RESUMO:
Objetivos: Comparar as características sociodemográficas, clínicas e epidemiológicas de indivíduos menores de 15 anos notificados com hanseníase entre os municípios prioritários e os não prioritários, bem como a distribuição espacial destes casos registrados em tais municípios. Trata-se de um estudo transversal a partir de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos (n=429) registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do estado de Mato Grosso, entre 2011 e 2013. Os casos diagnosticados foram comparados quanto aos aspectos sociodemográficos, clínicos e epidemiológico por meio do teste do qui-quadrado ao nível de significância de 5%. A distribuição espacial foi feita por meio do software ArcGis 10.2.
Resultados: Dos 141 municípios do estado avaliados segundo a distribuição espacial, 58,1% (n=82) apresentaram coeficiente médio de incidência alto, muito alto e hiperendêmico, sendo que, destes, 34,1% (n=28) contemplam o grupo dos prioritários. Dos casos novos incluídos no estudo, 73,9% (n=317) foram notificados em municípios prioritários. Observou-se diferença na proporção de casos registrados entre os municípios, com maior proporção nos prioritários quanto à idade de 5 a 9 anos (χ²=4,09; p=0,043), raça branca (χ²=7,01; p=0,008) e forma clínica tuberculoide (χ²=3,89; p=0,048), e maior proporção nos não prioritários quanto à zona não urbana (χ²=24,23; p<0,001), duas a cinco lesões (χ²=5,93; p=0,014) e demanda espontânea (χ²=6,16; p=0,013).
Conclusão: As diferenças evidenciadas em relação às características clínicas e epidemiológicas entre os municípios demonstram a dificuldade de controle da endemia em ambos os grupos de municípios.
Palavras-chave: Hanseníase; Epidemiologia; Vigilância Epidemiológica; Distribuição Espacial; Criança; Adolescente
ABSTRACT:
Objectives: We aimed to compare the sociodemographic, clinical and epidemiological characteristics of individuals under the age of 15, reported to have leprosy, and who lived in priority and non-priority cities, as well as to compare the spatial distribution of these reported cases in such cities. This is a cross-sectional study of new leprosy cases in individuals under the age of 15 (n=429) registered in the Information System for Notifiable Diseases from the State of Mato Grosso, Brazil, between 2011 and 2013. The diagnosed cases were compared regarding sociodemographic, clinical and epidemiological aspects using the chi-square test at a 5% significance level. The spatial distribution was made through ArcGIS 10.2 software.
Results: Of the 141 assessed cities in the state, according to the spatial distribution, 58.1% (n=82) showed a high, very high and hyper-endemic mean incidence coefficient, and, of these, 34.1% (n=28) include the group of priority municipalities. Of the new cases included in the study, 73.9% (n=317) were reported in priority cities. We observed a difference in the proportion of cases registered among the cities, with a greater proportion in priority cities, in the age group from five to nine years old (χ²=4.09; p=0.043), in the white race (χ²=7.01; p=0.008) and in the tuberculoid clinical form (χ²=3.89; p=0.048). There was a greater proportion in non-priority cases with regard to non-urban areas (χ²=24.23; p<0.001), two to five skin lesions (χ²=5.93; p=0.014) and spontaneous demand (χ²=6.16; p=0.013).
Conclusion: The differences highlighted regarding clinical and epidemiological characteristics between the cities demonstrate the difficulty of endemic control in both municipality groups.
Keywords: Leprosy; Epidemiology; Epidemiological Surveillance; Residence Characteristics; Child; Adolescent
INTRODUÇÃO
A hanseníase é considerada um problema de saúde pública no Brasil e, embora seja mais evidenciada em adultos, os menores de 15 anos são susceptíveis a adquirir a infecção caso tenham contato com sujeitos bacilíferos e por isso são considerados mais vulneráveis1.
A detecção em menores de 15 anos é o principal indicador de monitoramento da endemia e sugere a intensa circulação do Mycobacterim leprae, transmissão ativa e recente da doença2. A prevalência do agravo nessa população depende do grau de exposição ao bacilo, que é maior em regiões endêmicas e reflete a deficiência na vigilância e no controle da doença3.
O tempo entre o início do aparecimento dos sinais e sintomas da doença até a confirmação do diagnóstico é um dos fatores associados à presença de incapacidade física, ou seja, quanto maior o atraso no diagnóstico, maiores serão as chances de deformidades e incapacidades físicas e transmissão4.
Os registros de casos de hanseníase em menores de 15 anos no país evidenciaram que um terço desses indivíduos estava centralizado em 43 cidades brasileiras e que o ônus da doença estava concentrado em 15 Unidades da Federação, entre elas o Mato Grosso5.
Diante da distribuição heterogênea da doença no país, o Ministério da Saúde (MS), com o intuito de eliminar a hanseníase como problema de saúde pública em todo o território nacional, estabeleceu a priorização de 258 municípios com maior concentração da endemia. Destes, 29 pertenciam ao estado de Mato Grosso, os quais receberam incentivo financeiro para a reorganização dos serviços de atenção ao agravo e para o fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica a partir de 20116.
Definiu-se como município prioritário aquele que no ano de 2010 tenha apresentado coeficiente de detecção maior que 20 por 100 mil habitantes e, mínimo de 10 casos na população geral e 1 caso em menores de 15 anos em áreas de risco; 50 casos novos em regiões metropolitanas e fora das áreas de risco sendo, pelo menos, 5 casos em menores de 15 anos e todas as capitais6.
O recebimento desse incentivo foi realizado por meio de adesão ao processo de qualificação das ações de vigilância epidemiológica e implicou no compromisso dos municípios quanto ao cumprimento de determinadas metas, como a busca ativa de casos e exames de contatos intradomiciliares para a detecção precoce e o tratamento até a cura7.
Em 2012, o MS deflagrou a campanha de detecção de casos de hanseníase em menores de 15 anos por meio de busca ativa dos casos em ambiente escolar, que é uma área institucional privilegiada para ações de educação em saúde e detecção precoce da hanseníase, dando um incentivo maior às áreas consideradas prioritárias8.
O MS, quando realizou a priorização dos municípios, assumiu o compromisso de eliminar a hanseníase como problema de saúde pública até 2015, para isso sendo necessária uma redução drástica da carga da doença. Contudo, um estudo recente em Mato Grosso identificou média de hiperendemicidade entre os anos 2001 e 2013, proporção de cura precária e tendência crescente de casos multibacilares e com incapacidade física grau 2, evidenciando a dificuldade no controle e eliminação da doença9.
Esse propósito pode ser alcançado por meio do aumento da proporção de contatos intradomiciliares examinados e da proporção de cura, que possibilitará a detecção precoce e tratamento oportuno a fim de interromper a cadeia de transmissão da doença.
Estudos que analisem o perfil epidemiológico em áreas endêmicas são essenciais para verificar se essas políticas prioritárias estão realmente sendo efetivadas para o controle e prevenção da doença no país, e ainda auxiliar no planejamento de saúde e na reorganização das mesmas, visando contribuir para a redução do coeficiente de incidência da doença10.
Desse modo, o objetivo deste estudo foi comparar as características sociodemográficas, clínicas e epidemiológicas de indivíduos menores de 15 anos notificados com hanseníase entre os municípios prioritários e os não prioritários, bem como a distribuição espacial dos casos registrados em tais municípios.
MÉTODO
Estudo transversal a partir de casos novos de hanseníase registrados em menores de 15 anos, notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) dos municípios prioritários e não prioritários do estado de Mato Grosso, entre 2011 e 2013.
A análise incluiu os casos diagnosticados com hanseníase que apresentaram um ou mais dos seguintes sinais cardinais:
-
lesão(ões) e/ou área(s) da pele com alteração de sensibilidade;
-
acometimento de nervo(s) periférico(s), com ou sem espessamento, associado a alterações sensitivas e/ou motoras e/ou autonômicas; e
-
baciloscopia positiva de esfregaço intradérmico11.
Foram excluídos os casos com erro diagnóstico, com transferência para outro estado ou país, duplicidade e inconsistência de dados.
As informações relativas aos menores de 15 anos notificados com hanseníase foram obtidas via banco de dados do SINAN/MT, fornecidos pelo setor de vigilância epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso (SES/MT- 2014).
Mato Grosso possui 141 municípios. A análise comparativa incluiu os casos diagnosticados em municípios prioritários e não prioritários do estado. Realizou-se a agregação dos municípios considerados prioritários - sendo 29 - conforme a Portaria nº 2.556, de outubro de 20117. Uma vez que essa Portaria entrou em vigor a partir de 2011, determinou-se o período de 2011 a 2013 para este estudo.
A variável de interesse é a frequência dos casos de hanseníase em menores de 15 anos notificados em municípios prioritários e não prioritários. Os casos foram comparados quanto aos aspectos sociodemográficos, clínicos e epidemiológicos, por meio das seguintes variáveis: sexo, faixa etária, raça/cor, moradia, classificação operacional, forma clínica, incapacidade física, número de lesões, modo de detecção, baciloscopia no diagnóstico e episódio reacional.
Para o gerenciamento e análise dos dados, foram utilizados os softwares Excel 2007 (Microsoft ® ) e o Epi-Info 7.1.5. Realizou-se análise descritiva por meio de tabelas de frequência e as diferenças de proporções foram verificadas pela análise bivariada e teste χ². Quando adequado, utilizou-se o Teste exato de Fisher. Em todos os testes, considerou-se intervalo de confiança de 95%.
Os mapas foram elaborados utilizando o sistema de projeção geográfica latitude/ longitude e datum SAD69 (South America Datum) obtido por intermédio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o software ArcGis 10.2. As classes nos mapas foram construídas por intermédio do método de quebras naturais, que determina o melhor arranjo dos valores em classes pela redução da variação dentro delas e da maximização da variância entre elas12.
O presente estudo não apresenta conflito de interesses e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da SES/MT, de acordo com a Resolução 466/12.
RESULTADOS
Em Mato Grosso, o coeficiente médio de incidência de hanseníase em menores de 15 anos foi de 18,7 por 100 mil habitantes no período de 2011 a 2013. No estado, 29 municípios são considerados prioritários e 112 não prioritários quanto à atenção e fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica para a hanseníase. Dentre os municípios, 58,1% apresentaram notificação de algum caso de hanseníase em menores de 15 anos, sendo que o município de Cuiabá apresentou o maior percentual, com 11% dos casos.
Identificaram-se 429 casos novos de hanseníase em menores de 15 anos elegíveis e registrados no SINAN/MT; contudo, foram excluídos 11 casos por erro diagnóstico, 4 casos por transferência de estado e 3 casos por registro duplicado.
Entre os 141 municípios, 70 (49,6%) apresentaram hiperendemicidade, 11 (7,8%) apresentaram endemicidade muito alta e 1 (0,7%) endemicidade alta (Figura 1). Destes 82 municípios, 65,9% são considerados não prioritários. Apenas 1 (3,4%) município, dos 29 que são considerados prioritários, apresentou coeficiente médio de incidência baixo no período de estudo, pois não teve nenhum registro da doença nessa população. Alguns municípios considerados prioritários apresentaram maior proporção de casos multibacilares quando comparado aos casos paucibacilares, outros, no entanto, mantiveram hiperendemicidade tanto para casos paucibacilares como multibacilares.
Distribuição geográfica do coeficiente médio de incidência de hanseníase em menores de 15 anos em municípios prioritários e não prioritários, geral (A) e segundo classificação operacional paucibacilar (B) e multibacilar (C). Mato Grosso, Brasil, 2011-2013.
Na Figura 2, observou-se a presença de incapacidade física no diagnóstico em menores de 15 anos detectados em municípios prioritários, entre os quais alguns apresentaram acima de 3 casos novos durante o período. Verificou-se ainda a presença de incapacidade física em municípios não prioritários.
Distribuição geográfica de casos novos de hanseníase em menores de 15 anos em municípios prioritários e não prioritários do estado de Mato Grosso segundo as variáveis: incapacidade física (A) e modo de detecção por exame de contatos (B). Mato Grosso, Brasil, 2011-2013.
O número de casos detectados por exame de contatos foram maiores em municípios prioritários em comparação àqueles não prioritários. Alguns municípios prioritários não apresentaram registro por esse modo de detecção (Figura 2).
A maioria (n=317; 73,9%) dos casos foi confirmada em municípios prioritários (Tabela 1). A idade média foi de 10,6 anos (DP=±2,8), com idades mínima e máxima observadas de 2 e 14 anos, respectivamente. Verificou-se diferença na proporção de casos diagnosticados entre os municípios quando comparadas as faixas etárias de 10 a 14 anos e de 5 a 10 anos (χ²=4,09; p=0,043). Em municípios prioritários e para a faixa etária de 5 a 10 anos, observou-se maior proporção de casos diagnosticados com hanseníase.
A presença de indivíduos de raça/cor branca em municípios prioritários foi maior em relação àqueles presentes em municípios não prioritários (χ²=7,01; p=0,008). Municípios não prioritários apresentaram maior proporção de casos diagnosticados com hanseníase em moradia não urbana quando comparados àqueles diagnosticados em municípios prioritários (χ²=24,23; p<0,001).
Constatou-se maior proporção de indivíduos diagnosticados com a forma clínica tuberculoide em municípios prioritários quando comparados àqueles diagnosticados em municípios não prioritários. Estes apresentaram maior proporção de casos diagnosticados com a forma clínica indeterminada em relação aos municípios prioritários (χ²=3,89; p=0,048) (Tabela 2).
Municípios prioritários apresentaram maior proporção de casos diagnosticados com lesão única quando comparados a municípios não prioritários; em contrapartida, estes apresentaram maior proporção de casos diagnosticados com maior número de lesão em relação aos municípios prioritários (χ²=5,93; p=0,014).
Enquanto municípios prioritários apresentaram maior proporção de casos diagnosticados por meio do exame de contatos quando comparados àqueles não prioritários, identificou-se maior proporção de casos diagnosticados por demanda espontânea em municípios não prioritários (χ²=6,16; p=0,013).
DISCUSSÃO
Nos últimos anos, estudos têm apontado uma redução na prevalência de hanseníase em vários países, porém, no Brasil, a doença persiste como um problema de saúde pública13. Os achados deste estudo corroboram essa informação, pois a incidência média de hanseníase em menores de 15 anos no período estudado mostrou-se hiperendêmica, demonstrando potencial de transmissão recente da endemia no estado de Mato Grosso.
Embora apenas 29 municípios sejam considerados prioritários para as ações de controle da hanseníase no estado, outros 54 municípios considerados não prioritários apresentaram coeficiente médio alto, muito alto e hiperendêmico. Acrescenta-se que municípios não prioritários para a atenção estratégica de controle da doença como problema de saúde pública apresentaram maior proporção de casos diagnosticados com lesões múltiplas e maior proporção de casos diagnosticados por demanda espontânea em relação aos municípios prioritários.
O diagnóstico de hanseníase por demanda espontânea reflete a preocupação e o interesse do indivíduo em cuidar de sua saúde diante de uma necessidade vivenciada. Os programas de educação em saúde voltados para o diagnóstico precoce e a ampliação do conhecimento da hanseníase pela comunidade, incentivados pelo governo federal e gestores estaduais, podem ter contribuído para esses resultados nos municípios não prioritários. O fato de um município não ser considerado prioritário, em um estado endêmico, possivelmente pode influenciar os serviços de saúde na busca de casos novos pelo exame de contatos. Neste estudo, os municípios não prioritários apresentaram menor proporção de casos detectados por exame de contatos em relação aos prioritários, sugerindo menor envolvimento dos serviços de saúde e uma detecção de casos relacionados às demandas da própria comunidade.
É possível que uma revisão dos critérios de definição de municípios prioritários específicos para as Unidades de Federação contribuísse para um aumento no diagnóstico de casos de hanseníase em menores de 15 anos nos municípios não prioritários, uma vez que os exames de contatos fortaleceriam a estratégia de controle da endemia, como preconizado pelo MS.
Alguns municípios prioritários apresentaram maior proporção de casos multibacilares quando comparados aos paucibacilares, verificados por meio da distribuição geográfica, o que reflete uma falha nas ações de vigilância epidemiológica. Sabe-se que o tempo entre o início dos sintomas e o diagnóstico é um dos fatores associados à presença de incapacidade física, portanto é necessário que esses municípios, considerados prioritários, desenvolvam a detecção ativa11.
Percebe-se a necessidade de ampliação das ações de vigilância epidemiológica para municípios não prioritários com vistas à eliminação da doença e à inclusão de estratégias voltadas para o diagnóstico precoce da hanseníase. Como observado, identificaram-se nesses municípios casos multibacilares e com incapacidade física, sugerindo a presença de transmissibilidade ativa nesta população, e que, se não tratados, podem aumentar os índices locais.
A detecção ativa é realizada por meio da busca sistemática dos contatos intradomiciliares e da coletividade e possibilita o diagnóstico e tratamento precoce da doença, minimizando sua transmissibilidade11. Pois do contrário, cabe ao indivíduo procurar o serviço de saúde no surgimento de sinais e sintomas da doença, o que resulta em detecção tardia, como evidenciada no presente estudo.
Embora a detecção por exame de contatos retratada na distribuição espacial tenha sido maior em municípios prioritários, alguns entre estes não apresentaram casos detectados por meio deste modo de busca, o que alude à dificuldade de controle da doença, no tocante à política prioritária, uma vez que há maior risco de adoecimento entre os contatos intradomiciliares dos casos novos diagnosticados7. A vigilância destes é uma das estratégias recomendadas para a prevenção da transmissão da doença e por diminuir a ocorrência de pessoas diagnosticadas com incapacidade física.
No estudo, observaram-se casos diagnosticados com incapacidade física nos municípios não prioritários, embora não significante estatisticamente.
Os municípios prioritários de fato apresentaram maior concentração da doença. A maioria dos casos foi identificada nas residências em áreas da zona urbana, assim como observado em outros estudos, nos quais se evidencia um aglomerado de pessoas com maior possibilidade de contato entre casos-índices e os susceptíveis14,15. É provável que esse comportamento ocorra em razão da maior densidade demográfica e concentração de habitações na área urbana. Em Mato Grosso, segundo o último Censo Demográfico, identificou-se 2.482.801 habitantes na área urbana e 552.321 habitantes na área rural16.
A hanseníase é reconhecidamente uma doença negligenciada, fazendo com que moradores de regiões não urbanas sejam mais vulneráveis à doença em virtude da dificuldade de acesso aos serviços de saúde e das condições socioeconômicas precárias, necessitando esforços de todos os gestores onde a endemia é relevante como problema de saúde pública.
Fortalecendo a necessidade de uma maior reflexão sobre a definição de municípios prioritários, percebe-se nos municípios não prioritários maior proporção de casos diagnosticados em crianças menores de 15 anos residentes em moradia não urbana em relação aos municípios prioritários. Estes resultados podem estar relacionados à dificuldade dos municípios não prioritários alcançarem a zona não urbana para ações de vigilância epidemiológica e realizarem a detecção ativa precoce da doença em toda a sua área de abrangência, aludindo à necessidade de incentivos para que tais estratégias sejam desenvolvidas.
Os achados deste estudo indicaram uma distribuição quase homogênea nos municípios de análise quando considerada a variável sexo, comportamento semelhante ao observado em outros estudos17,18. A faixa etária mais atingida nessa população foi a de 10 a 14 anos, provavelmente devido ao período de incubação do bacilo, que varia de dois a sete anos, tardando a resposta imunológica que determina o fenótipo clínico da doença17,19,20,21.
O predomínio de casos paucibacilares evidenciado neste estudo é semelhante ao de outras pesquisas, sendo a forma não contagiante da doença 17,22. Entretanto, verificou-se maior proporção de casos com forma clínica dimorfa, que é considerada multibacilar (forma contagiante), e 15% de casos com incapacidade física no momento do diagnóstico, ambos os resultados relacionados ao atraso do diagnóstico e à presença de casos ativos na comunidade, favorecendo a evolução e instalação de complicações da doença14.
Por se tratar de um indivíduo que está em pleno processo de crescimento e desenvolvimento, esses eventos influenciam negativamente na qualidade de vida deste, causando mudanças em suas relações sociais e em seu comportamento, podendo prejudicar o seu rendimento e até mesmo levar ao abandono escolar23.
Houve diferença significante entre os municípios analisados e as categorias faixa etária de cinco a nove anos, raça/cor branca e forma clínica tuberculoide, com maior proporção nos prioritários. Nesse caso, a faixa etária discriminada representa a presença de transmissão precoce da doença nesses municípios, com focos ativos, a raça/cor branca provavelmente se associa à composição étnica de municípios mais populosos, que são os prioritários7. A proporção encontrada da forma clínica tuberculoide nos municípios prioritários em relação aos não prioritários, tendo como referência a indeterminada, evidencia dificuldades no diagnóstico precoce nestes, que recebem incentivos para tal ação em comparação aos que não recebem.
A lesão única foi a mais evidenciada em menores de 15 anos detectados com hanseníase, igualmente a outros estudos17,24. No entanto, como descrito, houve diferença significante entre os municípios analisados, com maior proporção naqueles não prioritários com os casos ocorridos na zona não urbana, com duas a cinco lesões e detecção por demanda espontânea.
O modo de detecção é considerado passivo quando é feito após a procura do indivíduo pelo serviço, não sendo o melhor meio para tal, principalmente em relação aos municípios prioritários, que possuem um compromisso com implementação de intervenções mais promissoras na detecção ativa de casos, reduzindo a prevalência oculta e a transmissibilidade da doença15.
Um estudo recente aponta a heterogeneidade dos registros de casos de hanseníase em menores de 15 anos no Brasil5. Reconhecendo essa situação previamente, o MS estabeleceu a priorização de municípios onde havia maior concentração da doença a fim de fortalecer as ações contra a mesma por meio de repasse financeiro a partir de 20116. O recebimento desse incentivo estabeleceu que os municípios contemplados assumissem um maior compromisso em prol da erradicação do agravo como problema de saúde pública, desenvolvendo ações como busca ativa, exame de contatos intradomiciliares, diagnóstico e tratamento precoce. Contudo, os resultados deste estudo identificaram que tanto os municípios prioritários quanto os não prioritários apresentaram transmissão ativa e diagnóstico tardio da doença.
CONCLUSÃO
Municípios prioritários registraram maior proporção de casos diagnosticados por meio do exame de contatos, na faixa etária de 5 a 9 anos e casos com a forma clínica tuberculoide. Municípios não prioritários apresentaram maior proporção de casos diagnosticados por demanda espontânea, casos com lesões múltiplas e casos diagnosticados em moradia não urbana. A distribuição geográfica revela presença de hiperendemicidade tanto em municípios prioritários quanto em não prioritários, sugerindo a presença de transmissibilidade ativa e diagnóstico tardio da doença em ambos.
REFERÊNCIAS
-
1 Romero-Montoya IM, Beltrán-Alzate JC, Ortiz-Marin DC, Diaz-Diaz A, Cardona-Castro N. Leprosy in Colombian children and adolescents. Pediatr Infect Dis J 2014; 33(3): 321-2. DOI: 10.1097/INF.0000000000000057
» https://doi.org/10.1097/INF.0000000000000057 -
2 Hacker MA, Sales AM, Albuquerque EC, Rangel E, Nery JA, Duppre NC, et al. Pacientes em centro de referência para hanseníase: Rio de Janeiro e Duque de Caxias, 1986-2008. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2533-41. DOI: 10.1590/S1413-81232012000900033
» https://doi.org/10.1590/S1413-81232012000900033 -
3 Barreto JG, Bisanzio D, Guimarães LS, Spencer JS, Vazquez-Prokopec GM, Quitrom U, et al. Spatial analysis spotlighting early childhood leprosy transmission in a hyperendemic municipality of the Brazilian Amazon region. Plos Negl Trop Dis 2014; 8(2): e2665. DOI: 10.1371/journal.pntd.0002665
» https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0002665 -
4 Guerrero IM, Muvdi S, Léon CI. Retraso en el diagnóstico de lepra como factor pronóstico de discapacidad en una cohorte de pacientes en Colombia, 2000-2010. Rev Panam Salud Publica 2013; 33(2): 137-43. DOI: 10.1590/S1020-49892013000200009
» https://doi.org/10.1590/S1020-49892013000200009 - 5 Levantezi M, Moreira T, Neto SS, Jesus AL. Leprosy in children under fifteen years in Brazil, 2011. Lepr Rev 2014; 85(2): 118-22.
-
6 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 2.556, de 28 de outubro de 2011. Estabelece mecanismo de repasse financeiro do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos de Saúde Estaduais, do Distrito Federal e Municipais, por meio do Piso Variável de Vigilância e Promoção da Saúde, para implantação, implementação e fortalecimento da Vigilância Epidemiológica de Hanseníase, Tracoma, Esquistossomose e Geohelmintíases. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2556_28_10_2011.html
(Acessado em: 21 de junho de 2014).
» http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2556_28_10_2011.html - 7 Coriolano-Marinus MWL, Pacheco HF, Lima FT, Vasconcelos EMR, Alencar EN. Saúde do escolar: uma abordagem educativa sobre hanseníase. Saúde Transform Soc 2012; 3(1): 72-8.
- 8 Brasil. Ministério da Saúde. Situação epidemiológica da hanseníase no Brasil - análise de indicadores selecionados na última década e desafios para a eliminação. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico 2013; 44(11).
- 9 Freitas BHBM, Cortela DCB, Ferreira SMB. Tendência da hanseníase em menores de 15 anos em Mato Grosso (Brasil), 2001-2013. Rev Saúde Pública 2017; 51: 28.
- 10 Klein CH, Bloch KV. Estudos seccionais. In: Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. 2. ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.
- 11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da Hanseníase como problema de saúde pública: manual técnico-operacional. Brasília: Ministério da Saúde , 2016.
- 12 Jenks GF. The data model concept in statistical mapping. Int Year Cartogr 1967; 7: 186-90.
- 13 World Health Organization (WHO). Global leprosy update, 2014: need for early case detection. Wkly Epidemiol Rec 2015; 90(36): 461-76.
-
14 Ferreira IN, Alvarez RRA. Hanseníase em menores de quinze anos no município de Paracatu, MG (1994 a 2001). Rev Bras Epidemiol 2005; 8(1): 41-9. DOI: 10.1590/S1415-790X2005000100006
» https://doi.org/10.1590/S1415-790X2005000100006 -
15 Ferreira IN, Evangelista MSN, Alvarez RRA. Distribuição espacial da hanseníase na população escolar em Paracatu/Minas Gerais, realizada por meio da busca ativa (2004 a 2006). Rev Bras Epidemiol 2007; 10(4): 555-67. DOI: 10.1590/S1415-790X2007000400014
» https://doi.org/10.1590/S1415-790X2007000400014 -
16 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censos Demográficos. Rio de Janeiro: IBGE, 2010 [Internet]. Disponível em: Disponível em: http://downloads.ibge.gov.br/downloads_geociencias.htm
(Acessado em 12 de fevereiro de 2015).
» http://downloads.ibge.gov.br/downloads_geociencias.htm -
17 Chaitra P, Bhat RM. Postelimination status of childhood leprosy: report from a tertiary-care hospital in South India. Biomed Res Int 2013; 1-4. DOI: 10.1155/2013/328673
» https://doi.org/10.1155/2013/328673 -
18 Imbiriba EB, Hurtado-Guerrero JC, Garnelo L, Levino A, Cunha MG, Pedrosa V. Perfil epidemiológico da hanseníase em menores de quinze anos de idade, Manaus (AM), 1998-2005. Rev Saúde Pública 2008; 42(6): 1021-6. DOI: 10.1590/S0034-89102008005000056
» https://doi.org/10.1590/S0034-89102008005000056 -
19 Lana FCF, Fabri ACOC, Lopes FN, Carvalho APM, Lanza FM. Deformities due to leprosy in children under fifteen years old as indicator of quality of the leprosy control programme in Brazilian municipalities. Am J Trop Med Hyg 2013; 1-6. DOI: 10.1155/2013/812793
» https://doi.org/10.1155/2013/812793 - 20 Moura LTR, Fernandes TRMO, Bastos LDM, Luna ICF, Machado LB. Hanseníase em menores de 15 anos na cidade de Juazeiro-BA. Hansen Int 2012; 37(1): 45-50.
-
21 Scheelbeek PF, Balagon MV, Orcullo FM, Maghanoy AA, Abellana J, Saunderson PR. A retrospective study of the epidemiology of leprosy in Cebu: an eleven-year profile. Plos Negl Trop Dis 2013; 7(9): e2444. DOI: 10.1371/journal.pntd.0002444
» https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0002444 -
22 Shetty VP, Ghate SD, Wakade AV, Thakar UH, Thakur DV, D’Souza E. Clinical, bacteriological, and histopathological characteristics of newly detected children with leprosy: a population based study in a defined rural and urban area of Maharashtra, Western India. Indian J Dermatol Venereol Leprol 2013; 79(4): 512-7. DOI: 10.4103/0378-6323.113081
» https://doi.org/10.4103/0378-6323.113081 -
23 Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev Latino-Am Enfermagem 2002; 10(4): 552-60. DOI: 10.1590/S0104-11692002000400013
» https://doi.org/10.1590/S0104-11692002000400013 - 24 Singal A, Sonthalia S, Pandhi D. Childhood leprosy in a tertiary-care hospital in Delhi, India: a reappraisal in the post-elimination era. Lepr Rev 2011; 83(3): 259-69.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
2018
Histórico
-
Recebido
20 Maio 2016 -
Revisado
17 Maio 2017 -
Aceito
14 Ago 2017