Resumo:
Este artigo tem por objetivo apresentar o relato de uma experiência pedagógica de desenvolvimento dos três elementos da prática baseada em evidências (PBE). O trabalho foi realizado com estudantes dos cursos de Medicina e Enfermagem de duas universidades, uma pública e uma comunitária, do Sul do Brasil. Os resultados demonstraram que essa ação apresentou elevado potencial para motivar uma postura mais ativa dos estudantes diante da aquisição de conhecimentos, além da aproximação com o contexto dos serviços de saúde.
Palavras-chave:
educação superior; evidência científica; saúde e educação
Abstract:
This article reports on a pedagogical experience to develop the three elements of the Evidence-based Practice (prática baseada em evidências or PBE, in Portuguese). The initiative involved students in Medical and Nursing training from two universities, a state funded and a community one, in Southern Brazil. Results show that this action demonstrates high potential to elicit a more pro-active attitude from students in the process of knowledge acquisition, in addition to the approach with the context of the health services.
Keywords:
Health and education; higher education; scientific evidenc
Resumen:
Este artículo presenta el relato de una experiencia pedagógica de desarrollo de los tres elementos de la Práctica Basada en Evidencias (PBE). El trabajo se realizó con estudiantes de Medicina y Enfermería de dos universidades, una pública y una comunitaria, del Sur de Brasil. Los resultados mostraron que esta acción presentó un alto potencial para motivar una actitud más activa de los estudiantes ante la adquisición de conocimientos, además del acercamiento con el contexto de los servicios de salud.
Palabras clave:
educación superior; evidencia científica; salud y educación
Introdução
A prática baseada em evidências (PBE) é uma abordagem em Saúde que associa a melhor evidência científica (estudos clinicamente relevantes, realizados a partir de pesquisas para acurácia e exatidão de exames diagnósticos, indicadores prognósticos, terapêuticos, reabilitatórios e preventivos) com a experiência clínica (capacidade de identificar o diagnóstico, os riscos e os ganhos das intervenções, por meio da experiência do profissional) e com a escolha do paciente (considerando seus receios e valores acerca de sua condição de saúde) para uma tomada de decisão clínica efetiva (Sackett et al., 2003SACKETT, D. et al. Medicina baseada em evidências: prática e ensino. Tradução de Ivan Carlquist. 2. ed. Porto Alegre: Artmed , 2003.).
O movimento da PBE iniciou-se no Canadá, em um grupo de estudos da Universidade McMaster, na década de 80, com a finalidade de promover a melhoria da assistência à saúde e do ensino (Drummond; Silva, 2004DRUMMOND, J. P.; SILVA, E. Medicina baseada em evidências: novo paradigma assistencial e pedagógico. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2004.). Atualmente, estudos demonstram que a incorporação da PBE leva a uma maior qualidade dos cuidados, melhora os resultados clínicos e diminui os custos de saúde, colaborando com os serviços para alcançar a eficácia e a segurança nas práticas em Saúde (Barría-Pailaquilen, 2014BARRÍA-PAILAQUILEN, R. M. Implementing Evidence-Based Practice: a challenge for the nursing practice. Investigación y Educación en Enfermería, Medellín, v. 32, n. 2, p. 191-193, May/Aug. 2014. ; Saunders, Vehvilainen-Julkunen, 2017SAUNDERS, H.; VEHVILAINEN-JULKUNEN, K. Nurses’ Evidence-Based Practice beliefs and the role of Evidence-Based Practice mentors at university hospitals in Finland. Worldviews on Evidence-Based Nursing, [s. l.], v. 14, n. 1, p. 35-45, 2017. ).
O Instituto Americano de Medicina afirma que a capacidade de empregar a PBE é uma das cinco principais competências que todos os profissionais médicos devem ter (Practice Update, 2010, apudScano, 2014SCANO, A. Strategies for teaching evidence-based practice in baccalaureate nursing education: a constructivist model. 2014. Available in: <Available in: https://www.thefreelibrary.com/Strategies for teaching evidence-based practice in baccalaureate-a0367545789
>. Access in: 4 June 2018.
https://www.thefreelibrary.com/Strategie...
). Igualmente, a Associação Americana de Faculdades de Enfermagem identifica a prática baseada em evidências como um dos nove princípios básicos do bacharelado em Educação para a prática profissional de Enfermagem (The American Association of Colleges of Nursing, 2008, apudScano, 2014SCANO, A. Strategies for teaching evidence-based practice in baccalaureate nursing education: a constructivist model. 2014. Available in: <Available in: https://www.thefreelibrary.com/Strategies for teaching evidence-based practice in baccalaureate-a0367545789
>. Access in: 4 June 2018.
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). Nessa perspectiva, é primordial que os estudantes, enquanto futuros profissionais de Saúde, exercitem a PBE durante sua formação acadêmica.
Nesse sentido, este trabalho tem por objetivo apresentar uma experiência pedagógica de PBE, desenvolvida como uma prática de ensino com estudantes de Medicina e Enfermagem de duas universidades, uma pública e outra comunitária, ambas localizadas no Sul do Brasil.
Aspectos metodológicos: contextualização da prática pedagógica
Este trabalho trata de um relato de experiência, que abrangeu estudantes do segundo semestre de Medicina, matriculados no módulo Manejo de Informações para Construção do Conhecimento II, e estudantes do sexto semestre de Enfermagem, matriculados no núcleo disciplinar do conteúdo de Pesquisa em Saúde.
Essa atividade consistiu em três grandes momentos: o primeiro, em sala de aula, em que se desenvolveu um trabalho em grupos; o segundo, em campo (realizando entrevistas); e o terceiro tratou de um seminário para divulgação dos resultados.
Inicialmente, organizou-se a turma em grupos com quatro ou cinco estudantes. Na sequência, esses estudantes formularam uma pergunta clínica baseada na estratégia Pico (paciente, intervenção, comparação e outcomes, que seriam os resultados). Esses quatro componentes de uma pergunta clínica são fundamentais na elaboração da questão de pesquisa voltada à PBE. Entende-se que, quando há uma pergunta de investigação bem construída, viabiliza-se a definição correta de quais evidências são necessárias para a resolução de determinada questão, maximizando a recuperação de evidências nas bases de dados e evitando a realização de buscas desnecessárias (Santos; Pimenta; Nobre, 2007SANTOS, C. M. C.; PIMENTA, C. A. M.; NOBRE, M. R. C. The PICO strategy for the research question construction and evidence search. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 15, n. 3, p. 508-511, maio/jun. 2007.). Ressalta-se que, para definir elementos-chave de uma questão de revisão de estudos de métodos qualitativos e/ou mistos, uma ferramenta de estratégia para delinear a pergunta de pesquisa é a Spider (sample, phenomenon of interest, design, evaluation, research type), que traz em sua pergunta de investigação questionamentos sobre amostra, fenômeno de interesse, desenho, avaliação e tipo de pesquisa (Cooke; Smith; Booth, 2012COOKE, A.; SMITH, D.; BOOTH, A. Beyond PICO: the SPIDER tool for qualitative evidence synthesis. Qualitative Health Research, Thousand Oaks, v. 22, n. 10, p. 1435-1443, Oct. 2012.).
A estratégia de fazer com que os estudantes elaborem uma pergunta clínica, com base em suas vivências e interesses, tem como foco a prática pedagógica de um aprendizado significativo. O aprendizado significativo implica abordar conteúdos de uma forma não arbitrária, mas sim instigando o aprendiz a desenvolver, em suas estruturas cognitivas, ideias relevantes ancoradas em seu conhecimento prévio, necessárias para fazer relações e conexões com o abstrato e o concreto (Moreira, 2012MOREIRA, M. A. Al final, ¿qué es aprendizaje significativo? Qurriculum: Revista de Teoría, Investigación y Práctica Educativa, San Cristóbal de La Laguna, n. 25, p. 29-56, 2012. ). Para tanto, os estudantes precisam de pensamento crítico para compreender a relevância da evidência em sua prática; consequentemente, o ensino precisa facilitar o desenvolvimento da maturidade cognitiva, sendo que uma das estratégias para aumentar o interesse dos estudantes é conectar a tarefa de aprendizagem a situações clínicas reais (Aglen, 2016AGLEN, B. Pedagogical strategies to teach bachelor students Evidence-Based Practice: a systematic review. Nurse Education Today, [s. l.], v. 36, p. 255-263, Jan. 2016.).
Com base na pergunta de uma experiência/vivência clínica, os estudantes selecionaram as palavras-chave. Ao final dessa atividade, os grupos apresentavam suas perguntas e palavras-chaves ao professor e aos demais colegas, que no grande grupo debatiam e nos pequenos grupos reestruturavam (quando necessário) esse tópico. Destaca-se que a dinâmica de organizar grupos teve por intenção desenvolver habilidades do trabalho em equipe, aspecto fundamental para o exercício profissional na área da Saúde e presente nas diretrizes curriculares dos cursos de Medicina e Enfermagem (Brasil. CNE. CES, 2001BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 3, de 7 de novembro de 2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 nov. 2001. Seção 1, p. 37., 2014BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 23 jun. 2014. Seção 1, p. 8-11. ).
Assim, para influenciar e instrumentalizar os novos profissionais de Saúde para o trabalho em equipe, faz-se necessário promover transformações na formação, com a construção de novas tecnologias para a articulação entre teoria e prática, buscando a integração ensino-serviço-comunidade (Silva, 2011SILVA, R. H. A. Educação interprofissional na graduação em saúde: aspectos avaliativos da implantação na Faculdade de Medicina de Marília (Famema). Educar em Revista, Curitiba, n. 39, p. 159-175, jan./abr. 2011.). Outrossim, as atividades colaborativas em pequenos grupos têm grande potencial para facilitar a aprendizagem significativa, pois oportunizam a troca, a negociação e o (re)significado de ideias, considerando o professor na posição de mediador (Moreira, 2012MOREIRA, M. A. Al final, ¿qué es aprendizaje significativo? Qurriculum: Revista de Teoría, Investigación y Práctica Educativa, San Cristóbal de La Laguna, n. 25, p. 29-56, 2012. ).
Os grupos de estudantes passaram a buscar a melhor e mais relevante evidência científica para responder à questão clínica formulada. Para tanto, procuraram publicações sobre a temática em bancos de periódicos, como: PubMed, Scopus, Google Scholar, entre outros. O PubMed é um serviço da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos da América que possui um índice com citações de revistas biomédicas mundiais, em um banco de dados de estudos indexados conhecido como Medline. A Scopus é a maior base de dados interdisciplinares, revisada por pares, e oferece ferramentas capazes de rastrear, analisar e visualizar a pesquisa, permitindo uma visão abrangente da produção mundial nas áreas de Ciência, Tecnologia, Medicina, Ciências Sociais, Artes e Humanidades. Já o Google Scholar é um serviço de pesquisa do Google que oferece ferramentas específicas para literatura acadêmica.
Destaca-se que os resultados de pesquisas científicas constituem um dos pilares imperativos da PBE, o que envolve a definição de alguns problemas: a busca e a avaliação crítica de evidências científicas disponíveis, a implementação de evidências na prática e a avaliação dos resultados obtidos (Thompson; Learmonth, 2002THOMPSON, C.; LEARMONTH, M. How can we develop an evidence-based culture? In: CRAIG, J.; SMYTH, R. L. The evidence-based practice manual for nurses. 3rd. ed. London: Churchill Livingstone , 2002. p. 211-239). Desse modo, faz-se necessário que o profissional de Saúde seja hábil e criterioso na forma de decidir suas fontes de informações (Pereira, 2016PEREIRA, R. P. G. Enfermagem Baseada na Evidência: atitudes, barreiras e práticas. 2016. 239 p. Tese (Doutorado em Ciências da Enfermagem) - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2016.). Por isso, a qualidade da evidência é um aspecto crucial na PBE. Esse profissional deve ser capaz de fazer julgamentos, identificando as melhores e mais adequadas práticas, bem como reconhecer a força e a fraqueza da informação para poder generalizar a evidência, avaliá-la e utilizá-la criticamente (Bennett; Bennett, 2000BENNETT, S.; BENNETT, J. The process of evidence-based practice in occupational therapy: informing clinical decisions. Australian Occupational Therapy Journal, Hoboken, v. 47, n. 4, p. 171-180, 2000.).
Avaliar criticamente os estudos significa discernir sobre a validade dos resultados das pesquisas e entender o quanto os possíveis erros na condução dos estudos afetam seus resultados. As conclusões são mais robustas quando diferentes investigações examinam os efeitos de uma intervenção e fornecem dados que suportam as mesmas conclusões. Assim, revisões sistemáticas e metanálises são os métodos mais adequados para resumir e sintetizar evidências sobre a eficácia e os efeitos de intervenções (El Dib, 2014EL DIB, R. (Org.). Guia prático de Medicina Baseada em Evidências. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.). Para tanto, espera-se (e sugere-se) uma formação profissional voltada a habilitar a busca, a seleção e a aplicação de melhores evidências. Desse modo, apoiar uma prática baseada em evidências implica fortalecer as habilidades para pesquisa já no âmbito da graduação. Todavia, um ensino estruturado - de metodologias tradicionais - representa um grande desafio para uma prática mais autônoma do estudante ao buscar evidências científicas.
De posse das publicações, os estudantes em seus grupos realizaram uma avaliação crítica dos estudos encontrados, analisando a força da informação (tipo de estudo, amostra, técnica de coleta de dados, validade temporal), a relevância e sua aplicabilidade para poder generalizar a evidência.
Entende-se que a PBE não se restringe apenas a ensaios randomizados e metanálises; uma vez que, para se compreender a precisão de um teste de diagnóstico, são necessários estudos transversais de pacientes com suspeita clínica da doença. Para questões sobre tratamento, a opção é pelo ensaio clínico controlado randomizado; para prognóstico, os estudos de coorte são os mais adequados; e para prevenção, a recomendação é por ensaios clínicos controlados randomizados. Além disso, algumas vezes, a evidência resultará das ciências básicas, como a Genética ou Imunologia (Duncan; Schmidt; Falavigna, 2013DUNCAN, B. B.; SCHMIDT, M. I.; FALAVIGNA, M. Prática da Medicina Ambulatorial Baseada em Evidências. In: DUNCAN, B. B. et al. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. p. 44-66.).
Considerando que a PBE compreende três componentes indissociáveis (experiência clínica, preferência do paciente e evidência da pesquisa), os grupos de estudantes tiveram como atividade extraclasse entrevistar um profissional de Saúde, especialista na área clínica, questionando-o sobre sua experiência e conduta na gestão da situação em estudo. Além disso, os estudantes também entrevistaram um paciente que vivenciava, ou vivenciou, a condição clínica para saber sua opinião a respeito do tratamento e das condutas do profissional de Saúde.
Para desenvolver habilidades necessárias para a realização de entrevistas, é preciso instrumentalizar os estudantes para essa atividade. Nesse caso, abordamos os pressupostos da autora Haguette (2013HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.), entendendo que a entrevista busca, sem a interferência do entrevistador, conhecer a impressão que o informante tem de seu mundo. Por isso, faz-se uma leitura do real, evitando captá-la como num espelho; levando sempre em conta que as informações estão impregnadas de reações como o estado emocional, os valores e as crenças (Haguette, 2013). HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.Desse modo, com base em Minayo (2012MINAYO, M. C. S. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 32. ed. Petrópolis: Vozes , 2012.), alguns aspectos sobre a entrevista foram considerados nessa coleta de informações.
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Apresentação do entrevistador: nome, curso, período acadêmico e universidade.
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Menção da finalidade da entrevista: um trabalho acadêmico, com o objetivo único de prática de ensino.
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Justificativa da escolha do entrevistado: expor que o entrevistado faz parte de um dos elementos da PBE, apresentando os motivos pelos quais o selecionamos para a entrevista.
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Garantia de anonimato e sigilo: assegurar que o entrevistado não será identificado e que o seu depoimento será apresentado somente no âmbito da sala de aula, no espaço universitário.
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Conversa inicial ou aquecimento: antes de iniciar as perguntas referentes à investigação, deve-se “quebrar o gelo”, quer dizer, conduzir uma conversa informal, permitindo também que o entrevistado faça questionamentos sobre o entrevistador, como o curso e a universidade. Enfim, o que lhes é curioso ou de interesse.
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Uso de uma linguagem acessível: evitar termos técnicos com o público leigo na área da Saúde. A linguagem do senso comum no ato da entrevista “é a condição sine qua non” para o seu êxito.
A atividade das entrevistas com os profissionais de Saúde e pacientes possibilitou aos estudantes o exercício da comunicação, ampliando sua habilidade social, implicando crescimento acadêmico e pessoal. Segundo Basso et al. (2013BASSO, C. et al. Organização de tempo e métodos de estudo: oficinas com estudantes universitários. Revista Brasileira de Orientação Profissional, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 277-288, dez. 2013. ), a adaptação e o sucesso na universidade estão relacionados aos aspectos curriculares e à forma como o estudante desenvolve e significa as relações interpessoais construídas no contexto acadêmico. Estudantes universitários que apresentam um bom conjunto de habilidades sociais demonstram interesse no ambiente social, buscam contato interpessoal e conseguem expressar sentimentos positivos, apresentando desenvoltura social e mais facilidade nas relações interpessoais (Couto et al., 2012COUTO, G. et al. Interações e habilidades sociais entre universitários: um estudo correlacional. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 29, p. 667-677, out./dez. 2012. Supl. 1.).
Cabe destacar que, nas decisões na área da Saúde, utiliza-se muito mais do que o conhecimento científico. Há um conjunto de fatores que influenciam a tomada de decisão, como a experiência, as habilidades e os valores adquiridos, que são utilizados na prática pelos profissionais de Saúde. Esse conhecimento é implícito e geralmente aprendido por meio da observação e da prática (Straus et al., 2010STRAUS, S. et al. Evidence Based Medicine: how to practice and teach it. 4th. ed. London: Churchill Livingstone, 2010.). Na abordagem da PBE, o juízo do profissional deve se manter, porém, com informações claras sobre aquilo que já foi testado corretamente à luz da ciência. Dessa forma, o profissional pode obter experiência sobre o que funciona e evitar o risco de manter práticas desatualizadas, com inerentes prejuízos para as pessoas e comprometendo os resultados do seu trabalho (Atallah; Castro, 1998ATALLAH, Á. N.; CASTRO, A. A. Medicina Baseada em Evidências: o elo entre a boa ciência e a boa prática. Revista da Imagem, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 5-9, jan./mar. 1998.). Nessa perspectiva, o movimento da PBE não desconsidera a experiência adquirida pelo profissional durante a sua carreira; ao contrário, entende que a boa utilização da evidência científica somente fará sentido se passar pelo filtro da experiência adquirida ao longo dos anos no tratamento de situações semelhantes (Bosi, 2012BOSI, P. L. Saúde baseada em evidências. [2012]. Disponível em: <Disponível em: https://docplayer.com.br/5874120-Saude-baseada-em-evidencias-paula-lima-bosi.html
>. Acesso em: 5 dez. 2019.
https://docplayer.com.br/5874120-Saude-b...
).
Da mesma forma, dar importância para as preferências do paciente é valorizar o conhecimento, as dúvidas, as concepções e os valores que ele traz para a interação profissional-paciente. De fato, um diálogo recíproco valoriza as experiências e as vivências do usuário e atenta para suas necessidades, bem como para diferentes aspectos que compõem o seu cotidiano, constituindo-se em resultados mais efetivos (Minayo, 2014MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.). Ouvir o outro, com uma escuta qualificada, é um instrumento básico de cuidado e significa estimular a participação do indivíduo nas decisões sobre o seu tratamento, ou seja, é uma maneira de respeitá-lo na sua integralidade (Silva, 2013SILVA, M. J. P. Comunicação e o resgate do ser: o papel da comunicação na humanização da atenção à saúde. In: CONGRESSO DE HUMANIZAÇÃO, 4., 2013, Curitiba. Anais... Curitiba: PUC-PR, 2013.).
Retomando a prática pedagógica, no dia proposto para o seminário, os grupos apresentaram as respostas de suas questões de acordo com o tripé dos elementos da PBE: evidência científica, experiência profissional e preferência do paciente. Ao final, os estudantes pontuaram, com base no que vivenciaram durante o processo de construção do trabalho, a conduta que eles - enquanto futuros profissionais da Saúde - aplicariam no caso clínico em questão.
Na Figura 1, é demonstrado o percurso metodológico da prática pedagógica de ensino e aprendizagem da PBE nos cursos de Enfermagem e Medicina.
Apresentação das atividades pedagógicas de prática baseada em evidências desenvolvidas por estudantes de Enfermagem e Medicina
Resultados e discussão
Como resultados pedagógicos dessa prática de ensino, ressalta-se o protagonismo dos estudantes em buscar a melhor evidência científica para a questão clínica, demonstrando que adquiriram as habilidades necessárias para revisão bibliográfica, desenvolvimento de entrevistas, bem como para postura crítico-reflexiva sobre as tomadas de decisões em Saúde. Acredita-se que tudo isso foi possível porque adotou-se uma metodologia ativa na construção desses conhecimentos e habilidades.
As metodologias ativas têm o potencial de despertar a curiosidade, à medida que os estudantes se inserem na teoria e trazem novas informações, ainda não consideradas nas aulas ou no próprio ponto de vista do professor. O fazer acadêmico, assim como toda prática social, organiza-se em etapas e procedimentos, possibilitando que a formação de um estudante passe também pela assimilação das rotinas textuais que organizam e medeiam esse fazer (Araújo; Pimenta; Costa, 2015ARAÚJO, J.; PIMENTA, A. A.; COSTA, S. A proposta de um quadro norteador de pesquisa como exercício de construção do objeto de estudo. Interações, Campo Grande, v. 16, n. 1, p. 175-188, jan./jun. 2015.).
Aprender por meio da problematização e/ou da resolução de problemas é uma das possibilidades de envolvimento ativo dos alunos, em seu próprio processo de formação, na busca do conhecimento, colocando os estudantes diante de problemas e/ou desafios que mobilizam o seu potencial intelectual, enquanto estudam para solucioná-los (Berbel, 2011BERBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 32, n. 1, p. 25-40, jan./jun. 2011. ). Com o envolvimento do estudante no seu processo de aprendizagem é possível que ocorra, gradualmente, o desenvolvimento do espírito científico, do pensamento crítico e reflexivo, favorecendo o trabalho em equipe e contribuindo para o desenvolvimento da autonomia na formação do ser humano e do futuro profissional (Mitre et al., 2008MITRE, S. M. et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, p. 2133-2144, dez. 2008. Supl. 2.). Essa ferramenta está em consonância com o que está proposto nas diretrizes curriculares nacionais do curso de Medicina, as quais preveem a promoção do pensamento científico e crítico e o apoio à produção de novos conhecimentos (Brasil. CNE.CES, 2014BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Câmara de Educação Superior (CES). Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 23 jun. 2014. Seção 1, p. 8-11. ).
O protagonismo do estudante na abordagem baseada em problemas é evidente. Nessa abordagem, o estudante é quem dirige o processo, busca, seleciona e organiza as informações para conseguir a resolução da situação proposta. O professor torna-se um mediador da aprendizagem, estimulando o pensamento crítico e o autoaprendizado dos discentes, questionando acerca de possíveis erros de análises, dando feedbacks e promovendo a cooperação entre os discentes que trabalham em grupos (Gonzalez-Hernando et al., 2015GONZALEZ-HERNANDO, C. et al. Evaluación por los estudiantes al tutor de enfermería en el contexto del aprendizaje basado en problemas. Enfermería Universitaria, Ciudad de México, v. 12, n. 3, p. 110-115, jul./sept. 2015.). Todavia, não é uma estratégia que pode ser utilizada de forma isolada; além disso, fundamenta-se em princípios nos quais se baseia o processo de ensino-aprendizagem, com implicações e determinações sobre todas as dimensões organizacionais do processo educacional (Borochovicius; Tortella, 2014BOROCHOVICIUS, E.; TORTELLA, J. C. B. Aprendizagem Baseada em Problemas: um método de ensino-aprendizagem e suas práticas educativas. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 83, p. 263-294, abr./jun. 2014. ).
Nesse ponto de vista, é importante conhecermos como as práticas de ensino mobilizam recursos cognitivos na tomada de decisão durante a construção do saber, de forma que habilidades como o estabelecimento de conexões entre conceitos e conhecimentos tecnológicos e o desenvolvimento do espírito de cooperação, de solidariedade e de responsabilidade, sejam alcançadas na formação profissional (Kawamura; Hosoume, 2003KAWAMURA, M. R. D.; HOSOUME, Y. A contribuição da Física para um Novo Ensino Médio. Física na Escola, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 22-27, 2003.). Assim, a PBE ao longo da formação pode fornecer uma estrutura para um currículo de bacharelado em Saúde, uma vez que os estudantes constroem conhecimento e significado para si mesmos à medida que pesquisam e aprendem (Rolloff, 2010ROLLOFF, M. A constructivist model for teaching evidence-based practice. Nursing Education Perspectives, Philadelphia, v. 31, n. 5, p. 290-293, Sep./Oct. 2010.). Portanto, essa estratégia pedagógica da PBE, em que há transferência de conhecimento relacionada a problemas clínicos, pode ser uma situação de aprendizagem priorizada no ensino em Saúde (Aglen, 2016AGLEN, B. Pedagogical strategies to teach bachelor students Evidence-Based Practice: a systematic review. Nurse Education Today, [s. l.], v. 36, p. 255-263, Jan. 2016.).
Além disso, a prática pedagógica do desenvolvimento da PBE possibilitou aproximação com o contexto real dos serviços de saúde. Outrossim, proporcionou a colaboração interprofissional, isso quer dizer, diálogos e parceria entre os profissionais de Saúde para uma PBE eficiente e focalizada (Constand et al., 2014CONSTAND, M. K. et al. Scoping review of patient-centered care approaches in healthcare. BMC Health Services Research, London, v. 14, n. 271, p. 1-9, 2014. ). Nessa perspectiva, a inserção responsável e comprometida de estudantes e docentes nos cenários reais, além da integração entre teoria e prática e ensino e serviços, possibilita que os estudantes articulem seus conhecimentos para trazer soluções aos problemas de saúde com outros profissionais, constituindo assim uma educação interprofissional (Silva, 2011SILVA, R. H. A. Educação interprofissional na graduação em saúde: aspectos avaliativos da implantação na Faculdade de Medicina de Marília (Famema). Educar em Revista, Curitiba, n. 39, p. 159-175, jan./abr. 2011.). Entende-se que a inserção dos estudantes na realidade leva a novas formas de pensar e de agir no contexto da atenção à saúde, além do benefício de um contato precoce dos estudantes com as práticas assistenciais, ao mesmo tempo em que refutam o pensamento de que a imaturidade os impede de usufruir da participação/discussão de casos clínicos (Neumann, Miranda, 2012NEUMANN, C. R.; MIRANDA, C. Z. Ensino de atenção primária à saúde na graduação: fatores que influenciam a satisfação do aluno. Revista Brasileira de Educação Médica , Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, p. 42-49, jan./mar. 2012. Supl. 2; Marin et al., 2013MARIN, M. J. S. et al. Aspectos da integração ensino-serviço na formação de enfermeiros e médicos. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 37, n. 4, p. 501-508, out./dez. 2013.).
Considerações finais
A prática pedagógica de desenvolvimento dos três elementos da prática baseada em evidências apresenta um elevado potencial para motivar uma postura mais ativa dos estudantes diante da aquisição de conhecimentos. Ademais, os estudantes tornaram-se conscientes da importância de conhecer as preferências dos pacientes, bem como de valorizar as experiências clínicas construídas durante o cotidiano dos serviços de saúde para a tomada de decisões. Dessa forma, acreditamos que a estratégia do desenvolvimento dos três pilares da PBE possa ser aplicada em todas as disciplinas de gestão clínica na área da Saúde.
Referências
- AGLEN, B. Pedagogical strategies to teach bachelor students Evidence-Based Practice: a systematic review. Nurse Education Today, [s. l.], v. 36, p. 255-263, Jan. 2016.
- ARAÚJO, J.; PIMENTA, A. A.; COSTA, S. A proposta de um quadro norteador de pesquisa como exercício de construção do objeto de estudo. Interações, Campo Grande, v. 16, n. 1, p. 175-188, jan./jun. 2015.
- ATALLAH, Á. N.; CASTRO, A. A. Medicina Baseada em Evidências: o elo entre a boa ciência e a boa prática. Revista da Imagem, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 5-9, jan./mar. 1998.
- BARRÍA-PAILAQUILEN, R. M. Implementing Evidence-Based Practice: a challenge for the nursing practice. Investigación y Educación en Enfermería, Medellín, v. 32, n. 2, p. 191-193, May/Aug. 2014.
- BASSO, C. et al. Organização de tempo e métodos de estudo: oficinas com estudantes universitários. Revista Brasileira de Orientação Profissional, São Paulo, v. 14, n. 2, p. 277-288, dez. 2013.
- BENNETT, S.; BENNETT, J. The process of evidence-based practice in occupational therapy: informing clinical decisions. Australian Occupational Therapy Journal, Hoboken, v. 47, n. 4, p. 171-180, 2000.
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Parte do texto encontra-se publicada, em formato de resumo simples, nos anais do 5º Congresso Nacional de Práticas Pedagógicas no Ensino Superior, realizado em Braga, Portugal, em 2018.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
24 Jun 2020 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2020
Histórico
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Recebido
22 Abr 2019 -
Aceito
16 Set 2019