RESUMO:
Este estudo mediu a prevalência e identificou fatores associados à ocorrência de depressão entre idosos em Arroio Trinta, Santa Catarina. Aplicou-se questionário domiciliar a todos aqueles com 60 anos ou mais de idade residentes nesse município em 2013. O desfecho foi avaliado pela Escala de Depressão Geriátrica Reduzida (EDG-15). Utilizou-se teste do χ2 para comparar proporções e regressão de Poisson com ajuste robusto da variância na análise multivariável. A medida de efeito utilizada foi a razão de prevalências. A prevalência de depressão entre os 552 (de 568) idosos estudados foi de 20,4% (IC95% 17,3 - 23,8). Após análise ajustada conforme modelo hierárquico previamente definido, verificou-se maior razão de prevalências para depressão no sexo feminino, entre solteiros, de menor renda familiar, fumantes e que haviam sido hospitalizados nos 12 meses anteriores à entrevista. Participar de atividades coletivas de lazer, como baile e culto religioso, ou realizar atividade física regular mostraram-se protetores à ocorrência de depressão. Os resultados obtidos neste estudo revelam a necessidade e a possibilidade de tratamento e manejo dessa doença em nível coletivo.
Palavras-chave:
Depressão; Idoso; Prevalência; Inquéritos epidemiológicos; Fatores de risco; Estudo observacional
ABSTRACT:
This study assessed the prevalence of depression and associated factors among Brazilian elderly in Arroio Trinta, Southern Brazil. During home visits, a questionnaire was administered to all people aged 60 or older living in the municipality in 2013. The Geriatric Depression Scale Short Form (GDS-15) was used. The χ 2 test was performed to compare proportions and Poisson regression with robust adjustment of variance in the multivariate analysis. The effect measure applied was the prevalence ratio. The prevalence of depression among 552 (out of 568) elderly studied was 20.4% (95%CI 17.3 - 23.8). An adjusted analysis conducted according to a predefined hierarchical model showed higher prevalence ratios of depression among females, single people, those with lower household income, smokers, and those who had been hospitalized in the 12 months preceding the interview. Engaging in leisure-time activities such as dances and religious activities or regular physical activity were protective factors for depression. Results from this study demonstrate the need of proper treatment and management of this condition at the community level.
Keywords:
Depression; Aged; Prevalence; Health surveys; Risk factors; Observational study
INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional aumentou a carga de doenças na população, especialmente no que se refere às doenças psiquiátricas, em particular a depressão11. Mann A. Depression in the elderly: findings from a community survey. Maturitas 2001; 38(1): 53-8.. Isso é particularmente relevante para o Brasil, porque estima-se que em 2045 o número de idosos será maior do que o número de crianças no país22. Wong LLR, Carvalho JA. O rápido processo de envelhecimento do Brasil: sérios desafios para as políticas públicas. Rev Bras Estud Popul 2006; 23(1): 5-26..
A prevalência de depressão na população idosa na literatura varia de pouco mais de 2 a 50%, dependendo da escala utilizada, do local onde foi conduzido o estudo e da faixa etária incluída33. Lyness JM, Caine ED, King DA, Cox C, Yoediono Z. Psychiatric disorders in older primary care patients. J Gen Intern Med 1999; 14(4): 249-54.,44. Veras RP, Coutinho E. Prevalência da síndrome cerebral orgânica em população de idosos de área metropolitana da região sudeste do Brasil. Rev Saúde Pública 1994; 28(1): 26-37.,55. Silberman C, Souza C, Wilhems F, Kipper L, Wu V, Diogo C, et al. Cognitive deficit and depressive symptoms in a community group of elderly people: a preliminary study. Rev Saúde Pública 1995; 29(6): 444-50.,66. Blay SL, Bickel H, Cooper B. Mental illness in a cross-national perspective. Results from a Brazilian and a German community survey among the elderly. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 1991; 26(6): 245-51.,77. Borges DT, Dalmolin BM. Depressão em idosos de uma comunidade assistida pela Estratégia de Saúde da Família em Passo Fundo, RS. Rev Bras Med Fam Comunidade 2012; 7(23): 75-82.,88. Rosa PV. Estudo sobre os fatores associados à depressão em idosos da comunidade de Barra Funda - RS [tese de doutorado]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul; 2007.,99. Goncalves VC, Andrade KL. Prevalência de depressão em idosos atendidos em ambulatório de geriatria da região nordeste do Brasil (São Luís - MA). Rev Bras Geriatr Gerontol 2010; 13(2): 289-300.,1010. Hoffmann EJ, Ribeiro F, Farnese JM, Lima EWB. Sintomas depressivos e fatores associados entre idosos residentes em uma comunidade no norte de Minas Gerais, Brasil. J Bras Psiquiatr 2010; 59(3): 190-7.,1111. Maciel ACC, Guerra RO. Prevalência e fatores associados à sintomatologia depressiva em idosos residentes no Nordeste do Brasil. J Bras Psiquiatr 2006; 55(1): 26-33.,1212. Bandeira CB. Perfil dos idosos com depressão em comunidade do município de Fortaleza. Rev Bras Med Fam Comunidade 2008; 4(15): 189-204.. Os fatores de risco associados a sua ocorrência incluem pertencer ao sexo feminino, viver sozinho, ter baixo nível socioeconômico, consumir bebida alcoólica em excesso, ser portador de doença física crônica e referir história pessoal ou familiar de depressão1313. Vink D, Aartsen MJ, Schoevers RA. Risk factors for anxiety and depression in the elderly: a review. J Affect Disord 2008; 106(1-2): 29-44.. A ocorrência de luto familiar, o comprometimento cognitivo e a perda da mobilidade funcional são outros fatores fortemente associados à ocorrência de depressão1313. Vink D, Aartsen MJ, Schoevers RA. Risk factors for anxiety and depression in the elderly: a review. J Affect Disord 2008; 106(1-2): 29-44.,1414. Bruce ML. Psychosocial risk factors for depressive disorders in late life. Biol Psychiatry 2002; 52(3): 175-84.. Dentre os fatores protetores incluem-se apoio social, realização de atividades sociais, sobretudo voluntariado, atividade física e participação em atividade religiosa1515. Hong SI, Hasche L, Bowland S. Structural relationships between social activities and longitudinal trajectories of depression among older adults. Gerontologist 2009; 49(1): 1-11.,1616. Koenig HG. Religion and depression in older medical inpatients. Am J Geriatr Psychiatry 2007; 15(4): 282-91..
A maioria dos estudos sobre depressão na terceira idade foi conduzida entre idosos residentes em áreas urbanas e em cidades de grande porte, onde vivem 85% da população brasileira. Há poucos estudos sobre os idosos residentes em pequenos municípios, sobretudo em área rural. Em virtude da expectativa de vida estar aumentando, quer seja em município de pequeno, médio ou grande porte, em área rural ou urbana, é de se supor que a população idosa irá aumentar, assim como a prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, dentre as quais a depressão, um transtorno crônico, recorrente e incapacitante que onera o sistema público de saúde e muda o cotidiano das famílias. Nesses municípios, em geral muito distantes dos grandes centros urbanos, as dificuldades para lidar com esse tipo de problema serão ainda maiores, não somente pela falta de profissionais habilitados, mas também pela ausência de infraestrutura por parte do serviço público de saúde.
O objetivo do presente estudo foi medir a prevalência e identificar fatores associados à ocorrência de depressão entre todas as pessoas com 60 anos ou mais de idade residentes no município de Arroio Trinta, Santa Catarina.
MÉTODOS
O presente estudo foi conduzido em Arroio Trinta, Santa Catarina, município de colonização italiana com cerca de 3.500 habitantes, localizado no Centro-oeste catarinense e distante 425 km de Florianópolis, a capital do estado.
A população alvo deste estudo foi constituída por todos aqueles com 60 anos ou mais de idade residentes nas áreas rural e urbana desse município entre os meses de setembro e dezembro de 2013. Foram excluídos idosos que, por limitação física ou cognitiva, apresentavam-se impossibilitados de responder ao questionário. Idosos que se encontravam viajando, hospitalizados ou que se recusaram a participar do estudo foram contabilizados como perdas.
O delineamento utilizado neste estudo foi do tipo transversal (ou de prevalência). Esse delineamento é o mais adequado para medir a ocorrência de eventos em saúde ou doença de forma rápida e a um custo aceitável em nível local1717. Silva IS. Cancer epidemiology: principles and methods. Lyon: World Health Organization & International Agency for Research on Cancer; 1999..
O instrumento aplicado constou de um questionário padronizado, pré-codificado, que buscava informações sobre características demográficas, socioeconômicas, ambientais, comportamentais, de morbidade e de utilização de serviços de saúde. A variável dependente (desfecho) foi construída a partir da Escala de Depressão Geriátrica Reduzida (EDG-15). Essa escala apresenta pontuação que varia de 0 a 15 pontos. O ponto de corte utilizado neste estudo foi 5/6 (não caso/caso). Esse ponto de corte para a EDG-15 produziu, segundo estudo anterior, índices de sensibilidade de 85,4% e especificidade de 73,9% para o diagnóstico de episódio depressivo maior, de acordo com a CID-101818. Almeida OP, Almeida SA. Short versions of the geriatric depression scale: a study of their validity for the diagnosis of a major depressive episode according to ICD-10 and DSM-IV. Int J Geriatr Psychiatry 1999; 14(10): 858-65..
Para aplicar esse questionário foram recrutados 14 alunos provenientes da única escola de ensino médio do município. Esses alunos receberam treinamento ao longo de cinco dias consecutivos visando à aplicação desse questionário nos domicílios. Ao final do período de treinamento, dez deles foram escolhidos para realizar as entrevistas. Inicialmente, o município foi dividido em microáreas. Na área urbana, a divisão foi feita a partir das ruas, enquanto na área rural ela se deu com base em povoados, rios, pontes, montanhas ou estradas vicinais.
Em cada um dos domicílios visitados o entrevistador perguntava a um adulto a idade das pessoas ali residentes. A resposta era anotada em uma planilha impressa (folha de conglomerado). Caso houvesse alguém com 60 anos ou mais de idade, o estudante explicava o estudo e o convidava a participar. Nesse caso, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido era dado para o morador assinar. Em caso de aceitação, e após a assinatura desse termo, procedia-se à aplicação do questionário, que era único, padronizado e com a quase totalidade das questões fechadas.
Ao final de cada dia de trabalho os entrevistadores revisaram os questionários aplicados e, no dia seguinte, os entregaram na sede do projeto, onde eram revisados e tinham as questões abertas codificadas. Em seguida, esses questionários foram duplamente digitados e comparados utilizando-se dos programas Epidata 3.11919. Lauritsen JM. EpiData data entry, data management and basic statistical analysis system. Odense: EpiData Association; 2000-2008. e Epi Info1717. Silva IS. Cancer epidemiology: principles and methods. Lyon: World Health Organization & International Agency for Research on Cancer; 1999., respectivamente. Depois, os dados foram analisados no pacote estatístico Stata 11.22020. Stata Corp. Stata statistical software: release 11.2. College Station: Stata Corporation; 2011., com o qual foi realizada análise bivariada buscando medir o nível de associação entre as variáveis independentes e o desfecho (ocorrência de depressão segundo a EDG-15). Para a comparação entre proporções foi utilizado o teste do χ2. Em seguida foram realizadas as análises brutas e ajustadas mediante regressão de Poisson com variância robusta2121. Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3: 21., obedecendo ao modelo hierárquico previamente definido. Cada bloco de variáveis de um determinado nível foi incluído na análise, e mantiveram-se no modelo todas aquelas variáveis cujo valor p foi ≤ 0,20 em relação ao desfecho. No primeiro nível ficaram as variáveis demográficas e socioeconômicas; no segundo nível, as variáveis ambientais; no terceiro nível foram colocadas as variáveis de utilização de serviço de saúde, comportamentais e de morbidade. Esse modelo de análise obedeceu ao proposto por Victora et al.2222. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1): 224-7.. A significância estatística de cada variável no modelo foi avaliada pelo teste de heterogeneidade e de tendência de Wald, de acordo com o seu tipo2323. Kirkwood BR, Sterne JAC. Essential medical statistics. Oxford: Blackwell; 2003..
O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal de Pelotas (Processo 320.865/2013).
RESULTADOS
Foram identificados 568 idosos residentes no município de Arroio Trinta. Desse total, 5 se recusaram a participar do estudo, 11 não foram encontrados nos domicílios e 8 não conseguiram responder a EDG-15. A taxa de respondentes foi de 96% (552/568).
A Tabela 1 mostra que cerca de dois terços dessa população residia em área urbana e possuía entre 60 e 69 anos de idade, pouco mais da metade (54%) pertencia ao sexo feminino e, na sua grande maioria (93%), os indivíduos eram de cor da pele branca; pelo menos 7 em cada 10 eram casados, 10% não sabiam ler nem escrever, 53% de suas famílias possuíam renda mensal de pelo menos 3 salários mínimos e 96% deles recebiam aposentadoria. Ainda, nessa mesma tabela, é possível verificar que 8% eram fumantes, ou seja, haviam fumado pelo menos 1 cigarro por dia nos últimos 30 dias; 28% praticaram alguma atividade física nos últimos 7 dias; e 81% referiram participar regularmente de alguma atividade de lazer. Por fim, 78% disseram usar diariamente algum tipo de medicamento, dois terços haviam se consultado com médico nos últimos 3 meses e cerca de 1 em cada 4 havia sido hospitalizado ou tido alguma queda nos últimos 12 meses. Cerca de dois em cada três deles afirmaram, segundo diagnóstico feito por médico, ser portadores de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e/ou depressão (Tabela 1). A prevalência de depressão segundo a EDG-15 na população estudada foi de 20,4%, com intervalo de confiança de 95% (IC95%) 17,3 - 23,8.
A Tabela 2 apresenta a prevalência de depressão conforme a categoria da variável incluída no modelo e as análises bruta e ajustada. A prevalência de depressão nessa população variou de 8,3%, entre aqueles que não fazem uso diário de qualquer tipo de medicamento ou que participam regularmente de pelo menos 3 atividades de lazer, até 64,0%, entre idosos solteiros. Na análise bruta, praticamente todas as variáveis do modelo mostraram-se significativamente associadas ao desfecho, exceto idade, número de moradores por domicílio e local de consulta médica. A análise ajustada mostrou que a razão de prevalências (RP) para depressão é substancialmente maior entre as mulheres, entre os solteiros(as), os de menor renda familiar, os fumantes e os hospitalizados nos últimos 12 meses. Essa mesma análise ajustada mostrou que a prática de atividade física nos últimos sete dias, a participação em evento religioso e a realização regular de atividades de lazer atuaram como fatores de proteção contra a ocorrência de depressão entre os idosos residentes no município de Arroio Trinta, Santa Catarina.
DISCUSSÃO
Um em cada cinco idosos de Arroio Trinta sofre de depressão, segundo a EDG-15. Os maiores riscos para essa condição foram observados entre aqueles do sexo feminino, solteiros(as), de pior renda familiar, fumantes e que se consultaram com médico e foram hospitalizados nos últimos 3 e 12 meses antecedentes à entrevista, respectivamente. Participar de evento religioso e realizar alguma atividade física e/ou de lazer com regularidade protegeu contra a ocorrência de depressão.
Vinte por cento dos idosos incluídos neste estudo sofrem de depressão segundo a escala utilizada. A prevalência de depressão entre idosos depende da escala e do ponto de corte utilizados e das características sociodemográficas da população estudada. Estudos nacionais que utilizaram a EDG-15 mostraram prevalências que variaram de 21 a 50%77. Borges DT, Dalmolin BM. Depressão em idosos de uma comunidade assistida pela Estratégia de Saúde da Família em Passo Fundo, RS. Rev Bras Med Fam Comunidade 2012; 7(23): 75-82.,99. Goncalves VC, Andrade KL. Prevalência de depressão em idosos atendidos em ambulatório de geriatria da região nordeste do Brasil (São Luís - MA). Rev Bras Geriatr Gerontol 2010; 13(2): 289-300.,1010. Hoffmann EJ, Ribeiro F, Farnese JM, Lima EWB. Sintomas depressivos e fatores associados entre idosos residentes em uma comunidade no norte de Minas Gerais, Brasil. J Bras Psiquiatr 2010; 59(3): 190-7.,1111. Maciel ACC, Guerra RO. Prevalência e fatores associados à sintomatologia depressiva em idosos residentes no Nordeste do Brasil. J Bras Psiquiatr 2006; 55(1): 26-33.,1212. Bandeira CB. Perfil dos idosos com depressão em comunidade do município de Fortaleza. Rev Bras Med Fam Comunidade 2008; 4(15): 189-204.. Os estudos que utilizaram ≥ 6 como ponto de corte para o desfecho alcançaram as maiores prevalências (38 e 50%)99. Goncalves VC, Andrade KL. Prevalência de depressão em idosos atendidos em ambulatório de geriatria da região nordeste do Brasil (São Luís - MA). Rev Bras Geriatr Gerontol 2010; 13(2): 289-300.,1010. Hoffmann EJ, Ribeiro F, Farnese JM, Lima EWB. Sintomas depressivos e fatores associados entre idosos residentes em uma comunidade no norte de Minas Gerais, Brasil. J Bras Psiquiatr 2010; 59(3): 190-7.,1111. Maciel ACC, Guerra RO. Prevalência e fatores associados à sintomatologia depressiva em idosos residentes no Nordeste do Brasil. J Bras Psiquiatr 2006; 55(1): 26-33.,1212. Bandeira CB. Perfil dos idosos com depressão em comunidade do município de Fortaleza. Rev Bras Med Fam Comunidade 2008; 4(15): 189-204.. Apesar de este estudo apresentar prevalência inferior à dos demais - o que pode ser decorrente de diferenças relacionadas às características socioeconômicas e demográficas -, fica evidente a elevada prevalência dessa doença. Trata-se, portanto, de uma doença comum que necessita de manejo adequado em nível individual, mas, sobretudo, populacional.
Praticar atividade física nos sete dias precedentes à entrevista conferiu proteção contra a ocorrência de depressão na população estudada com RP = 0,62 (IC95% 040 - 0,97). Há evidência suficiente dos efeitos benéficos da atividade física sobre a depressão em pessoas idosas. Essa proteção pode ser decorrente do bem-estar psicológico causado por essa interação ou da formação de redes de relações afetivas proporcionadas por essa prática2424. Gumarães JMN, Caldas CP. A influência da atividade física nos quadros depressivos de pessoas idosas: uma revisão sistemática. Rev Bras Epidemiol 2006; 9(4): 481-92.. Um estudo controlado randomizado mostrou que, ao se sentir menos deprimido, o indivíduo mostra-se mais propenso a se manter fisicamente ativo e, fazendo isso, diminui a probabilidade de retorno dos sintomas depressivos2525. Babyak MA, Blumenthal JA, Herman S, Khatri P, Doraiswamy M, Moore K, et al. Exercise treatment for major depression: maintenance of therapeutic benefit at 10 months. Psychosom Med 2000; 62(5): 633-8..
A RP para depressão entre idosos fumantes comparados a idosos não fumantes foi de 1,75 (IC95% 1,11 - 2,77). Essa associação já foi estudada em diferentes delineamentos. Estudos de coorte mostram bidirecionalidade nessa relação, ou seja, tanto a depressão pode levar ao tabagismo quanto esse pode levar à depressão2626. Munafo MR, Araya R. Cigarette smoking and depression: a question of causation. Br J Psychiatry 2010; 196(6): 425-6.. O fato é que, em Arroio Trinta, tabagismo e depressão encontram-se fortemente associados, e, como ambos são indesejáveis ao indivíduo, devem ser combatidos.
A RP para depressão entre mulheres foi de 1,49 (IC95% 1,05 - 2,13) em relação aos homens. Esse achado está de acordo com o encontrado em outros estudos, segundo os quais esse maior risco de depressão é decorrente da sobrecarga de funções da mulher, sobretudo as de origem familiar (de esposa, mãe, cuidadora de enfermos, educadora, entre outras), da maior taxa de viuvez, da maior taxa de sobrevida, do isolamento social e da privação de estrogênio2727. Almeida OP. Idosos atendidos em serviço de emergência de saúde mental: características demográficas e clínicas. Rev Bras Psiquiatr 1999; 21(1): 12-8.,2828. Tuesca-Molina R, Herrera NF, Sosa AM, Martínez FO, Arjona YP, Cueto JP, et al. Los grupos de socialización como factor protector contra la depresión en personas ancianas. Baranquilla, Colômbia. Rev Esp Salud Publica 2003; 77(5): 595-604..
Chegar solteiro na terceira idade conferiu RP = 3,63 (IC95% 2,32 - 5,70) para depressão em relação aos que se encontravam casados nessa idade. A condição de solteiro implica quase sempre viver sozinho e, por conseguinte, a solidão, condição associada à depressão1313. Vink D, Aartsen MJ, Schoevers RA. Risk factors for anxiety and depression in the elderly: a review. J Affect Disord 2008; 106(1-2): 29-44.. Aquele que se encontra casado possui, invariavelmente, além do companheiro(a), outros familiares em decorrência dessa união. Isso resulta na necessidade de contínua interação, diálogo e exercício do convívio diário, o que contribui para a manutenção de um indivíduo ativo, tirando-o da introspecção, condição comum ao estado depressivo88. Rosa PV. Estudo sobre os fatores associados à depressão em idosos da comunidade de Barra Funda - RS [tese de doutorado]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul; 2007..
Idosos com renda inferior a 3 salários mínimos mensais apresentaram RP cerca de 70% maior para ocorrência de depressão em relação àqueles de maior renda. O envelhecimento, particularmente após os 60 anos de idade, cursa com maior prevalência de doenças crônico-degenerativas e, por conseguinte, maior gasto em saúde, especialmente em medicamentos. Além disso, no Brasil, em decorrência da aposentadoria, há substancial perda do poder aquisitivo. O aumento dos gastos e a diminuição dos rendimentos geram ansiedade e preocupações nessa população, podendo contribuir tanto para o surgimento quanto para a manutenção de quadro depressivo. Essa relação entre renda familiar e depressão foi evidenciada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 1998), que mostrou que o aumento de 1% na renda familiar per capita diminuía em 4% o risco de depressão2929. Bós AMG, Bós AJG. Fatores determinantes e consequências econômicas da depressão entre os idosos no Brasil. Rev Bras Ciên Envelhecimento Humano 2005; 2(2): 36-46..
Entre os idosos que foram identificados como portadores de depressão segundo a escala utilizada, a RP para realização de consulta médica nos últimos 3 meses e ocorrência de hospitalização nos últimos 12 meses foi 1,66 (IC95% 1,12 - 2,45) e 1,55 (IC95% 1,12 - 2,14) vezes maior em relação aos demais, respectivamente. A PNAD revelou que a taxa de hospitalização entre os que se declaram portadores de depressão foi cerca de 3 vezes maior em relação aos demais (18,0 versus 6,6%)3030. Travassos C, Viacava F, Laguardia J. Os suplementos saúde na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Suppl 1): 98-112.. Isso pode ser reflexo da condição de cronicidade da doença, com consequente uso dos serviços de saúde3131. Máximo, GC. Aspectos sociodemográficos da depressão e utilização de serviços de saúde no Brasil [tese de doutorado]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2010..
Entre os idosos de Arroio Trinta, participar de evento religioso diminui o risco de depressão com RP = 0,69 (IC95% 0,51 - 0,96). A religiosidade parece atuar como fator psicossocial de extrema importância para a saúde mental. Possuir alguma religião, bem como frequentar igrejas, favorece pregar a solidariedade, estimular a caridade, ajudar e ser ajudado, satisfazer-se com o feito realizado, melhorar sua autoestima e aumentar seu potencial de resiliência3232. Volcan SMA, Sousa PLR, Mari JJ, Horta BL. Relação entre bem-estar espiritual e transtornos psiquiátricos menores: estudo transversal. Rev Saúde Pública 2003; 37(4): 440-5..
A participação regular em atividades de lazer diminui substancialmente o risco de depressão na população estudada. Para idosos que participaram de 3 ou mais atividades de lazer nos últimos 30 dias, a proteção chegou a 62% (RP = 0,38; IC95% 0,20 -0,69). É amplamente sabido que participar de algum grupo (dança, jogos, viagem, entre outros) como forma de lazer é extremamente positivo, pois estimula a integração social, a comunicação, a troca de experiências e a recreação. Essas atividades ajudam na quebra de preconceitos, diminuem a discriminação em relação à terceira idade e melhoram a autoestima, o que influencia positivamente no humor.
CONCLUSÃO
A ocorrência de depressão no município de Arroio Trinta é uma condição comum entre os idosos estudados. Apesar de não ter identificado novo fator de risco ou proteção, o presente estudo deu consistência aos achados dos grandes centros urbanos. Além disso, há que destacar o fato de tratar-se de um censo com nível mínimo de perdas, acontecimento raro nos demais estudos sobre o tema. É certo que esses fatores precisam ser trabalhados individualmente durante consulta médica, mas o que parece mesmo imprescindível, já que os fatores de proteção advêm da interação entre os idosos, é promover atividades coletivas, com prioridade para aquelas de lazer, nas quais mais se evidencia o efeito benéfico. Isso se torna ainda mais importante em um município distante de um grande centro urbano, que, por ter infraestrutura voltada para a atenção básica, não oferece, em nível local, cuidados especializados nessa área e dificilmente o fará no futuro. Por fim, há que se destacar a necessidade de avaliar as hipóteses aqui levantadas por meio de delineamento longitudinal, a fim de resolver em definitivo essa limitação da temporalidade e, dessa forma, eliminar de vez o viés de causalidade reversa que tanto afeta a abordagem desse problema na população idosa.
AGRADECIMENTOS
Aos entrevistadores e idosos que participaram deste estudo e à Secretaria Municipal de Saúde de Arroio Trinta, Santa Catarina, pelo apoio logístico e financeiro. Os autores também gostariam de agradecer os comentários feitos pelos professores Juvenal Soares Dias da Costa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e Raul Mendoza-Sassi da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
REFERÊNCIAS
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8Rosa PV. Estudo sobre os fatores associados à depressão em idosos da comunidade de Barra Funda - RS [tese de doutorado]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul; 2007.
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9Goncalves VC, Andrade KL. Prevalência de depressão em idosos atendidos em ambulatório de geriatria da região nordeste do Brasil (São Luís - MA). Rev Bras Geriatr Gerontol 2010; 13(2): 289-300.
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10Hoffmann EJ, Ribeiro F, Farnese JM, Lima EWB. Sintomas depressivos e fatores associados entre idosos residentes em uma comunidade no norte de Minas Gerais, Brasil. J Bras Psiquiatr 2010; 59(3): 190-7.
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Fonte de financiamento: Secretaria Municipal de Saúde de Arroio Trinta, Santa Catarina
Disponibilidade de dados
Citações de dados
Lauritsen JM. EpiData data entry, data management and basic statistical analysis system. Odense: EpiData Association; 2000-2008.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2016
Histórico
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Recebido
01 Set 2015 -
Aceito
08 Set 2016