colonial das cortes da Europa, incluindo suas forças armadas, a sensação de balanço que têm em comum quando realizados, e o espaçamento coreográfico em que cada um fica em um espaço claramente marcado na formação, apresentam uma estrutura diferente das danças da corte ou dos teatros de proscênio popularizados durante o Renascimento, que separam o público do artista. A formação coreográfica do bailado absorve a estética musical e visual europeia em uma estrutura anticolonial de unidade e coesão em que cada participante tem um espaço designado e todos ficam de frente para um centro comum, proporcionando pontos de vista a partir dos quais todos são vistos. Esse desafio estrutural pode parecer ameaçador para aqueles que preferem se sentar anonimamente no escuro como um membro da plateia.

Como exemplo contrário, danças consideradas culturalmente étnicas devido a processos históricos de alterização são frequentemente apresentadas no palco do proscênio, um símbolo clássico das tradições teatrais ocidentais com suas reentradas e aplausos (Kealiinohomoku, 2001KEALIINOHOMOKU, Joann. An Anthropologist Looks at Ballet as a Form of Ethnic Dance. In: DILS, Ann; ALBRIGHT, Ann Cooper (Org.). Moving History/Dancing Cultures: A Dance History Reader. Middletown: Wesleyan University Press, 2001., p. 8). Ao ser uma figura socialmente marginalizada, o caboclo tem sido historicamente considerado especialmente ameaçador devido à sua capacidade de reverter a dinâmica de poder e acumular diversas formas de conhecimento. A encenação reveladora do bailado esconde estruturalmente para todo mundo ver10 10 Hinos que incluem a linha para todo mundo ver: A Minha Mãe me Mandou, #38; O Amor Divino, Antonio Gomes; Aonde Vou, #112; O Cruzeirinho, Padrinho Alfredo Gregório de Melo; Para Todo Mundo Ver, #13; O Sino do Teu Estudo, Tio Chico Corrente. uma inclusividade estratégica que está associada aos sistemas de conhecimento caboclo, o que proporciona uma sensação de transparência social valorizada nos hinos.

O bailado não era originalmente parte da doutrina do Santo Daime, que começou como uma prática de cura. O caboclo Pizango treinou Irineu Serra nas artes do curandeirismo, práticas tradicionais de cura da floresta, por meio do trabalho com medicamentos vegetais. Em 1890, uma lei que proibia essas artes de cura foi aprovada no Brasil e as associou à bruxaria e à magia (MacRae; Moreira, 2011MACRAE, Edward; MOREIRA, Paulo. Eu venho de longe: mestre Irineu e seus companheiros. Salvador: SciELO Books; EDUFBA, 2011. E-book. Disponível em: https://www.doabooks.org/doab?func=search&query=rid:22569. Acessado em: 18 jan. 2020.
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, loc. 3005). Apesar da repressão das autoridades, o jovem Irineu Serra e seus companheiros buscaram o conhecimento curandeiro para trabalhar com medicamentos vegetais. Em 1930, começou a realizar suas próprias sessões com a ayahuasca, inicialmente trabalhando como havia aprendido com Pizango. Serra ficou conhecido como Mestre Irineu, indicando aquele que alcançou um alto nível de domínio cultural.

Nos primeiros cinco anos, Mestre Irineu assobiava e cantava chamados na força11 11 Os estados alterados de consciência alcançados por meio da ingestão do sacramento daime são referidos entre os daimistas como uma força (MacRae, 2006, p. 106; Perlongher, 1990). Hinos que se referem a essa força incluem: Chamo a Força, hino #80 e Esta Força, hino #121; O Cruzeiro Universal, Mestre Irineu Serra; A Meu Pai Eu Peço Força, hino #4; Lua Branca, Madrinha Rita Gregório de Melo. do chá, canções que chamam espíritos curandeiros (MacRae; Moreira, 2011MACRAE, Edward; MOREIRA, Paulo. Eu venho de longe: mestre Irineu e seus companheiros. Salvador: SciELO Books; EDUFBA, 2011. E-book. Disponível em: https://www.doabooks.org/doab?func=search&query=rid:22569. Acessado em: 18 jan. 2020.
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, loc. 504). Cinco anos depois, ele e vários de seus companheiros receberam seus primeiros hinos, que foram cantados em uníssono e não individualmente. Mestre Irineu começou a usar o nome daime para se referir ao remédio ayahuasca como um derivado do dai-me, que pode ser traduzido como me dê, reconhecendo a receptividade à prática. Em 1936, o bailado foi realizado pela primeira vez depois que ele recebeu instruções para a dança de seu principal guia espiritual, uma entidade feminina chamada Clara12 12 A história de origem do Santo Daime associada ao guia espiritual do Mestre Irineu Clara é bem conhecida entre os daimistas e antropólogos que estudam as religiões da ayahuasca. Para relatos dessa história ver Couto (1990), Fernandes (1988), Goulart (2004), MacRae (2006), Monteiro da Silva (1983) e Mortimer (2018). .

Conforme relata o contador de histórias Saturnino Brito do Nascimento, durante um trabalho de Santo Daime, Mestre Irineu experimentou uma visão em que Clara o levou às profundezas do oceano, onde encontraram um grande salão de dança, cintilante e bonito. Assim que chegaram, todos os presentes começaram a dançar juntos em uníssono. Logo após essa visão, Mestre Irineu ensinou o bailado a seus companheiros (Histórias..., 2021HISTÓRIAS do Mestre Irineu - Padrinho Saturnino Brito - CEFLI - Episódio 07- Legendado + Libras. Postado no YouTube por Rádio Cruzeiro Universal, 29 mar. 2021. (2m38s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RTZ1g2wPQWM . Acessado em: 11 ago. 2022.
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).

Os trabalhos do festival Santo Daime, para os quais o bailado é realizado, são comparáveis às celebrações afro-indígenas no Maranhão (Labate; Pacheco, 2002LABATE, Beatriz Caiuby; PACHECO, Gustavo. The Religious Roots of Santo Daime in the State of Maranhão, Northeastern Brazil. In: LABATE, Beatriz C.; ARAÚJO, Wladimir S. (Org.). The Ritual Use of Ayahuasca. Traduzido em inglês por Glenn H. Shepherd Jr. 7 nov. 2015. P. 303-344.), berço do Mestre Irineu. Em um vídeo sobre sua pesquisa sobre as raízes culturais do Santo Daime nas práticas do Maranhão, o antropólogo Lucas Kastrup Rehen comparou o bailado com uma dança popular chamada Baile de São Gonçalo (Santo Daime.., 2018SANTO Daime & Baile de São Gonçalo. Postado no YouTube por Canal Jagube, 02 abr. 2018. (11m22s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=X1xNAYg92OM. Acessado em: 9 mar. 2022.
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), citando muitas semelhanças nos passos de dança e no figurino. Incorporando essas influências, a história resumida no parágrafo acima credita explicitamente a autoria coreográfica do bailado a uma entidade espiritual, a guia de Mestre Irineu, Clara. Essas relações espirituais com diversos seres são fundamentais para a doutrina do Santo Daime e constituem sistemas de conhecimento caboclo da floresta da qual emergiu, através dos quais influências espirituais e culturais não são necessariamente mutuamente exclusivas.

Como pano de fundo histórico e conceitual para o surgimento do bailado em Rio Branco em 1936, esta seção destaca a importância do conhecimento caboclo na doutrina do Santo Daime. Parte dos sistemas de conhecimento do Sul global, em que formas corporais, sensoriais e espirituais de conhecer são honradas e praticadas como formas de resistência contra forças coloniais de marginalização e apagamento, insights adquiridos por meio de histórias de diferentes encontros culturais e espirituais no Acre ao longo do período colonial, mobilizam-se através da estrutura coreográfica do bailado. A próxima seção descreve maneiras como os praticantes do Santo Daime aprendem por intermédio de experiências corporais, sensoriais e espirituais, que cultivam a identificação do eu como parte das forças universais da natureza através do sistema de conhecimento caboclo da ayahuasca.

O conhecimento caboclo como sistema de engajamento corpóreo com forças da natureza

Gosto de passar o tempo aqui na praia, especialmente na maré baixa. É um lugar onde eu sei que falamos a mesma língua, e ao longo dos últimos anos tenho o hábito de ir lá para escapar da conversa, para dançar um pouco. Na praia eu claramente faço parte do infinito. O mundo cuidadosamente organizado que geralmente me envolve desaparece, e uma verdade menos delicada é exposta. Há apenas interno e externo com a pele no meio. A praia na maré baixa é o salão de baile de Deus, plano e interminável. Não há paredes ou janelas, apenas uma pista de dança densa e arenosa, sua cortina aquosa puxada para trás, uma mão brisa estendida em minha direção. Ando em direção à água, circundo e ando de volta, avanço e recuo. Começo a antecipar o momento em que a água e meus pés se encontrarão. Há uma união mútua e busca, flerte e envolvimento. Começo cautelosa, apenas até os tornozelos, mas cada encontro é mais familiar, me atrai mais para o fundo13 13 Trecho do diário pessoal da autora escrito no nordeste do Brasil em 29 de janeiro de 2007. .

Esta passagem é do meu diário pessoal, escrito no Ceará, nordeste do Brasil, em 2007. Incluo-o para compartilhar meu processo de abertura ao Santo Daime antes de me tornar oficialmente uma daimista. Eu trabalhava como dançarina profissional, mas passava meses no Ceará com meu marido brasileiro. Eu me sentia isolada da minha comunidade de dança e alienada como estrangeira, apenas aprendendo a falar português. Minha relação com a dança começou a desmoronar sem a rotina rigorosa a que eu estava habituada, ensaiando, tocando, lecionando e tendo aulas. A igreja local do Santo Daime oferecia um lugar para direcionar minha energia criativa e me concentrei em aprender os hinos e orações. Por meio do Santo Daime, aprendi e estou aprendendo sobre a profundidade corpórea do conhecimento caboclo como um sistema de autoestudo e criação de significado através do envolvimento com as forças naturais.

Os praticantes do Santo Daime se referem ao seu caboclo quando falam sobre o que interpreto como agenciamento corporal profundo. Um sentido básico desse agenciamento é adquirido por meio da consciência da força da gravidade sobre o eu corpóreo. Tendo dançado durante a maior parte da minha vida, lembro-me de experimentar o peso da minha pélvis pela primeira vez quando estava rolando no chão durante um exercício em uma aula de técnica contemporânea. Embora a força da gravidade sempre estivesse lá, a orientação horizontal do rolamento e a ênfase na liberação de diferentes partes do corpo, ao invés de lutar contra sua atração constante, resultaram em uma experiência profunda que mudaria a maneira como eu me movia. Embora experimentemos a gravidade como violência corpórea quando escorregamos ou caímos devido à dor do súbito impacto inesperado com a superfície da Terra, as técnicas de liberação que surgiram ao longo do século XX enlaçaram relações corpóreas com a gravidade, desafiando ilusões de ausência de gravidade associadas ao balé clássico. Ao trabalhar com a força da gravidade e aceitar sua constância, talvez desenvolvamos padrões de movimento mais saudáveis; mais saudáveis porque são mais verdadeiros.

Juntamente com o cultivo de uma orientação corporal mais verdadeira para a terra, a corporeidade construída pela aceitação da atração da gravidade cultiva estados de ser por meio dos quais escorregões, quedas e o choque do impacto repentino podem ser menos severos. Embora realizemos o bailado do Santo Daime em uma orientação vertical, com a sola dos nossos pés conectada a terra e o topo de nossas cabeças em direção ao céu, a força da gravidade que nos permite alcançar essa orientação é a mesma. É a nossa experiência que difere. Ao praticar o bailado, a coreografia repetitiva realizada por horas de cada vez, podemos cultivar uma consciência mais intensa dos profundos efeitos dessa força sobre e através de nós. Como outro tipo de força natural, os ensinamentos de medicamentos vegetais como a ayahuasca também estão sujeitos às diferentes maneiras pelas quais interagimos com eles por meio de nossa consciência. Como forma de orientar o eu para diversas formas de ser que compõem mundos naturais, trabalhar com a medicina vegetal ayahuasca potencialmente abre nossa consciência para nossa própria natureza como parte desses mundos, tornando-os menos chocantes ou ameaçadores.

Santo Daime é conhecido pelos praticantes como uma escola; como uma prática cultural e espiritual, suas habilidades podem ser aprendidas. No entanto, como parte dos sistemas de conhecimento da ayahuasca, os processos pedagógicos envolvidos nessa aprendizagem desafiam os das salas de aula sancionadas pelo Estado (Albuquerque, 2011ALBUQUERQUE, Maria Betânia. Epistemologia e Saberes da Ayahuasca. Belém: EDUEPA, 2011.). Albuquerque questionou se o conhecimento da ayahuasca pode mesmo ser avaliado e validado por entendimentos epistemológicos ocidentais modernos do Norte global, e defendeu a consideração da epistemologia da ayahuasca para alcançar uma comunidade de conhecimento pós-colonial (2011). Embora a medicina vegetal ayahuasca esteja cada vez mais disponível para consumo em ambientes urbanos longe do calor intenso, chuvas torrenciais e insetos das florestas de onde veio, pode ser extremamente raro que a elite social, acostumada a ocupar espaços de segurança e conforto, venha a obter o conhecimento caboclo descrito neste artigo.

Experiências de marginalização têm sido descritas como oportunidades de adquirir conhecimentos não disponíveis para aqueles incapazes de “deslizar pelas barras do tempo”, que é uma habilidade que o estudioso da educação Luiz Rufino (2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editora, 2019., p. 45) associa à entidade espiritual afro-diaspórica Exu e ao conhecimento a este ligado. Rufino descreve forças inventivas capazes de reconstruir a vida como uma oportunidade produzida nas rachaduras, em meio à escassez e em transgressões de um mundo desencantado (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editora, 2019., p. 15). Afirma o autor que as questões sobre o conhecimento necessariamente permeiam o reconhecimento e a credibilidade do corpo, apontando que todo conhecimento se manifesta quando incorporado e colocado em prática (2019, p. 146). Como prática de reencantamento, os praticantes do Santo Daime recebem e produzem conhecimento, imergindo-nos somática e espiritualmente por meio das performances do bailado.

A prática do Santo Daime e a performance do bailado mais centram novamente o eu como fonte de todo conhecimento, reivindicando agenciamento epistemológico através do engajamento corporal multidimensional. Junto com a força da gravidade, esse agenciamento corpóreo ocorre por intermédio de vários estimulantes estéticos que os praticantes contribuem e recebem durante os trabalhos. Diferentes plantas, como palo santo e copal, são frequentemente queimadas durante os trabalhos do Santo Daime para envolver os sentidos olfativos. Os praticantes usam uniformes especiais, e o uniforme geralmente usado para trabalhos de bailado é branco com toques de azul e verde, flâmulas coloridas penduradas nos ombros esquerdos dos vestidos femininos que balançam junto com nosso movimento e coroas cintilantes em nossas cabeças que capturam a luz. Muito cuidado e criatividade são colocados na decoração do espaço ritual, que é bem iluminado, e um altar central é ornamentado com flores, cristais, velas e imagens significativas, estimulando os sentidos visuais e coordenando visões espaciais e subjetivas.

Elementos rituais estéticos enfatizam a receptividade corpórea experimentada pelos praticantes nos trabalhos do Santo Daime. As forças estéticas mais poderosas nos trabalhos são a musicalidade e a dança, que animam o espaço por meio de nossos corpos. Cantar, dançar e tocar instrumentos envolvem receptividade, escuta e sentimento. Ao cantar e dançar, o envolvimento ativo com os atos receptivos de ouvir e sentir é muitas vezes necessário para se tornar ou permanecer consciente desses atos receptivos, mais do que cheirar ou ver. Convergências de receptividade e expressividade no bailado centralizam tipos de corporeidade subjetiva diferentes daqueles frequentemente associados à dança.

Como prática receptiva, o Santo Daime mobiliza o conhecimento por meio de nossa receptacularidade corpórea, a natureza geralmente receptiva de todos os corpos independentemente de gênero ou sexo (Strongman, 2019STRONGMAN, Roberto. Queering Black Atlantic religions: transcorporeality in Candomblé, Santería, and Vodou. Durham: Duke University Press, 2019. (The religious cultures of African and African diaspora people).). Essa receptividade ocorre por meio do discurso corpóreo descrito pelo professor de estudos culturais, Roberto Strongman, que aplicou o termo transcorporeidade em sua pesquisa sobre as práticas religiosas afrodiaspóricas Vodu, Candomblé e Santería. Strongman definiu a transcorporeidade como uma orientação externa do ego, alma ou anima em relação ao corpo físico (Strongman, 2019STRONGMAN, Roberto. Queering Black Atlantic religions: transcorporeality in Candomblé, Santería, and Vodou. Durham: Duke University Press, 2019. (The religious cultures of African and African diaspora people)., p. 2-3). Juntamente com seu conceito de receptacularidade, o trabalho de Strongman é aplicável ao diálogo corporal multidirecional que ocorre através da realização do bailado estimulado de várias maneiras pelos sentidos. Experimento as orientações multidirecionais descritas no parágrafo anterior por meio da comunhão com as forças que governam o mundo natural, especialmente a força da gravidade, que orienta o eu dentro dos sistemas naturais que envolvem o sol, a lua e as estrelas no discurso gravitacional com a terra através de mim.

A constância da força da gravidade sobre nós não a torna necessariamente uma experiência consciente da mesma forma que os cheiros, visões e sons são experimentados. Os hinos do Santo Daime nos instruem a examinar nossa consciência14 14 Hinos que incluem instruções para examinar a consciência incluem: Examine a Consciência, hino #71; O Justiceiro, Padrinho Sebastião Mota de Melo; Eu Vivo na Floresta, hino #25; Lua Branca, Madrinha Rita Gregório de Melo; A Magia da Oracão, hino #9; Presença Transparente do Beija Flor, Madrinha Nonata de Melo e Souza. , voltar a atenção para os diálogos internos. No bailado, diálogos internos com seres celestes são dançados por meio da realização de movimentos que balançam nossos corpos para frente e para trás em nossos espaços designados. Os trabalhos de dança podem durar até doze horas, uma extensão significativa de tempo que permite aos praticantes entrarem profundamente em estados alterados de consciência dentro da força do sacramento daime. Muitas vezes fecho os olhos ao realizar o bailado, como já vi outros fazerem. Como espectadora e intérprete nessa dança, isso me permite focar na minha experiência interior do bailado, uma espécie de auto-hacking (Paxton, 2018PAXTON, Steve. Gravity. Belgium: Contredanse Editions, 2018.).

Fundador da improvisação de contato e pesquisador de dança, Steve Paxton (2018)PAXTON, Steve. Gravity. Belgium: Contredanse Editions, 2018. escreveu sobre o auto-hacking como o impulso inquisitivo para entender a consciência em relação aos seus movimentos. Essa relação entre consciência e movimento físico é sustentada pela força da gravidade. No minilivro de Paxton, Gravity, a profundidade interespécies de experiências subjetivas de gravidade é retratada por três fotografias em preto e branco; a primeira, de uma elefante bebê descobrindo-se com o rosto enterrado na espuma branca do mar; a segunda, de dois elefantes brincando felizes juntos; a terceira, de um elefante que morreu, sua pele caindo em direção ao chão. A capa do livro tem a cor e consistência da pele de elefante. Essas imagens e texturas expressam o conhecimento de que as mesmas forças que nos permitem ficar de pé e nos movermos, vermos, ouvirmos, provarmos, cheirarmos e sentirmos, acabarão por nos consumir à medida que consumirem tudo o que vive. Os hinos do Santo Daime incluem instruções para pisar firme no chão15 15 O ato de pisar firme no chão é enfatizado nos hinos #96 - O Cruzeiro; #99 - Em Pé Firme na Floresta e #139 - Cadê Eu, O Cruzeirinho, Padrinho Alfredo Gregório de Melo. , aceitando a atração da terra, caindo nela para que possamos sair dela. Como na improvisação de contato, nosso primeiro parceiro de dança é sempre a terra e sua atração gravitacional.

Os reinos espirituais tornam-se presentes para os praticantes através da realização do bailado, não apenas por meio de nossos pensamentos conscientes, mas pelo acesso ao conhecimento que mobiliza nossos corpos. Temos acesso a esse conhecimento vivo por intermédio de vidas de aprendizado em conjunto com forças espaciais e ecológicas às quais todos devemos nossa existência corpórea. Combinações de relações com essas forças e com outros seres que compartilham o espaço, tanto humanos quanto não humanos, contribuem para o chamamento de correntes energéticas nos trabalhos de bailado, evocando fluidez espacial visceral por meio da qual tudo está conectado. Essa fluidez lembra cenários históricos e míticos de oceanos e florestas, espaços encantados que também são seres vivos.

A filósofa Christine Takuá (2020)TAKUÁ, Cristine. Seres Criativos da Floresta. Rio de Janeiro: Dantes Editora, 2020. (Cadernos Selvagem). escreveu sobre seres criativos da floresta que constituem uma espécie de metaciência, pois os caminhos da floresta não podem ser conhecidos através do que é referido no Norte global como ciência. Na experiência de Takuá, ao estudar filosofia na Universidade Estadual de São Paulo, ela percebeu que não havia, então, consideração pelo diálogo criativo com seres não considerados humanos, embora estivesse entre professores e alunos de uma universidade, o que implicaria conhecimento universal. Ela afirmou que a grande complexidade que existe na floresta tem estado em diálogo por muitos séculos com um forte poder criativo de seres vegetais e animais, que como nós resistiram por muitos séculos e criaram fórmulas para continuar caminhando por este planeta (Takuá, 2020TAKUÁ, Cristine. Seres Criativos da Floresta. Rio de Janeiro: Dantes Editora, 2020. (Cadernos Selvagem)., p. 2).

As ideias de Takuá e Paxton chamam a atenção para nós mesmos e nossas orientações dentro de sistemas de conhecimento vivos, como os da floresta, com seus remédios vegetais, e a terra, com sua atração gravitacional. Historicamente, as interseções dos sistemas de conhecimento causaram conflitos, não porque não sejamos capazes de entender a diferença, mas porque as crenças fundamentais dos sistemas de conhecimento do Norte global não permitem coabitações harmoniosas da diferença. O conhecimento caboclo sintetiza diferentes processos de aprendizagem através do engajamento corpóreo inextricavelmente ligado às forças da natureza.

A figura do caboclo resiste a crenças dominantes e restritivas emergentes ao longo do período colonial até o presente, que valorizam uma forma de saber sobre outras. Essa figura incorpora o conhecimento de si em relação aos sistemas de conhecimento concorrentes. Como parte dos sistemas de conhecimento caboclo, esse tipo de autoestudo cultiva habilidades para perceber o eu em diálogo corporal com uma vasta e diversificada gama de diferentes tipos de seres dentro de relações astronômicas expansivas experimentadas como gravidade através de nossos corpos, corpos que sentem, cheiram, ouvem e veem através dessa atração gravitacional. Na próxima seção, articulo como esse autoconhecimento coletivo contribui para a convocação de correntes das quais cada indivíduo pode receber benefícios de aprendizado e cura.

Autoconhecimento coletivo: a corrente do Santo Daime

Hinos, ensinamentos, curas e outros benefícios são recebidos na prática do Santo Daime por meio do discurso entre espécies, espaços e tempos, atravessando nossa corporeidade e revelando a natureza relacional do conhecimento. A comunicação com o panteão de diversos seres da cosmologia do Santo Daime ocorre enquanto dançamos como um único corpo dentro de uma corrente energética construída expansivamente através de nossas transcorporeidades, uma característica que Rufino (2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editora, 2019., p. 45) associa ao caráter de Exu como o múltiplo no um ou aquele multiplicado no infinito.

Como prática coletiva, os participantes do bailado dançam lado a lado em fileiras dispostas de frente para trás na forma de um retângulo ou um hexágono, dependendo do espaço e da linhagem específica, com uma mesa no centro que serve como altar principal. As mulheres ocupam metade do espaço e, os homens, a outra metade, divididos em seções de acordo com a idade e a experiência. Precisão no espaçamento, movimento e canto são enfatizados no bailado, fornecendo uma importante base estrutural para o trabalho. A sincronização de corpos e vozes em movimento, juntamente com o pulsar do maracá, resulta em uma fluidez expansiva no espaço percebido pelos praticantes que realizam o bailado.

As correntes evocadas nos trabalhos do Santo Daime não são fins performativos em si, mas expansões transcorpóreas e espaciais através das quais o conhecimento é recebido, compartilhado e aprofundado. Os praticantes se envolvem em diálogo corpóreo com seres espirituais em conjunto com nosso canto e dança através da transcorporeidade, conforme descrito e aplicado por Strongman. Nas performances rituais das religiões afrodiaspóricas Candomblé, Santería e Vodu, atos individuais de transcorporeidade são alcançados por meio da incorporação do espírito16 16 Também referida como “possessão espiritual” (Dawson, 2011), uso o termo incorporação, pois implica diálogo bidirecional como parte de relações corporais com seres espirituais, em vez de “possessão” de cima para baixo, através da qual alguém potencialmente perde um senso de agenciamento dentro de seu corpo. , enquanto no Santo Daime a transcorporeidade é vivenciada pelos participantes no bailado como incorporação coletiva do Juramidam, principal ser espiritual do sacramento daime.

Contestando noções de que os hinários cantados nos trabalhos do Santo Daime servem como biografias lineares de indivíduos importantes, Rehen (2007REHEN, Lucas Kastrup Fonseca. “Receber não é compor”: música e emoção na religião do Santo Daime. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 27, n. 2, p. 181-212, 2007., p. 486-487) aponta as múltiplas relações também presentes nos hinos e sua importância como caminhos para reinos espirituais, relações com seres humanos e não humanos. Em recente viagem de pesquisa ao Acre, experimentei o poder transcorpóreo desse conhecimento relacional e coletivo, participando de um trabalho de bailado na Colônia Cinco Mil, um importante centro do Santo Daime, em uma área rural às margens do Rio Branco, fundada por Padrinho Sebastião Mota de Melo, discípulo de Mestre Irineu, juntamente com sua família e comunidade.

Quando participo de trabalhos na Califórnia, muitas vezes há apenas um pequeno número de daimistas presentes. Embora façamos o nosso melhor para chamar e sustentar a corrente em nossos trabalhos, estamos sempre trabalhando com visitantes que pouco sabem sobre Santo Daime ou suas origens e têm pouca experiência prática da doutrina. Em comparação, durante meu tempo no Acre, eu era a visitante. Eu cantava e dançava junto com dezenas de praticantes cujas vidas eram profundamente informadas através da prática e estudo do Santo Daime e por relacionamentos com aqueles que fundaram a doutrina.

Durante um trabalho comemorativo aos 102 anos do nascimento de Padrinho Sebastião, experimentei a potência somática coletiva do bailado. No espaço histórico da Colônia Cinco Mil, espaço de história viva habitado por gerações de daimistas, cantamos o hinário de Mestre Irineu, O Cruzeiro Universal, o hinário mais conhecido pela maioria dos daimistas. O conhecimento musical e espiritual do Santo Daime é adquirido ao longo de extensões de tempo e por meio de muita repetição. Cada vez que canto esses hinos, níveis mais profundos de significado são revelados. Novas associações com hinos ou com versos ou frases particulares também surgem à medida que cada trabalho é diferente, mergulhando em novas histórias e memórias.

Para este trabalho, abandonei meu velho livro de hinos esfarrapado para aproveitar a oportunidade de participar da presença de tanto conhecimento histórico e corpóreo. Eu não era responsável por saber as palavras, como elas eram traduzidas ou como elas deveriam ser cantadas. Sem nenhum livro na mão, eu não estava mais presa ao espaço entre meus olhos e suas páginas. Sentia-me íntegra através da corrente, liberada para ouvir e sentir os hinos com todo meu corpo, por dentro e por fora, acessando o conhecimento adquirido pelos outros na corrente ao longo de muitas décadas de experiência.

Com a presença coletiva de tanta experiência vivida do Santo Daime, sentia-me sendo dançada e cantada, sustentada e movida por essa corrente de conhecimento. Minhas pernas, as pernas que também são eu, apoiavam minha passagem pelo espaço em vez de me levarem até lá. Testemunhei e participei dessa transformação transcorpórea dentro da coreografia ordenada e sincronizada do bailado, abrindo-me como espectadora para as performances que ocorriam a meu redor, dentro e através de mim.

A separação entre a identificação como espectador ou intérprete ocorreu ao longo dos séculos, remontando à ascensão dos teatros de proscênio na Europa e sua quarta parede imaginária. Desafiar essa separação pode ser experimentado como tão radical que o movimento projetado ritmicamente no espaço e realizado com música pode não ser reconhecido como dança. Negando-nos o direito de sentir, provar, ouvir, observar, receber, dançar, internalizamos o que o sociólogo Aníbal Quijano (2000)QUIJANO, Anibal. Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America. Nepantla: Views from South, Durham, v. 1, n. 3, p. 533-580, 2000. denominou colonialidade, estruturas sociais que continuam a dominação colonial através de racionalidades específicas associadas ao eurocentrismo. Como ideologia dominante, a colonialidade é vivida corporalmente. Na próxima seção, acompanho algumas das histórias de violência e exclusão que colonizaram definições de dança e coreografia, argumentando que o bailado decoloniza a dança através de experiências estéticas e transcorpóreas do divino professor do Santo Daime, Juramidam.

Decolonizando a dança por meio da estética transcorpórea do Juramidam

Recentemente, ao trabalhar como pesquisadora acadêmica, lembrei-me de meus próprios equívocos anteriores sobre o bailado não se qualificar como dança. Durante uma visita a Mapiá, outro importante centro do Santo Daime no estado do Amazonas, também fundado por Padrinho Sebastião junto com sua família e comunidade, conheci uma dançarina contemporânea do Rio de Janeiro. Ela viajou extensivamente como dançarina, falava cinco idiomas e estava familiarizada com a técnica contemporânea em que fui treinada. Eu tinha ido conversar com ela para aprender sobre sua experiência ensinando dança contemporânea na comunidade local, que ela me disse ter atraído pouco interesse. Contei a ela sobre minha pesquisa sobre o bailado e ela respondeu que o bailado não é dança, mas simplesmente movimento. Não discuti o assunto com ela, lembrando meu próprio processo de aprendizagem e cura como dançarina profissional e minha própria rejeição estética do bailado como uma forma de dança.

O nome bailado é traduzido do inglês para o português como dança. É um termo genérico do período colonial, não mais utilizado coloquialmente no Brasil. Barquinha, outra religião ayahuasca de Rio Branco fundada em 1946, também tem um bailado, embora diferente do bailado do Santo Daime. Para uma dança simples do passado, que é negligenciada até mesmo por aqueles de nós que nos consideramos dançarinos, a pesquisa sobre o bailado do Santo Daime revela influências coloniais sobre as percepções de dança e coreografia. Essas percepções refletem a violência biopolítica da colonialidade infligida aos nossos corpos de diferentes maneiras pelas estruturas de poder globais, que marginalizam os sistemas de conhecimento corporais.

A estudiosa de dança Susan L. Foster identificou histórias dos termos coreografia, cinestesia e empatia, argumentando que foram mobilizados, em parte, para racionalizar operações de exclusão e outras ao longo do projeto colonial, diferenciando entre aqueles que sentem e aqueles que sentem por eles (Foster, 2011FOSTER, Susan Leigh. Choreographing empathy: kinesthesia in performance. London: Routledge, 2011., p. 11). O termo coreografia surgiu em conjunto com os esforços para codificar etapas das danças populares da corte europeia nos séculos XVII e XVIII, para que pudessem ser impressas e distribuídas entre as colônias, cultivando a homogeneidade por meio da estética imperial (Foster, 2011FOSTER, Susan Leigh. Choreographing empathy: kinesthesia in performance. London: Routledge, 2011., p. 17). Esses sistemas de codificação achatavam e abstraíam noções do piso sobre o qual os membros da corte dançavam, traçando padrões de piso ao longo de pontos de referência nesses espaços abstratos.

Desenhos geométricos de padrões de piso foram eventualmente transformados em padrões geométricos dentro do corpo, internalizando esses pontos de referência abstratos (Foster, 2011FOSTER, Susan Leigh. Choreographing empathy: kinesthesia in performance. London: Routledge, 2011., p. 40). Em vez de apresentar o corpo em relação à sua colocação dentro de um ambiente particular com o qual se identificava, no início do século XVIII, o corpo foi traçado e abstraído através desses processos. A dança do agradecimento mútuo, anteriormente engendrada, foi substituída por figuras individualizadas exibindo posturas adequadas umas para as outras. O corpo foi lentamente afastado da comunhão com a natureza e a sociedade e para uma apresentação do eu como uma entidade singular a ser observada pelos outros (2011, p. 95-96). A breve moda de comprometer a dança com símbolos foi substituída por sequenciar sentimentos e organizar as respostas dos outros a esses sentimentos, à medida que a dança entrava no palco do proscênio, pintando quadros que representavam paixões (Foster, 2011FOSTER, Susan Leigh. Choreographing empathy: kinesthesia in performance. London: Routledge, 2011., p. 37).

Foi por meio desses processos coloniais de codificação e apresentação, projetando novas ideologias construídas através do surgimento de diferentes ciências da era colonial em corpos, que a dança passou a ser definida como a tradução da experiência emocional em formas externas. Essa nova concepção de coreografia emergiu como uma força excludente, garantindo um lugar especial para danças de autoria de um único artista, distintas das formas de dança praticadas em todo o mundo que não podiam ser rastreadas até um único criador (Foster, 2011FOSTER, Susan Leigh. Choreographing empathy: kinesthesia in performance. London: Routledge, 2011., p. 54-55).

Esse processo excludente também constituiu o surgimento de “danças étnicas”, que poderiam ser facilmente extraídas como matéria-prima para a expressão artística do coreógrafo moderno singular, assimilando suas diferenças em suas economias coloniais de significado (2011, p. 72). O coreógrafo individual, um sujeito exclusivamente branco de elite até meados do século XX, tornou-se conhecido como tendo autoria sobre uma dança, mesmo que ela tenha sido criada por meio de processos colaborativos (Foster, 2011FOSTER, Susan Leigh. Choreographing empathy: kinesthesia in performance. London: Routledge, 2011., p. 52).

Não foi até o final do século XIX e início do século XX que os indivíduos reivindicaram a autoria coreográfica das danças. Os primeiros esforços para a dança de direitos autorais exigiam que as performances incluíssem uma narrativa dramática clara, relegando a dança real a uma posição inferior em relação às histórias que poderiam ser publicadas como palavras (Picart, 2013PICART, Caroline Joan. Critical race theory and copyright in American dance: whiteness as status property. New York, NY: Palgrave Macmillan, 2013.). Mais tarde, no século XX, através de uma série de precedentes que abstraíram as danças conceitualmente, as danças não narrativas foram protegidas com sucesso, embora apenas por aqueles que podiam pagar os serviços jurídicos necessários para reivindicar a autoria. Os gênios singulares de artistas euro-americanos, como George Balanchine e Martha Graham, estão agora consagrados como heróis do mundo da dança, seu trabalho protegido por codificação legal (Kraut, 2016KRAUT, Anthea. Choreographing copyright: race, gender, and intellectual property rights in American dance. New York, NY: Oxford University Press, 2016.; Picart, 2013PICART, Caroline Joan. Critical race theory and copyright in American dance: whiteness as status property. New York, NY: Palgrave Macmillan, 2013.). Danos colaterais dessas histórias incluem a crença de que aqueles que não participam desse mundo da dança não têm o direito a dançar de forma significativa.

Pessoas de todos os lugares e épocas dançaram. O século XX foi um período histórico único através do qual o poder foi canalizado para as mãos da elite como propriedade intelectual. Apesar das experiências culturais que ele pode ter tido em sua juventude no Maranhão, Mestre Irineu creditou a revelação da autoria coreográfica pré-existente do bailado à sua guia espiritual, Clara. O papel significativo que seus companheiros desempenharam nesse processo espiritual também é reconhecido como parte da formação do Santo Daime. Por exemplo, Mestre Irineu nunca recebeu um hino com o ritmo mazurca, que foi apresentado por meio de hinos recebidos por seus companheiros, e conhecido hoje como um dos três principais ritmos do Santo Daime.

Em vez de trabalhar como um guia espiritual individual através de um único iniciado, o bailado multiplica e expande a presença espiritual no espaço do salão por meio dos corpos dos artistas. Momentos de consagração, como quando o sacramento daime é ingerido pelo corpo, fazem parte da coreografia, entrando em uma dança com o professor espírito vegetal Juramidam, o professor dos professores17 17 A linha o professor dos professores encontra-se no hino O Daime, É o Daime, hino #84 em O Cruzeirinho, Padrinho Alfredo Gregório de Melo. . Juramidam, conhecido pelo sacramento daime como uma divindade ancestral Inca com quem Mestre Irineu se identificou durante sua vida (Fernandes, 1988FERNANDES, Vera Fróes. Santo Daime Cultura Amazônica. História do Povo Juramidam. 2. ed. Manaus, Brazil: SUFRAMA, 1988., p. 22-23), permeia e habita o espaço como uma corrente através da performance ritual coletiva. Juramidam ocupa o espaço entrando nos corpos dos praticantes após a ingestão, e depois se expande pelo salão à medida que ocupamos nossos lugares na formação. A presença espiritual de Juramidam é mobilizada transcorporealmente como uma corrente de oração, canto e dança ao longo do trabalho. Muitos hinos do Santo Daime chamam diretamente Juramidam18 18 O primeiro hino a incluir o nome Juramidam foi Estou Aqui, hino #111, O Cruzeiro Universal, Mestre Raimundo Irineu Serra. Muitos outros se seguiram. , que ensina envolvendo os alunos no autoestudo dentro da corrente.

A autoria da coreografia do bailado é creditada ao mundo espiritual, um mundo composto de seres históricos e ecológicos que constituem a cosmologia do Santo Daime. Dentro dessa cosmologia, os seres ancestrais dos povos originários que habitam a floresta do sul da Amazônia estão em relação com seres que têm significado pessoal para os praticantes constituídos por meio de relações familiares e comunitárias, relações com divindades, santos, espíritos vegetais, animais, insetos, montanhas, rios, sol, lua e estrelas, muitos dos quais chamados diretamente pelos hinos. Central no Santo Daime, o bailado ancora esses diálogos em corpos em movimento que comungam com a natureza e uns com os outros por intermédio da dança.

Nos tempos pré-coloniais, bem como em pontos de resistência cultural ao longo do período colonial, o canto e a dança cultivaram identidades coletivas como parte dos sistemas de conhecimento corpóreos. A hegemonia cultural, constituindo forças de colonialidade que marginalizam e apagam essas formas de conhecimento, exerce poder sobre os indivíduos, definindo o que é dança e quem é permitido a dançar, distorcendo uma atividade de outra forma encantadora para que não seja mais reconhecível como dança.

O bailado do Santo Daime reintroduz o prazer de cantar e dançar juntos para muitos para quem essas atividades podem não ter sido uma parte significativa da vida. Como saber cultural, o Santo Daime lembra estruturalmente práticas mortas pela colonização, processos que foram naturalizados por meio de estratégias coloniais de subjetivação. A violência da colonialidade continua a invadir nossos corpos no século XXI de várias maneiras. A mobilização do espectador e do intérprete nos corpos daqueles que dançam o bailado do Santo Daime potencialmente decoloniza entendimentos de dança, o que é e por que fazemos isso.

Conclusão

O jornalista e ativista indígena Ailton Krenak (2020)KRENAK, Ailton. Ideas to postpone the end of the world. Toronto: Anansi International, 2020. escreveu que os tempos que vivemos são especialistas em criar ausências, minar o significado da vida da sociedade e o significado da experiência da vida. Em seu livro, contemplando o fim do mundo, Krenak (2020)KRENAK, Ailton. Ideas to postpone the end of the world. Toronto: Anansi International, 2020. explicou como a ausência de significado gera intolerância rigorosa em relação a qualquer pessoa ainda capaz de ter prazer em simplesmente estar viva, dançar e cantar.

Como uma ponte interespécies, não posso deixar de ver a dança quando observo meus cães brincando uns com os outros ou observo cardumes de peixes e bandos de pássaros navegando juntos no espaço. Como parte dos sistemas integrativos de conhecimento caboclo, múltiplos sentidos estão implicados no bailado do Santo Daime como parte do autoestudo coletivo orientado para as forças da natureza, não apenas como espécie, mas em sintonia com os seres vivos. Como prática de reencantamento, o bailado liberta a dança, desafiando histórias profundas e contínuas de colonização.

A seguinte passagem do meu diário descreve um encontro na praia dos meus primeiros anos no Brasil, uma continuação de uma entrada anterior neste artigo. Encontros como este coincidiram e foram informados por minhas primeiras experiências bebendo daime e realizando o bailado. Ao longo desse período, minha prática de dança se transformou através de novas relações espirituais com forças da natureza mediadas pelo trabalho com o sacramento daime e Juramidam. Juramidam ensina de dentro para fora, ajudando-nos a nos reconhecer na natureza. Embora eu estivesse descrevendo o surgimento de uma nova relação com o oceano como meu parceiro de dança e professor, a presença de Juramidam é expressa nesta passagem como aquele que faz a mediação, que traduz, indo e deslizando pelas rachaduras, preenchendo o espaço com diferentes tipos de conhecimento.

Fecho os olhos e o oceano se esconde de mim, então a procuro com os dedos dos pés. As pequeninas ondas lavam a areia debaixo de mim e perco o equilíbrio, embriagada e solta. Se a praia é meu salão de baile, o oceano será meu parceiro. Como posso resistir ao seu ir e vir? Logo meus joelhos estão mais ou menos debaixo d'água e tenho o tapete puxado de baixo de mim. As ondas se tornam mais marotas. Acho que mereço um tapa. Parece tão pessoal. Quando ela puxa, é gentil, mas firme. E às vezes, quando estou desviando o olhar, ela me bate por trás para ter certeza de que estou prestando atenção. ‘O quê?!’

Ela está me oferecendo passeios e depois me jogando no chão. Vertical é agora apenas uma das muitas opções dentro de um caleidoscópio de vetores. Para cima e para baixo parecem menos urgentes, embora continuem caindo de volta no lugar, o céu ao qual ele pertence. Eu me rendo à conspiração dela com o sol e a lua para me ensinar algo real. Quero entender, mas tem que ser nos meus termos. Quero muito que algo faça sentido, para chegar a uma verdade que eu possa levar para casa comigo como uma concha do mar. Não consigo pensar em nada, então fico lá, rolando nas ondas. É tão bom. A água está ainda mais quente agora. Posso ficar aqui se continuar ouvindo. Então não é tão estranho.

Nossa experiência e relação com a natureza é mediada por nossa consciência. Ao nos comportarmos como se estivéssemos separados dessas forças, separamo-nos de vastas fontes de conhecimento, mas ao dançar com elas não há limites para nossa experiência. O bailado é essa dança.

Notas

  • 1
    A pesquisa para este projeto foi apoiada pela Source Research Foundation e pela Tinker Foundation. A autora recebeu apoio do Santa Cruz Summer Publishing Institute, UC para escrevê-la como parte de uma Hispanic-Serving Institution Doctoral Diversity Initiative.
  • 2
    Trecho do diário pessoal da autora descrevendo um trabalho de bailado no nordeste do Brasil em junho de 2022.
  • 3
    Atualmente existem discussões entre estudiosos das religiões ayahuasqueiras sobre quando é apropriado referir-se à prática fundada por Raimundo Irineu Serra como Santo Daime, pois originalmente apenas o nome Daime era usado. Neste artigo, usarei o coloquial Santo Daime, pois foi assim que a prática foi originalmente apresentada a mim na Califórnia e no nordeste do Brasil.
  • 4
    Embora Santo Daime seja muitas vezes referido como uma religião, é conhecida entre os praticantes como uma doutrina, referindo-se a uma estrutura simbólica e religiosa mais geral, abrangendo princípios espirituais e metafísicos mobilizados através da prática regular (Hartogsohn, 2021HARTOGSOHN, Ido. Set and Setting in the Santo Daime. Frontiers in Pharmacology, Lausanne, v. 12, 2021. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fphar.2021.651037/full. Acessado em: 11 maio 2021.
    https://www.frontiersin.org/articles/10....
    , p. 3).
  • 5
    Aqueles que praticam o Santo Daime e usam o uniforme são chamados de daimistas (Groisman, 1991GROISMAN, Alberto. Eu venho da floresta: Ecletismo e práxis xamânica daimista no “Céu do Mapiá”. 1991. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1991. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/75791/81577.pdf?sequence=1. Acessado em: 11 maio 2021.
    https://repositorio.ufsc.br/bitstream/ha...
    ).
  • 6
    Os rituais ou cerimônias do Santo Daime são referidos como trabalhos, abrangendo tipos diferentes de trabalho, especialmente espirituais. Existem vários tipos de trabalhos do Santo Daime, um dos quais é o bailado. O estudioso religioso Andrew Dawson (2013DAWSON, Andrew. Santo Daime: A New World Religion. New York, NY: Bloomsbury Academic, 2013., p. 65) descreveu a designação de rituais como trabalhos como uma forma de “regulação simbólica através da qual as ‘obrigações’ implicadas no espaço ritual daimista são levadas para casa”. Neste artigo, focalizo o trabalho de produção de conhecimento que ocorre por meio da prática do Santo Daime.
  • 7
    Embora em geral a infusão do daime seja servida como líquido, às vezes referida como chá ou bebida, também pode ser espessa como mel ou sólida como gel. Nesse caso, geralmente é servida com uma colher. Os daimistas referem-se ao chá do daime como um sacramento.
  • 8
    Rio Branco foi fundada em 1909 e tornou-se município em 1913. O estado do Acre foi incorporado à República Brasileira em 1962.
  • 9
    Alguns hinos que se referem ao conhecimento caboclo incluem: As Estrelas, hino #75; O Cruzeiro Universal, Mestre Raimundo Irineu Serra; Caboclo Guerreiro, hino #6; Caboclo Estrada Frente, hino #19; Caboclo Afirma o Ponto, hino #24; Caboclo Bom, hino #34; Caboclo Guerreiro, todos os hinos recebidos por outros e oferecidos ao Padrinho Manoel Corrente.
  • 10
    Hinos que incluem a linha para todo mundo ver: A Minha Mãe me Mandou, #38; O Amor Divino, Antonio Gomes; Aonde Vou, #112; O Cruzeirinho, Padrinho Alfredo Gregório de Melo; Para Todo Mundo Ver, #13; O Sino do Teu Estudo, Tio Chico Corrente.
  • 11
    Os estados alterados de consciência alcançados por meio da ingestão do sacramento daime são referidos entre os daimistas como uma força (MacRae, 2006MACRAE, Edward. Guided by the Moon: shamanism and the ritual use of ayahuasca in the Santo Daime religion in Brazil. Brazil: NEIP, 2006. E-book. Disponível em: http://www.neip.info/downloads/edward/t_edw2.pdf. Acessado em: 18 jan. 2020. (Referência impressa original: MacRae, Edward. Guiado pela lua-xamanismo e o uso ritual da ayahuasca no culto do Santo Daime, São Paulo, Brasiliense, 1992).
    http://www.neip.info/downloads/edward/t_...
    , p. 106; Perlongher, 1990PERLONGHER, Nestor. La force de la forme. Notes sur la religion du Santo Daime. Societés, v. 29, 1990.). Hinos que se referem a essa força incluem: Chamo a Força, hino #80 e Esta Força, hino #121; O Cruzeiro Universal, Mestre Irineu Serra; A Meu Pai Eu Peço Força, hino #4; Lua Branca, Madrinha Rita Gregório de Melo.
  • 12
    A história de origem do Santo Daime associada ao guia espiritual do Mestre Irineu Clara é bem conhecida entre os daimistas e antropólogos que estudam as religiões da ayahuasca. Para relatos dessa história ver Couto (1990)COUTO, Fernando La Rocque. Santos e xamãs. 1990. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 1990., Fernandes (1988)FERNANDES, Vera Fróes. Santo Daime Cultura Amazônica. História do Povo Juramidam. 2. ed. Manaus, Brazil: SUFRAMA, 1988., Goulart (2004)GOULART, Sandra Lucia. Contrastes e Continuidades em uma Tradição Amazônica: as religiões da ayahuasca. 2004. 315 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004., MacRae (2006)MACRAE, Edward. Guided by the Moon: shamanism and the ritual use of ayahuasca in the Santo Daime religion in Brazil. Brazil: NEIP, 2006. E-book. Disponível em: http://www.neip.info/downloads/edward/t_edw2.pdf. Acessado em: 18 jan. 2020. (Referência impressa original: MacRae, Edward. Guiado pela lua-xamanismo e o uso ritual da ayahuasca no culto do Santo Daime, São Paulo, Brasiliense, 1992).
    http://www.neip.info/downloads/edward/t_...
    , Monteiro da Silva (1983)MONTEIRO DA SILVA, Clodomir. O Palácio de Juramidam: um ritual de transcendência e despoluição. 1983. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Instituto de Ciências Humanas Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1983. e Mortimer (2018)MORTIMER, Lucio. Nosso Senhor Aparecido na Floresta. 2. ed. Céu de Maria, São Paulo: ICEFLU, 2018..
  • 13
    Trecho do diário pessoal da autora escrito no nordeste do Brasil em 29 de janeiro de 2007.
  • 14
    Hinos que incluem instruções para examinar a consciência incluem: Examine a Consciência, hino #71; O Justiceiro, Padrinho Sebastião Mota de Melo; Eu Vivo na Floresta, hino #25; Lua Branca, Madrinha Rita Gregório de Melo; A Magia da Oracão, hino #9; Presença Transparente do Beija Flor, Madrinha Nonata de Melo e Souza.
  • 15
    O ato de pisar firme no chão é enfatizado nos hinos #96 - O Cruzeiro; #99 - Em Pé Firme na Floresta e #139 - Cadê Eu, O Cruzeirinho, Padrinho Alfredo Gregório de Melo.
  • 16
    Também referida como “possessão espiritual” (Dawson, 2011DAWSON, Andrew. Summoning the spirits: possession and invocation in contemporary religion. London; IBTauris, 2011. (Library of modern religion, v. 15).), uso o termo incorporação, pois implica diálogo bidirecional como parte de relações corporais com seres espirituais, em vez de “possessão” de cima para baixo, através da qual alguém potencialmente perde um senso de agenciamento dentro de seu corpo.
  • 17
    A linha o professor dos professores encontra-se no hino O Daime, É o Daime, hino #84 em O Cruzeirinho, Padrinho Alfredo Gregório de Melo.
  • 18
    O primeiro hino a incluir o nome Juramidam foi Estou Aqui, hino #111, O Cruzeiro Universal, Mestre Raimundo Irineu Serra. Muitos outros se seguiram.
  • Editor responsável: Elizabeth Schwall

Referências

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  • DAWSON, Andrew. Summoning the spirits: possession and invocation in contemporary religion. London; IBTauris, 2011. (Library of modern religion, v. 15).
  • DAWSON, Andrew. Santo Daime: A New World Religion. New York, NY: Bloomsbury Academic, 2013.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2022
  • Aceito
    25 Mar 2023
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