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Thais (Manaus) |
[Já me senti discriminada em serviço de saúde] várias vezes. É constante, eu estou acostumada. A gente vai viver por muito tempo assim e não tem como mudar. (...) Sempre tem uma pessoa que te olha, vira o olho, te olha de um jeito estranho. Tu estás tão legal, estás num dia tão lindo, a pessoa te olha assim e acaba o teu dia só pelo fato de você ser quem você é. E dói. |
2 |
Rafaela (Porto Alegre) |
Eu tive uma consulta com um dermato e daí também me senti um pouco estranha. Ele era meio seco, tipo “mostra isso aqui, mostra ali”. E daí eu me senti um pouco constrangida com o meu corpo. |
3 |
Isabella (Porto Alegre) |
Tem muita gente que olha diferente para trans, sempre. Vamos supor, você está no posto de saúde, passam 10 pessoas na sua frente, você vai ficando por último. Eu já escutei isso, o que não pode acontecer, tem que ser igualdade para todos. |
4 |
Guiomar (São Paulo) |
Para a gente, travesti, é muito complicado porque você não sabe como vai ser naquele posto que te atende. Tem um segurança (...), você não vai saber como ele vai te receber porque você é travesti, se vai soltar uma piadinha no meio, se vai ser educado. Você não vai saber como você vai passar pela moça que vai te atender. Então você vai com a fé e com a coragem. Você já está doente, mas tem sempre um engraçadinho. (...) Eles já sabem que vão atender uma trans, já vem alguma coisa dizendo meu nome, meu nome de batismo e mostra o nome social embaixo. [O médico] falou alto [meu nome de registro] e tinha umas pessoas lá, eu ouvi algumas risadinhas. (...) Eu quero voltar, mas quem disse que eu quero voltar a passar com ele? Não quero. E olha que eu estou adiando [a volta] já tem 1 ano. |
5 |
Eva (São Paulo) |
Eu já passei por uma situação de olharem e me chamarem pelo nome do meu pai. E mesmo com o meu nome sendo identificado. (...) Eu esperei ela chamar outros nomes, aí eu me levantei, pedi na maior educação, eu pedi licença e falei assim: “olha, o nome que você está repetindo há algum tempo é o nome do meu pai. O meu nome é Eva. Você já virou o meu RG duas vezes e você já observou que eu sou uma travesti. Eu vou voltar, eu vou sentar e você vai pronunciar o meu nome”. |
6 |
Carolina (Porto Alegre) |
Ela teve uma certa restrição dentro do hospital, onde, na época, a Lucy teve que buscar o Ministério Público, aquela coisa toda, onde deixaram ela numa área masculina mesmo ela sendo (...) redesignada, entendeu? |
7 |
Janaína (São Paulo) |
Tem uns CTA por aí, que eu conheço, que as meninas vão lá, e o médico, por exemplo, (...) não especifica como que vai funcionar a PrEP. Se ela sentir algum enjoo, quando der muito enjoo por conta que tomou hormônio, se pode tomar Plasil, se pode tomar algum remédio (...). E a gente sabe que o grau de escolaridade da população de travestis e transexuais não é alto. (...) Eu entendo, eu pergunto, mas tem meninas que têm até vergonha de perguntar. (...) Tem muitas meninas que eu conheço, principalmente na Zona Norte, que são de menor e que morrem em decorrência do HIV, da aids, na verdade. Então, eu acho que poderia melhorar essa questão também de fazer alguma coisa que fosse para as meninas que são de menor, que são profissionais do sexo, que vivem disso, (...) que são moradoras de rua (...) e não têm nenhum documento. É negado [a elas] também fazer isso [tratamento]. |
8 |
Laís (Manaus) |
Eu sempre sou muito bem atendida quando eu vou ao SPA [Serviço de Pronto Atendimento] de São Raimundo. (...) Eu procuro lá porque é uma unidade que, toda vez que eu chego, eu nunca fui discriminada e nunca fui deixada de ser atendida. Sempre me recebem muito bem. |
9 |
Eva (São Paulo) |
Os serviços especializados são muito mais humanizados do que outros serviços, do que uma UBS [Unidade Básica de Saúde], do que um pronto-socorro, uma outra unidade de saúde. Porque os serviços especializados estão já mais acostumados com essa população em específico, que eu acho que é a população que mais se testa. E eles têm um treinamento para lidar com essas pessoas. |
10 |
Manuela (Campo Grande) |
Eu acho que deveriam acontecer mais coisas iguais ao que aconteceu comigo, como simplesmente aparecer alguém e dizer “está tendo exame lá, você tem que aparecer lá tal dia, tal hora” e ainda vai ter o incentivo [ajuda de custo], porque eu acho que não se é falado tanto sobre isso entre essa comunidade. Eu acho que falta um pouco de incentivo para que as meninas queiram fazer o exame. |
11 |
Valentina (Manaus) |
Eu gostei daqui. Inclusive, quando eu vim mês passado aqui no projeto (...), eu fui vacinada aqui no mesmo dia. Eu achei uma coisa assim tão rápida, eu passei pelos médicos, fiz os meus exames, os meus testes rápidos aqui. Eu achei muito positivo, interessante, vocês estarem junto ao ambulatório transgênero. Eu gostei assim, é um incentivo de trazer outras pessoas para cá, outras meninas que estão por aí, fora do sistema, não estão se tratando, não estão tendo acesso, para elas saberem também. |
12 |
Cláudia (São Paulo) |
Antigamente era mais preconceito, a gente sofria mais. Hoje em dia não, o negócio hoje está dez para a gente. A gente está tendo mais oportunidade de viver. |
13 |
Júlia (São Paulo) |
Os profissionais estão mais atentos porque hoje em dia [desrespeito] não passa batido, o gerente já chama na sala e fala: “então, gata, não vai rolar porque assim não dá; (...) você pode ser crente lá na igreja, aqui é UBS, aqui é o seu trabalho; então, se controle, respeita as pessoas”. É uma questão de respeito. |
14 |
Laura (Porto Alegre) |
Olha, eu acho que agora, hoje em dia, nós estamos tendo muito mais oportunidades, entendeu? Por exemplo, assim, agora abriu laboratório. (...) Lá eles fazem tudo que é tipo de tratamento para trans, travestis, sabe? E eles são bem atenciosos. Eu adorei. Eu fui lá. Eles são maravilhosos com a gente, sabe? |
15 |
Heloísa (Porto Alegre) |
O que falta é (...) atenção, agilidade nos exames para nós sabermos se estamos com HIV, se estamos com aids, se estamos com sífilis, com HPV, com gonorreia, com todas essas doenças. (...) Então, o que falta é uma hormonização e um projeto que possa assegurar para nós, trans e transexuais, ser mais tratadas, ser mais cuidadas, ser mais chamadas com rapidez. |
16 |
Grace (São Paulo) |
Muitas meninas trabalham na rua e estão muito expostas. Não dá, às vezes, para esperar 3, 4 meses. Está ali se expondo todos os dias e acontece, sei lá, de contrair alguma coisa e precisa de um atendimento mais rápido. Talvez fosse isso, a melhora ser isso, ter mais locais especializados para mulheres transexuais e travestis e homens trans também. |
17 |
Eva (São Paulo) |
Então, assim, é humanizar o atendimento. (...) Se a minha equipe não entende o que é a travestilidade e a transexualidade, eu, como direção desse espaço, eu ia buscar alguém que tenha maior e melhor conhecimento do que a minha equipe, que venha para treinar a minha equipe. [...] É tirar aquela coisa robótica, aquela coisa automática. |
18 |
Rafaelly (São Paulo) |
[Deveria ter] mais tratamento para pessoas trans. Mais alternativas. Ter em todos os postos endócrinas especializadas em pessoas trans, que eu acho que é isso que falta, elas saberem mesmo o que é um corpo trans e não achar que qualquer remédio, qualquer coisa vai nos ajudar. |
19 |
Lia (Campo Grande) |
Seria começando por uma capacitação dos profissionais para receber essas pessoas. [É] por causa, muitas vezes, de exclusão social que essas pessoas acabam não procurando o serviço de saúde e eu acho que, investindo em algumas alas específicas para a saúde de pessoas trans... Que existe uma especificidade: questão de hormonização, psicológico, enfim. |
20 |
Fernanda (Porto Alegre) |
Se as transexuais fizessem [os atendimentos] com elas próprias, delas para elas, elas não se sentiriam um extraterrestre dentro do hospital. Se a atendente fosse uma transgênero, se o médico fosse um transexual, elas iam ter um pouco mais de liberdade e se sentiriam pessoas normais. Eu acho que, se falassem a mesma língua... (...) Eu acho que, se abrissem portas para transexuais e transgêneros serem atendentes, auxiliar de enfermagem ou até mesmo médico, a comunicação ia ser um pouco mais clara. |
21 |
Júlia (São Paulo) |
A sociedade tem uma dívida. [O atendimento à população trans] é preferencial, sim, na saúde. Tem essa retratação histórica de que o SUS já matou muita gente. Então vai ter que tratar a gente como rainha, sim, na UBS, para tentar essa retratação, vai ter que chamar de dona, senhora, de madame, se for o caso. E vai ter que fazer um atendimento de qualidade. Por quê? Porque travesti é gente como todo mundo, só que o único diferencial que a gente tem é que a gente tem que viver provando que a gente é gente. |