Open-access Estrutura familiar e dinâmica educacional entre gerações

Family structure and educational dynamics between generations

Estructura familiar y dinámica educativa entre generaciones

Resumo

O presente estudo busca identificar o impacto da estrutura familiar (biparentais e uniparentais) sobre a dinâmica educacional intergeracional e a acumulação de capital humano. Foram utilizados os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014. A dinâmica educacional intergeracional foi analisada a partir de matrizes de transição e de processos de Markov. As diferenças de acumulação de capital humano entre as categorias de estruturas familiares foram investigadas a partir da decomposição de Blinder-Oaxaca. Os resultados indicam que ser dependente, do sexo feminino e residir na zona urbana são características associadas a uma maior mobilidade intergeracional de educação. O Nordeste se destaca como a região com menor mobilidade intergeracional educacional. A decomposição de Blinder-Oaxaca indica que, em média, as famílias uniparentais chefiadas por uma mulher possuem 0,5 ano de estudo a mais do que as uniparentais chefiadas pelo pai. Cerca de 74,2% dessa diferença é explicada pelo modelo estimado e a parte não explicada não possui significância estatística. Os resultados sugerem que a estrutura familiar afeta a dinâmica intergeracional de educação e a acumulação de capital humano dos indivíduos.

Palavras-chave Mobilidade intergeracional de educação; Cadeias de Markov; Decomposição de Blinder-Oaxaca; Acumulação de capital humano

Abstract

Objective. The present study seeks to identify the impact of the family structure (two-parent and one-parent) on the intergenerational educational dynamics and the accumulation of human capital. Method. The microdata from the National Household Sampling Survey (PNAD) of 2014 were used. The intergenerational educational dynamics was analyzed based on transition matrices and Markov processes. Differences in human capital accumulation between categories of family structures were investigated based on the Blinder-Oaxaca decomposition. Results. Results indicate that being dependent, female and living in the urban area are characteristics associated with greater intergenerational education mobility. The Northeast region stands out as the region with the lowest educational intergenerational mobility. The decomposition of Blinder-Oaxaca indicates that, on average, single-parent families headed by a woman have 0.5 years of study more than single-parent families headed by a father. About 74.2% of this difference is explained by the estimated model and the unexplained part has no statistical significance. Conclusion. Results suggest that the family structure affects the intergenerational dynamics of education and the accumulation of human capital of individuals.

Key words Intergenerational education mobility; Markov chains; Blinder-Oaxaca decomposition; Human capital accumulation

Resumen

Objetivo. El presente estudio busca identificar el impacto de la estructura familiar (biparental y monoparental) sobre la dinámica educativa intergeneracional y la acumulación de capital humano. Método. Se utilizaron los microdatos de la Encuesta Nacional de Muestreo de Hogares (PNAD) de 2014. Se analizó la dinámica educativa intergeneracional a partir de matrices de transición y procesos de Markov. Las diferencias en la acumulación de capital humano entre categorías de estructuras familiares se investigaron con base en la descomposición Blinder-Oaxaca. Resultados. Los resultados indican que ser dependiente, ser mujer y vivir en el área urbana son características asociadas a una mayor movilidad educativa intergeneracional. La nordestina se destaca como la región con menor movilidad educativa intergeneracional. La descomposición de Blinder-Oaxaca indica que, en promedio, las familias monoparentales encabezadas por una mujer tienen 0,5 años de estudio más que las familias monoparentales encabezadas por el padre. Aproximadamente el 74,2 % de esta diferencia se explica por el modelo estimado y la parte inexplicada no tiene significación estadística. Conclusión. Los resultados sugieren que la estructura familiar afecta la dinámica intergeneracional de la educación y la acumulación de capital humano de los individuos.

Palabras clave Movilidad educativa intergeneracional; Cadenas de Markov; Descomposición Blinder-Oaxaca; Acumulación de capital humano

Introdução

A literatura que trata da importância da família no processo de investimento em capital humano é extensa (BECKER, 1981; BECKER; MURPHY; TAMURA, 1990; CAIRE; BECKER, 1967). Ao mesmo tempo, é fato estilizado que as decisões que envolvem investimento em habilidades têm papel decisivo no processo de crescimento e desenvolvimento econômico das nações (LUCAS, 1988). Nesse contexto, a decisão de investimento em capital humano dos filhos é, em grande parte, determinada por escolhas feitas pelos pais e condicionada a fatores associados à estrutura familiar, localização espacial das famílias e conjuntura socioeconômica (BIRCHENALL, 2001). É importante ressaltar que o conceito de capital humano refere-se a um conjunto de atributos pessoais, tais como educação, experiência, habilidades, boa saúde, etc., que repercutem no processo produtivo.

Constata-se, por exemplo, que a dinâmica educacional em áreas mais desenvolvidas economicamente é mais intensa do que em regiões periféricas (BIRCHENALL, 2001; FIGUEIREDO; NETTO JR.; PORTO JR., 2007; NETTO JR.; RAMALHO; ARAGON, 2013). Esta observação sugere a existência de dois efeitos no tocante às decisões de investimento em capital humano: um efeito local, associado ao background familiar; e um efeito externo, relacionado aos fatores presentes no local onde a família reside e a conjuntura econômica (GALOR; TSIDDON, 1997; GALOR; ZEIRA, 1993). Portanto, a interação entre os determinantes familiares (efeito local) e fatores associados à infraestrutura física e dinâmica econômica (efeito externo) determina as decisões de acumulação de capital humano.

Segundo Barro e Becker (1989), as decisões de natureza familiar sobre investimento na acumulação de capital humano dos filhos também têm um papel relevante na trajetória educacional dos filhos. Os estudos de Ermisch e Francesconi (2001) e Nicoletti e Ermisch (2008), ambos realizados para a Grã-Bretanha, identificaram que a escolaridade e a dotação de riqueza dos pais e a estrutura familiar são variáveis importantes no entendimento da dinâmica intergeracional de educação. Portanto, é fundamental analisar de que forma tais decisões podem ser afetadas considerando características da estrutura familiar que vão além do nível educacional e de renda dos pais.

Dessa forma, o presente estudo busca identificar o impacto da estrutura familiar (biparentais e uniparentais) sobre a dinâmica educacional intergeracional e a acumulação de capital humano. Para tanto, utilizam-se os microdados da PNAD de 2014. A dinâmica intergeracional da educação é estudada a partir de matrizes de transição e processos de Markov. As diferenças de acumulação de capital humano entre as categorias de estrutura familiar são investigadas a partir da decomposição de Blinder-Oaxaca. De forma adjacente, analisa-se o impacto de atributos do filho, do chefe de família, do cônjuge e do local de residência da família.

O presente estudo está dividido em quatro seções, além desta introdução. A seguir, é apresentado o referencial teórico que estabelece a relação entre as diversas variáveis familiares e as decisões em investimento em capital humano. Posteriormente, abordam-se as fontes de dados, os procedimentos metodológicos e a estratégia empírica adotada. São discutidos e analisados os resultados do estudo e, por fim, apresentam-se as considerações finais.

Abordagem teórica

Revisão da literatura empírica

Em linhas gerais, a literatura empírica associada ao tema data dos anos 1990 e foca no background familiar como o mais importante determinante da trajetória educacional e de renda dos filhos. Entretanto, uma parte significativa dos estudos inclui as relações entre os dados de educação ou ocupação de pai e filho.

Nesse sentido, merecem destaque os trabalhos de Barros e Lam (1993) e Barros et al. (2001). No primeiro estudo foram usados dados da PNAD 1982 referentes a indivíduos com mais de 14 anos, residentes em áreas urbanas, nas regiões Sudeste e Nordeste. No segundo a faixa etária passou para o intervalo de 11 a 25 anos, tendo como base a PNAD de 1996. Os resultados dos dois estudos convergiram no sentido de observar a relevância das características familiares, dados dos pais, para o desempenho educacional dos filhos e importantes assimetrias quanto a este efeito do ponto de vista espacial.

Nesse contexto, o estudo de Behrman et al. (2001) se destaca como um dos primeiros a abordar o impacto das reformas econômicas ocorridas na América Latina sobre os indicadores de pobreza e desigualdade de renda. Em linhas gerais, os autores, tendo como base os dados do suplemento social da PNAD de 1996, encontraram evidências que sugerem uma elevada persistência educacional no Brasil, mesmo se comparado aos países latino-americanos.

Usando base de dados idêntica, o estudo de Ferreira e Veloso (2003) observou uma alta persistência intergeracional educacional no Brasil se comparado aos demais países latino-americanos. Em paralelo, também foi constatada uma assimetria na relação escolaridade do pai e filho de acordo com o nível de escolaridade, região geográfica e características familiares. Posteriormente, o estudo realizado por Mahlmeister et al. (2019), usando a mesma metodologia de Ferreira e Veloso(2003), confirmou que no Brasil houve um aumento na mobilidade intergeracional da educação, principalmente para os filhos cujos pais tinham baixa escolaridade, e estabilidade no nível educacional para as crianças com pais acima de 11 anos de estudo. Vale salientar que tanto os estudos citados anteriormente quanto o trabalho de Behrman et al. (2001) não consideraram os filhos corresidentes, ou seja, aqueles que ainda moram com os pais na idade adulta.

Quanto às pesquisas que assumem apenas os pais e filhos corresidentes, merecem destaque os artigos de Figueiredo, Netto Jr. e Porto Jr. (2007) e Netto Jr., Ramalho e Aragon (2013). O primeiro trabalho utiliza informações das PNAD de 1987 a 2005. Sua principal conclusão é que, ao longo deste período, houve aumento da mobilidade intergeracional educacional associada à redução da persistência do pai analfabeto. O segundo estudo, tendo como base os microdados do Censo Demográfico do IBGE de 1991 e 2000, ressalta a grande heterogeneidade da dinâmica educacional inter-regional e como ela se diferencia considerando indivíduos migrantes e não migrantes.

No tocante aos determinantes da mobilidade educacional, merecem destaque os estudos de Ermisch e Francesconi (2001) e Nicoletti e Ermisch (2008) para Grã-Bretanha. Essas pesquisas enfatizam a importância da escolaridade dos pais e da dotação de riqueza para a mobilidade intergeracional educacional. De acordo com os resultados de Ermisch e Francesconi (2001), há baixa mobilidade intergeracional em lares monoparentais. No estudo de Nicoletti e Ermisch (2008), os resultados sugerem que a mobilidade intergeracional não tem mudanças significativas para indivíduos nascidos em 1950 e 1972.

Lee e Lee (2021) realizaram um estudo internacional sobre os padrões e determinantes da persistência intergeracional da educação a partir de dados comparáveis de 30 países. Os autores mostraram que a mobilidade educacional piorou ao longo das gerações na maioria países. A pesquisa também demonstrou que a mobilidade intergeracional da educação tende a diminuir com a desigualdade de renda, inflação e restrições de crédito e se eleva com o aumento do PIB per capita e dos gastos públicos com educação primária em relação ao ensino superior.

O estudo de Jiménez e Jiménez (2019) examinou a mobilidade educacional intergeracional na América Latina levando em conta a existência da igualdade das oportunidades . A partir de uma medida de sobreposição entre a densidade conjunta observada dos níveis educacionais de pais e filhos e a densidade teórica correspondente a uma situação de igualdade de oportunidades, os autores mostraram que houve um aumento significativo nos níveis médios de mobilidade educacional entre gerações. No entanto, não se verificou melhoria nas medidas de igualdade de oportunidades entre filhos de pais com níveis de educação mais baixos. Dessa forma, o estudo encontrou uma elevação na média da educação para os jovens, mas os benefícios não foram uniformes e não atingiram da mesma forma os grupos mais vulneráveis de menor escolaridade.

No Brasil, um estudo recente de Garcias e Kassouf (2021) analisou a mobilidade educacional e ocupacional intergeracional no Brasil a partir do banco de dados da pesquisa de transição escola-trabalho (SWTS) da Organização Internacional do Trabalho de 2013. Estes dados contêm informações socioeconômicas sobre jovens entre 15 e 29 anos e dos seus familiares. Os resultados obtidos com uso do modelo de seleção de Heckman mostraram que houve avanço substancial na mobilidade educacional intergeracional, sobretudo quando os pais tinham níveis de escolaridade mais baixos, embora se verificou que, em termos de mobilidade ocupacional, esta ocorreu de forma menos expressiva. Observou-se, ainda, que a educação dos jovens e a dos seus pais têm uma forte influência sobre os rendimentos recebidos dos filhos, principalmente para as mulheres. O grupo de mulheres com ensino superior ganhou em média o dobro daquelas com apenas ensino médio.

Nesse contexto de mobilidade, é importante ressaltar que diversos estudos na literatura mostram que a estrutura familiar impacta sobre a decisão de alocação de investimento em capital humano dos filhos e pode, com isso, determinar os ganhos futuros destes (BECKER, 1981, BECKER; TOMES, 1986; ERMISCH, 2003a, 2003b; RIZZOTTO; FRANÇA; FRIO, 2019; SANDEFUR; WELLS, 1999; VASCONCELOS; RIBEIRO; FERNANDEZ, 2017). A contribuição do presente estudo reside exatamente na análise do arranjo familiar sobre a acumulação de capital humano, considerando os anos de estudos dos filhos e a mobilidade educacional intergeracional.

Modelo teórico

Ermisch e Francesconi (2001) propõem um modelo para analisar como aspectos relacionados ao background familiar (tais como renda e nível educacional dos pais, estrutura familiar, etc.) afetam o nível educacional dos filhos. Em linhas gerais, o modelo teórico tem subjacente a ideia de que o nível de escolaridade − estoque de capital humano − tem dois efeitos correlatos relevantes dentro da dinâmica econômica de um país. No aspecto microeconômico, é uma variável importante no que tange à mobilidade social e, na dimensão macroeconômica, é uma variável fortemente associada ao nível de produtividade média dos países.

O modelo apresentado a seguir busca formalizar os aspectos microeconômicos em que a decisão de investimento em capital humano tem fatores associados, em grande parte, à natureza da estrutura familiar, partindo da hipótese de que há apenas uma criança na família. Assume-se que a renda dessa criança quando adulta é um bem público para os pais. A renda da criança é dividida em dois componentes: os seus ganhos, denotados como e, os quais estão relacionados ao nível educacional e à “dotação” da criança ao nascer; e a herança advinda dos pais, denotada como rb, em que b é o montante das transferências e r corresponde à taxa de juros de mercado. O nível educacional é visto como um resultado dos investimentos em capital humano realizados pelos pais ao longo da infância da criança e não apenas uma escolha feita quando na adolescência.

A função de ganhos da criança é denotada por e=f(S,ε), em que S é o nível educacional atingido pela criança e ε corresponde aos ganhos oriundos da dotação. As preferências consensuais dos pais são representadas pela função de utilidade U(x,e+rb), em que x denota os seus próprios níveis de consumo. Os pais escolhem x, b e S de forma a maximizar a função de utilidade deles, sujeita à restrição y=x+b+psS, em que p s é o custo unitário da educação e y é a renda dos pais.

O nível de educação escolhido pelos pais deve satisfazer a seguinte restrição:

p s f ( S , ε ) S r (1)

Em que o lado direito é o retorno marginal do investimento em educação e p sé o custo marginal.

No caso em que os pais realizam transferências para seu filho (isto é, b > 0), a expressão (1) mantém-se com igualdade. Nesse caso, o nível educacional da criança independe da renda dos pais, mas é afetado pela taxa de juros de mercado, pelo custo da educação e dos ganhos oriundos da dotação dessa criança. Por exemplo, se a função de ganhos da criança é dada por e = S γ ε, com 0 < ε < 1, o investimento ótimo em capital humano produz um nível de educação dado por:

S = ( γε rp s ) 1 1 γ (2)

Por outro, pode-se verificar que o montante das transferências monetárias depende da renda dos pais. Se considerarmos a função de ganhos exposta acima e uma função de utilidade dos pais dada por U=αln(x)+(1α)ln(e+rb), então o valor ótimo das transferências é dado por:

b = ( 1 α ) [ y p s S ] α e r (3)

Em que e = S γ ε e S* é dado pela expressão (2).

É provável que haja uma correlação entre a educação da mãe S m (ou a educação do pai S f) e a educação da criança, visto que ε e S m (S f) são correlacionados. Além disso, é razoável admitir que essa correlação seja positiva devido a fatores genéticos e à transmissão cultural. Nesse caso, a correlação entre educação dos pais e do filho deverá refletir a correlação entre as dotações dos pais e do filho e não o verdadeiro efeito do aumento da educação dos pais sobre a educação da criança.

Entretanto, se os níveis educacionais dos pais afetarem o custo de educação (p S), haverá uma relação de causalidade entre a educação da mãe (ou do pai) e a do filho. Para analisar com mais detalhes essa relação causal, admite-se que a educação da criança seja unicamente produzida em casa por meio dos inputs de tempo dos pais, de modo que

S = h f t f + h m t m, em que h e t são, respectivamente, a produtividade no investimento em capital humano e o input em tempo do pai (f) ou mãe (m).

Nos casos em que a mãe tem uma vantagem comparativa na educação de seu filho, o custo da educação da criança é dado por ps=Wmhm, em que w m é o salário da mãe. Dado um aumento no nível educacional da mãe, se o seu salário se elevar menos que proporcionalmente ao aumento de sua produtividade no investimento do capital humano, então o custo da educação diminuirá, resultando em um efeito positivo da educação da mãe sobre a educação de seu filho. Na situação contrária, p s aumentará e o efeito sobre a educação do filho será negativo. É importante destacar que, neste exemplo, a correlação entre educação do pai e de sua criança não representa qualquer impacto causal, mas apenas a correlação entre ε e S f.

Para o caso em que os pais são muito pobres para fazer transferências, a desigualdade em (1) é mantida. Isso mostra que esses pais investem menos em capital humano de seus filhos em comparação aos pais que fazem transferências e que estes investimentos dependem de suas rendas.

Por exemplo, considerando a função de ganhos da criança e a função de utilidade dos pais apresentadas acima, tem-se que:

S = γ ( 1 α ) y [ γ ( 1 α ) + α ] p s (4)

Dessa equação, pode-se observar que o capital humano da criança é afetado positivamente pelo nível de renda dos pais (y), mas não depende dos ganhos oriundos da dotação (ε).

Ressalta-se que o fato de S* não depender de ε é decorrente das formas funcionais assumidas para os ganhos da criança e a utilidade dos pais. Em geral, uma dotação mais alta pode aumentar ou diminuir o investimento em capital humano quando os pais são muito pobres para fazer transferências (BECKER; TOMES, 1986).

O impacto da educação da mãe (S m) sobre o capital humano de seu filho é, portanto, dado por:

S S m = ( S y ) ( y S m ) ( S p s ) ( p s S m ) (5)

A equação (5) mostra que é possível distinguir um efeito renda-família advindo da educação da mãe e um efeito substituição, que depende do impacto da educação sobre o custo do investimento em capital humano da criança. O impacto da educação do pai (S f) é análogo a (5), com a diferença de que o efeito substituição pode ser nulo se o pai é menos envolvido do que a mãe no investimento em capital humano de seu filho.

É importante destacar que, para o caso em que os pais não deixam heranças, a correlação entre o nível de educação dos pais e a educação da criança provavelmente representa o verdadeiro efeito da educação dos pais. Isto acontece porque o investimento em capital humano da criança não ocorre até o ponto em que o retorno marginal se iguala ao custo marginal da educação. Nessa situação, além do custo marginal e dotações, a renda e preferências dos pais determinam o nível de capital humano do filho (S*).

Até o momento, o modelo assume que as preferências são consensuais entre os pais. Para o caso em que cada um dos pais tem suas próprias preferências e agem de forma cooperativa, é possível observar que um aumento na renda (ou educação) da mãe implica um “efeito barganha” sobre a renda da criança, o qual será positivo se a mãe coloca um maior peso na renda do filho do que o pai. Além disso, uma maior renda ou educação da mãe eleva o seu poder de barganha sobre a renda da criança. Nessas circunstâncias, o efeito barganha da renda ou educação do pai será negativo.

Outro interessante aspecto do background familiar que deve ser considerado é o caso em que os pais são divorciados e, por isso, podem agir de forma não cooperativa. Nessa situação, se ao menos um dos pais realiza transferências após o divórcio, o nível de investimento em capital humano da criança é dado por (2). Isso indica que o divórcio não afetará o nível de capital humano obtido pela criança. Por outro lado, se nenhum dos pais faz transferências, mas ambos investem em capital humano, então o investimento da educação do seu filho depende da renda total dos pais. Se apenas um dos pais faz investimento em capital humano, então somente a renda deste importará para o capital humano da criança (ERMISCH; FRANCESCONI, 2001).

Por exemplo, considerando a função de ganhos da criança e a função de utilidade dos pais apresentadas anteriormente, obtém-se que o capital humano da criança nesta situação não cooperativa (denotado por S nc) é dado por:

S nc = γ ( 1 α m ) ( 1 α f ) y D nc (6)

Em que Dnc=ps[αf(1αm)+αm(1αf)+γ(1αf)(1αm)] e αf e αm são os pesos que, respectivamente, o pai e a mãe colocam sobre a renda do seu filho. Nesse caso, o investimento em capital humano da criança tenderá a ser menor quando os pais são divorciados do que quando eles permanecem juntos.

Metodologia

Fonte de dados e estratégia empírica

Os dados utilizados neste estudo foram retirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, a qual apresenta suplementos que permitem obter informações sobre os pais dos indivíduos emancipados.

O banco de dados foi formado com os indivíduos de ambos os sexos, entre 25 e 64 anos, cuja condição na unidade familiar era de pessoa de referência, cônjuge ou filho, sendo os dois primeiros caracterizados como emancipados e o último como dependente. Cada um desses indivíduos foi associado ao nível de escolaridade do pai e da mãe. Não foram considerados na amostra os indivíduos que não apresentaram a informação de escolaridade, bem como aqueles sem dado sobre a escolaridade de pelo menos um dos progenitores.

A partir das informações de escolaridade de pais e filhos, foi construída uma variável categórica, seguindo os mesmos critérios adotados em Ferreira e Veloso (2003), Mahlmeister et al. (2019) e Ramalho e Netto Jr. (2018), conforme apresentado no Quadro 1.

QUADRO 1
Compatibilização das informações relacionadas à escolaridade dos indivíduos

As variáveis utilizadas neste estudo são apresentadas no Quadro 2.

QUADRO 2
Descrição das variáveis utilizadas no estudo

A hipótese de que os pais que permanecem juntos tendem a investir mais em capital humano dos filhos, conclusão do modelo teórico apresentado, foi testada em dois aspectos. Primeiro, comparou-se a dinâmica intergeracional de educação considerando cortes de estrutura familiar a partir de processos de Markov e do modelo de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). Segundo, por meio da decomposição de Blinder-Oaxaca, verificou-se se há diferença de escolaridade, proxy do estoque de capital humano, entre indivíduos de acordo com a estrutura familiar. Para uma melhor apresentação sobre os métodos utilizados, ver os Anexos.

Todas as estimações de estatísticas descritivas e modelos econométricos realizadas neste estudo consideraram o plano amostral complexo inerente aos dados da PNAD.

Resultados

Matrizes de transição

Para captar o efeito da estrutura familiar sobre a mobilidade intergeracional de educação, as matrizes de transição foram construídas a partir do cruzamento entre as variáveis de nível educacional de referência (representando o maior nível educacional entre pais e mães em famílias biparentais e o nível do progenitor existente em famílias uniparentais) e o nível educacional dos filhos.

A Tabela 1 apresenta o número de observações e a população estimada para os cortes de estrutura familiar considerados neste estudo.

TABELA 1
Número de famílias e tamanho da população projetada, segundo estrutura familiar Brasil − 2014

A Tabela 2 contém a distribuição de filhos, pais, mães, segundo os níveis de escolaridade, bem como os percentuais da escolaridade de referência (ou seja, maior escolaridade entre pai e mãe para famílias biparentais). Observa-se que, para os progenitores, o nível de escolaridade predominante situa-se na categoria de quatro anos de estudo, com valores próximos de 20% para todas as referências de famílias. Já para os filhos, a categoria de destaque é a de 11 anos de estudo, com cerca de 30%.

TABELA 2
Distribuição dos filhos, pais, mães e referência, segundo níveis de escolaridade Brasil – 2014

Em porcentagem


A Tabela 3 traz a matriz de transição considerando a amostra completa. Para fins de comparação, a parte de cima da tabela mostra a matriz de transição segundo o nível de educação do pai. A matriz de transição apresentada na parte inferior da tabela considera o nível educacional de referência.

TABELA 3
Matriz de transição educacional para a amostra completa: educação do pai versus educação de referência Brasil – 2014

A Tabela 4 apresenta as matrizes de transição educacional para famílias biparentais e uniparentais. No caso das primeiras, considerou-se o nível de educação de referência.

TABELA 4
Matriz de transição educacional para famílias biparentais e uniparentais Brasil – 2014

A Tabela 5 mostra as matrizes de transição educacional para famílias uniparentais com pai e mãe.

TABELA 5
Matriz de transição educacional para famílias uniparentais com pai e mãe Brasil – 2014

Observa-se, considerando qualquer uma das matrizes de transição apresentadas, que as maiores persistências verificadas estão nos estratos 0, 11, 13 e 16, este último com a maior incidência.

Convergência e mobilidade intergeracional de educação

A Tabela 6 traz os vetores de convergência da cadeia de Markov para cada um dos cortes considerados neste estudo, tendo como base as equações 3 e 4 do Anexo 1.

TABELA 6
Vetores de convergência das cadeias de Markov, segundo estrutura familiar Brasil – 2014

Observa-se que as famílias biparentais apresentam um menor percentual de indivíduos sem instrução formal (1,7%) e um maior percentual de indivíduos com mais de 15 anos de estudo (44,3%) em relação às famílias unilaterais em geral (respectivamente, 2,4% e 35,3%). Isso parece evidenciar a hipótese de resultados melhores na educação dos filhos quando os pais permanecem juntos. A exceção é observada para famílias uniparentais com pai, para as quais encontrou-se o menor percentual de indivíduos sem instrução formal do longo prazo (1,5%).

Os índices de mobilidade apresentados na Tabela 7 foram calculados conforme as expressões 5, 6, 7 e 8 do Anexo 1. As colunas p 11 e p kk referem-se à persistência educacional dos pais em relação aos filhos no estrato mais baixo e no mais elevado, respectivamente.

TABELA 7
Índices de mobilidade e persistência intergeracional de educação, segundo estrutura familiar Brasil – 2014

Os resultados indicam que as famílias uniparentais chefiadas por mulheres apresentam maior mobilidade intergeracional educacional para qualquer um dos indicadores apresentados. Em paralelo, essa estrutura familiar também tem a menor persistência no nível educacional mais baixo. Por outro lado, as menores mobilidades intergeracionais e a maior persistência no nível de menor escolaridade foram observadas em lares uniparentais chefiados por homens.

Os lares biparentais registraram altos indicadores de persistência nos níveis de escolaridade mais baixa (19,8%) e de escolaridade mais alta (62%). Esses resultados estão alinhados com o modelo teórico, o qual prediz que, quando os pais permanecem juntos, pode haver uma correlação entre educação dos pais e dos filhos e estes reproduzirem a situação da educação dos seus progenitores devido a fatores genéticos e à transmissão cultural (ERMISCH; FRANCESCONI, 2001).

Observa-se, ainda, que nos lares uniparentais, nos quais as crianças convivem com as mães, houve uma maior mobilidade educacional quando comparados aos lares de convivência somente com os pais. De acordo com o modelo teórico, isso acontece quando os pais divorciados agem de forma não cooperativa e somente um deles passam a investir mais fortemente na educação dos filhos. Nesse caso, as mulheres parecem se importar mais com a educação dos seus filhos (ERMISCH; FRANCESCONI, 2001).

Estimativas do modelo de MQO para persistência intergeracional de educação

A Tabela 8 apresenta as estimativas do modelo de regressão linear considerando a variável categórica de educação dos filhos como dependente. Foram estimados dois modelos. O modelo geral traz todas as variáveis incluídas no estudo e o modelo ajustado mantém apenas aquelas que tiveram significância estatística de, no máximo, 10%.

TABELA 8
Estimativas do modelo de mínimos quadrados ordinários Brasil – 2014

O intuito principal dessa análise é estimar o grau de persistência/mobilidade a partir do efeito do nível educacional de referência sobre o nível educacional do filho (β Eduref). Para verificar como esse indicador pode ser afetado não só pelas características de pais e filhos, mas também pela estrutura familiar, foram inseridas variáveis que captam o efeito de interação com o nível de escolaridade de referência sobre o nível educacional dos filhos. A análise aqui apresentada irá focar nesses efeitos.

O sinal negativo do coeficiente estimado para a variável Uniparental*Eduref indica que as famílias uniparentais apresentam uma maior mobilidade intergeracional de educação. O mesmo pode ser observado para a variável Temmãe*Eduref, evidenciando que as famílias que possuem mãe mostram um maior indicador dessa mobilidade. Verifica-se que esses efeitos são mutuamente reforçados para as famílias uniparentais com mãe.

Esses resultados reforçam os encontrados no processo de Markov e corroboram o modelo teórico quando ele prediz que as mães se preocupam mais com a educação dos filhos quando os pais são divorciados e não há cooperação no investimento em capital humano dos filhos (ERMISCH; FRANCESCONI, 2001).

Os resultados sugerem que ser mulher, preto, residir na zona urbana ou ser filho dependente são características associadas a uma maior mobilidade intergeracional de educação, estando em linha com os resultados obtidos por Netto Jr., Ramalho e Aragon (2013), que usaram os dados dos Censos Demográficos de 1991 e 2000 e analisaram a dinâmica intergeracional ocupacional considerando pais e filhos corresidentes.

Apenas as regiões Nordeste e Sudeste registraram efeito de interação significativo estatisticamente, ambas evidenciando uma menor mobilidade em relação às demais regiões (sendo mais forte para o Nordeste). Na literatura, encontram-se resultados semelhantes nos trabalhos de Behrman, Gaviria e Szekely (2001), Ferreira e Veloso (2003), Figueiredo, Silva e Rego (2012), Mahlmeister et al. (2019) e Netto Jr., Ramalho e Aragon (2013).

Decomposição de Blinder-Oaxaca para o diferencial na acumulação de capital humano

Considerou-se a variável AnosEst para estimar os modelos lineares que foram utilizados como bases para a decomposição de Blinder-Oaxaca, a qual será foco da análise.

A Tabela 9 traz as estimativas das regressões lineares e da decomposição de Blinder--Oaxaca para a diferença de anos de estudo entre filhos de famílias biparentais e filhos de famílias uniparentais. Observa-se que os primeiros possuem, em média, 0,41 ano de estudo a mais do que os filhos pertencentes às famílias uniparentais. Os modelos estimados explicam cerca de 86,7% dessa diferença, sendo que a parte não explicada não é estatisticamente significativa.

TABELA 9
Decomposição de Blinder-Oaxaca do diferencial de anos de estudo entre filhos pertencentes às famílias biparentais e filhos pertencentes às famílias uniparentais Brasil – 2014

A Tabela 10 apresenta as estimativas das regressões lineares e da decomposição de Blinder-Oaxaca para a diferença de anos de estudo entre filhos de famílias uniparentais com pai e famílias uniparentais com mãe. Os resultados sugerem que, em média, as famílias uniparentais com mãe possuem cerca de 0,5 ano de estudo a mais do que aquelas com pai. Cerca de 74,2% dessa diferença é explicada pelos modelos estimados. Novamente aqui, a parte não explicada não possui significância estatística.

TABELA 10
Decomposição de Blinder-Oaxaca do diferencial de anos de estudo entre filhos pertencentes às famílias uniparentais com pai e filhos pertencentes às famílias uniparentais com mãe Brasil – 2014

Novamente os achados na pesquisa encontram-se de acordo com o modelo teórico e com outros trabalhos empíricos, de que a presença de somente um dos progenitores durante a adolescência tem impacto negativo sobre a educação, com um acúmulo menor dos anos de estudos dos filhos nestas famílias quando comparadas aos lares biparentais (ERMISCH; FRANCESCONI, 2001; MUSICK; MEIER, 2010; SANDEFUR; WELLS, 1999). Os resultados também confirmam que lares uniparentais com mãe apresentam diferencial positivo em termos de anos de estudo dos seus filhos em comparação àqueles formados somente com o pai, o que é explicado, de acordo com a teoria, pela possibilidade de as mães investirem mais na educação dos filhos dado o seu “poder de barganha” maior na renda dos filhos (ERMISCH; FRANCESCONI, 2001).

Conclusão

Um dos objetivos apresentados nesse estudo diz respeito aos fatores associados à mobilidade intergeracional de educação. A análise das matrizes de transição por meio de processos de Markov mostrou evidências de que os lares uniparentais com mãe registraram uma maior mobilidade intergeracional de educação e uma menor persistência no nível educacional mais baixo. Lares biparentais possuem a maior persistência para o nível mais alto de educação (mais de 15 anos de estudo).

Os resultados das regressões lineares indicam que famílias uniparentais, famílias que possuem mãe, ser mulher, ser preto, residir na zona urbana e ser filho independente são fatores que contribuem para uma maior mobilidade intergeracional de educação. As regiões Nordeste e Sudeste tiveram uma menor mobilidade em relação às demais regiões.

O segundo objetivo desse estudo foi verificar como a estrutura familiar afeta a acumulação de capital humano dos filhos. Os resultados obtidos a partir da decomposição de Blinder-Oaxaca sugerem que os filhos de famílias biparentais conseguem acumular mais capital humano em relação aos filhos de famílias uniparentais. A diferença é da ordem de 0,40 ano de estudo, sendo cerca de 87% dessa diferença explicada pelo modelo estimado.

Considerando apenas as famílias uniparentais, verificou-se que os filhos com mãe acumulam mais capital humano do que as famílias com pai. A diferença foi da ordem de 0,5 ano de estudo, sendo cerca de 74% dessa diferença explica pelo modelo. Em ambos os modelos, a parte não explicada não obteve significância estatística.

Apesar da limitação da pesquisa, por não se tratar de um estudo longitudinal das famílias e por não ter um conjunto completo de informações destas, as quais podem ter ganhado novas configurações com o passar dos anos, observa-se, pelos resultados encontrados, que a relação de estrutura familiar desempenha um importante papel sobre as escolhas educacionais de cada geração, o que produz dinâmicas geracionais na distribuição dos rendimentos. Estes resultados são importantes, uma vez que se pode separar os fatores circunstanciais responsáveis pela distribuição de renda – cujas mudanças são lentas e refletem um estágio da sociedade – daqueles fatores que podem ser alterados por meio de intervenções de políticas públicas, como investimento em boas escolas, assistência em saúde, segurança e tantos outros que equalizam as oportunidades.

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ANEXO 1

Indicadores de mobilidade a partir de processos de Markov e de modelos de regressão linear

O processo de Markov descreve um processo estocástico em que a probabilidade de uma variável aleatória X estar em um estado i no período t + 1 depende apenas de seu estado no período t (BICKENBACH; BODE, 2001). Considerando o tempo como uma variável discreta, tem-se:

Prob { X t + 1 = x t + 1 | X ( t ) = x t ; X ( t 1 ) = x t 1 ; ; X ( 0 ) = x 0 } = Prob { X t + 1 = x t + 1 | X ( t ) = x t } Prob { X t + 1 = x t + 1 | X ( t ) = x t ; X ( t 1 ) = x t 1 ; ; X ( 0 ) = x 0 } = p ( t + 1 ) t (1)

Essas probabilidades são agrupadas na matriz de transição. Supondo k estados, tem-se:

T = [ p 11 p 1 k p k 1 p kk ] (2)

Em que pij0i,j, j=1kpij=1 e p ij indicam a probabilidade de a variável estar no estado i no tempo t + 1 dado que esteve no estado j no tempo t.

Em um processo de Markov, as probabilidades de transição são consideradas homogêneas, invariáveis, no tempo. A dinâmica descrita por um processo de Markov pode convergir para um estado estacionário. Nesses casos, o estado estacionário corresponde ao vetor π=[π1π2πk] que soluciona o seguinte sistema:

{ π = π T i = 1 k π i = 1 (3)

Outra forma de encontrar o estado estacionário é elevando a matriz de transição por uma potência que tende ao infinito. Ou seja,

[ π π ] = I T n | n (4)

Em que I é a matriz identidade.

A convergência de longo prazo de um processo de Markov é garantida se a cadeia for ergódica (se todos os estados possuírem uma recorrência positiva e aperiódica) e regular (quando existe um n ≥ 1, tal que a matriz T n possua todas as entradas positivas).

A diagonal principal da matriz de transição indica o grau de persistência de cada estado. A literatura apresenta alguns índices de mobilidade/persistência, calculados a partir das matrizes de transição (GEWEKE; MARSHALL; ZARKIN, 1986; SHORROCKS, 1978), conforme apresentados pelas expressões 5, 6, 7 e 8 a seguir.

M t = r tr ( T ) r 1 (5)

Em que r é a ordem da matriz de transição e tr(T) é o traço da matriz de transição. Quanto mais próximo da unidade for M t, maior é a mobilidade entre os estados.

Dois outros indicadores podem ser usados para medir essa mobilidade:

M d = 1 | λ 2 | (6)
M l = 1 | det ( T ) | 1 r 1 (7)

Em que λ 2 é o segundo autovalor da matriz de transição e det(T) é o determinante da matriz de transição.

A velocidade de convergência pode ser obtida a partir do índice:

M a = r | λ i | r 1 (8)

Em que λ 1 corresponde aos autovalores da matriz de transição.

Além dos indicadores construídos a partir das matrizes de transição, o grau de mobilidade intergeracional também foi analisado por meio de um modelo econométrico linear, especificado como:

Edufilho = x ' β + β Edupai Edupai + ε (9)

Em que x é o vetor das demais variáveis explicativas (além da escolaridade do pai) e ε é o termo de erro clássico. O termo β Edupai mede a persistência intergeracional de educação, sendo (1 − β Edupai) uma medida de grau de mobilidade intergeracional.

De acordo com Ferreira e Veloso (2003), mesmo considerando uma variável dependente categórica, o modelo de regressão linear traz vantagens em relação aos modelos ordenados como, por exemplo, a de fornecer uma medida sumária de persistência/mobilidade.

No entanto, para captar o efeito da estrutura familiar sobre a mobilidade/persistência intergeracional de educação, considerou-se o nível educacional de referência (compreendendo o maior nível educacional entre o pai e a mãe para as famílias biparentais ou o nível educacional do progenitor existente no caso de famílias uniparentais) em vez do nível educacional do pai. A expressão (8) passa a ser:

Edufilho = x ' β + β Eduref Eduref + ε (10)

Em que o termo β Eduref passa a medir a persistência intergeracional de educação e, portanto, (1 − β Eduref) mede o grau de mobilidade intergeracional.

ANEXO 2

Decomposição de Blinder-Oaxaca1

O diferencial de acumulação de capital humano, tomado como anos de estudo, entre categorias de indivíduos foi analisado a partir da decomposição de Blinder-Oaxaca. A variável de resultado utilizada neste estudo foram os anos de estudo dos filhos e filhas (AnosEst), sendo observadas as diferenças nos seguintes cortes: mulheres e homens; dependentes e emancipados; moradores rurais e urbanos; e pretos e não pretos. Considerando que cada corte admite dois grupos de indivíduos, A e B, e um modelo linear, tem-se:

AnosEst l = X l ' β l + ε l (11)

Em que l = A,B; X é o vetor de variáveis explicativas; β é o vetor de coeficientes e ε é o termo de erro clássico.

A diferença entre os valores médios de Y de cada grupo de indivíduos é dada por:

R = E [ AnosEst A ] E [ AnosEst B ] = E [ X A ] ' β A E [ X B ] ' β B (12)

Em que R é a diferença entre as médias dos grupos. Somando e subtraindo essa expressão pelos termos E[X A]’β B, E[X B]’β A e E[X B]’β B, chega-se a:

R = E [ AnosEst A ] E [ AnosEst B ] = E [ X A ] ' β A E [ X B ] ' β B (13)

Observa-se pela expressão (13) que a diferença dos anos de estudo entre os grupos de indivíduos é decomposta em três partes. O primeiro termo da decomposição,

{E[X A] E[X B]}’β B, chamado de efeito dotação, corresponde à parte da diferença resultante das características distintas entre os grupos, captadas a partir das variáveis explicativas. O segundo termo da decomposição mede a diferença na variável de resultado causada pela diferença entre os interceptos de ambos os grupos. Por fim, o terceiro termo mede o efeito da interação entre os dois efeitos anteriores sobre a diferença na variável de resultado.

A expressão (13) toma como referência o grupo B, podendo ser reescrita para o grupo A como referência. Somando e subtraindo a expressão (12) pelos termos E[X A]’β B, E[X B]’β A e E[X A]’β A, tem-se:

R = { E [ X A ] E [ X B ] } ' β A + E [ X A ] ' ( β A β B ) { E [ X A ] E [ X B ] } ' ( β A β B ) (14)

Considerando que exista um vetor não discriminante β*, a expressão (5) pode ser reescrita como:

R = { E [ X A ] E [ X B ] } ' β + E [ X A ] ' ( β A β ) + E [ X B ] ' ( β β B ) (15)

Neste caso, a decomposição é formada por dois componentes. O termo {E[X A] E[X B]}’β* corresponde à parte de R explicada pelas variáveis explicativas utilizadas no modelo e o termo E[X A]’(β A β*) + E[X B]’(β*− β B ) corresponde à parte não explicada de R.

Se a discriminação for direcionada diretamente para o grupo A, por exemplo, então

β*= βB e vice-versa. No entanto, considerando que a subavaliação de um dos grupos é sempre acompanhada pela sobreavaliação do outro grupo, o β* pode ser tomado como uma média ponderada entre β A e β B.

Para a decomposição de Blinder-Oaxaca, este estudo considerou uma variante da expressão (13), definida como:

R = { E [ X A ] E [ X B ] } ' [ W β A ( I W ) β B ] + { ( I W ) ' E [ X A ] W ' E [ X B ] } ' [ β A β B ] (16)

Em que I é a matriz de identidade e W é uma matriz de pesos relativos, estimada a partir da expressão:

W ^ = Ω = ( X A ' X A + X B ' X B ) 1 X A ' X A (17)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2021
  • Aceito
    19 Nov 2021
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