RESUMO:
Introdução: A tuberculose é um grave problema de saúde que ainda persiste no mundo e no Brasil. O município de São Paulo é considerado prioritário para o controle da doença.
Objetivo: Descrever o perfil epidemiológico de todos os casos novos de tuberculose no município de São Paulo notificados entre os anos de 2006 e 2013.
Métodos: As variáveis selecionadas para o estudo foram as socioeconômicas, demográficas e as clínico-epidemiológicas obtidas através do sistema de informação online TB-WEB. Foi realizada uma análise descritiva dos dados e feita a comparação entre os anos. Para estudo da série histórica realizou-se análise de tendência linear. Um mapa temático foi confeccionado para visualizar a distribuição da doença no espaço urbano da cidade.
Resultados e discussão: Houve um aumento da taxa de incidência-ano da tuberculose em menores de 15 anos e em moradores de rua. A taxa de cura melhorou, bem como a proporção de realização do tratamento supervisionado e a proporção dos diagnósticos feitos pela Atenção Básica. A doença está desigualmente distribuída no espaço do município, sendo que há distritos administrativos que não estão conseguindo progredir com relação ao seu controle.
Conclusão: O programa municipal de controle da tuberculose necessita envidar esforços para os grupos vulneráveis para a tuberculose identificados e para as regiões da cidade com maior taxa de incidência-ano da doença.
Palavras-chave: Tuberculose; Epidemiologia; Saúde pública; Avaliação em saúde; Vigilância epidemiológica; Grandes cidades
ABSTRACT:
Background: Tuberculosis is a serious public health problem that still persists in the world and in Brazil. The municipality of São Paulo, Brazil, is among the prioritized ones in the country for disease control.
Objective: To describe the epidemiological profile of all new tuberculosis cases in São Paulo municipality reported between the years 2006 and 2013.
Methods: The variables selected for the study were: socioeconomic, demographic and clinical-epidemiologic obtained through the online information system TB-WEB. A descriptive analysis of the data was performed to undertake the comparison among the years. To study the historical series, linear trend analysis was held.
Results and discussion: There was an increase in the tuberculosis incidence rate in children under 15 years and in homeless people. The cure rate has improved as the proportion of completion of supervised treatment and the proportion of cases diagnosed by primary care clinics. The disease is unevenly distributed within the municipality of São Paulo and there are districts that were not able to improve the tuberculosis control.
Conclusion: The municipal tuberculosis program control needs to target the vulnerable groups and the regions of the city where the incidence rates are higher.
Keywords: Tuberculosis; Epidemiology; Public health; Health evaluation; Epidemiological surveillance; Large cities
INTRODUÇÃO
Apesar de ser prevenível e curável, a tuberculose (TB) permanece como uma das mais graves ameaças à saúde pública global, sendo a segunda principal causa de morte entre as doenças infecciosas1.
No Brasil, a doença está associada a populações vulneráveis, pobreza e áreas urbanas aglomeradas e de alta densidade populacional2.
O município de São Paulo (MSP), prioritário para o controle da TB3, é uma grande metrópole permeada por desigualdades sociais, onde parte importante da população está inserida no espaço urbano de forma precária e com dificuldade de acesso aos bens públicos4.
Considerando a relevância da TB no MSP, e que a enfermidade atua como um indicador de saúde pública e da eficiência dos serviços de saúde5, o objetivo deste estudo foi descrever o perfil epidemiológico de todos os casos novos de TB no município notificados entre os anos de 2006 e 2013.
MÉTODOS
Estudo epidemiológico descritivo realizado no MSP entre os anos de 2006 e 2013. Foram incluídos na análise todos os casos novos de TB residentes no município e notificados dentro do período. Considerou-se como definição de caso novo aquele paciente que recebeu o diagnóstico da doença e nunca se submeteu ao tratamento anti-TB ou o fez por até 30 dias6. Foram excluídos os pacientes que apresentaram mudança de diagnóstico e os detentos.
Os dados foram extraídos do TB-WEB, um sistema de informação online do estado de São Paulo (ESP) que armazena os registros da ficha de notificação de TB. O ano de 2006 foi escolhido como inicial pois foi o ano da implantação definitiva desse sistema.
O acesso aos dados secundários foi possível após autorização do Grupo de Controle à Tuberculose do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) e aprovação da Comissão Científica do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Não há conflito de interesses dos autores em relação ao tema estudado.
As variáveis utilizadas no estudo foram baseadas nos itens da ficha de notificação de TB padronizada pelo CVE do ESP, a saber: sexo, idade, raça/cor, tipo de endereço, classificação da doença, tipo de tratamento, exames realizados, tipo de descoberta e situação de encerramento.
Foram calculadas as taxas de incidência de TB por 100 mil habitantes por ano utilizando como denominador a população extraída do endereço eletrônico da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE).
O EpiInfo 7 foi utilizado para as análises de frequência, teste para tendência linear, teste do c2 e cálculo de intervalo de confiança de 95% (IC95%). Foi estabelecido um nível de significância estatística de 0,05.
Em relação à distribuição espacial, foram confeccionados mapas temáticos com a taxa de incidência anual de TB por distrito administrativo para os anos de 2006, 2010 e 2013 utilizando o software de código livre QGis.
RESULTADOS
No período estudado, a taxa de incidência de TB por 100 mil habitantes/ano passou de 52,6 em 2006 para 49,5 em 2013 (Gráfico 1), no entanto, a redução não foi estatisticamente significativa (p = 0,078).
Taxa de incidência de tuberculose por 100 mil habitantes/ano, município de São Paulo, 2006 a 2013.
A taxa de incidência anual da doença entre os homens parece se manter estável (p = 0,267) (Gráfico 2), sendo que em 2013 foi 2,03 vezes maior do que a das mulheres (IC95% 1,98 - 2,06). Houve uma tendência de aumento da taxa de incidência anual de TB entre as crianças de 0 a 14 anos (p = 0,007) e uma tendência de queda nas faixas etárias de 15 a 59 anos (p = 0,022) e de 60 anos e mais (p = 0,047) (Gráfico 3). A proporção de doentes de TB que não possuem residência fixa aumentou de 2,7% em 2006 para 5,5% em 2013 (p < 0,001).
Taxa de incidência de tuberculose por 100 mil habitantes/ano segundo sexo, município de São Paulo, 2006 a 2013.
Taxa de incidência da tuberculose por 100 mil habitantes/ano segundo a faixa etária, município de São Paulo, 2006 a 2013.
Os indígenas representaram a maior taxa de incidência de TB anual no MSP em 2010, sendo de 724,9 casos por 100 mil habitantes/ano, o que representa um risco relativo de 19,0 (IC95% 15,5 - 23,4) quando comparada com a taxa de incidência anual nos brancos. Os pretos também apresentaram taxa de incidência anual elevada: 87,0 por 100 mil habitantes/ano.
A forma clínica pulmonar permaneceu predominante. Ocorreu maior direcionamento dos diagnósticos para a Atenção Básica (demanda ambulatorial e busca ativa/investigação de contatos) e melhoria na taxa de cura dentro do período estudado (Tabela 1).
A solicitação da radiografia de tórax diminuiu no período (Tabela 1) e a testagem para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) aumentou. A expansão do tratamento supervisionado melhorou, sendo que foi adotado para 60,5% (IC95% 59,2 - 61,7) dos doentes de TB em 2013 (Tabela 1).
Percebeu-se melhoria na informação e no preenchimento dos dados para todas as variáveis estudadas, com destaque para tipo de tratamento e raça/cor.
A taxa de incidência/ano da TB é distribuída de forma muito diversificada no espaço geográfico do MSP, sendo que os distritos administrativos que apresentaram taxas de incidência/ano elevadas por todo o período do estudo foram: Bom Retiro, República, São Miguel, Lajeado, Brasilândia, Barra Funda, Belém, Brás e Pari (Figura 1).
Distribuição da taxa de incidência de tuberculose por 100 mil habitantes/ano por distrito administrativo, município de São Paulo, 2006, 2010 e 2013.
DISCUSSÃO
A redução da incidência da TB no MSP vem ocorrendo de forma lenta, assim como foi observado em outras regiões de alta carga da doença7. Este estudo permitiu identificar que alguns grupos aumentaram sua participação no contexto da doença, em especial as crianças e os moradores de rua.
A TB infantil representa um evento sentinela dentro de uma comunidade, indicando transmissão recente, cuja fonte é um adulto infeccioso doente de TB pulmonar8. O aumento da TB entre crianças demonstra, portanto, que os serviços de saúde não estão realizando o diagnóstico precoce9 e o tratamento adequado dos casos bacilíferos em adultos10.
Um elevado número de casos de TB entre moradores de rua também foi demonstrado em outros estudos11,12, inclusive no estado de São Paulo13. Essa população é considerada uma fonte importante de infecção11, sendo que seu o adoecimento é associado à presença de outras morbidades (como HIV, doenças hepáticas, doenças mentais e dependência de substâncias) e, ainda, ao difícil acesso aos serviços de saúde. Além disso, esse grupo apresenta alta proporção de morte por TB12 e forte relação com o fracasso no tratamento13.
Bem como foi observado neste estudo, a TB no Brasil também está associada às pessoas da cor preta e indígenas, tendo em vista que esses grupos enfrentam barreiras discriminatórias tanto para utilizar a rede de assistência médica quanto para obter melhores oportunidades de renda2.
Se por um lado o perfil clínico da doença não mudou, a proporção de realização de diagnósticos pelos diferentes serviços sofreu alterações e a solicitação de radiografia de tórax decresceu. A menor participação dos serviços de urgência/emergência e hospitalares no diagnóstico da TB talvez explique parte da diminuição dos pedidos de exames de imagem pulmonar14.
O incremento no diagnóstico por meio da busca ativa de casos e investigação de contatos foi verificado neste estudo. Tais ações são viáveis e eficientes para melhorar a detecção de casos e, assim, reduzir a transmissão e a incidência de TB, principalmente quando são direcionadas para grupos de risco nos quais se incluem as crianças que são contatos de doentes de TB com baciloscopia positiva15,16. Todavia, vale destacar que os serviços hospitalares e de urgência/emergência ainda representam parte importante da responsabilidade pelos diagnósticos da TB no MSP.
Apesar das melhorias constatadas com relação ao aumento das testagens para o HIV e maiores taxas de cura da TB, avanços precisam ser feitos no sentido de testar todos os pacientes de TB para o HIV e tratar mais de 85% deles, como recomenda a Organização Mundial da Saúde1.
A expansão do tratamento supervisionado percebido neste trabalho é um avanço muito positivo para o controle da TB no MSP, já que essa estratégia promove aumento das taxas de cura entre populações vulneráveis, melhora a adesão ao tratamento e protege os pacientes de TB dos desfechos negativos da doença17.
A importante variação da taxa de incidência de TB anual por distrito administrativo no MSP demonstra que a distribuição da doença é desigual em seu espaço urbano. Pode-se dizer que a doença está mais fortemente localizada nas regiões centrais e periféricas da cidade, áreas com maior aglomeração de pessoas e presença de vulnerabilidade social. Na cidade de Vitória (Espírito Santo), a maior taxa de incidência para TB também ocorreu nas áreas mais pobres da cidade18.
Como em todo estudo com dados secundários, as lacunas encontradas no preenchimento das informações foi uma limitação para o presente estudo. Apesar dessa fragilidade, foi possível atingir o objetivo proposto e, inclusive, observar o progresso com relação à qualidade da informação ao longo dos anos de estudo.
CONCLUSÃO
Este estudo possibilitou o conhecimento do perfil epidemiológico da TB no MSP de 2006 a 2013. Ocorreram avanços no tratamento da doença, verificados por meio de maiores taxas de cura e do maior alcance do tratamento supervisionado. O diagnóstico da infecção também foi positivamente favorecido, já que vem sendo mais realizado pela Atenção Básica. Entretanto, chama atenção o aumento dos casos entre crianças e moradores de rua e a permanência da doença em determinadas regiões da cidade, sugerindo a necessidade de direcionamento das ações de vigilância da TB para esses grupos, com o objetivo de alcançar melhores resultados no controle da doença.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2017
Histórico
-
Recebido
17 Nov 2015 -
Aceito
28 Nov 2016