RESUMO
Objetivo:
Descrever as prevalências do consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes brasileiros antes e durante a pandemia de COVID-19 e analisar os fatores associados a esse comportamento no período de distanciamento social.
Métodos:
Estudo transversal, utilizando dados da pesquisa ConVid Adolescentes, realizado via web entre junho e setembro de 2020. Foi estimada a prevalência do consumo de bebidas alcoólicas antes e durante a pandemia e a associação com variáveis sociodemográficas, de saúde mental e estilos de vida. Foi usado modelo de regressão logística para avaliar os fatores associados.
Resultados:
Avaliaram-se 9.470 adolescentes. O consumo de bebida alcoólica reduziu de 17,70% (IC95% 16,64–18,85), antes da pandemia, para 12,80% (IC95% 11,85–13,76), durante a pandemia. O consumo de bebidas alcoólicas esteve associado à faixa etária de 16 e 17 anos (OR=2,9; IC95% 1,08–1,53), morar na Região Sul (OR=1,82; IC95% 1,46–2,27) e Sudeste (OR=1,33; IC95% 1,05–1,69), ter três ou mais amigos próximos (OR=1,78; IC95% 1,25–2,53), relatar piora dos problemas de sono (OR=1,59; IC95% 1,20–2,11), sentir-se triste às vezes (OR=1,83; IC95% 1,40–2,38) e sempre (OR=2,27; IC95% 1,70–3,05), irritado sempre (OR=1,60; IC95% 1,14–2,25), ser fumante ativo (OR=13,74; IC95% 8,63–21,87) e fumante passivo (OR=1,76; IC95% 1,42–2,19). A adesão à restrição de forma muito rigorosa associou-se ao menor consumo de bebidas alcoólicas (OR=0,40; IC95% 0,32–0,49).
Conclusão:
A pandemia causada pela COVID-19 levou à diminuição no consumo de bebidas alcoólicas pelos adolescentes brasileiros, e o consumo durante a pandemia foi influenciado por fatores sociodemográficos, de saúde mental, adesão às medidas de restrição social e estilos de vida. Faz-se necessário o envolvimento de gestores, educadores, família e sociedade na articulação de políticas públicas para evitar o consumo de bebidas alcoólicas.
Palavras-chave:
Consumo de bebidas alcoólicas por menores; Adolescentes; COVID-19; Inquéritos epidemiológicos; Brasil
ABSTRACT
Objective:
To describe the prevalence of alcohol consumption before and during the COVID-19 pandemic and to analyze the factors associated with this behavior during the period of social distancing among Brazilian adolescents.
Methods:
Cross-sectional study using data from the ConVid Adolescents survey, carried out via the Internet between June and September 2020. The prevalence of alcohol consumption before and during the pandemic, as well as association with sociodemographic variables, mental health, and lifestyle were estimated. A logistic regression model was used to assess associated factors.
Results:
9,470 adolescents were evaluated. Alcohol consumption decreased from 17.70% (95%CI 16.64–18.85) before the pandemic to 12.80% (95%CI 11.85–13.76) during the pandemic. Alcohol consumption was associated with the age group of 16 and 17 years (OR=2.9; 95%CI 1.08–1.53), place of residence in the South (OR=1.82; 95%CI 1.46–2.27) and Southeast regions (OR=1.33; 95%CI 1.05–1.69), having three or more close friends (OR=1.78; 95%CI 1.25–2.53), reporting worsening sleep problems during the pandemic (OR=1.59; 95%CI 1.20–2.11), feeling sad sometimes (OR=1,83; 95%CI 1,40–2,38) and always (OR=2.27; 95%CI 1.70–3.05), feeling always irritated (OR=1,60; 95%CI 1,14–2,25), being a smoker (OR=13,74; 95%CI 8.63–21.87) and a passive smoker (OR=1.76; 95%CI 1.42–2.19). Strict adherence to social distancing was associated with lower alcohol consumption (OR=0.40; 95%CI 0.32–0.49).
Conclusions:
The COVID-19 pandemic led to a decrease in consumption of alcoholic beverages by Brazilian adolescents, which was influenced by sociodemographic and mental health factors, adherence to social restriction measures and lifestyle in this period. Managers, educators, family and the society must be involved in the articulation of Public Policies to prevent alcohol consumption.
Keywords:
Underage drinking; Adolescent; COVID-19; Health surveys; Brazil
INTRODUÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia de COVID-19 em março de 202011 Cucinotta D, Vanelli M. WHO declares COVID19 a pandemic. Acta Biomed 2020; 91(1): 157-60. https://doi.org/10.23750/abm.v91i1.9397
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. Visando minimizar a disseminação do coronavírus, causador da doença, foram adotadas medidas de distanciamento social em vários estados e cidades brasileiros, com a suspensão das aulas, fechamento do comércio não essencial, restrição dos deslocamentos, dentre outras, o que resultou em redução do convívio social22 Szwarcwald CL, Souza Júnior PRB, Malta DC, Barros MBA, Magalhães MAFM, Xavier DR, et al. Adherence to physical contact restriction measures and the spread of COVID-19 in Brazil. Epidemiol Serv Saude 2020; 29(5): e2020432. https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000500018
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,33 Malta DC, Gomes CS, Szwarcwald CL, Barros MBA, Silva AG, Prates EJS, et al. Distanciamento social, sentimento de tristeza e estilos de vida da população brasileira durante a pandemia de Covid-19. Saúde Debate 2020; 44(4): 177-90. https://doi.org/10.1590/0103-11042020E411
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. Estudos evidenciam inúmeras repercussões negativas para a saúde dos adolescentes decorrentes das medidas de restrição do convívio social44 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Silva AG, Cardoso LSM, et al. The COVID-19 pandemic and changes in the lifestyles of Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2021; 24: e210012. https://doi.org/10.1590/1980-549720210012
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–66 Szwarcwald CL, Malta DC, Barros MBA, Souza Júnior PRB, Romero D, Almeida WS, et al. Associations of sociodemographic factors and health behaviors with the emotional well-being of adolescents during the covid-19 pandemic in Brazil. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(11): 6160. https://doi.org/10.3390/ijerph18116160
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, como aumento de sintomas de depressão e sentimentos de ansiedade, além de piora nos estilos de vida e satisfação com a vida. O sofrimento mental e os sentimentos, como ansiedade, solidão e tristeza, podem levar ao consumo de risco de bebidas alcoólicas e tabaco77 Barreto SM, Passos VM, Giatti L. Healthy behavior among Brazilian young adults. Rev Saude Publica 2009; 43 Suppl 2: 9-17. https://doi.org/10.1590/s0034-89102009000900003
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–99 Carlyle KE, Steinman KJ. Demographic differences in the prevalence, co-occurrence, and correlates of adolescent bullying at school. J School Health 2007; 77(9): 623-9. https://doi.org/10.1111/j.1746-1561.2007.00242.x
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, o que pode desencadear o abuso e a dependência dessas susbstâncias1010 De Micheli D, Formigoni MLOS. Drug use by Brazilian students: associations with family, psychosocial, health, demographic and behavioral characteristics. Addiction 2004; 99(5): 570-8. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2003.00671.x
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,1111 Committee on Substance Abuse, Kokotailo PK. Alcohol use by youth and adolescents: a pediatric concern. Pediatrics 2010; 125(5): 1078-87. https://doi.org/10.1542/peds.2010-0438
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. No período de isolamento social, o consumo dessas substâncias pode ter sido utilizado na busca de aliviar as emoções desagradáveis1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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.
A adolescência é um período de mudanças e transição para a idade adulta, em que é comum a iniciação do uso de substâncias psicoativas, como álcool, tabaco e drogas ilícitas1313 Eaton DK, Kann L, Kinchen S, Shanklin S, Flint KH, Hawkins J, et al. Youth risk behavior surveillance – United States, 2011. MMWR Surveill Summ 2012; 61(4): 1-162. PMID: 22673000–1515 Malta DC, Porto DL, Melo FCM, Monteiro RA, Sardinha LMV, Lessa BH. Family and the protection from use of tobacco, alcohol, and drugs in adolescents, National School Health Survey. Rev Bras Epidemiol 2011; 14 Suppl 1: 166-77. https://doi.org/10.1590/s1415-790x2011000500017
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. O consumo de drogas tende a aumentar gradativamente com a idade, podendo resultar em dependência1616 Faeh D, Viswanathan B, Chiolero A, Warren W, Bovet P. Clustering of smoking, alcohol drinking and cannabis use in adolescents in a rapidly developing country. BMC Public Health 2006; 6: 169. https://doi.org/10.1186/1471-2458-6-169
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e na exposição a riscos imediatos, como acidentes, violências, gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)1414 Malta DC, Mascarenhas MDM, Porto DL, Barreto SM, Morais Neto OL. Exposure to alcohol among adolescent students and associated factors. Rev Saude Publica 2014; 48(1): 52-62. https://doi.org/10.1590/s0034-8910.2014048004563
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,1717 World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010. Genebra: WHO; 2011..
A exposição a substâncias na adolescência é mais frequente nos contextos de socialização com os pares, como festas, encontros com amigos, e acontece, em geral, sem o conhecimento e a supervisão dos responsáveis1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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,1616 Faeh D, Viswanathan B, Chiolero A, Warren W, Bovet P. Clustering of smoking, alcohol drinking and cannabis use in adolescents in a rapidly developing country. BMC Public Health 2006; 6: 169. https://doi.org/10.1186/1471-2458-6-169
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,1818 Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS, Prado RR, Pinto AMS, Oliveira-Campos M, et al. Use of psychoactive substances among Brazilian adolescents and associated factors: National School-based Health Survey, 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(suppl 1): e180004. https://doi.org/10.1590/1980-549720180004.supl.1
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. Alguns estudos apontaram que, durante a pandemia, os adolescentes passaram mais tempo com os pais, longe da escola e dos amigos e colegas, o que teria reduzido o acesso a essas substâncias, reduzindo o consumo1111 Committee on Substance Abuse, Kokotailo PK. Alcohol use by youth and adolescents: a pediatric concern. Pediatrics 2010; 125(5): 1078-87. https://doi.org/10.1542/peds.2010-0438
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,1919 Bade R, Simpson BS, Ghetia M, Nguyen L, White JM, Gerber C. Changes in alcohol consumption associated with social distancing and self-isolation policies triggered by COVID-19 in South Australia: a wastewater analysis study. Addiction 2021; 116(6): 1600-5. https://doi.org/10.1111/add.15256
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–2121 Dumas TM, Ellis W, Litt DM. What does adolescent substance use look like during the COVID-19 pandemic? Examining changes in frequency, social contexts, and pandemic-related predictors. J Adolesc Health 2020; 67(3): 354-61. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.06.018
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. Entretanto, outros estudos sugeriram que, no mesmo período, os adolescentes tiveram maior exposição a situações de risco e conseguiram manter o consumo de bebidas alcoólicas elevado1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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,2121 Dumas TM, Ellis W, Litt DM. What does adolescent substance use look like during the COVID-19 pandemic? Examining changes in frequency, social contexts, and pandemic-related predictors. J Adolesc Health 2020; 67(3): 354-61. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.06.018
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,2222 Maggs JL. Adolescent life in the early days of the pandemic: less and more substance use. J Adolesc Health 2020; 67(3): 307-8. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.06.021
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.
No Brasil, conforme estudo analisando dados da pesquisa ConVid Adolescentes — Pesquisa de Comportamentos, diminuiu o consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes brasileiros44 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Silva AG, Cardoso LSM, et al. The COVID-19 pandemic and changes in the lifestyles of Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2021; 24: e210012. https://doi.org/10.1590/1980-549720210012
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. Contudo, os estudos realizados no Brasil sobre essa temática não analisaram os fatores associados a esse comportamento. Nesse sentido, é importante identificar o efeito do distanciamento social no consumo de substâncias de risco por adolescentes brasileiros e os grupos mais afetados a fim de direcionar políticas de saúde pública e contribuir para a formulação de orientações para futuros períodos de distanciamento.
Os objetivos deste estudo eram descrever as prevalências de consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes brasileiros antes e durante a pandemia de COVID-19 e analisar os fatores associados a esse comportamento durante o período de distanciamento social.
MÉTODOS
Estudo transversal, que analisa a base de dados da pesquisa ConVid Adolescentes — Pesquisa de Comportamentos, inquérito sobre saúde virtual, visando avaliar as mudanças na vida dos adolescentes brasileiros em função da pandemia de COVID-19.
Os dados foram coletados via web, entre 27 de junho e 17 de setembro de 2020, por meio de um questionário de autopreenchimento, por meio de celular ou computador. O questionário foi construído por meio do aplicativo Research Eletronic Data Capture (RedCap) e abordou questões sobre as características sociodemográficas e as mudanças nos estilos de vida, nas atividades de rotina, no estado de ânimo e nas relações familiares no período de distanciamento social (disponível em: https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=questionario_adolescente). As informações foram armazenadas no servidor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/FIOCRUZ).
Foram incluídos no estudo os adolescentes entre 12 e 17 anos do território brasileiro. Essa faixa etária foi escolhida segundo a definição de adolescência do Estatuto da Criança e do Adolescente2323 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 1990 [cited on May 10, 2022]. Available at: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#:∼:text=LEI%20N%C2%BA%208.069%2C%20DE%2013%20DE%20JULHO%20DE%201990.&text=Disp%C3%B5e%20sobre%20o%20Estatuto%20da,Adolescente%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art.%201%C2%BA%20Esta%20Lei%20disp%C3%B5e,%C3%A0%20crian%C3%A7a%20e%20ao%20adolescente
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. O convite aos participantes foi feito por um procedimento de amostragem em cadeia chamado “bola de neve” virtual2424 Costa BRL. Bola de neve virtual: o uso das redes sociais virtuais no processo de coleta de dados de uma pesquisa científica. Rev Interdisc Gestão Social 2018; 7(1): 15-37. http://dx.doi.org/10.9771/23172428rigs.v7i1.24649
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, que se iniciou com o envio do link do questionário para pesquisadores que tivessem experiência em estudos com adolescentes. Esses pesquisadores, por sua vez, enviaram o link para adultos das suas redes sociais que fossem responsáveis por adolescentes. A esses adultos, foi solicitado convidar pelo menos três pais ou responsáveis por adolescentes, assim os convites foram enviados aos adultos, aos quais se perguntou: “O(a) Sr.(a) tem filhos ou é responsável por jovens na faixa de idade de 12 a 17 anos?” Somente aqueles que responderam afirmativamente receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com explicações sobre o estudo, um link para contato e esclarecimentos sobre a pesquisa, bem como solicitação de consentimento de participação do menor sob sua responsabilidade.
Mediante a aceitação do TCLE pelo adulto responsável, o adolescente recebeu o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e, em seguida, o respondente preencheu o questionário. Além disso, a coordenação da pesquisa enviou cartas para a direção de secretarias estaduais e de escolas, convidando-as para enviar o link para os pais e os adolescentes. A amostra obtida foi de 9.470 adolescentes.
Uma vez que a amostragem por redes não é probabilística, para obter uma amostra representativa da população, de acordo com a localização geográfica e as características sociodemográficas, foram realizadas ponderações calculadas por procedimentos de pós-estratificação2525 Szwarcwald CL, Damacena GN. Amostras complexas em inquéritos populacionais: planejamento e implicações na análise estatística dos dados. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(suppl 1): 38-45. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2008000500004
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. A amostra foi calibrada por meio dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE, 2015) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde, visando à mesma distribuição por região de residência, sexo, faixa etária (12 a 15 anos e 16 e 17 anos) e tipo de escola (pública ou privada).
No presente estudo, foi analisado o consumo de bebidas alcoólicas antes e durante a pandemia, considerando as seguintes perguntas:
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“Antes da pandemia, você costumava consumir bebidas alcoólicas em festas, saídas com amigos, etc.?” (Sim/Não);
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“Durante a pandemia:
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Não tomei bebida alcoólica;
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Estou tomando menos bebida alcoólica do que costumava;
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Continuei tomando bebida alcoólica com a mesma frequência;
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Estou tomando mais bebida alcoólica do que costumava”. Foram considerados como consumidores de bebidas alcoólicas os adolescentes que responderam “sim” para a questão A (antes da pandemia) e para as opções 2, 3 ou 4, durante a pandemia.
-
Visando analisar os fatores associados ao consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia, as variáveis explicativas investigadas foram:
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Sociodemográficas:
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Sexo: masculino ou feminino;
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Faixa etária: 12 a 15 anos e 16 e 17 anos. A categorização das faixas etárias foi baseada no fato de os adolescentes, a partir de 16 anos, já apresentarem mais responsabilidade civil, respondendo pessoalmente por seus atos, o que pode impactar a decisão de consumir bebidas alcoólicas, o que em princípio está proibido até os 18 anos2626 Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil [Internet]. Brasília: Diário Oficial da União; 2002 [cited on May 10, 2022]. Available at: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm#art3i.
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Raça/cor: branca, preta, parda, outras;
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Tipo de escola: privada ou pública;
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Escolaridade materna: ensino fundamental ou menos, ensino médio, ensino superior;
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Região: Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
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Adesão às medidas de restrição social:
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Pouco rigorosa: “Não fiz nada, levei vida normal”, “Procurei tomar cuidados, ficar a distância das pessoas, reduzir um pouco o contato, não visitar idosos, mas continuei saindo”, “Somente deixei de ir à escola, mas segui normalmente com outras atividades”.
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Muito rigorosa: “Fiquei em casa na maior parte dos dias, saindo para casa de familiares próximos, compras em supermercado e farmácia” e “Fiquei rigorosamente em casa, saindo só por necessidades de atendimento à saúde”.
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Saúde mental:
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Número de amigos próximos: nenhum, um amigo, dois amigos, três ou mais amigos;
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Qualidade do sono durante a pandemia: não afetou, começou a ter problemas de sono, problemas de sono foram mantidos, problemas de sono pioraram, problemas de sono reduziram.
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Sentir-se triste ou deprimido: nunca/raramente, às vezes, maioria das vezes/sempre.
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Sentir-se irritado: nunca/raramente, às vezes, maioria das vezes/sempre.
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Sentir-se isolado: nunca/raramente, às vezes, maioria das vezes/sempre.
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Estilos de vida:
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Hábito de fumar durante a pandemia: sim, não;
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Fumante passivo: sim, não;
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Comportamento sedentário: manteve, aumentou, reduziu. Considerou-se comportamento sedentário ficar três ou mais horas por dia sentado, assistindo à televisão, jogando videogame, usando computador, celular, tablet ou fazendo outras atividades sentado.
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Prática de atividade física durante a pandemia: manteve, aumentou, reduziu. Considerou-se praticar exercício físico pelo menos uma hora em cinco ou mais dias por semana2727 World Health Organization. Global action plan on physical activity 2018–2030: more active people for a healthier world. Geneva: WHO; 2018..
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Foram estimadas as prevalências do consumo de bebidas alcoólicas antes e durante a pandemia para amostra total e segundo variáveis de exposição, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Para verificar os possíveis fatores associados ao consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia, foi utilizado o modelo de regressão logística uni e multivariado. Todas as variáveis com p < 0,2 na análise univariada foram selecionadas para o modelo multivariado. O nível de significância adotado no modelo multivariado foi de 5%.
Todas as análises foram realizadas no Software for Statistics and Data Science (Stata) versão 14.0 e consideraram os pesos pós-estratificação.
A pesquisa foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer no 4.100.515). Os pais dos adolescentes ou seus responsáveis preencheram previamente um TCLE seguido do assentimento dos próprios adolescentes, os quais não foram identificados.
RESULTADOS
Foram avaliados 9.470 adolescentes, sendo 50,2% (IC95% 48,6–51,9) do sexo feminino e 67,7% (IC95% 66,3–69,1) entre 12 e 15 anos. A maioria declarou ser de cor da pele parda (46,6%; IC95% 44,9–48,3), seguida de branca (40,1%; IC95% 38,5–41,7) e estudar em escolas públicas (85,9%; IC95% 85,1–86,7). Quanto à escolaridade materna, a distribuição foi semelhante, cerca de um terço em cada grupo (Tabela 1).
Características da amostra (n=9.470). ConVid Adolescentes — Pesquisa de Comportamentos, 2020.
O consumo de bebidas alcoólicas foi relatado por 17,70% (IC95% 16,64–18,85) antes da pandemia e reduziu para 12,8% (IC95% 11,85–13,76) durante a pandemia. Houve redução tanto para os meninos (de 15,01 para 11,37%) quanto para as meninas (de 20,4 para 14,15%), em ambos os casos, nas faixas etárias analisadas: de 12 a 15 anos (de 11,56 para 8,55%) e de 16 e 17 anos (de 30,61 para 21,61%) (Figura 1).
Prevalência do consumo de bebidas alcoólicas antes e durante a pandemia de COVID-19. ConVid Adolescentes — Pesquisa de Comportamentos, 2020.
Quanto aos fatores associados ao uso de bebidas alcoólicas durante o isolamento social, verificou-se, no modelo univariado, maior chance desse comportamento nos adolescentes do sexo feminino (OR=1,29; IC95% 1,08–1,53); de 16 e 17 anos (OR=2,95; IC95% 2,48–3,51); nos que moram nas regiões Sul (OR=1,93; IC95% 1,59–2,35) e Sudeste (OR=1,60; IC95% 1,30–1,98), se comparados com os da Região Norte; os que tinham três ou mais amigos próximos (OR=1,42; IC95% 1,05–1,93); que relataram que os problemas de sono iniciaram (OR=1,53; IC95% 1,22–1,93), foram mantidos tais distúrbios (OR=1,81; IC95% 1,38–2,37) e pioraram (OR=2,78; IC95% 2,23–3,46) durante a pandemia; que relataram sentir-se triste às vezes (OR=2,19; IC95% 1,71–2,80) e sempre (OR=3,15; IC95% 2,51–3,97); sentir-se irritado às vezes (OR=1,56; IC95% 1,15–2,12) e sempre (OR=2,67; IC95% 2,03–3,51); sentir-se isolado às vezes (OR=1,89; IC95% 1,50–2,38) e sempre (OR=2,30; IC95% 1,84–2,88); nos adolescentes que fumavam ativamente (OR=18,33; IC95% 12,40–27,14) ou eram fumantes passivos (OR=2,26; IC95% 1,86–2,74); e nos que aumentaram o comportamento sedentário (OR=1,33; IC95% 1,11–1,59).
Por outro lado, adolescentes de cor parda (OR=0,80; IC95% 0,66–0,96), que estudavam em escolas privadas (OR=0,70; IC95% 0,58–0,85), cujas mães tinham maior escolaridade (ensino médio — OR=0,69; IC95% 0,56–0,86; ensino superior — OR=0,72; IC95% 0,58–0,90) e que adotaram as medidas de distanciamento de forma rigorosa (OR=0,46; IC95% 0,38–0,55) tiveram menor chance de consumir bebidas alcoólicas durante a pandemia (Tabela 2).
Fatores associados ao consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes durante a pandemia de COVID-19. ConVid Adolescentes — Pesquisa de Comportamentos, 2020.
No modelo multivariado, as seguintes variáveis associaram-se ao maior consumo de bebidas alcoólicas: faixa etária de 16 e 17 anos (OR=2,90; IC95% 2,39–3,51); morar nas regiões Sul (OR=1,82; IC95% 1,46–2,27) e Sudeste (OR=1,33; IC95% 1,05–1,69); ter três ou mais amigos próximos (OR=1,78; IC95% 1,25–2,53); os problemas de sono pioraram (OR=1,59; IC95% 1,20–2,11) durante a pandemia; sentir-se triste às vezes (OR=1,83; IC95% 1,40–2,38) e sempre (OR=2,27; IC95% 1,77–3,12); sentir-se irritado sempre (OR=1,60; IC95% 1,14–2,25); e ser fumante ativo (OR=13,74; IC95% 8,63–21,87) ou passivo (OR=1,76; IC95% 1,42–2,19). Enquanto isso, o menor consumo de bebidas alcoólicas associou-se com a adesãoo à restrição de forma muito rigorosa (OR=0,40; IC95% 0,32–0,49) (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O presente estudo detectou diminuição do consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia, o que foi referido por cerca de um quinto dos adolescentes consultados. Em relação aos que usaram bebidas alcoólicas no período, o maior consumo esteve associado aos adolescentes mais velhos (16 e 17 anos), que residiam nas regiões Sul e Sudeste, com três ou mais amigos, que referiram piora do sono e sentimento de tristeza e irritabilidade, e relataram ser fumantes ativos e passivos. O uso foi menor nos adolescentes que adotaram medidas muito rigorosas de distanciamento social na pandemia.
A redução da prevalência de consumo de bebidas alcóolicas durante a pandemia, observada no presente estudo, está em consonância com outras pesquisas1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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,2828 Clare PJ, Aiken A, Yuen WS, Upton E, Kypri K, Degenhardt L, et al. Alcohol use among young Australian adults in May-June 2020 during the COVID-19 pandemic: a prospective cohort study. Addiction 2021; 116(12): 3398-407. https://doi.org/10.1111/add.15599
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. A redução no seu consumo pode estar relacionada a inúmeros fatores, em especial, à menor oportunidade de participar de festas, celebrações e encontros com amigos em função das orientações de distanciamento social1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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. Dados da PeNSE mostraram que as principais oportunidades para obter bebidas alcoólicas são as festas (29,2%) e outros momentos na companhia dos amigos (17,7%)2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021..
Apesar dessa redução, a elevada prevalência de consumo de bebidas alcóolicas durante a pandemia (12,7%) mostra de forma preocupante a continuidade desse comportamento entre adolescentes, mesmo com o distanciamento social. Outras pesquisas já observaram que o consumo de bebidas alcoólicas é elevado entre adolescentes brasileiros1919 Bade R, Simpson BS, Ghetia M, Nguyen L, White JM, Gerber C. Changes in alcohol consumption associated with social distancing and self-isolation policies triggered by COVID-19 in South Australia: a wastewater analysis study. Addiction 2021; 116(6): 1600-5. https://doi.org/10.1111/add.15256
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,3030 Horta RL, Horta BL, Pinheiro RT, Morales B, Strey MN. Tabaco, álcool e outras drogas entre adolescentes em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil: uma perspectiva de gênero. Cad Saude Publica 2007; 23(4): 775-83. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2007000400005
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. De acordo com a PeNSE 2019, 63,3% dos escolares de 13 a 17 anos experimentaram esses produtos e 25%2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021. os consumiram nos últimos 30 dias de. De forma semelhante à do Brasil, as bebidas alcoólicas também são a droga mais consumida pelos jovens de outros países1313 Eaton DK, Kann L, Kinchen S, Shanklin S, Flint KH, Hawkins J, et al. Youth risk behavior surveillance – United States, 2011. MMWR Surveill Summ 2012; 61(4): 1-162. PMID: 22673000,1717 World Health Organization. Global status report on noncommunicable diseases 2010. Genebra: WHO; 2011.,3131 World Health Organization. International guide for monitoring alcohol consumption and related harm. Genebra: WHO; 2002.,3232 Leatherdale ST, Hammond D, Ahmed R. Alcohol, marijuana, and tobacco use patterns among youth in Canada. Cancer Causes Control 2008; 19(4): 361-9. https://doi.org/10.1007/s10552-007-9095-4
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.
Os resultados do estudo ainda apontaram complexas relações entre os fatores individuais, contextuais e mudanças comportamentais e o uso de substâncias de risco por adolescentes durante o confinamento provocado pela COVID-19.
O consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia foi quase três vezes mais elevado nos adolescentes mais velhos. Esse dado é concordante com os achados da PeNSE, segundo os quais adolescentes de 16 e 17 anos consomem mais bebidas alcoólicas do que os da faixa de 13 a 15 anos2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.. Apesar do fechamento dos estabelecimentos de lazer e da redução das reuniões sociais no período estudado, o grupo mais velho manteve mais liberdade para sair de casa e, com isso, mais oportunidades de acesso a substâncias psicoativas1919 Bade R, Simpson BS, Ghetia M, Nguyen L, White JM, Gerber C. Changes in alcohol consumption associated with social distancing and self-isolation policies triggered by COVID-19 in South Australia: a wastewater analysis study. Addiction 2021; 116(6): 1600-5. https://doi.org/10.1111/add.15256
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,3333 Currie C, Zanotti C, Morgan A, Currie D, Looze M, Roberts C, et al. Social determinants of health and well-being among young people. Health Behaviour in School-aged Children (HBSC) study: international report from the 2009/2010 survey. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2012.. Além disso, alguns pais liberaram o consumo de bebidas alcoólicas pelos adolescentes mais velhos dentro de casa, o que antes não era permitido3434 Maggs JL, Cassinat JR, Kelly BC, Mustillo SA, Whiteman SD. Parents who first allowed adolescents to drink alcohol in a family context during spring 2020 COVID-19 emergency shutdowns. J Adolesc Health 2021; 68(4): 816-8. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2021.01.010
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.
Os adolescentes das regiões Sul e Sudeste apresentaram maior consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia que aqueles residentes na Região Norte do país. Esse resultado acompanha as prevalências nacionais pré-pandêmicas, visto que adolescentes dessas regiões apresentaram mais alto índice de experimentação e consumo de bebidas alcoólicas, bem como episódios de embriaguez2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021..
Os adolescentes com três amigos ou mais beberam cerca de três vezes mais, constituindo um importante marcador do uso. Esse indicador reflete a influência dos pares nesse hábito. Estudos anteriores mostraram a influência de amigos no consumo de bebidas alcoólicas, pois adolescentes com mais amigos tendem a ser mais populares, o que lhes dá mais acesso a festas, onde há maior consumo de bebidas alcoólicas1818 Malta DC, Machado ÍE, Felisbino-Mendes MS, Prado RR, Pinto AMS, Oliveira-Campos M, et al. Use of psychoactive substances among Brazilian adolescents and associated factors: National School-based Health Survey, 2015. Rev Bras Epidemiol 2018; 21(suppl 1): e180004. https://doi.org/10.1590/1980-549720180004.supl.1
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. Por outro lado, estar em distanciamento social rigoroso, o que reduziu a presença desse público em festas, bem como o contato com amigos, resultou na queda do consumo de bebidas alcoólicas, o que também foi descrito em outros estudos1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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,1919 Bade R, Simpson BS, Ghetia M, Nguyen L, White JM, Gerber C. Changes in alcohol consumption associated with social distancing and self-isolation policies triggered by COVID-19 in South Australia: a wastewater analysis study. Addiction 2021; 116(6): 1600-5. https://doi.org/10.1111/add.15256
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,3535 Chodkiewicz J, Talarowska M, Miniszewska J, Nawrocka N, Bilinski P. Alcohol consumption reported during the COVID-19 pandemic: the initial stage. Int J Environ Res Public Health 2020; 17(13): 4677. https://doi.org/10.3390/ijerph17134677
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.
O estudo também identificou que o consumo de bebidas alcoólicas foi maior entre adolescentes que referiram sintomas de piora da saúde mental, como sentimentos de tristeza, irritação e piora na qualidade do sono. A pandemia significou, para a maioria dos adolescentes, afastamento dos amigos e mudança na rotina, pois muitos permaneceram sozinhos em casa, o que pode ter influenciado o aumento da tristeza, da irritabilidade e a piora na qualidade do sono44 Malta DC, Gomes CS, Barros MBA, Lima MG, Silva AG, Cardoso LSM, et al. The COVID-19 pandemic and changes in the lifestyles of Brazilian adolescents. Rev Bras Epidemiol 2021; 24: e210012. https://doi.org/10.1590/1980-549720210012
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,66 Szwarcwald CL, Malta DC, Barros MBA, Souza Júnior PRB, Romero D, Almeida WS, et al. Associations of sociodemographic factors and health behaviors with the emotional well-being of adolescents during the covid-19 pandemic in Brazil. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(11): 6160. https://doi.org/10.3390/ijerph18116160
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. Nesse cenário, alguns adolescentes podem ter usado substâncias de risco como forma de lidar com esses sentimentos ruins na fase de distanciamento social1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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,2121 Dumas TM, Ellis W, Litt DM. What does adolescent substance use look like during the COVID-19 pandemic? Examining changes in frequency, social contexts, and pandemic-related predictors. J Adolesc Health 2020; 67(3): 354-61. https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2020.06.018
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,3636 Niedzwiedz CL, Green MJ, Benzeval M, Campbell D, Craig P, Demou E, et al. Mental health and health behaviours before and during the initial phase of the COVID-19 lockdown: longitudinal analyses of the UK Household Longitudinal Study. J Epidemiol Community Health 2021; 75(3): 224-31. https://doi.org/10.1136/jech-2020-215060
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,3737 Hawke LD, Barbic SP, Voineskos A, Szatmari P, Cleverley K, Hayes E, et al. Impacts of COVID-19 on youth mental health, substance use, and well-being: a rapid survey of clinical and community samples: répercussions de la COVID-19 sur la santé mentale, l'utilisation de substances et le bien-être des adolescents: un sondage rapide d’échantillons cliniques et communautaires. Can J Psychiatry 2020; 65(10): 701-9. https://doi.org/10.1177/0706743720940562
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. Além disso, estar em casa sozinho pode ter facilitado o acesso a bebidas alcoólicas, uma vez que muitos responsáveis tiveram que se ausentar do lar para trabalhar, o que reduziu o controle e a supervisão dos menores1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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.
Outro fator que se mostrou associado ao consumo de bebidas alcoólicas foi o hábito de fumar. Estudos indicam que o tabaco pode desencadear a adoção de outros comportamentos de risco, como o consumo de bebidas3838 Abreu MNS, Eleotério AE, Oliveira FA, Pedroni LCBR, Lacena EE. Prevalence and factors associated with binge drinking among Brazilian young adults, 18 to 24 years old. Rev Bras Epidemiol 2020; 23: e200092. https://doi.org/10.1590/1980-549720200092
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,3939 Levinson D, Rosca P, Vilner D, Brimberg I, Stall Y, Rimon A. Binge drinking among young adults in an urban tertiary care emergency department in Israel. Isr J Health Policy Res 2017; 6(1): 34. https://doi.org/10.1186/s13584-017-0156-1
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, com intensificação da sensação de prazer em decorrência da combinação de nicotina e álcool4040 Thrul J, Gubner NR, Tice CL, Lisha NE, Ling PM. Young adults report increased pleasure from using e-cigarettes and smoking tobacco cigarettes when drinking alcohol. Addict Behav 2019; 93: 135-40. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2019.01.011
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. Os adolescentes que reportaram ser fumantes passivos no domicílio também tiveram mais chance de consumir bebidas alcoólicas. Estudos evidenciam que os fumantes passivos no domicílio representam uma população mais vulnerável4141 Malta DC, Gomes CS, Andrade FMD, Prates EJS, Alves FTA, Oliveira PPV, et al. Tobacco use, cessation, secondhand smoke and exposure to media about tobacco in Brazil: results of the National Health Survey 2013 and 2019. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(suppl 2): e210006. https://doi.org/10.1590/1980-549720210006.supl.2
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, o que pode ser um marcador de lares nos quais os adultos exercem menor supervisão e proteção dos adolescentes ou até mesmo estimulam o consumo de bebidas alcoólicas no domicílio. Como constatou a PeNSE, os cerca de 11% dos escolares que consumiam bebidas alcoólicas obtiveram o produto com alguém da própria família2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021., o que também mostra quão naturalizado é o consumo de bebidas alcoólicas na cultura brasileira.
Os adolescentes que aderiram de forma severa às medidas de restrição social tiveram menos chances de consumir bebidas alcoólicas durante a pandemia, o que pode estar relacionado ao distanciamento dos amigos e das festas e consequentemente à maior dificuldade de acesso, além de haver melhor controle por parte dos pais ou responsáveis sobre esse consumo1212 Rogés J, Bosque-Prous M, Colom J, Folch C, Barón-Garcia T, González-Casals H, et al. Consumption of alcohol, cannabis, and tobacco in a cohort of adolescents before and during COVID-19 confinement. Int J Environ Res Public Health 2021; 18(15): 7849. https://doi.org/10.3390/ijerph18157849
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,3636 Niedzwiedz CL, Green MJ, Benzeval M, Campbell D, Craig P, Demou E, et al. Mental health and health behaviours before and during the initial phase of the COVID-19 lockdown: longitudinal analyses of the UK Household Longitudinal Study. J Epidemiol Community Health 2021; 75(3): 224-31. https://doi.org/10.1136/jech-2020-215060
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.
Este é, até o momento, o primeiro estudo nacionalmente representativo a analisar os fatores associados ao consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes durante a pandemia de COVID-19. No entanto, algumas limitações deste estudo precisam ser mencionadas. A amostra selecionada via web, não aleatória, pode não ter alcançado todos os segmentos sociais, no entanto, a calibração da amostra baseada em dados da PeNSE reduziu essa limitação. Os dados foram coletados em um tempo específico da pandemia; hoje o cenário pode estar diferente. Assim se recomendam estudos em outros períodos da pandemia.
Como evidenciam os resultados do presente estudo, a pandemia causada pela COVID-19 afetou a vida social dos jovens e diminuiu o consumo de bebidas alcoólicas pelos adolescentes brasileiros, fenômeno associado a fatores sociodemográficos (idade e região de residência), adesão a medidas de restrição social, eventos relacionados à saúde mental (número de amigos, qualidade do sono e sentimentos de tristeza e irritabilidade) e estilo de vida (fumante ativo e passivo e comportamento sedentário).
Tais evidências indicam que as políticas públicas de promoção à saúde e à prevenção contra o consumo de bebidas alcoólicas devem ser articuladas, envolvendo gestores, educadores, família e sociedade em geral. Torna-se urgente envolver a sociedade no debate sobre o consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes, estabelecendo condições para avançar na melhoria da legislação, com melhor regulação desde a oferta até a venda de bebidas alcoólicas, pensando-se em especial na proibição do marketing dessas substâncias, como acontece com os cigarros.
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Fonte de financiamento: nenhuma.
AGRADECIMENTOS:
Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa produtividade para a autora Deborah Carvalho Malta.
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Editado por
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Abr 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
29 Ago 2022 -
Revisado
11 Nov 2022 -
Aceito
08 Dez 2022 -
Corrigido
13 Set 2024