Open-access Aumento da carga de dengue no Brasil e unidades federadas, 2000 e 2015: análise do Global Burden of Disease Study 2015

RESUMO:

Objetivo:  Descrever as principais métricas sobre dengue geradas pelo Global Burden of Disease (GBD) Study 2015, para o Brasil e suas 27 unidades federadas, nos anos de 2000 e 2015.

Métodos:  As métricas descritas foram: taxas de incidência e de mortalidade por dengue, padronizadas por idade, years of life lost (YLL), years lived with disability (YLD) e disability adjusted life years (DALY) (frequência absoluta e taxas padronizadas por idade). As métricas estimadas foram apresentadas com intervalos de incerteza (II 95%) para 2000 e 2015, acompanhadas da variação relativa percentual.

Resultados:  Verificou-se aumento de 232,7% no número de casos e de 639,0% no número de mortes entre os anos de 2000 e 2015 no país. A taxa de incidência variou 184,3% e a taxa de mortalidade mostrou-se baixa, mas com aumento de 500,0% no período avaliado. As taxas de YLL, YLD e DALY aumentaram 420,0, 187,2 e 266,1%, respectivamente. Em 2015, DALY foi semelhante entre mulheres e homens (21,9/100.000). O DALY aumentou mais que o dobro em todas as unidades da federação.

Conclusão:  O aumento acentuado de dengue ao longo dos anos associa-se à introdução e/ou circulação de um ou mais sorotipos do vírus e crescente proporção de pacientes acometidos pela forma grave da doença. Apesar da baixa taxa de mortalidade, a dengue contribui para considerável perda de anos saudáveis de vida no Brasil por acometer elevado número de pessoas, de todas as faixas etárias, ocasionando algum grau de incapacidade durante a infecção sintomática, e em razão dos óbitos, principalmente, em crianças.

Palavras-chave: Dengue; Incidência; Mortalidade; Estimativas de população; Brasil

ABSTRACT:

Objective:  To describe the main metrics on dengue generated by Global Burden of Disease (GBD) Study 2015, for Brazil and its 27 federated units, in the years 2000 and 2015.

Methods:  The metrics described were: incidence and mortality rates by dengue, standardized by age, years of life lost (YLL), years lived with disability (YLD), and disability-adjusted life years (DALY) (in absolute frequency and age-standardized rates). The estimated metrics were presented with uncertainty intervals (UI 95%) for the years 2000 and 2015, accompanied by the relative percentages of changes.

Results:  The number of cases increased 232.7% and the number of deaths increased 639.0% between 2000 and 2015 in the country. The incidence rate varied 184.3% and the mortality rate was low, but with an increase of 500.0% in the period evaluated. The YLL, YLD, and DALY rates increased 420.0, 187.2, and 266.1%, respectively. In 2015, DALY was similar among women and men (21.9/100,000). The DALY increased more than double in all the Brazilian federated units.

Conclusion:  The marked increase in dengue over the years is associated with the introduction and/or circulation of one or more serotypes of the transmitter virus and an increasing proportion of patients affected by the severe form of the disease. Despite the low mortality rate of the disease in comparison between the years of study, the disease contributes to the loss of healthy years of life in Brazil as it affects a large number of people, from all age groups, causing some degree of disability during the infection and deaths, especially, in children.

Keywords: Dengue; Incidence; Mortality; Population estimates; Brazil

INTRODUÇÃO

A dengue, doença negligenciável tropical, considerada a doença de transmissão vetorial com o maior crescimento no mundo, ocorre em 128 países, com cerca de 4 bilhões de pessoas em risco1,2. Trata-se de uma doença aguda, infecciosa, não contagiosa, sistêmica e de etiologia viral, causada por quatro sorotipos do vírus da dengue (DENV) (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) pertencentes ao gênero Flavivirus e à família Flaviviridae. O vírus é transmitido pela picada de mosquitos fêmeas do gênero Aedes, sendo o Aedes aegypti o vetor primário, o qual se encontra distribuído nas regiões tropicais e subtropicais do mundo, predominantemente em áreas urbanas e semiurbanas3.

Nos últimos anos, estimam-se entre 50 e 100 milhões de casos aparentes por ano e 22.000 mortes por dengue, principalmente em crianças4,5. As estimativas variam e, segundo modelo recente, cerca de 390 milhões (intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 284-528) de pessoas são infectadas anualmente, das quais 96 milhões são infecções aparentes6. A análise do Global Burden of Disease (GBD) Study de 2013 estimou 8,3 milhões (intervalo de incerteza de 95% (II 95%) 3,3-17,2) de casos aparentes de dengue, em 1990, e 58,7 milhões (II 95% 23,6-121,9) em 20135. Houve também média de 9.221 mortes por ano entre 1990 e 2013, variando do menor valor de 8.277 (II 95% 5.353-10.649) em 1992 ao pico de 11.302 (II 95% 6.790-13.722) em 2010. Em 2013, a incapacidade devida aos casos de dengue agudos, moderados e graves, e de fadiga pós-dengue crônica contribuiu para a perda de 566.000 anos saudáveis de vida (II 95% 186.400-1.414.600) e resultou em 576.900 anos de vida perdidos por morte prematura atribuída à doença (II 95% 330.000-701.200)5. Nas Américas, foram notificados pela Panamerican Health Organization, em 2016, 2.249.842 casos de dengue, 64,5% destes no Brasil7.

No entanto, as estimativas sobre dengue não revelam a real situação da ocorrência da doença em decorrência da subnotificação dos casos5. Os casos sintomáticos de dengue apresentam ampla variação no espectro da doença e cerca de 70% dos pacientes não procuram tratamento6.

No Brasil, a primeira epidemia de dengue, documentada clínica e laboratorialmente, ocorreu nos anos de 1981 e 1982, e foi associada aos sorotipos DENV-1 e DENV-4. Nas últimas décadas, o país viveu quatro grandes epidemias, associadas à alternância do sorotipo viral predominante: DENV-1, DENV-3, DENV-2, e DENV-4, em 1998, 2002, 2008 e 2010, respectivamente8. Nos últimos anos, as epidemias de dengue foram ocasionadas pela circulação de mais de um sorotipo9,10,11. Em 2015, foram registrados 1.649.008 casos de dengue no país. A Região Sudeste teve o maior número de casos notificados (1.026.226 casos, 62,20%), seguida das Regiões Nordeste (311.519 casos, 18,9%), Centro-Oeste (220.966 casos, 13,4%), Sul (56.187 casos, 3,4%) e Norte (34.110 casos, 2,1%)9. Nos meses de janeiro a setembro de 2016 (até a 37a semana epidemiológica), foram notificados ao Ministério da Saúde 1.438.624 casos confirmados de dengue em todo o país, sendo 762 de dengue grave e 7.449 de dengue com sinais de alarme12. Por ser uma doença com epidemias de grandes proporções em ambiente urbano e de difícil controle, estudos sobre a quantificação da carga de dengue no Brasil, considerados ainda escassos, permitiriam uma análise mais adequada da dimensão da doença e de seus impactos13,14,15. A iniciativa GBD é um estudo de epidemiologia descritiva que, desde 1990, tem por objetivo quantificar e comparar a magnitude da perda de saúde em decorrência de doenças, lesões e fatores de risco por local, sexo e idade, em pontos específicos do tempo16.

O presente estudo analisou as principais métricas sobre dengue geradas pelo GBD 2015, para o Brasil, descrevendo a situação da doença nas 27 unidades federadas nos anos de 2000 e 2015.

MÉTODOS

O GBD 2015 inclui avaliações múltiplas da carga de doença de 1990 até 2015. As estimativas apresentadas no presente artigo foram obtidas das visualizações de resultados do Institute for Health Metrics and Evaluation16.

Este estudo descreve as métricas geradas pelo GBD 2015 sobre dengue, para todo o Brasil e suas unidades federadas, em 2000 e 2015. Os métodos empregados pelo GBD 2015 foram detalhados em publicações anteriores16,17,18,19,20.

Para o Brasil, a principal fonte de informações sobre óbitos é a base de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, com ajustes por outras fontes nacionais e internacionais. Para as estimativas de mortalidade do GBD 201517, utilizou-se lista com 247 causas específicas, que apresenta estrutura hierárquica, com níveis de agregação e categorias de causas mutuamente exclusivas. Detalhes dos agrupamentos das causas de óbito foram obtidos utilizando-se a nona e a décima revisões da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID10 A90-A91), e os erros de classificação foram descritos previamente17. A modelagem para mortalidade por dengue utilizou os dados do banco de dados de causas básicas de morte e a ferramenta para modelagem para causas de morte em conjunto (Ensemble)5. Resumidamente, as covariáveis foram selecionadas com base nas associações esperadas para a mortalidade por dengue, segundo evidências científicas publicadas e plausibilidade biológica. Entre essas covariáveis, foram incluídas variáveis ambientais (precipitação, proporção da população que vive entre 15° norte e 15° sul, proporção da população que vive abaixo de 100 m de altitude e proporção da população vivendo em áreas urbanas), e variáveis relacionadas ao nível de desenvolvimento de cada país (renda per capita, acesso ao sistema de saúde e média de anos de educação). Ao final, incluiu-se a probabilidade média de transmissão por vírus da dengue ponderada pela população6. No estudo do GBD 2015, estimou-se primeiro a mortalidade por todas as causas e, em seguida, por idade, sexo, país e ano5,19.

As principais fontes de dados do Brasil para morbidade são: Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) e Sistemas de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS). São também utilizadas, entre outras, as estimativas do Annual Reported Cases of Dengue in the Americas (PAHO) e referências bibliográficas, pesquisadas de maneira abrangente e exaustiva, sobre a prevalência de doenças em estudos brasileiros de base populacional.

Para correção da subnotificação foi utilizada modelagem em três fases. Primeiro, utilizou-se distribuição espacial esperada da doença (dengue), com base na análise de componentes principais para estimar a probabilidade de transmissão por vírus da dengue padronizada pela população e o modelo baseado nas estimativas de mortalidade por dengue. Em seguida, a associação entre a distribuição esperada e a incidência observada foi modelada utilizando-se o modelo de efeito misto binomial negativo, com a premissa de que os desvios esperados da distribuição refletem a integralidade do dado relatado. O modelo foi calibrado por aferição dos desvios contra os fatores de expansão empírica, com base em dados publicados. O total de casos de dengue foi modelado por país e ano, e distribuído por grupos de idade-sexo, com base nos casos de dengue capturados pelo SIH/SUS do Brasil5,6,19.

Foram analisadas as três estimativas de carga de doenças: years of life lost (YLL) - anos de vida perdidos por morte prematura; years lived with disability (YLD) - anos de vida vividos com incapacidade; e disability-adjusted life year (DALY) - ano de vida perdidos por morte ou incapacidade. YLL expressa o efeito das mortes prematuras na população e resulta da multiplicação do número de mortes por dengue para cada faixa etária pela maior expectativa de vida nessa idade, independentemente do sexo. A expectativa de vida é baseada em uma composição teórica da tabela, na qual a perspectiva de vida-alvo para cada idade é igual à maior expectativa de vida registrada entre pessoas dessa idade em qualquer país. YLD expressa a soma da prevalência de cada uma das sequelas relacionadas com dengue, multiplicada pela ponderação da deficiência ou incapacidade. DALY é calculado como a soma de YLL e YLD17,18,20.

Foi atribuída para cada caso de dengue uma entre duas condições agudas de saúde: 94,5% dos casos receberam peso de incapacidade para “doenças infecciosas, episódio agudo moderado”, com duração média de 6 dias; e a 5,5% foi atribuído peso por incapacidade para “doença infecciosa, episódio agudo grave”, com duração média de 14 dias. As proporções para a divisão entre os casos moderados e graves foram definidas a partir de uma meta-análise do subconjunto de dados que apresentou o número total de casos e também o número de casos graves (definidos como febre hemorrágica da dengue ou síndrome de choque da dengue). A definição de caso grave correspondeu à descrição de episódio de doença infecciosa aguda grave no contexto dos pesos da incapacidade e não à de caso grave de dengue da World Health Organization (WHO)21. Além disso, 8,5% dos casos foram incluídos como fadiga crônica pós-dengue, e atribuiu-se o peso de incapacidade para “doenças infecciosas com consequências pós-agudas”, com uma duração média de seis meses5,19.

As métricas analisadas no presente artigo foram: taxas de incidência e de mortalidade por dengue, padronizadas por idade, YLL, YLD e DALY (frequência absoluta e taxas padronizadas por idade). As métricas estimadas foram apresentadas com seus respectivos II 95%. As estimativas foram apresentadas para os anos 2000 e 2015, acompanhadas dos percentuais relativos de mudanças.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta as principais métricas para dengue e a variação percentual entre os anos de 2000 e 2015. Observou-se aumento de 232,7% no número de casos e de 639,0% no número de mortes. A taxa de incidência variou 184,3% e a taxa de mortalidade mostrou-se baixa, mas com aumento de 500,0% no período avaliado. As taxas de DALY, YLL e YLD, por 100.00 habitantes e padronizadas por idade, aumentaram 266,1, 420,0 e 187,2%, respectivamente. Em 2015, as taxas de DALY foram semelhantes entre mulheres (21,9/100.000; II 95% 13,3-32,4) e homens (21,9/100.000; II 95% 11,5-30,6).

Tabela 1:
Número de casos e mortes por dengue, taxas padronizadas de incidência e mortalidade, Years of Life Lost, Years Lived with Disability e Disability Adjusted Life Years, mudança relativa e intervalo de incerteza de 95% no Brasil entre 2000 e 2015.

A Figura 1A apresenta as taxas de mortalidade por dengue por 100.000 habitantes, por faixa etária no Brasil, nos anos de 2000 e 2015. A taxa de mortalidade por dengue aumentou no período avaliado em todas as faixas etárias. Em 2015, as maiores estimativas para as taxas de mortalidade foram registradas em crianças menores de 1 ano (0,70) e idosos (variando de 0,42, na faixa de 65-69 anos, a 1,76, a partir de 80 anos).

Figura 1:
Taxas de mortalidade ajustadas (A) years of life lost; (B) years lived with disability; (C) disability adjusted life years; (D) por 100.000 para dengue Global Burden Disease Brasil, 2015.

A Figura 1B apresenta as taxas dos anos de vida perdidos por morte prematura (YLL por 100.000 habitantes) por dengue. As maiores taxas foram observadas em crianças menores de 1 ano, 11,8 e 59,9 em 2000 e 2015, respectivamente. Ressalta-se que, nesse período, o aumento foi de 407,6%. A Figura 1C mostra a carga de dengue em decorrência de anos vividos com incapacidade (YLD por 100.000 habitantes). Em 2015, as maiores taxas de YLD foram observadas nas faixas etárias entre 5 e 19 anos de idade, variando de 13,1 a 14,3.

A Figura 1D apresenta a perda dos anos saudáveis de vida em razão de morte prematura ou incapacidade por dengue (DALY por 100.000 habitantes) segundo as faixas etárias. Entre 2000 e 2015, os valores de DALY aumentaram em todas as faixas etárias. Os maiores valores foram observados em crianças menores de 1 ano: em 2000 (15,3) e 2015 (70,1), correspondendo a um aumento de 358,2%. Após essa idade, em ambos os anos avaliados, observou-se declínio do DALY na faixa etária de 1-4 anos, aumento na faixa etária de 5-9 anos e estabilização dos valores de DALY nas faixas posteriores.

A Tabela 2 mostra os valores estimados de DALY por 100.000 habitantes nos estados brasileiros e variações relativas entre os anos de 2000 e 2015. Nesse período, o DALY aumentou mais do que o dobro em todos os estados brasileiros. Os menores aumentos encontram-se em estados da Região Sul do país - Santa Catarina (116,7%) e Rio Grande do Sul (176,1%). Nos demais estados, o aumento variou de 200,0% (São Paulo, Região Sudeste) a 415,0% (Tocantins, Região Norte). Os maiores percentuais de aumento foram nas Regiões Norte (Acre - 378,8, Amapá - 365,6%, Rondônia - 327,8% e Roraima - 313,6%); Nordeste (Bahia - 326,1%, Ceará - 322,3%, Piauí - 347,9% e Rio Grande do Norte - 331,0%); e Centro-Oeste (Mato Grosso - 347,8%, Mato Grosso do Sul - 325,0%). Esses estados apresentaram variação relativa superior à média do país no período (266,1%; Tabela 1). Na Região Sudeste, os aumentos variaram entre 200,0% em São Paulo e 281,4% no Rio de Janeiro.

Tabela 2:
Disability Adjusted Life Years por 100.000 habitantes para dengue e variação percentual nos estados brasileiros entre os anos 2000 e 2015.

DISCUSSÃO

O cenário da dengue no Brasil teve mudanças representativas ao longo das últimas décadas, destacando-se o crescimento alarmante no número de pessoas acometidas em uma sucessão de epidemias associadas à introdução e/ou circulação de um ou mais sorotipos do agente etiológico e crescente proporção de pacientes acometidos pela forma grave da doença10,22,23.

O Programa de Controle da Dengue fracassou no controle do vetor no país15. De 2000 a 2015, houve considerável crescimento da carga de dengue no Brasil, com aumento do número de casos e óbitos, taxas de incidência e de mortalidade, YLL, YLD e DALY. Nesse período, o aumento da taxa de incidência de dengue (184,3%) contraria a tendência de decréscimo da carga de doenças transmissíveis no Brasil, que tem avançado no processo de transição epidemiológica, com aumento da carga de doenças crônicas não transmissíveis15,24.

Entre 2000 e 2015, a taxa de mortalidade por dengue aumentou 500,0%, passando de 0,04 a 0,24 óbitos por 100.000 habitantes, mas ainda é considerada baixa. Apesar da natureza aguda e da baixa taxa de mortalidade, a dengue apresenta grande contribuição para a perda de anos saudáveis de vida no Brasil, que em 2015 correspondeu a 44.948 anos. Nesse ano, o DALY de dengue (21,9/100.000; II 95% 13,7-30,4) contribuiu com 11,0% para o DALY de doenças tropicais negligenciáveis e malária (195,9/100.000; II 95% 160,6-246,0), grupo do qual faz parte16,17,25. Isso pode ser explicado pelo elevado número de pessoas, de todas as faixas etárias, com algum grau de incapacidade durante a infecção sintomática e óbitos, principalmente, de crianças. Em 2000, as mortes prematuras (YLL) contribuíram com 34,0% do DALY por dengue e as incapacidades com (YLD), com 66%. Em 2015, esses indicadores contribuíram com 49,0 e 51,0%, respectivamente. Esse crescimento do YLL entre 2000 e 2015 expressa aumento do número de óbitos por dengue (639,0%), maior que o aumento do número de casos (233,0%). Além disso, a taxa de mortalidade em crianças menores de 1 ano tem grande impacto no YLL.

O aumento de 266,1% no DALY de dengue, entre 2000 e 2015, reforça sua posição como importante problema de saúde pública no Brasil. Esse percentual de aumento, quando comparado a outros países da América Latina, foi superior ao encontrado no Peru (123,1%), Colômbia (91,6%), Equador (91,6%) e Venezuela (80,4%); inferior aos percentuais de aumento da Bolívia (366,6%) e Paraguai (803,5%); e semelhante ao da Argentina (326,7%) no mesmo período16.

No Brasil, elevadas taxas de mortalidade por dengue têm sido observadas nas faixas etárias extremas (crianças menores de 1 ano e idosos a partir de 65 anos). Entretanto, desde as primeiras epidemias, as maiores taxas de incidência da doença ocorreram em adultos jovens. A partir de 2006, alguns estados apresentaram a recirculação do vírus da dengue do sorotipo 2 (DENV-2) após alguns anos de predomínio do sorotipo DENV-3. Acredita-se que essa mudança de sorotipos tenha sido responsável pelo aumento, a partir de 2007, do número de casos graves em crianças26,27,28,29. Entretanto, é possível que a introdução do DENV-4 tenha adiado essa tendência segundo argumento amparado pelos modelos de susceptibilidade viral29. No estado de Minas Gerais, após a introdução do DENV-4, em 2011, apesar da maior proporção de casos ocorrerem em pacientes com idade entre 15 e 49 anos, as maiores taxas de letalidade ocorreram entre pacientes a partir de 50 anos de idade. O aumento do risco de morte, nesse grupo, está associado à dificuldade no manejo da doença em uma população com alta frequência de comorbidades30. Além disso, em áreas onde a ocorrência de dengue é relativamente recente, como em Minas Gerais e na maioria do Brasil31, as pessoas mais velhas não são inteiramente imunes e, por isso, apresentam risco aumentado de infecção secundária32 e, consequentemente, doença mais grave.

No Brasil, a cocirculação de sorotipos virais da dengue tem sido frequente, com alternância do sorotipo predominante. Por exemplo, em 2015, dentre as 23.976 amostras processadas para isolamento viral, 39,3% apresentaram-se positivas, com predomínio do DENV-1 (94,1%), seguido de DENV-4 (4,8%), DENV-2 (0,7%) e DENV-3 (0,4%)33. Em 2016, o país viveu uma grave situação de saúde pública associada à circulação simultânea de outros dois arbovírus emergentes: Zika e Chikungunya. A cocirculação desses três arbovírus (DENV, CHIKV e ZIKV), facilitada por terem o mosquito do gênero Aedes como principal vetor, dificulta o manejo clínico dos pacientes, aumenta a morbimortalidade de grupos populacionais mais vulneráveis como idosos, grávidas e crianças, e dificulta o diagnóstico laboratorial. Além disso, o vírus da febre amarela também é transmitido pelo mesmo vetor. Ainda em 2015, houve aumento inesperado de casos de microcefalia associados à exposição intrauterina ao vírus Zika34,35,36,37. Em fevereiro de 2016, essa situação epidemiológica grave, após ocorrência de quadro semelhante na Polinésia Francesa, em 2014, foi declarada como emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII) em razão de possível associação ao vírus Zika38.

Além de ser um problema de saúde pública, a dengue representa importante impacto econômico e social no país. Estimou-se que o custo da morbimortalidade por dengue no Brasil, entre 2001 e 2005, foi de US$ 322 milhões e que, em média, levou à perda de 1.391,68 anos potenciais de vida39. O impacto econômico da dengue em diferentes regiões no Brasil para o período epidêmico entre 2012 e 2013 foi de US$ 371 milhões (IC 90% 349-590) ou US$ 1.212 milhões (IC 90% 904-1,526) após ajuste para subnotificação40.

As taxas de mortalidade e de incidência estimadas no Brasil para dengue nos anos avaliados diferem em magnitude daquelas estimadas pelo GBD 2015. A taxa de incidência de dengue, em 2015, estimada pelo Ministério da Saúde (813,3/100.000), foi um pouco inferior ao da estimativa do GBD 2015 (1.269,1/100.000) para o mesmo ano33. As taxas de mortalidade para dengue nos anos 2000 e 2015 (0,04 e 0,24/100.000) diferem daquela calculada para 2000 (0,14/100.000 habitantes)22 e da taxa média estimada para o período 2000-2011 (0,16/1000.000 habitantes)41. Essas diferenças podem ser explicadas pelo uso de metodologias distintas. O GBD 2015 combina múltiplas fontes de dados e evidências disponíveis sobre incidência e óbitos por dengue, incluindo a probabilidade de ocorrência de dengue, ajustes para subnotificação e substanciais refinamentos dos modelos para estimativa da incidência e mortalidade5. Entretanto, limitações decorrentes da qualidade dos sistemas de vigilância podem comprometer as estimativas principalmente entre as regiões brasileiras.

CONCLUSÕES

Os resultados possibilitam entender melhor a carga de dengue no país e suas unidades federadas, segundo métricas estimadas pelo GBD 2015. As epidemias de dengue ao longo dos anos têm sido associadas à introdução e/ou circulação alternada de um ou mais sorotipos do vírus, além de ao aumento no número de pacientes acometidos por formas graves da doença. Essa análise é uma contribuição para as políticas de saúde, que devem priorizar as medidas de prevenção e o manejo adequado dos pacientes para redução da carga de dengue no país.

AGRADECIMENTOS

MC agradece ao CNPq a bolsa de produtividade em pesquisa e à FAPEMIG o auxílio Pesquisador Mineiro (PPM/2016).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2017
  • Aceito
    06 Mar 2017
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