Open-access Bullying e fatores associados em adolescentes brasileiros: análise da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE 2012)

Resumos

OBJETIVO:  Estimar a prevalência de bullying, sob a perspectiva da vítima, em escolares brasileiros e analisar sua associação com variáveis individuais e de contexto familiar.

MÉTODOS:  Foram analisadas informações de 109.104 adolescentes obtidas da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 2012. Foi testado modelo de associação entre o bullying e variáveis explicativas nos seguintes domínios: sociodemográfico, comportamentos de risco, saúde mental e contexto familiar. Foram feitas analises uni e multivariada, calculando-se os odds ratio e respectivos intervalos de confiança.

RESULTADOS:  A prevalência de bullying foi de 7,2% (IC95% 6,6 - 7,8). Maior chance de bullying foi encontrada entre escolares do sexo masculino (OR = 1,58; IC95% 1,51 - 1,66), com uma relação inversa entre idade e bullying, sendo maior a magnitude do risco entre menores de 13 anos quando comparados aos de 16 ou mais anos. Dos comportamentos de risco individuais, apenas ser fumante se manteve no modelo final (OR = 1,11; IC95% 1,01 - 1,23). As variáveis de saúde mental associadas foram: sentir-se solitário (OR = 2,66; IC95% 2,52 - 2,81), ter insônia (OR = 1,92; IC95% 1,80 - 2,05), não ter amigos (OR = 1,71; IC95% 1,54 - 1,89) e, no contexto familiar os que faltam às aulas sem avisar os pais (OR = 1,13; IC95% 1,07 - 1,19) e relataram sofrer agressão física dos familiares (OR = 2,03; IC95% 1,91 - 2,16).

CONCLUSÃO:  O bullying mostrou-se associado aos escolares do sexo masculino, mais jovens, de cor preta, fumantes, além daqueles que apresentam vulnerabilidades no campo da saúde mental e de violência doméstica, o que sugere necessidade de uma abordagem holística de profissionais da educação, saúde, pais e comunidade na busca de medidas para sua prevenção.

Violência; Bullying; Adolescentes; Escolas; Saúde mental; Família


OBJECTIVE:  To estimate the prevalence of bullying from the victim's perspective in Brazilian school children and to analyze its association with individual and family context variables.

METHODS:  An analysis of the data on 109,104 adolescents, obtained by the National Adolescent School-based Health Survey, held in schools in 2012, was carried out. An association model between bullying and explanatory variables was tested in different contexts: sociodemographic, risk behaviors, mental health and family context. Univariate and multivariate analyzes were performed, calculating the Odds Ratio and confidence intervals.

RESULTS:  The prevalence of bullying found in this study was of 7.2% (95%CI 6.6 - 7.8). A higher chance of bullying was found among male students (OR = 1.58; 95%CI 1.51 - 1.66), with an inverse relation between age and bullying, with the magnitude of risk among adolescents younger than 13 years of age being higher when compared to those with 16 years of age or more. Of individual risk behaviors, only being a smoker remained in the final model (OR = 1.11; 95%CI 1.01 - 1.23). Mental health variables associated with bullying were: feeling lonely (OR = 2.66; 95%CI 2.52 - 2.81), insomnia (OR = 1.92; 95%CI 1.80 - 2.05), not having friends (OR = 1.71; 95%CI 1.54 - 1.89), and, in the family context, those who skip class without telling their parents (OR = 1.13; 95%CI 1,07 - 1,19) and those who suffer physical abuse by family members (OR = 2.03; 95%CI 1.91 - 2.146).

CONCLUSION:  Bullying was associated to male students, younger, of black color, smokers, with mental health vulnerabilities and victims of domestic violence. This suggests the need for a holistic approach from education and health professionals, parents and the community in seeking measures for the prevention of bullying.

Violence; Bullying; Adolescent; Schools; Mental health; Family


INTRODUÇÃO

O bullying (do inglês bully, valentão, brigão) compreende comportamentos com diversos níveis de violência, que vão desde chateações e hostilização até franca agressão, sob forma verbal ou não. Caracterizam-se por agressões intencionais e repetidas, sem motivação aparente, provocadas por um ou mais indivíduos em relação a outros, causando dor, angústia, exclusão, humilhação, discriminação, entre outros1,2.

É um ato intencional, que leva à vitimização do outro, seja física ou psicológica, podendo resultar em atos de exclusão e boatos, e envolvendo inclusive violência física, como atos de bater e chutar. Sob a perspectiva da vítima, tem-se adotado também o termo de vitimização3-5. O comportamento se manifesta por atos repetidos de opressão, discriminação, intimidação, xingamentos, chacotas, tirania, agressão a pessoas ou grupos3-5.

O bullying tem sido pesquisado de forma ampla no ambiente escolar, e deve ser trabalhado visando à sua superação e à construção de um ambiente saudável6. Estudo da Organização Mundial de Saúde entre adolescentes identificou, em média, uma prevalência de 14% de vitimização por bullying em adolescentes de 13 anos, embora existam grandes variações entre países, sendo a maior frequência na Lituânia (29%) e a menor na Suécia (4,5%)7. No Brasil, um estudo com amostra de 5.168 alunos de quinta a oitava séries de escolas públicas e privadas nas cinco regiões do país caracterizou o bullying como agressões com frequência superior a três vezes naquele ano, adotando-se o pressuposto de que não se trata de um ato isolado, e identificou 12,5% de vitimas8.

Embora já existam muitos estudos analisando resultados da pesquisa da OMS no mundo, no Brasil ainda são poucos os estudos, e a maioria apresenta análises descritivas2,6,8, restringindo-se a características individuais.

Torna-se importante compreender fatores associados ao bullying, buscando um modelo teórico das suas complexas inter-relações. Autores já têm descrito a sua associação com o sexo masculino, com alunos mais jovens7,9, e maior relato em ambientes escolares e em áreas urbanas de maior vulnerabilidade social10. Apesar disso, na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, em 2009, nas capitais brasileiras, não tenha sido encontrada diferença entre sua prevalência segundo tipo de escola pública ou privada, utilizado como proxy de nível socioeconomico11.

Outros estudos apontam a família como locus fundamental para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, sendo descritos como fatores de proteção práticas de supervisão familiar, acompanhamento dos filhos em seu tempo livre e outras atitudes. Como situações marcadoras de risco, são consideradas práticas como faltar às aulas sem avisar aos pais11-13. Situações como a agressão familiar têm sido apontadas como associadas ao bullying, predispondo à vitimização14. Características individuais também têm sido associadas ao tema bullying, como comportamentos de risco, tais como o uso do tabaco, álcool e drogas, além de comportamento sexual de risco9 e características da saúde mental, como relatos de solidão, sintomas da depressão (incluindo sentimento de tristeza e desesperança), insônia e ideação suicida. Parte-se da hipótese que ter sofrido bullying pode estar associado a múltiplos fatores, que se potencializam e se interpenetram. Portanto, compreender estes aspectos pode fundamentar as medidas para sua prevenção.

Na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, em 2012 pesquisou-se a vitimização pelo bullying, além de inserir temas como a saúde mental, possibilitando aprofundar as análises.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo é analisar a associação entre bullying, variáveis sócio-demográficas, comportamentos de risco individuais, características da saúde mental e do contexto familiar.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, com informações provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) realizada em 2012. A PeNSE investigou fatores comportamentais de risco e de proteção à saúde em uma amostra de estudantes que frequentavam o 9º ano (antiga 8ª série) do ensino fundamental, nos turnos diurnos de escolas públicas ou privadas, localizadas em zonas urbanas ou rurais de um conjunto de municípios de todo o território brasileiro. A escolha do 9º ano do ensino fundamental teve como justificativa o mínimo de escolarização considerada necessária para responder ao questionário auto-aplicável, além da proximidade da idade de referência (13 a 15 anos) preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Foi utilizado para a seleção da amostra o cadastro do Censo Escolar 2010, e incluídas na listagem escolas que informaram possuir turmas de 9º ano do ensino fundamental nos seus turnos diurnos. A amostra foi dimensionada de modo a estimar parâmetros populacionais (proporções ou prevalências) em diversos domínios geográficos, abrangendo as 26 capitais dos estados da federação mais o Distrito Federal, o conjunto dessas capitais, as cinco grandes regiões geográficas do país (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-oeste), além do País como um todo. O processo de amostragem foi probabilístico, e o plano amostral foi formado pelas escolas (unidades primárias de amostragem) e turmas das escolas (unidades secundárias de amostragem). No caso dos municípios não capitais, as unidades primárias de amostragem foram os agrupamentos de municípios e as unidades secundárias de amostragem foram as escolas, sendo suas turmas as unidades terciárias de amostragem.

Visando corrigir o impacto na variância, foi utilizado fator de correção na amostra para que a amostragem por conglomerados resultasse em variância equivalente a amostra aleatória simples. Ainda, visando à correção na amostragem ocasionada pelo fato do indivíduo selecionado não apresentar igual probabilidade de participar da amostra, como ocorre na Amostragem Aleatória Simples (AAS), foram atribuídos pesos aos indivíduos determinados pelo inverso da probabilidade dele ser selecionado na amostra por conglomerados.

Desse modo, o peso de um determinado estudante para os estratos formados por municípios não capitais foi dado pelo produto dos pesos da seleção do primeiro estágio (grupo de municípios ou Unidade Primária de Amostragem - UPA), da seleção de segundo estágio (escola ou Unidade Secundária de Amostragem - USA) e da seleção do terceiro estágio (turma ou Unidade Terciária de Amostragem - UTA), com correção devido à ausência dos alunos que regularmente frequentam a escola, porém estavam ausentes na data da pesquisa. Assim, o peso do aluno l, da turma k, da escola j, da UPA i, do estrato h, foi dado pela fórmula:

Onde:

whi é o peso da UPA i do estrato h;

whij é o peso da escola j, da UPA i do estrato h;

whijk é o peso da turma k, escola j, da UPA i do estrato h;

Th é o número de turmas do estrato h;

Thi é o número de turmas da UPA i, do estrato h;

Thij é o número de turmas da escola j, da UPA i do estrato h;

nhi é o tamanho da amostra de escolas da UPA i do estrato h;

nhij é o tamanho da amostra de turmas da escola j, da UPA i do estrato h;

Phijk é o número de alunos respondentes da turma k, da escola j, da UPA i do estrato h;

Fhijk é o número de alunos frequentes da turma k, da escola j, da UPA i, do estrato h.

Para os estratos formados pelas capitais, a fórmula simplifica, pois só existem os dois últimos estágios de seleção. O peso do aluno l, da turma k, da escola j, do estrato h, é:

Onde:

whj é o peso da escola j do estrato h;

whjk é o peso da turma k, escola j do estrato h;

Th é o número de turmas do estrato h;

Thj é o número de turmas da escola j do estrato h;

nh é o tamanho da amostra de escolas do estrato h;

nhj é o tamanho da amostra de turmas da escola j do estrato h;

Phjk é o número de alunos respondentes da turma k, da escola j do estrato h;

Fhjk é o número de alunos frequentes da turma k, da escola j do estrato h.

Para o ajuste dos pesos, foram utilizadas as informações sobre totais de turmas e alunos matriculados das escolas, de acordo com dados do Censo Escolar de 2012, fornecidos pelo MEC15.

Estavam matriculados nas turmas selecionadas 134.310 alunos do 9º ano (antiga 8ª série) do ensino fundamental, nos turnos diurnos de escolas públicas ou privadas, situadas nas zonas urbanas ou rurais em todo o território brasileiro. Destes, 132.123 alunos eram considerados frequentes e 110.873 estavam presentes nas salas de aula. Um total de 109.104 alunos respondeu a pesquisa, representando 83% dos que foram considerados elegíveis para o estudo15.

A variável bullying foi obtida pela pergunta: "Nos últimos 30 dias, com que frequência algum dos seus colegas de sua escola te esculacharam, zombaram, mangaram, intimidaram ou caçoaram tanto que você ficou magoado/incomodado/aborrecido/ofendido/humilhado?" As respostas foram categorizadas em "Não" (nunca, raramente, às vezes) e "Sim" (a maior parte do tempo, sempre).

A análise foi guiada a partir de um modelo conceitual (Figura 1), multidimensional, proposto de causalidade do bullying, composto por aspectos sociodemográficos, aspectos individuais relativos comportamentos de risco, como uso do tabaco, de álcool e drogas e atividade sexual precoce, além de características da saúde mental e contexto familiar.

Figura 1
Modelo conceitual proposto para determinação da ocorrência de bullying em adolescentes escolares brasileiros. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Brasil, 2012.

1. Características sócio demográficas: sexo, idade, raça/cor, escola (pública, ou privada).

2. Variáveis marcadoras de comportamento de risco:

  • Consumo regular de álcool ("nos últimos 30 dias, em quantos dias você tomou pelo menos um copo ou uma dose de bebida alcoólica? Uma dose equivale a uma lata de cerveja ou uma taça de vinho, ou uma dose de cachaça ou uísque, etc.");

  • Consumo regular de tabaco ("nos últimos 30 dias, em quantos dias você fumou cigarros?");

  • experimentação de drogas ilegais ("Alguma vez na vida você usou alguma droga, como maconha, cocaína, crack, cola, loló, lança perfume, ecstasy, oxy, etc.?"), que foi recodificada em "Não usei" e "Sim, usei";

  • ter tido relação sexual na vida ("Você já teve relação sexual (transou) alguma vez?", que foi recodificada entre "Sim" e "Não".

3. Variáveis marcadoras da saúde mental:

  • Sentir-se sozinho, baseado na questão: "nos últimos 12 meses quantas vezes você já se sentiu solitário?" As opções de resposta foram "não (não, às vezes)" e "sim (na maioria das vezes, sempre)";

  • Insonia: "durante os últimos 12 meses, com que frequência voce não conseguiu dormir à noite porque algo o preocupava muito?" As opções de resposta foram "não (não, às vezes)" e "sim (na maioria das vezes, sempre)";

  • Não ter amigos: "quantos amigos próximos você tem?", Categorizada em: "nenhum" e "1 ou mais (um, dois e mais amigos)".

4. Características familiares: inclui aspectos relativos à supervisão familiar, tais como o conhecimento dos pais das atividades escolares e não escolares e à presença de agressões familiares. Para o primeiro conjunto, foram utilizadas as seguintes perguntas:

  • "Nos últimos 30 dias, com que frequência seus pais ou responsáveis sabiam realmente o que você estava fazendo em seu tempo livre?"As opções de resposta foram "Sim (na maior parte do tempo e sempre)" e "Não (nunca, raramente e às vezes)", e

  • "Nos últimos 30 dias, em quantos dias você faltou às aulas ou à escola sem permissão dos seus pais ou responsáveis?", classificada em "Sim (1 a 10 dias)" e "Não".

  • Como marcador de agressões familiares, foi utilizada a seguinte pergunta: "Nos últimos 30 dias, quantas vezes você foi agredido fisicamente por um adulto da sua família?" As opções eram "Não" e "Sim (uma, duas e mais vezes)".

Inicialmente, foi feita uma estimativa da prevalência do evento com intervalo de confiança de 95% (IC95%). Para verificar fatores associados, realizou-se análise univariada com estimativas de razões de chance (OR) com seus respectivos intervalos de confiança. Foram subsequentemente inseridas todas as variáveis de interesse no modelo multivariado, permanecendo aquelas com nível descritivo igual ou inferior a 5% (p ≤ 0,05) e com fundamento epidemiológico, permanecendo no modelo ajustado final as variáveis estatisticamente significativas (p < 0,05). Foram realizadas as análises de resíduos para verificar a adequação do modelo, via distâncias de Cook16.

Para corrigir as diferentes probabilidades de seleção de cada escolar, foram utilizados pesos na estimativa das proporções. A análise foi feita no software SPSS versão 20, utilizando procedimentos do Complex Samples Module, adequado para análises de dados obtidos por plano amostral complexo.

O Estudo foi aprovado no Conselho de Ética em Pesquisas do Ministério da Saúde, sob o parecer nº. 192/2012, referente ao Registro nº 16805 do CONEP/MS, em 27/03/2012.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 109.104 alunos, sendo a maioria (52,2%) do sexo feminino, com idade entre 13 e 15 anos (86%) e oriundos de escolas públicas (82,8%). A prevalência de bullying encontrada foi de7,2% (IC95% 6,6 - 7,8).

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos escolares segundo o relato de bullying, predominando em escolares mais novos: 8,8% em menores de 13 anos (OR = 1,40), do sexo masculino (OR = 1,25), alunos de escola privada (OR = 1,08), cor de pele preta (OR = 1,12) e parda (OR = 1,15). A raça/cor amarela (OR = 0,90) revelou-se nesta análise como fator de proteção.

Tabela 1
Frequência da ocorrência de bullying entre escolares do 9º ano do ensino fundamental segundo idade, sexo, cor/raça, escolas. Brasil, 2012.

Os relatos de comportamentos de risco como fumar (OR = 1,61), beber (OR = 1,22), experimentar droga (OR = 1,44), bem como relação sexual (OR = 1,22) aumentaram a chance do relato de vitimização por bullying (Tabela 2).

Tabela 2
Fatores de risco associados ao bullying entre escolares do 9º ano do ensino fundamental. Brasil, 2012.

Em relação às variáveis correspondentes ao domínio denominado saúde mental, os alunos que sentiam-se solitários (OR = 3,53), apresentaram insônia (OR = 3,13) e sem amigos (OR = 2,15) relataram sofrer mais bullying quando comparados aos seus respectivos homólogos (Tabela 3).

Tabela 3
Variáveis saúde mental e contexto familiar associadas ao bullying entre escolares do 9º ano do ensino fundamental. Brasil, 2012.

Para as variáveis do contexto familiar, declararam-se mais vitimados por bullying adolescentes com experiência de agressão física/violência de familiar (OR = 2,65), e os que relataram faltar às aulas sem avisar aos pais (OR = 1,33). A supervisão familiar, ou o relato de que os pais sabem o que os adolescentes fazem no tempo livre, exerceu papel protetor (OR = 0,89) (Tabela 2).

Após o ajuste por todas as variáveis do modelo, permaneceram associadas idade menor que 13, 13 e 14 anos (OR=1,77; 1,50 e 1,27, respectivamente), sexo masculino (OR = 1,58), cor preta (OR = 1,10), cor amarela, como fator de proteção (OR = 0,94), fumar (OR = 1,11), sentir-se sozinho (OR = 2,66), ter insônia (OR = 1,92), não ter amigos (OR = 1,71), sofrer agressão física dos familiares (OR = 2,03) e faltar às aulas sem avisar aos pais (OR = 1,13). As demais variáveis do comportamento individual de risco (tabaco, álcool, relação sexual e drogas) perderam a significância no modelo final e mostraram interação negativa entre si (dados não mostrados) (Tabela 4). Nas análises de resíduos do modelo final, utilizando à distância de Cook16, as distribuições mostraram-se adequadas.

Tabela 4
Modelo final multivariado da associação do bullying entre escolares do 9º ano do ensino fundamental. Brasil, 2012.

DISCUSSÃO

A prevalência de bullying encontrada neste estudo foi de 7,2%. Encontrou-se maior chance de bullying, entre escolares do sexo masculino, mais jovens e de cor preta, e a cor da pele amarela mostrou proteção. Dos comportamentos de risco individuais, apenas ser fumante se manteve no modelo final. Variáveis da saúde mental associadas ao bullying foram sentir-se sozinho, não ter amigos, relatar insônia; e, no contexto familiar, os que faltam as aulas sem avisar aos pais e relataram sofrer agressão física dos familiares.

Diversos estudos sobre vitimização em crianças em idade escolar têm sido publicados nos últimos anos3-5,7,17,18, mas poucos desses trabalhos relatam investigações nos contextos de saúde mental e familiar. Além disso, variáveis de saúde mental como sentimentos de tristeza ou desesperança, solidão, insônia, e comportamentos de risco como o uso de tabaco, álcool e drogas e relação sexual, associados à vitimização, tem sido pouco descritos na literatura.

A prevalência de vitimização varia em diversos estudos e países. Estudos da Europa e América do Norte encontraram prevalência do bullying entre 5 - 20%5,17; na África, entre 21 - 40%18, e, na Europa, América do Norte e África, acima de 41%19-22.

Estudos de prevalência de vitimização em 19 países de baixa e média renda, da pesquisa do Global School-Based Student Health Survey (GSHS), apontaram variação de prevalência de bullying entre 7,8% no Tajiquistão a 60,9% em Zâmbia. As maiores prevalências foram descritas em meninos e estudantes mais jovens9. Esta variabilidade pode ser explicada por questões relacionadas às perguntas sobre vitimização por bullying (diferença temporal; perspectiva avaliada, se da vítima, agressor ou ambos; tipo de pergunta e conceito de bullying adotado; e categorização das respostas) ou por questões culturais que permeiam o próprio conceito de violência.

A maioria dos estudos sobre sexo e bullying aponta maior prevalência de vitimização entre meninos2,23,24, corroborando os achados deste estudo. Entretanto, o estudo de Ybarra et al.25, identificando bullying pela internet, apontou maior prevalência entre as meninas, e o estudo de Costa et al.10, realizado em um centro urbano brasileiro, não encontrou diferença significativa entre os sexos.

Quanto à idade, consistente com os achados da PeNSE, predomina na literatura maior prevalência de bullying em estudantes mais jovens. No caso deste estudo, foram estudantes com menos de 15 anos, e, quanto mais jovens, maior a frequência de bullying, coerente com outros estudos5,18,26. Embora não tenha encontrado diferença significativa entre idades, Costa et al.10 aponta que o local de ocorrência de bullying foi diferente de acordo com a idade, sendo que adolescentes mais jovens relataram maior ocorrência no ambiente escolar, enquanto adolescentes mais velhos incluíram outros locais em seus relatos, tais como rua, residência e trabalho.

Quanto ao estado de saúde mental, estudos têm apontado a associação entre bullying e tristeza, desesperança, solidão, depressão, ansiedade, insônia e pensamentos suicidas5,21,26,27, além de pior estado psicológico e níveis negativos de satisfação com a vida10, corroborando os achados do presente estudo, que apontam maior associação (OR) entre bullying e sentir-se sozinho. Nos EUA, um estudo mostrou a associação entre bullying e ansiedade e ideação suicida27. Aumento de ansiedade e stress e diminuição do sono podem contribuir para a redução da saúde dos adolescentes. A PeNSE também identificou associação entre bullying, insônia e a falta de amigos.

Vale ressaltar que, embora algumas variáveis relativas à saúde mental tenham se mostrado associadas ao bullying, a sua semelhança com as consequências do próprio bullying10 nos remete a uma certa precaução no nexo causal deste estudo, limitação importante devido ao delineamento transversal e que será tratada mais abaixo. Em outras palavras, sendo a vítima do bullying tipicamente insegura e passiva, tais características podem despertar a agressão e, assim, perpetuar o quadro, uma vez que a ausência de reciprocidade, uma das características do bullying, explica a preferência do agressor por vítimas mais frágeis.

Estudos do GSHS têm examinado a associação entre a vitimização e comportamentos de risco (uso do tabaco, álcool e drogas), e constatou que os alunos vítimas de bullying eram mais propensos a usar o tabaco que os demais alunos26. Prevalências mais elevadas de uso de álcool entre os estudantes vítimas de bullying foram encontrados em estudos nos EUA5,28 e no Canadá26. Maiores prevalências de uso de drogas ilegais foram encontradas entre as vítimas de bullying em estudos realizados nos EUA5,25,28 e Finlandia23. No Brasil, um estudo realizado em um centro urbano encontrou maior prevalência de bullying entre adolescentes que relataram envolvimento em brigas, uso de drogas, episódio de embriaguez e consumo de cigarro10. O atual estudo apontou associação, ajustada por sexo e idade, para o uso do tabaco, álcool e drogas, na analise univariada. Entretanto, quando incluídas no modelo final, apenas o tabaco permaneceu associado. A literatura descreve associação entre álcool e bullying14,28, embora no presente estudo o álcool não tenha permanecido no modelo final. Estudos do GSHS na África indicam maiores níveis de atividade sexual entre os alunos que são vítimas de bullying22; no presente estudo, esta associação também não permaneceu no modelo final. Dentre os comportamentos individuais de risco (tabaco, álcool, relação sexual e drogas), no modelo final, permaneceu associado ao bullying apenas o tabagismo.

Não foi detectada colinearidade entre as variáveis do domínio comportamentos individuais de risco (dados não mostrados); entretanto, foi detectada interação negativa entre relação sexual e uso o de álcool e drogas. Tal intrigante associação pode ser respaldada em alguns argumentos. O primeiro deve-se ao fato de que bullying, no contexto escolar, é mais frequente entre alunos mais novos, enquanto o uso do álcool, drogas e relação sexual, são mais frequentes entre alunos mais velhos, como previamente descrito11,12,15,29,30. Além disso, o uso de álcool em adolescentes ocorre em gupos de amigos, estando associado na nossa cultura ao prazer, à convivencia, às celebrações, festas, e seu uso é estimulado no convívio social31. Adolescentes que usam álcool têm um maior convívio, maior número de amigos, e, consequentemente, uma rede social de proteção, o que, em última análise, poderia reduzir a vitimização pelo bullying. Este achado não parece se esgotar aqui e merecerá futuras análises e discussões mais dirigidas ao entendimento destas hipóteses.

A associação entre comportamento de risco e bullying pode levar a graves prejuízos à saúde dos adolescentes, além de ocasionar transtornos familiares e enfraquecimento das redes sociais7.

A supervisão familiar recebida pelo escolar exerceu efeito protetor para o bullying. Estudos têm descrito efeito protetor do monitoramento e envolvimento dos pais. O suporte aos filhos se associa à situação de proteção dos escolares em diversos aspectos, evitando atitudes de violência, como envolvimento em brigas e lutas físicas14,32, bem como menores prevalências de uso de substâncias12,13,33. A atitude de faltar às aulas sem comunicar aos pais estee associada ao bullying. Da mesma forma, vivências de agressão familiar estiveram associadas no modelo final. Violência familiar resulta em ambientes de insegurança, que resultam em profundas consequências para a saúde física e mental das crianças14,33. Outros estudos apontam que atitudes e práticas parentais, como agressão e abuso físico contra crianças e adolescentes, estão associados a maiores prevalências de experimentação e uso de substâncias34. No estudo de Costa et al.10, a vitimização por bullying foi associada a pior percepção familiar. Para a autora, as relações estabelecidas no contexto familiar podem favorecer comportamentos agressivos que caracterizam o bullying. O contexto familiar de violência inclui baixa autoestima, situações de violência muitas vezes repetidas, problemas no desempenho escolar, comportamentos violentos e práticas de bullying14,34.

A PeNSE é o inquérito com escolares de maior amplitude no Brasil, tanto em relação à amostra quanto aos temas pesquisados. Por tratar-se de inquérito transversal, apresenta algumas limitações na determinação da causalidade. Assim, embora pareça que vítimas de bullying sejam mais propensas a ter problemas de saúde mental e comportamentos de risco, não é possível a relação de temporalidade ou a direção da causalidade para estas associações encontradas.

CONCLUSÃO

O bullying pode variar de acordo com idade, sexo e características individuais, além de contextos culturais e sociais. As associações aqui apontadas podem apoiar profissionais da educação e saúde, pais e comunidades na busca de medidas para a prevenção deste tipo de violência. Como fenômeno dinâmico, está relacionado a uma complexa rede de interação entre os indivíduos, as famílias e as escolas, permeados pelo contexto sociocultural.

O bullying pode afetar a saúde física e mental dos adolescentes, o que requer a atenção das escolas, pais e da comunidade. São ainda necessárias pesquisas adicionais para entender melhor as diferenças e os contextos que produzem estes comportamentos. Entretanto, a atuação dos profissionais de saúde e educação no sentido de identificar estas violências e preveni-las é algo que se coloca na agenda atual. Esse trabalho compreende uma dimensão que deve integrar múltiplos setores, tanto nos aspectos macroestruturais - a exemplo das políticas públicas sociais - como na articulação e integração de diferentes setores e serviços na perspectiva da intersetorialidade e integralidade, definindo-se e estabelecendo-se redes de apoio e proteção.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2014

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2013
  • Revisado
    22 Jan 2014
  • Aceito
    24 Jan 2014
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