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Brasil, Espelho de Cabo Verde: o caso do carnaval de São Vicente1 1 Este texto baseia-se no capítulo VI da minha tese de doutorado em Antropolo-gia (Daun e Lorena 2018) defendida no ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Portugal) e cuja pesquisa foi apoiada pela FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BD/77522/2011). A tradução deste artigo foi também financiada pela FCT no âmbito do plano estratégico do CRIA - Centro em Rede de Investigação em Antropologia (UID/04038/2020).

Brésil, miroir du Cap-Vert: le cas du carnaval de São Vicente

RESUMO

O carnaval de São Vicente é um símbolo da identidade da ilha e, simultaneamente, um campo que evoca e intersecta vários referentes identitários, sendo o Brasil o principal. Neste artigo, revisita-se a longa história de discursos e representações acerca da relação identitária entre Cabo Verde e Brasil, a partir do caso do carnaval de São Vicente. Com base em pesquisa arquivística e etnográfica, apresentam-se várias influências culturais brasileiras que, ao longo do tempo, marcaram o carnaval da ilha, e discute-se essa suposta relação, propondo a metáfora do espelho para melhor ilustrar essa identificação unilateral e demanda identitária.

Palavras-chave:
Brasil; Cabo Verde; Carnaval; Etnografia; Identidade

RÉSUMÉ

Le carnaval de São Vicente est un symbole de l’identité de l’île et, simultanément, un champ qui évoque et croise plusieurs référents identitaires, le Brésil étant le principale. Cet article revisite la longue histoire des discours et représentations à propos de la relation identitaire entre le Cap-Vert et le Brésil, au travers du cas du carnaval de São Vicente. À partir d’une recherche archivistique et ethnographique, cet article présente plusieurs influences culturelles brésiliennes qui, au fil du temps, ont marqué le carnaval de l'île, et discute cette relation supposée, proposant la métaphore du miroir pour mieux illustrer cette identification unilatérale et demande identitaire.

Mots-clés:
Brésil; Cap-Vert; Carnaval; Ethnographie; Identité

ABSTRACT

The São Vicente carnival is a symbol of the island’s identity and, at the same time, a field that evokes and intersects several identity referents, with Brazil being the main one. This article revisits the long history of discourses and representations about the identitarian relation between Cape Verde and Brazil, through the case of the São Vicente carnival. Based on archival and ethnographic research, the article presents several Brazilian cultural influences that over time marked the island’s carnival and discusses this supposed relation, proposing the mirror metaphor to better illustrate this unilateral identification and identity demand.

Keywords:
Brazil; Cape Verde; Carnival; Ethnography; Identity

Introdução

O arquipélago de Cabo Verde é constituído por dez ilhas agrupadas em duas regiões principais: o Barlavento (com as ilhas de Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, Sal e Boavista) e o Sotavento (com Maio, Santiago, Fogo e Brava). Essa divisão não é meramente geográfica, configura também um quadro de diferenças históricas e culturais que têm repercussões ao nível das construções e reivindicações identitárias de cada ilha.

Não cabe no âmbito deste artigo revisitar a extensa bibliografia sobre a cabo-verdianidade, mas convém reter que a identidade cabo-verdiana tem sido reiteradamente definida pela mistura, sem nunca se ter deixado de reproduzir as “categorias puras” dessa crioulização (Vasconcelos, 2007aVASCONCELOS, João. Filhos da terra, ou Lamarck em Cabo Verde. In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ANTROPOLOGIA, 3., 2006, Lisboa. Actas [...]. Lisboa: ISCTE; ICS, 2007a.). Em traços muito gerais, os dois arquétipos constantemente em presença são África e Europa (ou Portugal, país colonizador), que, consoante as conjunturas históricas e políticas, têm sido mais ou menos valorizados. E esses dois arquétipos são representados internamente pelo Sotavento e Barlavento, e muito concretamente pela ilha de Santiago (e a cidade da Praia) e pela ilha de São Vicente (e a cidade do Mindelo), respetivamente.

Conforme já discuti (Daun e Lorena 2015DAUN E LORENA, Carmo. Ambivalências identitárias em Cabo Verde: da história à etnografia. Análise Social, n. 217, p. 784-808, 2015.; 2018DAUN E LORENA, Carmo. Classe, memória e identidade em Cabo Verde: uma etnografia do carnaval de São Vicente. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.; 2020DAUN E LORENA, Carmo. À sombra do passado: memória, identidade e cosmopolitismo insular em São Vicente In: CHAVES, Duarte Nuno (Ed.). Questões de Identidade Insular na Macaronésia. Açores: Santa Casa da Misericórdia das Velas & CHAM - Centro de Humanidades, 2020. P. 85-101.), a identidade cabo-verdiana é um tema amplamente debatido entre os cabo-verdianos, tanto nos círculos acadêmicos como fora deles. No campo das ciências sociais, há abundante literatura sobre o assunto, que seria impraticável elencar aqui. O propósito deste artigo é outro. Ao invés de realizar mais uma incursão bibliográfica por entre as inúmeras publicações existentes, pretendo oferecer uma abordagem diferente a esta problemática, trabalhando materiais que têm sido negligenciados. A incursão é sobretudo arquivística e etnográfica2 2 O trabalho de campo etnográfico decorreu entre 2012 e 2015 em várias estadias pro-longadas e é apresentado em detalhe na tese de doutorado (cf. Daun e Lorena, 2018). . Além disso, volto a minha atenção para o Brasil, dedicando-me assim a um elemento fulcral dessa construção identitária, secundarizado pelos arquétipos África/Europa.

A ilha de São Vicente orgulha-se de ter o maior e mais belo carnaval do país, sendo um dos seus principais cartazes turísticos (Daun e Lorena, 2019DAUN E LORENA, Carmo. Carnaval de São Vicente: um produto turístico entre o cultural e o económico. Pasos. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, v. 17, n. 3, p. 583-594, 2019.). Este epíteto encerra, no entanto, algumas controvérsias. Uma delas tem que ver com a sua aparência brasileira. Mas essa aproximação ao Brasil não é fortuita. Insere-se numa história de discursos e representações que se têm produzido e reproduzido no último século acerca das supostas relações e semelhanças entre os dois países e que têm alimentado construções e reivindicações identitárias em Cabo Verde. O Brasil, que se constitui como um símbolo do carnaval por si só, é um referente identitário mais geral, que pautou desde cedo a demanda identitária cabo-verdiana e que permanece bem presente no arquipélago. Este artigo pretende discutir essa identificação com o Brasil a partir do caso do carnaval de São Vicente.

Em vez de uma retórica de fluxos e cruzamentos, que tem prevalecido na abordagem a este assunto, proponho antes a metáfora do espelho. O espelho, apenas utilizado por Cabo Verde, e muito particularmente por São Vicente, devolve-lhe uma imagem nem sempre nítida, mas onde figura invariavelmente o Brasil.

Para esta reflexão, apresento fontes variadas (obras literárias, imprensa periódica, documentação de arquivo) que fornecem os alicerces para uma análise multifacetada e situam historicamente o assunto. Convoco também dados etnográficos que elucidam sobre esses discursos, representações e materialidades na atualidade. Deste modo, pretendo articular passado e presente, evidenciando que a identidade se constrói sempre de forma dinâmica, relacional e contextual, ainda que alguns referentes permaneçam.

Recuando na História, o que imediatamente surge como elo de ligação entre Cabo Verde e Brasil será o facto de ambos terem sido territórios portugueses. Mas o fenômeno mais marcante que uniu, económica e culturalmente, as duas latitudes foi o tráfico negreiro. A sociedade escravocrata que o sistema imperial português erigiu tinha como escala Cabo Verde, principal entreposto de Africanos escravizados, que eram depois levados para as plantações nas Américas. Esta é a génese de uma relação cujos contornos se foram alterando ao longo do tempo. É a partir daqui que se constrói a ideia, muito propalada em São Vicente, de Cabo Verde como uma réplica em miniatura do Brasil. Mais concretamente, a noção de uma formação social semelhante, derivada de uma mesma matriz étnico-cultural, é o elemento fundador de uma suposta identidade comum. Como em parte o Brasil, Cabo Verde também é uma sociedade crioula. Este é, para muitos, o principal laço de aproximação. Esta ideia parte do pressuposto simplista, que não descreve senão um detalhe dos processos de formação de cada uma das sociedades, de que ambas nasceram do cruzamento de senhores brancos com escravos negros, logo, deram origem a culturas semelhantes. Nesse sentido, alega-se uma relação quase umbilical entre estes dois “países irmãos”.

Ao contrário da maioria da população cabo-verdiana, o escritor Germano Almeida (2003ALMEIDA, Germano. Cabo Verde. Viagem pela história das ilhas. Lisboa: Caminho, 2003., p. 19) tem uma outra opinião sobre esta ideia-feita:

Há pessoas que chegaram às nossas ilhas, visitaram-nas a vol d’oiseau, constataram esse verdadeiro mosaico de raças e cores que é a nação cabo-verdiana, e ala de apressadamente nos comparar ao Brasil. [...] Eu prefiro no entanto dizer que se nos assemelhamos ao Brasil é na maneira de festejar o Carnaval em São Vicente.

O escritor partilha, contudo, a opinião da generalidade da população mindelense sobre o carnaval das duas terras. Esta comparação entre o carnaval brasileiro e o são-vicentino tem servido amiúde para comparar os dois países e é um enunciado central quando nos propomos analisar o carnaval cabo-verdiano.

A ligação entre Cabo Verde e Brasil tem sido abordada por vários autores e fundamentalmente relacionada com influências culturais, sejam musicais, literárias, intelectuais ou mesmo religiosas3 3 Varela (2000) apresenta uma boa resenha das influências culturais do Brasil sobre Cabo Verde, nomeadamente as literárias e musicais. Ver ainda Vasconcelos (2007b), Dias (2011), Pereira (2011). . A formulação identitária mais amplamente debatida e com profundas repercussões nas ilhas foi o luso-tropicalismo, uma problemática que não vou aprofundar aqui4 4 Para o seu estudo, são obras indispensáveis: Freyre (1953), Lopes (1956) e Fer-reira (1985). , ainda que seja fulcral para uma melhor compreensão do que se segue.

Neste texto, o meu foco é o carnaval, um recorte que permite problematizar e desafiar algumas das interpretações que têm sido feitas acerca da relação entre os dois lados do Atlântico. E, mais do que um campo que evoca discursos, representações e materialidades relacionadas com o Brasil, o carnaval é também em São Vicente - tal como no Brasil - um símbolo identitário.

Na época de carnaval, a pequena ilha de São Vicente, com os seus pouco mais de 75.000 habitantes, concentra-se nas ruas da capital, a cidade do Mindelo, e vive os dias mais esperados do ano5 5 Para uma descrição e análise detalhada do carnaval de São Vicente, veja-se Daun e Lorena (2018). . Mas o carnaval não é só festa e folia. É a expressão de um sentimento de pertença coletivo e da identidade são-vicentina e mindelense. Vejamos em que moldes.

São Vicente é um Brasilim

Quando se fala da relação entre São Vicente e Brasil, é quase protocolar citar a letra da música Carnaval de São Vicente, que Cesária Évora (1999)ÉVORA, Cesária. Carnaval de São Vicente. Álbum: Café Atlântico. Paris: Lusafrica, 1999. internacionalizou cantando que São Vicente é um Brasilinho6 6 Correia e Silva (2004, p. 66) contrapõe: “Em bom rigor histórico, é o contrá-rio. É o Brasil que é um imenso, continental e rico Cabo Verde” e isto prendese com o facto de que “[...] antes de vir a ser um tipo, a sociedade escravocrata crioula foi um caso, o caso cabo-verdiano. O modelo societal viajou depois de cá para lá [...]”. Ainda a respeito do tropo, veja-se a reflexão de Furtado (2017), que o desconstrói, expondo as concepções tantas vezes enviesadas e essencializadas de parte a parte. :

São Vicente é um Brasilinho

Cheio de alegria, cheio de cor

Nestes três dias de loucura

Não há guerra, é carnaval

Nesta morabeza sem igual.

A identificação com o Brasil ficou bem patente nesta canção da autoria de Pedro Rodrigues. E se há ocasião que demonstra bem que São Vicente é um pequeno Brasil, é, sem dúvida, o carnaval. Esta música é uma referência incontornável, mas há mais escolhas possíveis.

O poema de Jorge Barbosa (1951BARBOSA, Jorge. Você, Brasil. Cabo Verde. Boletim de Propaganda e Informação, n. 21, p. 16-17, 1 jun. 1951., p. 16-17), Você, Brasil, é outro exemplo icónico, que revisitarei mais à frente no texto. Por agora, deixo apenas um pequeno excerto:

Eu gosto de Você, Brasil.

Você é parecido com a minha terra.

O que é é que lá tudo é à grande e tudo aqui é em ponto mais pequeno…

O que estas duas composições poéticas têm de interesse acrescido é que ambas referem o carnaval. Contudo, uma descreve o carnaval de Cabo Verde e a outra alude ao carnaval do Brasil. E existe uma outra diferença considerável. O poema de Barbosa foi escrito na década de 1950 e os versos de Rodrigues nos anos de 1990. Apesar do intervalo temporal, o imaginário permaneceu. E a uma dada altura foi quase obsessivo. Houve uma conjuntura propícia a isso, nomeadamente com os claridosos7 7 A Claridade foi uma revista que surgiu em São Vicente e da qual se publicaram somente nove números entre 1936 e 1966. Porém, teve um impacto tremendo fora dos limites da ilha e ao longo de gerações. Contou com vários colaboradores, mas o seu núcleo duro era constituído por Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes, que, influenciados por outros movimentos literários, nomeadamente a Presença de Portugal e o romance regionalista do Brasil, lançaram este, que viria a ser determinante na formação de uma nova conceção de cabo-verdianidade. Nas páginas da revista era possível encontrar tanto literatura (da poesia ao conto) como ensaio. Ambos os géneros eram animados pela denúncia dos problemas da terra e pela afirmação de uma identidade regional cabo-verdiana. , quando essa geração de intelectuais refletia sobre a situação social do arquipélago e as suas raízes identitárias à luz do ideário luso-tropicalista. Na sua opinião, Cabo Verde era um caso bem-sucedido, exemplar, do mundo luso-tropical. Mas é importante notar que Jorge Barbosa escreveu Você, Brasil (no qual, entre tantas outras coisas, refere o carnaval) num contexto ainda mais particular, pouco depois da visita de Gilberto Freyre a Cabo Verde8 8 Este poema foi dedicado ao escritor Ribeiro Couto, mas Barbosa redigiu um outro, Carta para o Brasil, esse sim dirigido a Gilberto Freyre. . O poeta dirigiu ainda o seu olhar para o carnaval em dois outros poemas, Carnaval do Rio de Janeiro e Terça-feira de Carnaval, aquele sobre o carnaval carioca, este sobre o carnaval mindelense.

O Mindelo foi uma cidade que cresceu à volta da sua baía e do seu porto. Desde o final do século XIX até meados dos anos 50 do século seguinte, viveu-se uma era de prosperidade que trouxe à cidade-porto viajantes dos quatro cantos do mundo e que fez com que aportassem em solo cabo-verdiano influências de várias paragens. O Porto Grande propiciou um contexto que inspirou os festejos de carnaval. Foi também pelo porto que chegaram ventos brasileiros trazendo, na bagagem literatura, música, ideais.

Logo na década de 1910, surge no carnaval do Mindelo o grupo Couraçado Minas Gerais. E, na seguinte, aparecem os grupos Floriano e Belo Horizonte.

O grupo Floriano teve como principal mentor B.Léza. B.Léza, ou melhor, Francisco Xavier da Cruz (1905-1958), nascido no Mindelo, é uma das figuras mais prestigiadas do panorama musical de Cabo Verde. Compositor e instrumentista, foi o autor das estrofes mais aclamadas da música caboverdiana. Introduziu na forma de tocar a morna o chamado “meio-tom brasileiro”, uma inovação ao nível dos acordes de passagem, que resultou da influência dos tocadores brasileiros, com quem se cruzava no Mindelo boémio que o Porto Grande gerava9 9 São ainda elucidativas as especulações que tentam explicar a razão do seu pseu-dónimo. Conta-se que um brasileiro, ao ouvi-lo tocar uma morna, encantado, exclamara: “Qui beléza!”. Embora contestada, esta versão é amplamente veiculada. Lenda ou não, esta história diz muito acerca das representações da relação com o Brasil. Uma outra justificação baseia-se no facto de B.Léza pronunciar muitos termos com sotaque brasileiro e este ser um deles (cf. depoimento de Baltasar Lopes a Laban, 1992, p. 17). . O Brasil inspirava B.Léza das mais variadas formas, sobretudo em termos musicais, mas não só, e essa consideração ficou bem expressa no seu grupo carnavalesco com o sugestivo nome de Floriano e cujo lema era “ordem e progresso” (Moacyr Rodrigues, 1998MOACYR RODRIGUES, Gabriel. Carnaval. Mindelo de Cabo Verde. Mindelo: Edições Calabedotche, 1998., p. 24).

A participação de B.Léza no carnaval mindelense não se resumiu ao seu grupo. Ele escreveu e compôs músicas para outros grupos carnavalescos. Ao lermos a marcha do grupo Estrela da Marinha, de sua autoria, não nos é possível captar a sua sonoridade, certamente reveladora, mas conseguimos sentir o ambiente vivido na cidade-porto através do samba ritmado pelos instrumentos apropriados:

Chegou o Carnaval

Tod’o mundo vai brincar

Samba iáiá, samba iôiô,

Quem fica em casa

É p’ra chorar.

Ai chegou, chegou.

As crioulas da Marinha

Já pegaram no pandeiro

P’ra brincar o Carnaval

Com pandeiro e com xodó (B.Leza apud Titina, 2013TITINA. Titina canta B.Leza. Haarlem: Astral Music, 2013. 1988.).

A admiração de B.Léza pelo Brasil é sobejamente conhecida e ficou eternizada na morna que compôs com o simples nome Brasil, também ela alusiva à visita a Cabo Verde de Gilberto Freyre na década de 1950.

A partir da década de 1930, os compositores cabo-verdianos começaram a criar os primeiros acordes de sambas ilhéus. Os grupos de carnaval no Mindelo adotavam nomes e ritmos brasileiros, mas também trajes e figurinos. Convém sublinhar que, nos anos de 1930, São Vicente conhecia o ímpeto do movimento claridoso, cujos alicerces eram a suposta irmandade entre os dois países, concomitantemente a identificação identitária com o Brasil ia crescendo e legitimando-se com o lacre da ideologia luso-tropicalista.

Em 1935 - o ano anterior àquele em que se deu à estampa o primeiro número da revista Claridade -, Delfim de Faria redige um curto artigo com o sugestivo título Caboverdeanidade no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, onde comenta a sua viagem a Cabo Verde. Na ilha de São Vicente esteve três dias e passou-os com o grupo da Claridade, que muito elogia e sobre o qual diz: “esses rapazes cultivam as coisas brasileiras”. A sua impressão era a de estar no Rio de Janeiro. O cronista, indagando sobre as razões das afinidades entre Cabo Verde e o Brasil, recebeu dos claridosos uma resposta lapidar: a formação étnica (o afro-negro e o europeu). Mas o grupo, consciencioso, esclareceu: “O problema que para nós se põe é um problema de elite. Esse sentimento agudo das afinidades brasileiras em Cabo Verde está em estado inorgânico na massa” (Faria, 1935FARIA, Delfim de. Caboverdeanidade. Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, n. 13, p. 113-115, 1935., p. 113, itálicos no original).

Entre outras, uma dessas afinidades vivenciadas pela “massa” era a música e a dança. António de Almeida (1938ALMEIDA, António de. Monografia-Catálogo da Exposição de Cabo Verde. Lisboa: Sociedade de Geografia de Lisboa, 1938., p. 55), professor da então Escola Superior Colonial, redigiu uma pequena monografia acerca do arquipélago, onde notou que “[...] o caboverdeano, a exemplo dos africanos, é entusiasta ferveroso da dança [...] estimando de preferência os sambas e os maxixes brasileiros”.

É então crucial considerar a influência da música brasileira, tanto na massa anónima como nos compositores cabo-verdianos dessa geração, que faziam parte dos grupos de carnaval e que se inspiravam nas marchas e sambas do carnaval brasileiro para comporem os do carnaval mindelense (cf. Varela, 2000VARELA, João Manuel. Le Brésil et les îles du Cap-Vert. Aspects d’influences culturelles. Diogène, n. 191, p. 118-142, 2000.). Como informa Moacyr Rodrigues (1998MOACYR RODRIGUES, Gabriel. Carnaval. Mindelo de Cabo Verde. Mindelo: Edições Calabedotche, 1998., p. 12): “A música que num ano fazia sucesso no Rio de Janeiro, no ano seguinte era utilizada no Mindelo. A figura do malandro brasileiro, chapéu de palhinha, sapato preto e branco, de lenço ao pescoço, é trazido pelos torna-viagens ou pelas revistas”.

Este tráfego de influências foi mais unilateral do que recíproco, mas existem algumas exceções a essa regra. É o caso de Cabo Roque, Eugénio Pedro Ramos (1903-2003), cabo-verdiano de São Nicolau, que emigrou e trabalhou como ajudante de cozinha da marinha brasileira. Em 1922, passou por São Vicente, tendo assistido ao carnaval da ilha. Em 1925, desembarca no Recife, passa por S. Salvador da Bahia, pelo Rio de Janeiro e por Santos, onde se instala e onde, em 1944, nasce a primeira escola de samba, a X-9. A partir do ano seguinte, Cabo Roque e sua esposa serão seus dinamizadores, tornando-se a dupla que marcou o carnaval santista (Nogueira, 2007NOGUEIRA, Gláucia. Notícias que fazem a História. A música de Cabo Verde pela imprensa ao longo do século XX. Praia: Edição do autor, 2007., p. 41-43). Nesse caso, o trânsito é no sentido Cabo Verde-Brasil.

No Mindelo desta época, são vários os grupos que participam nos festejos de carnaval, entre eles o Garibaldi e o Nacional10 10 Em 1939, o grupo saiu com um andor representando o hidroavião Lusitânia, que transportou Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao Brasil em 1922. . Nestes tempos, o carnaval era já uma festa que atraía boa parte da população da ilha. Disso são prova não apenas os vários grupos que existiam, mas também os relatos jornalísticos, ou mesmo literários, que retratam o carnaval da altura. No seu célebre romance Chiquinho, o claridoso Baltasar Lopes (2006)LOPES, Baltasar. Chiquinho. Lisboa: Nova Vega, 2006. (1947). descreve-o assim:

O carnaval vai desfilando pelas ruas. Grupos passam no ritmo apressado das marchas. Cow-boys. [...] O bloco Floriano tomou a cabeça da festa. Estão todos fardados de oficiais da marinha brasileira. [...] Aglomeração de gente para ouvir o grupo Belo Horizonte num samba (Lopes, 2006LOPES, Baltasar. Chiquinho. Lisboa: Nova Vega, 2006. (1947)., p. 131-132).

No baile dos derbianos a farra ferve. O carnaval desembocou ali. Mete furor o samba novo que veio nos discos. [...] Há fantasias de vários gostos, mas todos têm de ostentar a legenda do Derby. Levantou-se uma grande rivalidade com o Grupo Baiano (Lopes, 2006LOPES, Baltasar. Chiquinho. Lisboa: Nova Vega, 2006. (1947)., p. 133-134).

Esta descrição do frenesi vivido no carnaval mindelense dos anos de 1930 dá-nos conta dos sinais brasileiros deste festejo em terras crioulas. Podemos verificar o convívio próximo entre fardas da marinha brasileira, o samba e os grupos Floriano e Belo Horizonte. Podemos também comprovar o impacto das novidades que os discos acabados de chegar do Brasil traziam, e constatar que um Baiano pode nascer bem longe da Bahia…

Na transição para a década de 1940, dá-se um acontecimento importante. As viagens presidenciais do general Óscar Carmona constituem um marco histórico, sobretudo por terem sido as primeiras visitas de um chefe de Estado português às colónias. A segunda viagem, em 1939, cuja rota contemplava Cabo Verde, foi acompanhada de uma vasta comitiva. Desta fazia parte o brasileiro Arnon de Mello, como delegado da Associação Brasileira de Imprensa. Tal como fez noutras paragens, escreveu sobre o que observou em Cabo Verde. Sobre a ilha de São Vicente afirmou: “Venho encontrar aqui um ambiente nitidamente brasileiro” (Mello, 1941MELLO, Arnon de. África: Viagem ao Imperio Portuguez e à União SulAfricana. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1941., p. 67). Dilo apoiado na crença arreigada de que Cabo Verde tinha a mesma base de formação do Brasil (o português e o africano) e por isso apresentava as mesmas características de raça, cultura e civilização. As semelhanças que aponta, resume-as assim: “[...] a mesma gente, a mesma música, a mesma língua, o mesmo aspecto físico”. E remata: “Quanto à música, pode-se dizer que a de S. Vicente é o samba. Há aqui a “morna” [...] Mas o que seduz e toca de facto a sensibilidade dos caboverdeanos é o samba” (Mello, 1941MELLO, Arnon de. África: Viagem ao Imperio Portuguez e à União SulAfricana. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1941., p. 68)11 11 Vinte anos depois, em 1959, o claridoso Manuel Lopes faria observação semelhan-te: “As [sic] sambas do Brasil têm a preferência do público” (Lopes, 1959, p. 11). . O autor prossegue com as suas impressões e refere o carnaval através de testemunhos dos locais:

No Carnaval, organizamos nossas festas à feição das festas cariocas, dando aos grupos nomes de Copacabana, Bahiana, Floriano. Em qualquer competição de que participe o seu paiz, todo mundo já sabe qual é o nosso candidato. A cidade vibra, delira, é uma loucura. A cidade somente, não; toda a ilha, todo o archipelago (Mello, 1941MELLO, Arnon de. África: Viagem ao Imperio Portuguez e à União SulAfricana. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1941., p. 82-83).

Mello reitera a proximidade e o favoritismo dos cabo-verdianos em relação a coisas do Brasil e refere a literatura, de Jorge Amado a Gilberto Freyre. Reforça também o apontamento sobre a música: “Mas a morna não é o forte das festas daqui. Nas festas, se não há samba, há reclamações e não há animação - informam-me os músicos” (Mello, 1941MELLO, Arnon de. África: Viagem ao Imperio Portuguez e à União SulAfricana. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1941., p. 92).

O Brasil continuava muito perto. São dos anos de 1940 grupos como o Fluminense, o Bota Fogo e o Lloyd do Mindelo. Estamos em plena II Guerra Mundial, mas não é por isso que abrandam as festas carnavalescas na ilha. E, do outro lado do Atlântico, Orson Welles filmava o carnaval do Rio de Janeiro. Corria o ano de 1942 e é natural que, mais tarde ou mais cedo, as imagens e as notícias chegassem à ilha do Porto Grande.

No início da década de 1950, aquando da passagem de Gilberto Freyre por Cabo Verde em 1951, ocorre um episódio digno de registo, não apenas por se tratar de um ato propagandístico que envolveu o carnaval, mas pela figura a quem foi dirigido e pelos comentários que suscitou. Quando o mestre brasileiro estava em São Vicente, foi-lhe apresentado um carnaval fora de época, em pleno mês de Outubro. O espetáculo não agradou a todos:

Salientamos o desfile de grupos e clubes no Estádio da Fontinha. [...]

Tratando-se de organizações imitativas e não criativas, tratam-se porquanto de imperfeitas imitações de trupes carnavalescas brasileiras e que, naturalmente, para impressionarem o observador, teriam de possuir as características de cunho local do conjunto e o seu poder de adaptação. Foi exactamente nesses particulares que creio ter falhado esta importante exibição. [...]

Os hinos de cada grupo, feitos de pastiche de outras músicas, nos tempos de Carnaval achamo-los saborosos, mas no caso presente tratando-se de um homem blasé de toda a espécie de sensações, bastava dar uma ideia e não saturar [...]12 12 Lopes Filho (2007, p. 208-209), originalmente publicado em 1955 no jornal Notícias de Cabo Verde. .

O claridoso João Lopes, autor da crônica, refere, sem qualquer hesitação, a imitação do carnaval brasileiro, opinião curiosa, num momento em que se pretendia afirmar a irmandade e a semelhança entre Cabo Verde e o Brasil.

No cinema Éden Park passavam filmes inspiradores. E rodavam também nas suas bobines películas brasileiras. Não eram somente filmes brasileiros, alguns eram histórias à volta do carnaval: Aviso aos Navegantes (1950) e Orfeu Negro (1959), para citar dois clássicos. Sentados na plateia, os mindelenses escutavam músicas emblemáticas e assistiam, entre confetis e serpentinas, ao desfile dos blocos carnavalescos cariocas. Nada que não lhes fosse familiar. A relação com o Brasil era de longa data e parte tinha sido construída através de uma vivência direta, em solo cabo-verdiano, com os brasileiros que aportavam no cais. Vem de longe essa atmosfera vibrante e eclética. Ao descrever o ambiente cosmopolita do Mindelo de finais do século XIX, Correia e Silva (2005CORREIA E SILVA, António. Nos tempos do Porto Grande do Mindelo. Praia e Mindelo: Instituto Camões - Centro Cultural Português. 2005. (2000)., p. 128) diz também que “O seu carnaval abrasileira-se por influência dos marinheiros cariocas que o enriquecem com marchinhas, chorinhos e samba-enredos”.

Na verdade, não são apenas os brasileiros que trazem consigo as melodias, também se solicita diretamente de Cabo Verde a música do Brasil. Em Maio de 1960, o presidente da Câmara Municipal de São Vicente escreveu uma carta à loja lisboeta Custódio Cardoso Pereira, manifestando o interesse em adquirir, por seu intermédio, da Casa Bandeirante Editora em São Paulo, as seguintes músicas impressas: três marchas, três sambas, três mambos, três baiões e três choros13 13 Arquivo da Câmara Municipal de São Vicente. Carta de 23 de Maio de 1960. Desconheço a razão deste pedido ou o destino a dar a estas pautas, mas é razoável especular que tivessem algo a ver com os festejos carnavalescos. .

A comparação do carnaval cabo-verdiano com o carnaval brasileiro surge na imprensa desde cedo. Como vimos, já na década de 1950 se falava em imitação. Em 1965, podia ler-se no jornal O Arquipélago (1965O ARQUIPÉLAGO. Cabo Verde, n. 133, p. 2, 25 fev. 1965., p. 2): “Mindelo uma cidade que parece imitar em tudo o que lá fora se passa, e no caso especial do Carnaval, há uma tendência para o brasileiro”. Ideia semelhante surge noutro número do mesmo jornal que refere que “[...] começaram os bailes carnavalescos [...] Porém o entusiasmo vai diminuindo de ano para ano [...] com características semelhantes ao carnaval brasileiro” (O Arquipélago, 1966O ARQUIPÉLAGO. Cabo Verde, n. 182, p. 2, 3 fev. 1966., p. 2).

Em 1972, o jornal O Arquipélago publica algumas declarações do jornalista brasileiro Almyr Gajardoni, que são reveladoras desse imaginário de similitude entre os dois países, que Cabo Verde acalentava. O chamariz aparece logo na página de rosto do semanário, em que é citada a seguinte declaração do visitante brasileiro: “É um local onde, praticamente, eu me sinto no Brasil”. Por altura das comemorações dos 150 anos da Independência do Brasil, o jornalista fora destacado para fazer a cobertura da transladação dos restos mortais de D. Pedro IV de Portugal (D. Pedro I do Brasil). De regresso ao Brasil, teve de interromper a viagem, desembarcando na ilha de São Vicente. De passagem, é surpreendido pelas parecenças entre as duas terras:

O contacto com os moradores de S. Vicente mais realça este aspecto [...] da semelhança com o meu país. Com o Brasil. Principalmente no modo de falar, no linguajar. Às vezes parece que o morador de S. Vicente fala mais parecido com o brasileiro do que com o português da Metrópole. [...] a semelhança com a música popular brasileira se torna realmente espantosa. A ‘coladeira’ é tipicamente um samba do carnaval brasileiro. Se levarmos para uma emissora de rádio do Brasil [...] certamente o ouvinte brasileiro, principalmente da cidade do Rio de Janeiro que é a capital do nosso carnaval, vai tomá-la como música carnavalesca [...] E o outro tipo de música - a ‘morna’ - é em tudo semelhante ao nosso samba-canção (O Arquipélago, 1972, p. 4).

O interessante aqui é que, ao invés de identificar os sambas como a música de eleição do cabo-verdiano, o jornalista compara a coladeira ao samba carnavalesco carioca e a morna ao samba-canção. As semelhanças entre Brasil e Cabo Verde eram confirmadas pelos brasileiros, decerto sugestionados pelas opiniões que ouviam dos são-vicentinos.

Ainda nessa altura, sobre o carnaval mindelense dizia-se que “ausculta rumores carnavalescos do Brasil para os transportar até às nossas ruas” (O Arquipélago, 1971O ARQUIPÉLAGO. Cabo Verde, n. 444, p. 2, 11 fev. 1971., p. 2), embora já se tentasse contrariar essa direção. Em 1974, podia ler-se no mesmo jornal nacional que “Aqui em S. Vicente, numa tentativa de imitação do carnaval carioca, a festa já teve os seus tempos áureos” (O Arquipélago, 1974O ARQUIPÉLAGO. Cabo Verde, n. 604, p. 2, 7 mar. 1974., p. 2). Acerca do gosto pelas coisas do Brasil no mesmo período, Ti Goi (Gregório José Gonçalves, 1920-1991), músico muito popular no Mindelo, deixou-nos o seguinte depoimento no jornal Voz di Povo: “Em 1971 fui chamado ao administrador que me perguntou por que razão eu punha palavras brasileiras nas letras. Eu respondi que se não as pusesse ficava uma marchinha portuguesa e o Carnaval era brasileiro” (Voz di Povo, 1984VOZ DI POVO. Cabo Verde, n. 381, p. 6, 14 abr. 1984., p. 6).

Cabo-verdianidade e brasilidade: imitação e origens

No entanto, o contexto político e ideológico alterara-se. Após a Independência de Cabo Verde, em 1975, reinava no país o lema finca pé na tchón (fincar os pés no chão), que pressupunha não apenas uma reivindicação identitária nacionalista, mas um corte com referências externas.

Num artigo de 1989, escrevia-se que o cabo-verdiano tinha condições de criar, não sendo necessário que copiasse de outras culturas, e esse espírito criativo via-se no carnaval. Daí, lança-se o mote: “O que é isso senão a manifestação de uma identidade cultural? O que é o Carnaval senão uma fórmula para adicionar mais forças, mais elementos positivos à coesão social cabo-verdiana?”, rematando: “E assim, o Carnaval é o ponto forte da cultura cabo-verdiana. Mesmo que não se tenha originado neste ambiente, já tem impregnado o ritual das ilhas” (Voz di Povo, 1989VOZ DI POVO. Cabo Verde, n. 786, p. 2, 4 mar. 1989., p. 2). Há várias apreciações importantes a reter no pós-Independência, bem plasmadas nesta página de jornal: a) a cópia, que deve ser dispensada, porque havia b) criatividade suficiente, como o carnaval já demonstrava e que era, aliás, o reflexo de c) uma manifestação da identidade cultural cabo-verdiana, que encontrava justamente no carnaval o seu ponto forte. Conforme a reinterpretação da altura, ainda que se reconheça a sua origem no Brasil, tal não obstava a que o carnaval fosse uma expressão de cabo-verdianidade.

A propósito da música, e de se terem composto marchas de carnaval com letras em crioulo, em 1987 argumentava-se que:

[...] há que parar de uma vez por todas com esses exageros de dizer que o nosso carnaval é muito próximo desse ou daquele outro! Será que teremos alguma chance de imitar o carnaval carioca? Só se nos tornássemos todos ‘brasileiros’ de segunda! Não senhor, cada qual com o seu! Nós também temos o carnaval no sangue! [...] O que temos de fazer é, primeiro, não comparar e segundo, desenvolver o nosso próprio carnaval.

Nós temos capacidade criadora e tenacidade suficiente para fazer um carnaval cada vez mais cabo-verdiano. [...] E a batucada, será que ela tem de ser sambada? Até parece que, para brincar carnaval, toda a gente desse mundo fora, tem de ir ao Rio tirar um curso de Samba! [...] Pois, para que o nosso carnaval avance haverá que estabelecer bons prémios especiais para as melhores composições em crioulo e para os grupos com maior riqueza de motivos alegóricos nacionais. [...] e já está: caminho aberto para um carnaval caboverdiano apreciado por todo o turista (Voz di Povo, 1987, p. 6-7).

Ao contrário de épocas anteriores, o Brasil deixa de ser o modelo a seguir e já não é bem visto que o carnaval local seja comparado ao brasileiro. Impunha-se uma afirmação de uma especificidade própria que galvanizasse a identidade nacional e que destacasse a cultura cabo-verdiana. Os tempos eram outros, com outras ideologias. Havia que lançar um carnaval caboverdiano. E isso passava por letras em crioulo e alegorias com motivos nacionais, o que, por sua vez, iria atrair turistas - que procuram, como se sabe, a ‘autenticidade’ cultural do destino que visitam14 14 Sobre o carnaval de São Vicente enquanto produto turístico, veja-se Daun e Lorena (2019). .

Contudo, esta intenção de estabelecer um carnaval local, com uma identidade própria, nem sempre foi de pendor estritamente nacionalista. A identidade cabo-verdiana que se pretendia proclamar esbarrava em dois empecilhos. Um, era a negação de toda e qualquer herança externa - à exceção da africana -, que obrigava a uma contraposição face a outras nações ou aos seus recursos e que, no caso do carnaval, era feita relativamente à capacidade criativa e à influência brasileira. O outro, era a primazia que uma ilha, São Vicente, tinha sobre as demais e que dependia e era legitimada precisamente pela afinidade que a relacionava a outras latitudes. As estreitas relações e parecenças que São Vicente tivera ou desejara com o Brasil eram a âncora que permitia reivindicar essa primazia carnavalesca sobre as restantes ilhas. Paradoxalmente, esta era agora uma herança incómoda, que prejudicava a reivindicação plena de um carnaval genuíno cabo-verdiano.

O debate sobre o “verdadeiro” carnaval cabo-verdiano ser o de São Vicente alimenta, ainda hoje, muitas discussões. Num tom cómico, a questão foi comentada em 1989 nos seguintes termos:

Pra mim, falar de carnaval, só em brasileiro [...]. Portanto, vamos afinar o sotaque (treino de novela valendo pr’a todo o mundo) e ler o ABC desse carnaval 89. [...] Mulata brasileira. Será? [...] Puxa vida, a gente precisa começar a acreditar um pouco mais em nós, não acham? [...] O carnaval mindelense, apesar de bem mindelense, seria por todos sentido como O carnaval do país, tal como o carnaval do Rio é O carnaval do Brasil [...] (Notícias, 1989, p. 21).

Este excerto, com mais de trinta anos, podia ter sido escrito nos dias de hoje. O Mindelo continua a ter o maior carnaval do país e continua a reivindicar-se para ele o estatuto de carnaval nacional, mesmo que este seja um carnaval “bem mindelense”. Portanto, o facto de o carnaval ser brasileiro não inibe que haja outro, com as suas características próprias (confirmando a autenticidade e criatividade), nem invalida que o de São Vicente se afirme como um símbolo nacional (respondendo ao repto nacionalista e de celebração da identidade cultural cabo-verdiana). É com estas questões em efervescência que se entra na década de 1990. Mas nada disto impediu o surgimento de outro grupo com um nome de cunho brasileiro: Vindos do Brasil.

As temáticas relacionadas com a história da ilha e com traços culturais cabo-verdianos começam a marcar presença no carnaval a partir da Independência. Mas é já no século XXI que esta tendência ganha outra projeção. Em 2003, o Mindelo foi Capital Lusófona da Cultura. A presidente de um grupo carnavalesco, ao apresentar o enredo para esse ano, escreveu o seguinte:

Procuramos chegar mais próximo da nossa realidade e libertá-la da imitação e importação do carnaval brasileiro. Venham apoiar a nossa originalidade, criatividade e simplicidade, apreciando os carros alegóricos [...] Com trajes simples, confeccionados com materiais genuínos da nossa terra, como peles de animais, cordas, sacos, chifres, folhas de árvores, flores de cana, conchas do mar, conseguimos trazer para a rua um carnaval que julgamos estar ao alcance de todos nós [...]15 15 Arquivo do Instituto Camões-Centro Cultural Português. .

A importação do carnaval brasileiro não se fica pela sua inspiração. Ainda hoje, os grupos oficiais apresentam figurinos elaboradíssimos, só possíveis de confecionar com matérias-primas importadas. Continuando com a mesma presidente, ela disse-me: “Plumas têm que vir sempre é do Brasil [...] essas plumas que os chineses andam a trazer não são plumas brasileiras, são umas plumas muito pequeninas. Pluma tem que vir é do Brasil” (São Costa, 2015)16 16 Todas as entrevistas foram realizadas em crioulo cabo-verdiano. Este e os excer-tos seguintes foram traduzidos para português pela autora. .

Depois da Independência, Cabo Verde afasta-se do país colonizador e, neste processo de “regresso às origens” (leia-se africanas), acaba, acidentalmente, por distanciar-se também do Brasil. Na empreitada de construção da nação e de afirmação cultural, as referências alteram-se. Cabo Verde tem de ser, mais do que nunca, cabo-verdiano. Apesar da demarcação discursiva em relação ao Brasil, noutra fase política e ideológica, de liberalismo económico, na década de 1990, o carnaval voltou a assumir, embora de outro modo, um perfil “brasileiro”. Não se tratou de uma viragem do paradigma nacionalista, pois continuava a vigorar a promoção da identidade cultural caboverdiana, mas sim de uma reconfiguração do carnaval, ao nível estético, que decorria, entre outros fatores, da abertura aos mercados internacionais.

Atualmente e desde essa altura, o cortejo carnavalesco dos grupos oficiais tem incontestavelmente uma inspiração e uma estética brasileira, do vestuário aos adereços, da música à dança. Todos os grupos têm Porta-bandeira, Mestre-sala, Rainha, Rei, Rainha de Bateria, batucada (a bateria no Brasil) e várias alas. O desfile percorre um traçado no centro urbano que tem o seu auge na artéria principal da cidade, a Rua de Lisboa, que é chamada localmente de sambódromo do Mindelo. O samba, tocado e dançado, as indumentárias, a organização formal do desfile, tudo faz lembrar o carnaval carioca. E há outros símbolos que remetem para um outro Brasil. É o caso das alas de baianas dos grupos Samba Tropical e Monte Sossego, marca diferenciadora de ambos. O nome do primeiro, Escola de Samba Tropical, é inspirado nas escolas de samba brasileiras. Todos estes elementos dão ao atual carnaval sãovicentino uma aparência brasileira. E digo aparência, porque a sua essência continua a ser declarada por todos como mindelense. Por este e outros motivos (entre os quais a alteração dos contornos desta relação consoante os períodos históricos e os contextos ideológicos), a feição brasileira do carnaval mindelense deve ser interpretada com cautela. A emulação do carnaval carioca no Mindelo deve ser analisada ao detalhe quando nos dispomos a perscrutar as relações de Cabo Verde com o Brasil, não fazendo automaticamente deste sinal uma prova inequívoca de uma suposta relação de afinidade, troca e, sobretudo, identificação ou identidade comum.

Ao falar com gente mais velha, que viveu o carnaval das décadas de 1940 e 1950, as opiniões sobre a influência do Brasil no carnaval mindelense de antigamente são unânimes. Ninguém hesita em assumir essa inspiração. Esse juízo pode, ou não, estender-se para a avaliação que fazem do carnaval atual, tendo por referência precisamente aquela vivência passada. Uma declaração como “O nosso carnaval é uma imitação do Brasil, é sim, é, desde longa data, desde Carmen Miranda…” (Sr. Djita, 2014) é um desses casos em que a referência a um marcador brasileiro do passado leva a uma apreciação idêntica do presente. Nem sempre se observa este prolongamento da avaliação, que junta os sambas e o turbante de frutas da Carmen Miranda de antigamente com o figurino de plumas e corpos despidos de hoje em dia. Há quem concorde com uma certa continuidade, mas distinga muito bem a brasilidade de outrora da brasilidade de agora. Uma pessoa com menos 25 anos que a anterior, partilhou comigo a seguinte leitura:

Carnaval de S. Vicente sempre foi inspirado no Brasil.

[...] Letras de músicas primeiro que tudo, aquelas marchinhas brasileiras que tinha [...] aqueles sambas… trajes eram menos ricos do que agora, trajes naquela época não tinham aquelas pedrarias, aquelas penas… os nossos trajes eram mais simples, eram bonitos, mas eram mais simples.

[...] ele está muito colado com o Brasil, está muito. Aquele de diasá [antigamente] era carnaval original mindelense, mas agora ele está mais abrasileirado, ele está bonito, sem dúvida, muito bonito, mas ele está mais abrasileirado (Bia, 2015).

Ora, aquilo que era brasileiro antigamente (as músicas) não corresponde ao que é brasileiro atualmente (as roupas). Mais, antes era “carnaval original mindelense” e hoje é que está “abrasileirado”.

Imitação e inspiração não significam o mesmo, como veremos adiante, mas são termos frequentemente utilizados como sinónimos. A ideia de imitação deve ser analisada atentamente. A pessoa que citei no excerto anterior é hoje uma mera espectadora do carnaval, mas ainda assim aponta a “colagem” do carnaval cabo-verdiano ao brasileiro. Este tópico assume especial centralidade, e pode ser delicado, quando os meus interlocutores são os artistas envolvidos na concepção e construção do carnaval. Um deles relatou:

Ainda estamos longe de chegar naquele carnaval do Brasil. [...] Por acaso é uma coisa que há muito tempo tenho tentado explicar a este povo é que temos estado a imitar muito o carnaval do Brasil em termos de vestimenta. Dois anos atrás [...] coincidiram duas vestimentas iguais em dois grupos. É porque copias uma vestimenta do Brasil da internet, outra pessoa copia igual… Quando eu faço um desenho de carnaval faço-o só da minha imaginação, posso pesquisar alguma coisa do Brasil, mas… (Bitu, 2015).

Outros carnavalescos confirmaram a prática habitual da consulta na internet de figurinos do carnaval carioca e eu própria vi nalguns estaleiros essas imagens. Um outro, envolvido nos trabalhos de confecção do carnaval, pormenorizou:

[...] nós não temos nada a ver com o carnaval do Brasil, nós temos o nosso carnaval, agora, tem um ponto aqui que é importante focar: nestes últimos anos, depois do aparecimento da internet [...] há muitos artistas a imitarem do Brasil, temos visto muito.

Tal como no relato anterior, este artesão refere-se às roupas. E acrescentou:

Em termos de andor é muito difícil, mesmo o potencial que o Brasil tem [...] Mas já na roupa é mais fácil. Por exemplo, se eles saem com uma roupa vermelha, tu podes imitar quase a cem por cento e São Vicente tem artistas para isso. Por acaso, em termos de artistas, aqui há uma mão fina (Di, 2015).

Nos testemunhos de ambos está patente uma ambivalência que importa desvelar: se, por um lado, a imitação do Brasil surge como algo criticável, que tolhe a criação artística, por outro lado, o nível de qualidade brasileiro é um padrão de referência desejado (“estamos longe de chegar” pressupõe essa aspiração) ou até reivindicado (“São Vicente tem artistas para isso”, com “mão fina”). E, assim, o Brasil serve, enquanto fasquia elevada, para falar de Cabo Verde.

As opiniões parecem paradoxais, mas não são. Trata-se da gestão de um equilíbrio subtil entre imitação e inspiração. Para os artistas, a cópia é depreciada, já a criação é valorizada. A inspiração num modelo pode improvisar novos modelos. A invocação do Brasil é, antes de mais, utilitária, instrumental, na medida em que serve para afirmar uma forma de ser caboverdiana. A imitação faria prevalecer a brasilidade do carnaval mindelense, ao passo que a inspiração (e com ela, a criação) resgata-o desse ónus e converte-o num símbolo cultural da cabo-verdianidade.

Outra questão importante prende-se com a origem do carnaval em Cabo Verde. Apesar de o carnaval ser hoje encarado como uma “tradição” de São Vicente, existe a ideia generalizada de que a sua origem, em termos mundiais, está no Brasil.

Generalizada, mas não unânime. Algumas pessoas garantiram-me que o carnaval foi de Cabo Verde para o Brasil. Quando tentava saber mais sobre esta curiosa afirmação foi-me dito que estava escrito, estava “provado”. Tentei averiguar esta informação e encontrar a sua fonte. A ‘prova’ é a obra 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro, da autoria de Haroldo Costa (2001)COSTA, Haroldo. 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001.. Neste livro, o autor refere Cabo Verde numa breve passagem: “O entrudo, que aqui chegou trazido pelos portugueses e, segundo consta em 1723, por imigrantes das ilhas da Madeira, Açores e Cabo Verde, tinha sido proibido por diversas portarias, alvarás e avisos oficiais” (Costa, 2001COSTA, Haroldo. 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001., p. 12). Esta curta alusão ao arquipélago bastou para legitimar a ideia de que o carnaval foi de Cabo Verde para o Brasil. Afinal, foram os cabo-verdianos que levaram o carnaval aos brasileiros! Tanto melhor.

Reflexões finais: o Brasil como espelho

O Brasil é um sistema referencial que encerra uma multiplicidade de sentidos. Quando os meus interlocutores falam do Brasil podem estar a referir-se a coisas tão distintas como a música, as plumas e vestimentas, as técnicas e materiais, mas estão também a convocar uma dimensão cultural bem mais ampla, cujo valor simbólico está profundamente enraizado na sociedade cabo-verdiana.

Convém notar que a presença do Brasil se faz sentir para lá desse universo simbólico partilhado. O cabo-verdiano comum pouco sabe do Brasil, do seu real tamanho físico, da sua localização geográfica, da sua composição social, da sua diversidade cultural. Tem, todavia, um contacto intenso, mas nem por isso mais informado, com alguns fragmentos desse outro mundo: através da música que passa na rádio, do carnaval que se espreita na internet, dos grupos de capoeira que se têm multiplicado nas ilhas e das incessantes emissões de telenovelas brasileiras nos canais televisivos. Além de uma ideia muito genérica e difusa que lhe é transmitida por todas estas vias, de pouco mais se lembrará acerca do Brasil. Estou convencida de que uma das primeiras coisas que lhe ocorreria seria a ideia-chave com que iniciei este texto: Cabo Verde e Brasil são sociedades crioulas e têm os escravos como antepassados comuns. Como escreveu o claridoso Jorge Barbosa em Você, Brasil:

Eu gosto de Você, Brasil, porque Você é parecido com a minha terra.

[...]

É o seu povo que se parece com o meu, que todos eles vieram de escravos com o cruzamento depois de lusitanos e estrangeiros.

Mas estas origens recuadas foram apenas o ponto de partida. A partir daqui, a relação entre Cabo Verde e o Brasil foi encontrando todos os pretextos para se estreitar. Para depois se apartar e voltar a aproximar. E houve quem conseguisse dar à evidência histórica mais credibilidade, construindo uma espécie de mitologia social à volta das afinidades entre os dois países. Isso foi particularmente evidente no movimento claridoso. Continuemos com Jorge Barbosa (2002)BARBOSA, Jorge. Obra Poética. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 2002.:

O gosto dos seus sambas, Brasil, das suas batucadas, dos seus cateretês, das suas toadas de negros, caiu também no gosto da gente de cá, que os canta e dança e sente, com o mesmo entusiasmo.

Sentir com o mesmo entusiasmo não é um dado histórico comprovado. Contudo, é uma percepção partilhada. E as representações sociais são tão determinantes como os circunstancialismos históricos. Evidentemente, esta e outras produções discursivas devem ser interpretadas nos contextos históricos que as geraram, mas isso não implica que sejam somente produtos dessas circunstâncias, visto que perduram nos entendimentos culturais atuais. São tanto o reflexo de representações partilhadas como produtoras, ou reprodutoras, de representações. Quando se canta ou escuta a morna Brasil, de B.Léza, está-se também a interiorizar o que é dito e simultaneamente a propagar a ideia “Brasil... bô ê noss irmão” (‘tu és nosso irmão’). O mesmo acontece com São Vicente é um Brasilim para definir o carnaval mindelense.

O Brasil serve para falar de Cabo Verde, evocando semelhanças de vária ordem. Não é a brasilidade que se joga neste tabuleiro, mas sim a caboverdianidade. O Brasil é, assim, um veículo da crioulidade, isto é, da identidade cabo-verdiana.

Em suma, o Brasil foi e continua a ser um modelo de referência, mas o entendimento deste modelo e os usos que se fazem dele têm variado consoante os contextos sociais, históricos e políticos. Não se trata simplesmente de um modelo carnavalesco, é um modelo identitário, um espelho onde São Vicente se mira e se envaidece. A demanda identitária cabo-verdiana passou sempre pelo referente Brasil, seja por tentativas de aproximação, seja de afastamento. Ora, esses posicionamentos inserem-se no domínio de ambivalências identitárias que já discuti noutras ocasiões (Daun e Lorena, 2015DAUN E LORENA, Carmo. Ambivalências identitárias em Cabo Verde: da história à etnografia. Análise Social, n. 217, p. 784-808, 2015.; 2018DAUN E LORENA, Carmo. Classe, memória e identidade em Cabo Verde: uma etnografia do carnaval de São Vicente. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.).

Se, na década de 1930, o Brasil já servia para falar do país e, de certa forma, para o situar no mundo e construir a sua identidade, hoje isso não basta, ainda que seja um marcador identitário recorrentemente recuperado. Uma leitura excessivamente linear e cristalizada das influências brasileiras na sociedade cabo-verdiana não diz muito sobre a forma como hoje em dia a categoria Brasil é percepcionada e reinterpretada, ou sobre tudo o resto com que ela concorre. A forma como o Brasil está atualmente presente na sociedade cabo-verdiana, e em particular são-vicentina, e o modo como esse referente identitário é interpretado e usado, são diferentes dos de outrora. Se é certo que a literatura, a poesia e as canções produziram e reproduziram ideias e ideais, e se é certo que existem reminiscências dessa ideologia ainda hoje, devemos igualmente considerar que existiram e existem outras narrativas e posicionamentos que, a par dos anteriores, geraram novos nexos de significação e identificação.

O Brasil tem servido de arena de negociação identitária e, como tal, encará-lo como um referente estático, ou transpor, nos mesmos moldes, as configurações do passado para o presente, pouco nos diz sobre o que tem sido negociado e disputado. Em meu entender, só através de uma abordagem mais dialógica, co-agenciada, e por isso verdadeiramente dinâmica do processo histórico, será possível evitar uma reificação desta relação entre Cabo Verde e Brasil, uma relação incontestada, porque sempre tomada no singular e nunca no plural.

As representações que os cabo-verdianos têm do Brasil, ou da relação entre os dois países, não são estáticas, nem monolíticas. Têm vindo a sofrer transformações, a ganhar novos sentidos e valores simbólicos distintos. Como vimos, dependendo do contexto, assim muda a conotação. As representações do Brasil e da “brasilidade” de Cabo Verde devem ser enquadradas numa matriz analítica que leve em consideração quando e como surgiram, em que conjuntura político-ideológica, bem como indicadores como as classes sociais, a idade, as profissões, que agem igualmente sobre essas representações.

Retomando o material etnográfico, é possível verificar que o repertório brasileiro é manejado diferentemente consoante as idades, as vivências, as ocupações, e todo um complexo de entendimentos que foram forjados na história e na experiência social de cada um. As pessoas mais velhas relembram o Brasil através do contacto que tiveram com um país que chegava à ilha pelo porto e pelo cinema, com as suas músicas e indumentárias:

[…] apanhávamos aquelas músicas do Brasil [...] cantavam só aquelas coisas. [...] ‘Chapéu de Palha’, tinha outra ‘Tico-Tico no Fubá’, tinha muitas [...] e nos bailes também cantávamos todas aquelas músicas (Sr. Djita, 2014).

[...] a malta vestia-se de marinha de Brasil, aquela esquadra brasileira passava aqui, davam um show no coreto [...] surge uma ideia para fazer aquela vestimenta, aquele mesmo estilo (Sr. Nhela de Tuna, 2015).

Os mais jovens relacionam-se com o Brasil através da televisão, da internet, das redes transnacionais comerciais e migratórias que fazem chegar plumas ao arquipélago17 17 Uma exceção importante são os jovens que nas últimas décadas têm ido estu-dar em universidades brasileiras, ao abrigo de acordos de cooperação entre os dois Estados. As suas experiências do Brasil são mais profundas e também variadas, consoante as cidades do país onde estudaram, e geralmente divergentes dos estereótipos comuns. .

As representações dos cabo-verdianos sobre o Brasil e sobre a ligação de irmandade e parecença entre os dois países têm subjacentes memórias históricas e relações efetivas que se estabeleceram no passado, mas estão também ancoradas em estereótipos que, pela simplificação da realidade, encaixam-se facilmente em narrativas de semelhança e transformam essa relação em algo inquestionável. Essa idealização - acerca do Brasil e da ligação com ele - assenta em seleções estilizadas que dizem mais sobre Cabo Verde do que sobre o Brasil. As representações deste ‘outro’ brasileiro são, na verdade, auto-referenciais.

Ontem, como hoje, o Brasil serve para pensar e falar de Cabo Verde. É um espelho identitário em que muitos cabo-verdianos se olham, especialmente em São Vicente. As imagens que o espelho devolve têm nuances variadas, mas o carnaval faz sempre parte delas. Brasil e carnaval são comumente imaginados como uma coisa só, e é esta metonímia que se tem também em mente quando se fala da brasilidade de Cabo Verde.

Não é insignificante que num evento vocacionado para o carnaval nacional18 18 O Fórum Cultural Nacional Carnavaleando. tenha participado, em 2015, um carnavalesco brasileiro (do estado do Pará). A par da sua experiência, o facto de ser brasileiro terá certamente contribuído para o reconhecimento, por parte da organização e do público, de que essa presença seria uma mais-valia. Isso ficou também patente noutras iniciativas. Logo após o carnaval de 2017, os grupos oficiais iniciaram reuniões com vista à criação de uma Liga, à semelhança do que existe no Brasil. A base de partida foram justamente os estatutos da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA).

Nesse mesmo ano, o Carnaval de Verão19 19 O Carnaval de Verão realiza-se desde 2014, em Agosto, e é uma pequena amos-tra, em número de foliões, carros alegóricos e fulgor carnavalesco, do carnaval do início do ano. contou com a presença de uma vasta comitiva brasileira, composta por cerca de quarenta pessoas, que foi convidada para ministrar oficinas a tocadores, rainhas de bateria e carnavalescos. O grupo, liderado pelo cantor brasileiro Dudu Nobre, integrava elementos de várias escolas de samba cariocas. Durante as menos de duas semanas que Dudu e a sua comitiva permaneceram em São Vicente, falouse bastante na comunicação social das “nações irmãs”, de os mindelenses serem “iguais aos brasileiros”, de “faturar milhões”, e apelou-se mesmo a “que venham todos os turistas da Europa gastar seus euros aqui em Mindelo!”20 20 Emissão de 9 de Agosto de 2017 do Jornal da Noite da TCV. . As tónicas foram o desenvolvimento turístico e a irmandade de brasileiros e cabo-verdianos. Referiram-se também a outros aspetos importantes, como os laços de sangue que ligavam o brasileiro Dudu ao arquipélago (uma bisavó cabo-verdiana). Os brasileiros elogiavam a competência e vocação dos cabo-verdianos nas várias expressões carnavalescas (música, dança, alegria) e repetiam que não tinham vindo para impor o carnaval brasileiro, mas para potenciar o cabo-verdiano.

Em Setembro de 2017, foi então constituída a Liga Independente dos Grupos Oficiais do Carnaval de São Vicente (LIGOC). Em Novembro, quinze elementos, entre representantes da Liga e da autarquia são-vicentina, deslocaram-se ao Brasil para ver de perto os preparativos do carnaval do Rio de Janeiro, estabelecer contactos e dar continuidade ao intercâmbio.

É comum a abordagem da relação Cabo Verde-Brasil fazer-se à volta da ideia de fluxo que, à partida, remete para um movimento de pessoas, mercadorias, ideias, valores e expressões culturais. Essas abordagens reforçam a convicção de que houve trocas culturais (o que implicaria a existência de movimento nos dois sentidos, mesmo quando isso não aconteceu e o que houve foram importações ou emulações), mas não elucidam sobre a sua plasticidade e modelação, resultando insuficientes. A ideia de fluxo, tão proeminente na literatura antropológica sobre as relações interculturais, parece apontar para uma leitura dinâmica. Contudo, estes fluxos acabam por ser demonstrados apenas unilateralmente. Em concreto para o caso de Cabo Verde e da sua ligação ao Brasil, não obstante falar-se em fluxos, regra geral, apresenta-se Cabo Verde como um repositório de influências brasileiras que, na melhor das hipóteses, o povo das ilhas conseguiu crioulizar. Em contraponto a esta perspetiva, sustento que o Brasil tem sido apropriado em São Vicente como um poderoso marcador de identidade - por vezes nacional, mas frequentemente regional - que deve ser analisado contextualmente e na sua dinâmica histórica, que deve ser visto nos seus vários enredos ao longo de um grande desfile.

Disponibilidade dos dados da pesquisa:

o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Notas

  • 1
    Este texto baseia-se no capítulo VI da minha tese de doutorado em Antropolo-gia (Daun e Lorena 2018DAUN E LORENA, Carmo. Classe, memória e identidade em Cabo Verde: uma etnografia do carnaval de São Vicente. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.) defendida no ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (Portugal) e cuja pesquisa foi apoiada pela FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia (SFRH/BD/77522/2011). A tradução deste artigo foi também financiada pela FCT no âmbito do plano estratégico do CRIA - Centro em Rede de Investigação em Antropologia (UID/04038/2020).
  • 2
    O trabalho de campo etnográfico decorreu entre 2012 e 2015 em várias estadias pro-longadas e é apresentado em detalhe na tese de doutorado (cf. Daun e Lorena, 2018DAUN E LORENA, Carmo. Classe, memória e identidade em Cabo Verde: uma etnografia do carnaval de São Vicente. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.).
  • 3
    Varela (2000)VARELA, João Manuel. Le Brésil et les îles du Cap-Vert. Aspects d’influences culturelles. Diogène, n. 191, p. 118-142, 2000. apresenta uma boa resenha das influências culturais do Brasil sobre Cabo Verde, nomeadamente as literárias e musicais. Ver ainda Vasconcelos (2007b)VASCONCELOS, João. Espíritos Atlânticos: um espiritismo Luso-Brasileiro em Cabo Verde. 2007b. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2007b., Dias (2011)DIAS, Juliana Braz. Cape Verde and Brazil. Musical Connections. Vibrant - Virtual Brazilian Anthropology, v. 8, n. 1, p. 95-116, 2011., Pereira (2011)PEREIRA, Daniel A. Das relações históricas Cabo Verde/Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011..
  • 4
    Para o seu estudo, são obras indispensáveis: Freyre (1953)FREYRE, Gilberto. Aventura e Rotina. Sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de carácter e acção. Lisboa: Livros do Brasil. s.d. (1953)., Lopes (1956)LOPES, Baltasar. Cabo Verde visto por Gilberto Freyre. Praia: Imprensa Nacional, 1956. e Fer-reira (1985).
  • 5
    Para uma descrição e análise detalhada do carnaval de São Vicente, veja-se Daun e Lorena (2018)DAUN E LORENA, Carmo. Classe, memória e identidade em Cabo Verde: uma etnografia do carnaval de São Vicente. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018..
  • 6
    Correia e Silva (2004CORREIA E SILVA, António. Combates pela História. Praia: Spleen Edições, 2004., p. 66) contrapõe: “Em bom rigor histórico, é o contrá-rio. É o Brasil que é um imenso, continental e rico Cabo Verde” e isto prendese com o facto de que “[...] antes de vir a ser um tipo, a sociedade escravocrata crioula foi um caso, o caso cabo-verdiano. O modelo societal viajou depois de cá para lá [...]”. Ainda a respeito do tropo, veja-se a reflexão de Furtado (2017)FURTADO, Cláudio Alves. A desconstrução de Cabo Verde como um brasilim: um cabo-verdiano em terras brasileiras. Revista de Antropologia, v. 60, n. 3, p. 45-64, 2017., que o desconstrói, expondo as concepções tantas vezes enviesadas e essencializadas de parte a parte.
  • 7
    A Claridade foi uma revista que surgiu em São Vicente e da qual se publicaram somente nove números entre 1936 e 1966. Porém, teve um impacto tremendo fora dos limites da ilha e ao longo de gerações. Contou com vários colaboradores, mas o seu núcleo duro era constituído por Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes, que, influenciados por outros movimentos literários, nomeadamente a Presença de Portugal e o romance regionalista do Brasil, lançaram este, que viria a ser determinante na formação de uma nova conceção de cabo-verdianidade. Nas páginas da revista era possível encontrar tanto literatura (da poesia ao conto) como ensaio. Ambos os géneros eram animados pela denúncia dos problemas da terra e pela afirmação de uma identidade regional cabo-verdiana.
  • 8
    Este poema foi dedicado ao escritor Ribeiro Couto, mas Barbosa redigiu um outro, Carta para o Brasil, esse sim dirigido a Gilberto Freyre.
  • 9
    São ainda elucidativas as especulações que tentam explicar a razão do seu pseu-dónimo. Conta-se que um brasileiro, ao ouvi-lo tocar uma morna, encantado, exclamara: “Qui beléza!”. Embora contestada, esta versão é amplamente veiculada. Lenda ou não, esta história diz muito acerca das representações da relação com o Brasil. Uma outra justificação baseia-se no facto de B.Léza pronunciar muitos termos com sotaque brasileiro e este ser um deles (cf. depoimento de Baltasar Lopes a Laban, 1992LABAN, Michel. Cabo Verde - Encontro com escritores. Porto: Fundação Eng. António de Almeida, 1992., p. 17).
  • 10
    Em 1939, o grupo saiu com um andor representando o hidroavião Lusitânia, que transportou Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao Brasil em 1922.
  • 11
    Vinte anos depois, em 1959, o claridoso Manuel Lopes faria observação semelhan-te: “As [sic] sambas do Brasil têm a preferência do público” (Lopes, 1959LOPES, Manuel. Reflexões sobre a literatura cabo-verdiana ou a literatura nos meios pequenos. In: CENTRO DE ESTUDOS POLÍTICOS E SOCIAIS DA JUNTA DE INVESTIGAÇÕES DO ULTRAMAR. Colóquios Cabo-Verdianos. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar. 1959. P. 1-22., p. 11).
  • 12
    Lopes Filho (2007LOPES FILHO, João (Ed.). In Memoriam João Lopes. Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2007., p. 208-209), originalmente publicado em 1955 no jornal Notícias de Cabo Verde.
  • 13
    Arquivo da Câmara Municipal de São Vicente. Carta de 23 de Maio de 1960. Desconheço a razão deste pedido ou o destino a dar a estas pautas, mas é razoável especular que tivessem algo a ver com os festejos carnavalescos.
  • 14
    Sobre o carnaval de São Vicente enquanto produto turístico, veja-se Daun e Lorena (2019)DAUN E LORENA, Carmo. Carnaval de São Vicente: um produto turístico entre o cultural e o económico. Pasos. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, v. 17, n. 3, p. 583-594, 2019..
  • 15
    Arquivo do Instituto Camões-Centro Cultural Português.
  • 16
    Todas as entrevistas foram realizadas em crioulo cabo-verdiano. Este e os excer-tos seguintes foram traduzidos para português pela autora.
  • 17
    Uma exceção importante são os jovens que nas últimas décadas têm ido estu-dar em universidades brasileiras, ao abrigo de acordos de cooperação entre os dois Estados. As suas experiências do Brasil são mais profundas e também variadas, consoante as cidades do país onde estudaram, e geralmente divergentes dos estereótipos comuns.
  • 18
    O Fórum Cultural Nacional Carnavaleando.
  • 19
    O Carnaval de Verão realiza-se desde 2014, em Agosto, e é uma pequena amos-tra, em número de foliões, carros alegóricos e fulgor carnavalesco, do carnaval do início do ano.
  • 20
    Emissão de 9 de Agosto de 2017 do Jornal da Noite da TCV.

Referências

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  • ALMEIDA, Germano. Cabo Verde Viagem pela história das ilhas. Lisboa: Caminho, 2003.
  • BARBOSA, Jorge. Você, Brasil. Cabo Verde. Boletim de Propaganda e Informação, n. 21, p. 16-17, 1 jun. 1951.
  • BARBOSA, Jorge. Obra Poética Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 2002.
  • CORREIA E SILVA, António. Combates pela História Praia: Spleen Edições, 2004.
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  • DAUN E LORENA, Carmo. Ambivalências identitárias em Cabo Verde: da história à etnografia. Análise Social, n. 217, p. 784-808, 2015.
  • DAUN E LORENA, Carmo. Classe, memória e identidade em Cabo Verde: uma etnografia do carnaval de São Vicente. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.
  • DAUN E LORENA, Carmo. Carnaval de São Vicente: um produto turístico entre o cultural e o económico. Pasos. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, v. 17, n. 3, p. 583-594, 2019.
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Editor responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2023
  • Aceito
    20 Maio 2023
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