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Desigualdades no mercado de trabalho brasileiro: uma proposta de conceituação e mensuração do trabalho precário sob a lupa da interseccionalidade

Inequalities in the Brazilian labor market: a proposal for conceptualizing and measuring precarious work under the magnifying glass of intersectionality

Desigualdades en el mercado laboral brasileño: una propuesta para conceptualizar y medir el trabajo precario bajo la lupa de la interseccionalidad

Resumo

A partir do reconhecimento da centralidade do trabalho na vida das pessoas, o presente artigo visa analisar o processo de precarização do trabalho em curso e seus impactos diferenciados sobre os grupos populacionais. O objetivo é identificar como a precarização do trabalho opera sob a perspectiva da divisão sexual do trabalho e da segmentação racial histórica do mercado de trabalho brasileiro. Para tanto, o presente artigo traz uma proposta de conceituação e construção de um indicador multidimensional de trabalho precário, com resultados desagregados por sexo e cor/raça, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, para a série histórica 2012-2021. O diferencial do indicador proposto é permitir mensurar a precarização do trabalho em termos de incidência e intensidade da precarização no âmbito das estatísticas públicas oficiais brasileiras disponíveis. Como resultado, embora as mulheres, de uma forma geral, tenham apresentado menores taxas de precarização, elas estão em ocupações mais intensamente precárias do que os homens. Por outro lado, mulheres negras se destacaram como o grupo populacional mais afetado pela precarização em curso, acompanhadas de perto pelos homens negros, evidenciando a importância da análise das desigualdades raciais combinadas às desigualdades de gênero no mercado de trabalho.

Palavras-chave:
Trabalho precário; Interseccionalidades; Desigualdades raciais; Gênero

Abstract

Acknowledging the centrality of work in people’s lives, this article aims to analyze the ongoing process of precarious work and its different impacts on population groups. The objective was to identify how precarious work operates from the perspective of the sexual division of labor and the historical racial segmentation of the Brazilian labor market. This article presents a proposal for the conceptualization and construction of a multidimensional indicator of precarious work, with results disaggregated by sex and color/race, based on data from the Continuous National Household Sample Survey, from IBGE, for the period 2012-2021. The differential of the proposed indicator is that it enables the measurement of precarious work in terms of incidence and intensity of precariousness within the scope of available official Brazilian public statistics. As a result, although women, in general, have shown lower rates of precariousness, they are more intensely precarious than men. On the other hand, black women stood out as the population group most affected by the ongoing precariousness, followed closely by black men, highlighting the importance of analyzing racial inequalities combined with gender inequalities in the labor market.

Keywords:
Precarious work; Intersectionalities; Racial inequalities; Gender

Resumen

A partir del reconocimiento de la centralidad del trabajo en la vida de las personas, este artículo pretende analizar el proceso actual de trabajo precario y sus diferentes impactos en los grupos poblacionales. Tiene como objetivo identificar cómo opera el trabajo precario desde la perspectiva de la división sexual del trabajo y la segmentación racial histórica del mercado laboral brasileño. Para ello, se presenta una propuesta para la conceptualización y la construcción de un indicador multidimensional de trabajo precario, con resultados desagregados por sexo y color/raza, a partir de datos de la Encuesta Nacional Continua por Muestra de Hogares del IBGE, para la serie histórica 2012-2021. El diferencial del indicador propuesto es que permite medir la precariedad del trabajo en términos de incidencia e intensidad de la precariedad en el ámbito de las estadísticas públicas oficiales brasileñas disponibles. Como resultado, aunque las mujeres, en general, han mostrado tasas de precariedad más bajas, son más intensamente precarias que los hombres. Por otro lado, las mujeres negras destacaron como el grupo poblacional más afectado por la precariedad actual, seguidas de cerca por los hombres negros, lo que da cuenta de la importancia de analizar las desigualdades raciales combinadas con las desigualdades de género en el mercado laboral.

Palabras clave:
Trabajo precário; Interseccionalidades; Desigualdades raciales; Género

Introdução

O trabalho é um dos elementos centrais para investigação da organização das sociedades. Por meio do trabalho e da técnica, o ser humano foi capaz de produzir grandes mudanças sobre o espaço geográfico, sobre os modos de vida e até mesmo sobre o tempo social. Não por acaso, o trabalho foi tema de estudo de importantes teóricos ao longo do tempo no campo das ciências sociais, como Smith (1776), Ricardo (1817), Mill (1848) e, principalmente, Marx (1867). Este último, em particular, chamou a atenção para o caráter social do trabalho e suas mudanças ao longo do tempo, sobretudo aquelas relacionadas ao desenvolvimento do capitalismo industrial. A partir da segunda metade do século XX, diversos outros autores se dedicaram ao estudo das modernas relações de trabalho, tendo em vista alguns processos históricos recentes importantes, como a globalização, a revolução tecno-científica-informacional e a alteração de um modelo de acumulação fordista para um modelo de acumulação flexível.

É justamente pensando nas alterações do mundo do trabalho nos últimos anos, sobretudo a crescente precarização e flexibilização advindas da mudança de regime de acumulação e seus efeitos diferenciados entre os grupos populacionais, que o presente artigo vai se debruçar. Os estudos de Federici (2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução Coletivo Sycorax. São Paulo: Editora Elefante, 2017., 2019), Vergès (2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. Tradução Jamille Ribeiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Editora UBU, 2020.), Davis (2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016 (1981).) e Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019ARRUZZA, C. Ligações perigosas: casamentos e divórcios entre marxismo e feminismo. São Paulo: Usina, 2019.) contribuíram para a análise dos resultados encontrados, considerando que as autoras avançaram na teoria marxista a partir de uma perspectiva de análise interseccional de gênero e raça sobre a origem e o desenvolvimento do capitalismo e as condições de vida da classe trabalhadora. Betti (2017BETTI, E. Gênero e trabalho precário em uma perspectiva histórica. Tradução de Rebecca Freitas. Revista Outubro, n. 29, novembro de 2017. Disponível em: http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2017/11/03_Betti_2017.pdf. Acesso em: 13 jun. 2023.
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), por sua vez, ressalta também que é preciso reconhecer e analisar tanto as formas duradouras pelas quais a precariedade do trabalho se manifesta sobre as mulheres, em particular o trabalho doméstico remunerado predominantemente exercido por mulheres negras no Brasil, quanto as “armadilhas da precariedade relacionadas ao gênero, como a relação entre maternidade e precariedade, a qual continuamente dificultou o equilíbrio entre vida e trabalho das mulheres” (Betti, 2017, p. 64)

Assim, o objetivo deste artigo é investigar, à luz do campo referencial supracitado, as atuais condições de trabalho de homens e mulheres, considerando suas distintas dimensões estruturantes e reconhecidas na literatura, tais como a relação salarial, a organização do processo produtivo, as legislações pertinentes e o grau de proteção social dos trabalhadores. Partindo do pressuposto de que há um processo crescente de constituição de um trabalho precarizado, procura-se definir conceitualmente o trabalho precário no âmbito das estatísticas públicas oficiais e avaliar sua evolução no tempo a partir dos dados da série histórica 2012-2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), principal fonte de dados para acompanhamento dos indicadores de mercado de trabalho no Brasil.

Nesse sentido, a análise dos resultados encontrados se deu à luz da limitação dos dados atualmente existentes na PNADC e da análise interseccional centrada em gênero e raça, duas das dimensões mais presentes no campo de estudos interseccionais, sem, no entanto, desmerecer a importância de demais elementos constituintes das desigualdades históricas do mercado de trabalho, como as diferenciações de inserções ocupacionais ao longo do ciclo de vida e entre atividades agrícolas e não agrícolas, não abordadas no presente artigo.

Além desta introdução, foram estruturadas mais quatro seções para cumprir os objetivos propostos. A primeira traz uma breve revisão bibliográfica sobre as desigualdades históricas de gênero no mercado de trabalho, tanto entre homens e mulheres, como entre os diferentes grupos de mulheres, interseccionados por classe e cor/raça. A segunda seção estabelece um panorama de indicadores clássicos de mercado de trabalho construídos com base na PNADC, sob uma perspectiva feminista interseccional em diálogo com os achados na revisão bibliográfica anterior. A seção seguinte propõe uma conceituação de trabalho precário a partir de uma revisão bibliográfica sobre o tema, apontando as limitações e potencialidades de operacionalização do conceito proposto no âmbito das estatísticas oficiais e, em particular, da PNADC. Com esse arcabouço, propõe-se, então, a construção de um indicador multidimensional de precarização do trabalho capaz de identificar não só a incidência do trabalho precário entre os diferentes grupos populacionais, mas também a sua intensidade. Na quarta seção, são analisados os resultados do indicador proposto para homens brancos, mulheres brancas, homens pretos ou pardos e mulheres pretas ou pardas, seguindo as categorias de cor ou raça definidas pelo IBGE.1 1 Os questionários das pesquisas domiciliares do IBGE, e da PNADC em particular, preveem uma categorização de cor/raça a partir das respostas branca, preta, parda, amarela e indígena. Amarelos e indígenas não têm representatividade estatística na amostra da PNADC e, historicamente, para fins de formulação de políticas públicas e na maioria dos estudos quantitativos da área, a soma das categorias “preta” e “parda” corresponde a uma categoria política derivada denominada “negra”. Ao longo do texto, as duas possibilidades poderão aparecer. Por fim, são expostas nossas considerações finais e perspectivas de trabalhos futuros na temática.

Gênero, raça e classe no mercado de trabalho

O feminismo constitui um campo permanente de disputas que versam não somente sobre a equidade de direitos entre homens e mulheres, mas também sobre o próprio entendimento da condição e da participação da mulher em sociedades historicamente organizadas por e para homens brancos. Como as mulheres são impactadas pelas desigualdades de gênero de distintas formas e intensidades, a depender de um conjunto articulado de fatores físicos e sociais, o processo de desconstrução de padrões e sujeitos universais (branco, masculino, heteronormativo) atinge em cheio o próprio feminismo, mais bem definido por hooks (2015) no plural “feminismos”. Ao abarcar diversos atores (e atrizes), orientações, perspectivas, marcos temporais e conceituais, e dada a correlação de forças vigente em cada tempo histórico, determinadas pautas de reivindicação de direitos das mulheres tornam-se (ou não) prioritárias e são passíveis de sofrerem alterações, acompanhando a evolução e o desenvolvimento das sociedades.

O acesso das mulheres ao mercado de trabalho vem se configurando uma pauta presente na agenda feminista desde o início do movimento organizado de mulheres, conhecido como “primeira onda”.2 2 Segundo Fraccaro (2018, p.32), “o questionamento sobre o uso da metáfora de ondas tem sido cada vez mais frequente por considerar que a periodização entrincheira a percepção de um feminismo singular em que gênero é a categoria predominante de análise, deixando subsumidos os conflitos de raça e classe”. Naquele momento, porém, a agenda de conquista de direitos civis e políticos (voto, divórcio, herança, propriedade) era prioritária, com a discussão sobre trabalho remunerado restrita à reivindicação do acesso das mulheres às carreiras universitárias e, portanto, dissociada das péssimas condições de trabalho vigentes enfrentadas pela maioria das mulheres trabalhadoras urbanas na indústria fabril emergente e nos serviços domésticos. Essa perspectiva e priorização de agenda se justificavam pela notória composição do movimento feminista na virada dos séculos XIX e XX nos Estados Unidos e na Europa, marcado pela liderança e organização de mulheres brancas de classe média-alta, que passaram a contestar, de forma organizada, os papéis de gênero em uma sociedade sexista que as confinava ao ambiente doméstico excluídas de direitos e participação política. Conforme ressalta hooks (2015, p. 69), eram “mulheres privilegiadas [que] queriam igualdade em relação aos homens de sua classe”, ou, em outras palavras, que buscavam igualdade dentro da estrutura de classes já existente, ignorando pautas urgentes para o debate da equidade de gênero e melhores condições de vida para todas as mulheres.

A cisão de interesses entre mulheres brancas e negras, assim como entre brancas classe média-alta e brancas pobres/trabalhadoras, se manteve nas “ondas” subsequentes do movimento feminista. Ângela Davis (2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016 (1981).), ao discutir o legado da escravidão sobre a condição da mulher em sua obra Mulheres, raça e classe, publicada em 1981, apontou que “o enorme espaço que o trabalho ocupa hoje na vida das mulheres negras reproduz um padrão estabelecido durante os primeiros anos de escravidão” (Davis, 2016, p.17). Se, por um lado, o fato de serem mulheres em um sistema patriarcal as deixava sujeitas a sofrerem todos os tipos de abusos e coerções de cunho sexual pelos seus senhores, por outro, a condição de escravizadas em função de sua raça as deixava à mercê das mesmas jornadas de trabalho extenuantes e castigos físicos infligidos aos homens negros, estivessem elas trabalhando como escravas domésticas ou nas lavouras. Nesse contexto, mesmo o clássico papel de mãe atribuído ao gênero feminino lhes era negado, sendo substituído pelo de reprodutora de força de trabalho escravizada que, sob os olhos e cumplicidade das mulheres brancas, as destituíam de seus direitos de cuidar e criar os próprios filhos.

O debate e a luta por melhores condições de acesso e permanência no mercado de trabalho pelas mulheres configuram-se, portanto, historicamente, o lócus da cisão de interesses atravessada pelo sexismo, racismo e classismo presente na luta feminista até os dias atuais. Indo mais além, pela perspectiva das feministas marxistas, é justamente a associação entre o sexismo, racismo e patriarcado que permitiu o aprofundamento do capitalismo a partir do desenvolvimento da indústria, determinando as atuais condições de vida e de trabalho das mulheres (Davis, 2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016 (1981).; Federici, 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução Coletivo Sycorax. São Paulo: Editora Elefante, 2017.; Arruzza; Bhattacharya; Fraser, 2019ARRUZZA, C. Ligações perigosas: casamentos e divórcios entre marxismo e feminismo. São Paulo: Usina, 2019.).

O emergente setor fabril do início da Revolução Industrial, ao final do século XIX, absorveu muitas das atividades econômicas tradicionais das mulheres, antes centradas e desenvolvidas dentro dos lares para manutenção/reprodução das famílias e consideradas tão importantes quanto as desenvolvidas pelos homens. Mulheres racializadas3 3 Para Vergès (2020, p. 18), na França, “o termo ‘racializada’ é empregado para designar todas as mulheres que a colonialidade fabrica como ‘outras’, para discriminar, excluir, explorar, desprezar”. Abrange, portanto, o conjunto de mulheres negras, latinas, indígenas, imigrantes que, a depender do contexto e história de cada país, representam uma categoria de “coalizão” que identifica pessoas-alvo de discriminação e exclusão. No Brasil, são historicamente denominadas “negras” pelos movimentos antirracistas, sendo um termo presente nas políticas públicas. e mulheres brancas pobres passaram a se empregar de forma extremamente precarizada nas novas fábricas, com longas jornadas de trabalho e remunerações inferiores às dos homens nas mesmas funções, ou nos serviços domésticos, ainda mais desvalorizados. Ao mesmo tempo, as mulheres brancas de classe média-alta passaram a viver como “donas de casa”, papel que Davis (2016DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução Heci Regina Candiani. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016 (1981)., p. 230) atribui como um “subproduto ideológico” dessas transformações econômicas, que as relegou a uma vivência apartada do mundo do trabalho produtivo e excluída da arena política.

Como resultado, embora o capitalismo não tenha inventado a subordinação das mulheres na sociedade ou a divisão sexual do trabalho, este a exponenciou ao “separar a produção de pessoas da obtenção de lucro, atribuir o primeiro trabalho às mulheres e subordiná-lo ao segundo” (Arruzza; Bhattacharya; Fraser, 2019ARRUZZA, C. Ligações perigosas: casamentos e divórcios entre marxismo e feminismo. São Paulo: Usina, 2019., p. 51). Ademais, ao pôr fim à família como unidade produtiva, sua associação com as relações de poder patriarcais permitiu que a responsabilidade pelas tarefas reprodutivas recaísse exclusivamente sobre as mulheres, já subordinadas e oprimidas pelos homens independentemente da classe social em que estivessem inseridas, que passaram a fornecer sua mão de obra para a “produção do insumo trabalho” (trabalhadores alimentados, vestidos, educados) para o capital a um custo quase zero. Essa sobrecarga de trabalho doméstico não remunerado constitui, até a atualidade, uma das principais barreiras para a inserção mais qualificada das mulheres no mercado de trabalho (Arruzza; Bhattacharya; Fraser, 2019; Federici, 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Tradução Coletivo Sycorax. São Paulo: Editora Elefante, 2017., 2019; Betti, 2017BETTI, E. Gênero e trabalho precário em uma perspectiva histórica. Tradução de Rebecca Freitas. Revista Outubro, n. 29, novembro de 2017. Disponível em: http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2017/11/03_Betti_2017.pdf. Acesso em: 13 jun. 2023.
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).

Embora a visão hegemônica do movimento feminista no campo do trabalho tenha sido mais centrada nas conquistas individuais e no que hoje se convencionou a chamar de “auto-empoderamento”,4 4 No sentido de alcance de conquistas individuais, quebra de “tetos de vidro” e carreiras. Para Koa Beck (2021, p. 23), “é um tipo de feminismo que engole as políticas de poder sem questioná-las” e que tem uma “forma específica de ver a igualdade de gênero ancorada na acumulação de poder individual em vez de redistribuição de poder”. existe um legado importante de organização sindical e trabalhista que resultou em diversos direitos coletivos conquistados pelas mulheres trabalhadoras. Ainda no final do século XIX, Flora Tristan foi pioneira ao associar a emancipação da classe trabalhadora à emancipação das mulheres em seu livro União operária, de 1843, anterior, inclusive, às obras mais contundentes de Marx e Engels que apresentavam propostas semelhantes. Feministas teóricas marxistas, por sua vez, vêm preenchendo a lacuna deixada por Marx sobre as questões de gênero em sua teoria e muitas tiveram atuações proeminentes na organização de trabalhadores e trabalhadoras via sindicatos e partidos comunistas/socialistas/anarquistas, a despeito do sexismo presente também nesses espaços. Cinzia Arruzza (2019ARRUZZA, C. Ligações perigosas: casamentos e divórcios entre marxismo e feminismo. São Paulo: Usina, 2019.), em seu livro Ligações perigosas: casamentos e divórcios entre marxismo e feminismo, traça um importante panorama dessas trajetórias, evidenciando que “a mulher operária, na maioria dos casos, vivia uma experiência contraditória. Fazia parte do sistema de produção, mas isso não permitia que ela fosse independente economicamente dos homens” (Arruzza, 2019, p. 39).

No Brasil, Fraccaro (2018FRACCARO, G. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.) fez um resgate histórico dos dispositivos legais trabalhistas conquistados pelos movimentos organizados de mulheres entre 1917 e 1937, período que abrange a Consolidação das Leis do Trabalho no Estado Novo. Tais dispositivos nortearam as conquistas sociais do trabalho formal das mulheres, como a regulação da jornada de trabalho, a licença-maternidade e os princípios de isonomia salarial em relação aos homens, consolidadas na Constituição Cidadã de 1988. Entretanto, a informalidade e o trabalho em tempo parcial têm ainda se configurado na realidade de boa parte das trabalhadoras brasileiras, em especial negras e pobres, que se encontram fora do alcance dessas legislações protetivas. A permanência de questões estruturantes das desigualdades de gênero, interseccionadas por raça e classe apontadas até aqui, refletem as diferenças entre igualdade de fato e de jure, tão característica da sociedade brasileira.

Françoise Vergès (2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. Tradução Jamille Ribeiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Editora UBU, 2020.) nos lembra que “todos os dias, em todo lugar, milhares de mulheres negras, racializadas, abrem a cidade” (p. 23), limpando “os espaços de que o patriarcado e o capitalismo neoliberal precisam para funcionar” e executando “um trabalho perigoso, mal pago e considerado não qualificado” (p. 18). No Brasil, Lélia Gonzales (2018GONZALES, L. Primavera para as rosas negras. Coletânea organizada e editada pela UCPA - União dos Coletivos Pan-Africanistas. Diáspora Africana, 2018., p. 44) foi uma das pioneiras no debate teórico interseccional, denunciando a tripla discriminação da mulher negra na sociedade:

Enquanto seu homem é objeto de perseguição, repressão e violência policiais [...], ela se volta para a prestação de serviços domésticos junto às famílias das classes média e alta da formação social brasileira. Enquanto empregada doméstica, ela sofre um processo de reforço quanto à internalização da diferença, da subordinação e da ‘inferioridade’ que lhe seriam peculiares. E tudo isso acrescido pelo problema da dupla jornada que ela, mais do que ninguém, tem de enfrentar [...]. Após ‘adiantar’ os serviços caseiros, dirige-se à casa da patroa, onde permanece durante o dia. [...] Quando não trabalha como doméstica, vamos encontrá-la também atuando na prestação de serviços de baixa remuneração (‘refúgios’) nos supermercados, nas escolas ou nos hospitais, sob a denominação genérica de ‘servente” (que se atente para as significações que tal significante nos remete)”.

Esse artigo de 1981, reeditado na coletânea Primavera para as rosas negras, de 2018, remete a uma realidade que ainda acomete um amplo conjunto de mulheres negras no mercado de trabalho brasileiro nas primeiras décadas do século XXI, indicando que a luta é permanente e constante. A próxima seção busca, justamente, a partir dos dados da PNADC de 2012 a 2021, traçar um panorama das desigualdades aqui debatidas, não somente entre homens e mulheres, mas também entre as próprias mulheres. Os dados foram anualizados por meio da acumulação de respostas das primeiras entrevistas entre 2012 e 2019 e das quintas entrevistas em 2020 e 2021.5 5 A PNADC é uma pesquisa amostral domiciliar, planejada para fornecer dados trimestrais sobre força de trabalho e anuais para outras características da população a partir da constituição de um painel longitudinal, no qual cada domicílio permanece na amostra por 5 trimestres e, para cada trimestre, um questionário básico e um rotativo (módulos e suplementos temáticos) são aplicados. Para mais informações ver https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e. Em função da pandemia e melhor aproveitamento das respostas obtidas, os dados anualizados de 2020-2021 obedeceram a uma lógica distinta de acumulação (ver notas técnicas do IBGE para esse período em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=notas-tecnicas).

Indicadores clássicos de mercado de trabalho por gênero e raça

A taxa de participação no mercado de trabalho, medida pelo total de pessoas na força de trabalho (entre ocupadas e desocupadas) sobre o total de pessoas em idade de trabalhar (14 anos ou mais), é o primeiro indicador a ressaltar as desigualdades por gênero.6 6 Aqui restrita às desigualdades entre homens e mulheres (sexos declarados masculino e feminino para a pesquisa) em função da limitação dos dados oficiais sobre outras identidades de gênero e sexuais na PNADC. Enquanto mais de 70% dos homens, independentemente de sua cor ou raça, participavam do mercado de trabalho em 2021, apenas cerca de metade das mulheres o faziam, cenário que perdura por toda a série histórica com poucas alterações (Tabela 1).

À medida que a informação é mais detalhada, o recorte por cor ou raça se evidencia e, sistematicamente, mulheres negras apresentam piores inserções ocupacionais entre os grupos analisados e mulheres brancas alternando posições com homens negros a depender do indicador analisado. Em 2021, estavam ocupados no mercado de trabalho 64,9% dos homens brancos, 61,7% dos homens pretos ou pardos, 44,5% das mulheres brancas e 39,6% das mulheres pretas ou pardas. Em 2020, primeiro ano da pandemia, o nível da ocupação caiu mais intensamente para mulheres do que para os homens, sem recuperação aos patamares anteriores até 2021. Por conseguinte, mulheres pretas ou pardas apresentavam, ao fim da série histórica, uma taxa de desocupação de 20,7%, mais do que o dobro da desocupação dos homens brancos. Vale destacar a mudança de patamar deste indicador ao longo da série histórica: em nove anos, as taxas de desemprego anuais consolidadas para cada um dos quatro subgrupos analisados praticamente dobraram de valor (Tabela 1).

TABELA 1
Indicadores clássicos de mercado de trabalho, por sexo e cor ou raça Brasil - 2012-2021 Em porcentagem

Um indicador mais amplo para mensuração da inadequação entre oferta e demanda de trabalho adotado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2013) é a subutilização da força de trabalho.7 7 Obtida pela soma de desocupados, subocupados por insuficiência de horas (ocupados que trabalhavam menos de 40 horas semanais, mas que gostariam e estavam disponíveis para trabalhar mais) e a chamada força de trabalho potencial, que agrega pessoas fora da força de trabalho que não procuraram trabalho, mas estavam disponíveis para trabalhar (desalentados), e aqueles que procuraram trabalho, mas, por algum motivo, não estavam disponíveis para começar a trabalhar na semana de referência da pesquisa. Em 2021, mais de 40% das mulheres pretas ou pardas encontravam-se em situação de trabalho subutilizado, enquanto essa taxa foi de 18,0% para os homens brancos, 26,6% para homens pretos ou pardos e 27,70% para mulheres brancas. Ou seja, havia mais trabalhadores demandando trabalho, em especial mulheres negras, do que o mercado estava disposto a absorver, indicando um desequilíbrio e uma capacidade ociosa que vão, em última instância, contribuir para o baixo crescimento econômico observado no período (IBGE, 2022).

A formalização mostrou, a priori, um peso maior para o recorte racial do que para o de gênero na série histórica. Brancos (homens e mulheres) estavam mais presentes em ocupações formais que garantem acesso a uma série de direitos e proteções trabalhistas via carteira de trabalho, concurso público, carreira militar ou contribuição previdenciária individual (caso de empregadores e conta-próprias contribuintes). Em 2021, a taxa de formalização atingiu cerca de 67% dos brancos e apenas pouco mais da metade de trabalhadores(as) pretos(as) ou pardos(as).

Outras características de inserção no mercado de trabalho refletem as desigualdades estruturais brasileiras evidenciadas pelos recortes racial e de gênero, conforme apontam as informações sistematizadas na Tabela 2. Os resultados também dialogam com o debate traçado brevemente na seção anterior acerca da sobrecarga de trabalho doméstico exercido pelas mulheres, exponenciada pela associação com a herança da escravização sobre as condições de trabalho da maior parte da população negra brasileira.

Em 2021, ano ainda marcado pelas consequências da pandemia que impactaram profundamente o acesso e a permanência dos grupos mais vulnerabilizados no mercado de trabalho, mulheres pretas ou pardas eram as que mais estavam ocupadas em tempo parcial (até 39h) e metade delas ocupada como empregada ou trabalhadora doméstica sem carteira de trabalho assinada, conta-própria ou trabalhadora familiar auxiliar (em ajuda a membro do domicílio sem remuneração). Por conseguinte, essas mulheres apresentaram o menor rendimento médio real habitual no trabalho principal (R$ 1.567), situação que se repete em todas as posições de ocupação em 2021, mesmo no trabalho doméstico remunerado informal exercido por 12,4% delas (Tabela 2).

Cabe ainda observar que dentre aqueles não ocupados, mas que buscaram ativamente trabalho no mês de referência, mulheres pretas ou pardas formavam o grupo há mais tempo sem trabalhar e procurando trabalho (28,6% há dois anos ou mais). Dentre os que não tomaram providências para buscar trabalho, quase 20% das mulheres informaram que não o fizeram por ter que cuidar dos afazeres domésticos, do(s) filho(s) ou de outro(s) parente(s), motivo informado por menos de 2% dos homens, em média.

A jornada de trabalho doméstico não remunerado não foi investigada pela PNADC em 2020 e 2021 por conta da redução do questionário em função da mudança de modalidade da entrevista presencial para assistida por telefone. No entanto, os dados de 2019 mostram que 92,1% das mulheres e 78,6% dos homens declararam realizar afazeres domésticos na semana de referência (94,1% entre as mulheres pretas ou pardas) (IBGE, 2020). A diferença é maior nas atividades que demandam mais tempo e dedicação, como as relacionadas a alimentação, lavar e cuidar das roupas, auxílio com cuidados pessoais e atividades escolares. Como resultado, a carga horária média das mulheres entre afazeres e cuidados é superior à dos homens em 10h semanais. Quando ocupados no mercado de trabalho, a diferença entre homens e mulheres cai para 8h, em geral porque tais atividades são terceirizadas a outras mulheres, negras em sua maioria.

TABELA 2
Indicadores de inserção no mercado de trabalho, por sexo e cor ou raça das pessoas de 14 anos ou mais de idade Brasil - 2021

A sobrecarga de trabalho doméstico não remunerado impacta diretamente a participação das mulheres no mercado de trabalho e, em 2021, mais de 43 milhões delas estavam fora da força de trabalho, representando dois terços deste contingente. Na intersecção com cor ou raça, eram 24,2 milhões de pretas ou pardas e 19,1 milhões de brancas nessa condição. Metade das mulheres em idade de trabalhar estava, portanto, fora da força de trabalho.

Os indicadores analisados nesta seção permitem evidenciar os diferenciais de inclusão e participação no mercado de trabalho de uma forma geral entre os grupos populacionais de sexo e cor ou raça. Nas seções seguintes, a análise centra-se sobre o processo de precarização do trabalho a partir de uma breve revisão bibliográfica sobre o tema e uma proposta de conceituação de “trabalho precário” à luz das referências adotadas e dos resultados encontrados na análise descritiva.

Essa definição subsidiou a construção de um indicador sintético para mensuração do trabalho precário no âmbito da atual disponibilidade de informações da PNADC. Ressalta-se que ainda não existe uma recomendação oficial de definição e mensuração de trabalho precário por parte da Organização Internacional do Trabalho e é neste campo que reside, principalmente, a contribuição do presente artigo.

Conceituação e mensuração do trabalho precário: uma proposta

Em linhas gerais, a precarização pode ser entendida como ampliação do trabalho mal remunerado, usualmente associado a longas jornadas, que não conta com um vínculo empregatício formal e, por isso mesmo, é marcado por uma forte instabilidade e insegurança, bem como apresenta novas formas de subsunção ao capital (Fontes, 2017FONTES, V. Capitalismo em tempos de uberização: do emprego ao trabalho. Marx e o marxismo. Revista do NIEP-Marx, v. 5, n. 8, p. 45-67, 2017.), ampliando a sua capacidade de geração de mais valor (Antunes, 2018ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018.). Além disso, o trabalho precarizado não só produz uma forte instabilidade na vida dos trabalhadores, como também declina as suas possibilidades de ascensão social, uma vez que não há uma garantia (segurança) de renda adequada e estável protegida por meio de mecanismos como salário mínimo, previdência social abrangente, indexação de salários e tributação progressiva para a redução de desigualdades (Standing, 2013STANDING, G. O precariado - A nova classe perigosa. 1. ed. Autêntica, 2013.).

No entanto, há outras possibilidades de definição da precarização. Segundo uma perspectiva mais pragmática, o trabalho precário poderia ser definido em contraposição ao conceito de trabalho decente proposto pela OIT em 1999, também presente na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, e eixo de atuação desta instituição desde então. O trabalho decente é composto por quatro dimensões: i) garantia dos direitos do trabalho; ii) promoção de emprego produtivo e de qualidade; iii) ampliação da proteção social; e iv) fortalecimento do diálogo social. O trabalho precário seria, então, pela ótica inversa, aquele marcado pela inexistência ou supressão de direitos, escassez de emprego produtivo e de qualidade, diminuição da proteção social e enfraquecimento do diálogo social.

Kalleberg (2009KALLEBERG, A. L. O crescimento do trabalho precário: um desafio global. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 24, p. 21-30, 2009. DOI: 10.1590/S0102-69092009000100002.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200900...
, 2014) define trabalho precário como o “trabalho incerto e imprevisível” em que os riscos empregatícios são assumidos sobretudo pelo trabalhador. Rodgers e Rodgers (1989RODGERS, G.; RODGERS, J. Precarious jobs in labour market regulation. The growth of atypical employment in Werstern Europe. Genebra: International Institute for Labour Studies/Free University of Brussels, 1989.), Muntaner (2016MUNTANER, C. Global precarious employment and health inequalities: working conditions, social class, or precariat? Cadernos de Saúde Pública, v. 32, 2016. DOI: 10.1590/0102-311X00162215. Disponível em: http://www.scielo.br/j/csp/a/TnLKPGDJh9Cx5cDhNqKc7Mz/?lang=en. Acesso em: 21 abr. 2022.
http://www.scielo.br/j/csp/a/TnLKPGDJh9C...
), IPOL (2021), ILO (2012), Olsthoorn (2014OLSTHOORN, M. Measuring precarious employment: a proposal for two indicators of precarious employment based on set-theory and tested with Dutch labor market-data. Social Indicators Research, v. 119, n. 1, p. 421-441, 2014.), Grimshaw et al. (2016GRIMSHAW, D. et al. Reducing precarious work in Europe through social dialogue: the case of the UK. Report for The European Commission, [S. l.], 2016.) e Fudge (2009FUDGE, J. Measuring precarious work: the institutional indicators. Sydney: IRRA Study Group, 2009.) também ressaltam a questão da insegurança e instabilidade como elementos definidores do trabalho precário, acrescentando alguns outros fatores de ordem econômica, como os baixos salários; de ordem social, como a vulnerabilidade e a falta de proteção social; e de ordem legal, como uma legislação trabalhista pouco favorável e protetiva ao trabalhador.

Na ausência de uma recomendação formal para definição de trabalho precário pela OIT e a fim de comparar e sintetizar as definições mais comumente apontadas pela literatura, elaborou-se uma categorização com base em seis dimensões que correspondem a uma síntese das 11 dimensões apontadas pelo estudo da OIT (2009, 2012) para o trabalho decente, a saber:

  • contratual - refere-se à segurança no emprego e às formas de contrato estabelecidas (part-time ou parcial, com ou sem carteira de trabalho, contratação via pessoa jurídica etc.);

  • legal - relaciona-se à legislação sobre o trabalho de cada país ou localidade;

  • econômica - refere-se à remuneração do trabalho;

  • social - corresponde aos benefícios obtidos com o trabalho e existência de seguridade social;

  • organizacional - associa-se à jornada de trabalho;

  • condições de trabalho compreendem a segurança no ambiente de trabalho.

Apenas a dimensão “oportunidade de emprego”, ressaltada pelos referidos estudos, não foi explicitamente mencionada pela literatura reunida, ainda que em um cenário de escassez de emprego seja um elemento fundamental para o aumento da precarização (Castel, 1998CASTEL, R. Metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 1. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.)

Com base nessa síntese, optou-se por trabalhar com os microdados da PNADC porque esta aborda a maioria das dimensões levantadas, com exceção da legal e daquela referente às condições de trabalho conforme propostas. As demais dimensões foram incorporadas a partir de algumas variáveis investigadas pela pesquisa, como remuneração do trabalho (econômica), contrato formal ou informal de trabalho (contratual), jornada de trabalho (organizacional) e contribuição previdenciária (social).

Importante aqui ressaltar, mais uma vez, que, embora a seleção de indicadores proposta tenha se dado à luz das principais dimensões de precarização apontadas na literatura, esta encontra-se restrita à disponibilidade de variáveis investigadas pela pesquisa. A operacionalização de conceitos com vistas à sua mensuração, em geral, requer algumas simplificações que acarretam limitações de análise. Em particular, as estatísticas públicas oficiais brasileiras disponíveis não são capazes de registrar todas as condições de precarização presentes no mundo do trabalho, pois algumas são subjetivas e/ou difíceis de serem quantificadas, em especial no que concerne à sua intensidade.

Nesse contexto, cada dimensão do indicador sintético ora proposto foi representada a partir de uma única variável:

  • informalidade na situação da ocupação (contratual);

  • jornada de horas trabalhadas habitualmente superior a 44 horas semanais em todos os trabalhos OU quando fosse verificado subocupação por horas trabalhadas (organizacional);

  • contribuição previdenciária (social);

  • rendimento médio efetivo no trabalho principal inferior a um salário mínimo (econômica).

Ainda que não haja um consenso a respeito do conceito de informalidade, a variável “informalidade na situação da ocupação” incluída no indicador foi obtida tomando por referência o conceito adotado na Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, com base nas recomendações da OIT, que considera a informalidade pela perspectiva da proteção social. Assim, os “informais” seriam os empregados e trabalhadores domésticos sem carteira de trabalho assinada, os trabalhadores por conta própria e empregadores que não contribuem para a previdência social e os trabalhadores familiares auxiliares.

Construído com base na metodologia proposta por García et al. (2017), tem-se que cada uma das dimensões é representada por j e o trabalho por i. Para cada valor da dimensão j do trabalho i (X ij ) foi estabelecido um limite de corte (Z j ) que classificou o trabalho em “precário” ou “não precário” a partir da construção de uma variável booleana (Y), que admitiu valor “1” para “precário” e valor “0” para “não precário” dentro de cada uma das dimensões. Assim, a variável admitiu valor “1” (Y = 1) se X ij < Z j no caso da dimensão econômica; se X ij > Z j no caso da dimensão organizacional por excesso de hora trabalhada; ou ainda se X ij = Z j para as demais variáveis categóricas presentes na construção de cada dimensão. Após feita essa contabilização para cada dimensão,8 8 Adotaram-se os seguintes limites de corte considerando-se as variáveis para cada dimensão: contratual (X ij = informal = precário); social (X ij = não contribui = precário); organizacional (X ij > 44 horas OU X ij = subocupado = precário); e econômico (X ij < 1SM = precário). foi calculada uma nova variável P i que sumariza todas as dimensões abordadas, da forma que segue:

P i = j = 1 D w j I { Y = 1 } i = 1 n (1)

Nesta equação, I {Y=1} indica o trabalho primariamente classificado como precário dentro de cada dimensão; wj é o peso atribuído a cada dimensão; e n é o total de situações de trabalho. Os pesos poderiam ser padronizados para que sua soma fosse igual ao total do número de indicadores D. Assim, a variável P i assumiria valores entre 0 e D, em que “0” significa que o trabalho não é precário em qualquer dimensão e D corresponde a um valor em que o trabalho é considerado precário em todas as dimensões. No entanto, essa padronização não foi necessária, pois para o indicador proposto foi considerado peso 1 para todas as quatro dimensões.

Após o cálculo do valor de P i , foi estabelecido um segundo limite de corte k (k = 1) para a classificação de trabalho precário, levando em conta todas as dimensões, o que resultou em precários aqueles trabalhos em que P ik. Como k = 1, considerou-se que o trabalho poderia ser classificado como precário desde que ao menos uma das quatro dimensões fosse classificada como precária. Isso porque, para os propósitos deste estudo, não faz sentido considerar a existência de um trabalho “semiprecário” ou “pouco precário”. Assim, apesar da intensidade da precarização variar, entende-se que apenas uma dimensão precária já configura um trabalho precário.

Obtido P i , tem-se uma distribuição de trabalho precário pela população. Com base nessa distribuição, foi calculada uma nova estatística - a taxa de precarização (H) -, a fim de sumarizar a informação sobre a porcentagem de população ocupada (n) que se encontra precarizada (q):

H = i = 1 n I { P i k } n = q n (2)

No entanto, como o valor de H não leva em conta a intensidade da precarização, foi calculada a média dos valores de P i entre todos os trabalhos considerados precários (μpq). Como se trabalhou com quatro dimensões, esse valor médio poderia variar de 1 a 4, indicando a média de quantidade de dimensões de precarização existentes entre os trabalhadores:

μ p q = i = 1 n P i I { P i k } i = 1 n I { P i k } (3)

Esse valor médio também foi padronizado dividindo-se pelo número total de dimensões (D=4) a fim de obter um valor padronizado variando entre “0” e “1”, de forma que quanto mais próximo de 1, maior é a intensidade da precarização. Finalmente, esse valor médio padronizado A=μpqD foi utilizado para produzir o indicador de precariedade multidimensional ajustado (IPMA), que consiste no resultado do cálculo da razão entre a soma dos valores de P i encontrados dentre os trabalhadores considerados em ocupações precárias e o total de pessoas ocupadas (n) multiplicado pela quantidade de dimensões, ou seja, o produto entre a taxa de precarização (H) e o valor médio padronizado do número de dimensões consideradas precárias (A):

I P M A = i = 1 n P i I { P i k } n D = q n μ p q D = H . A (4)

O IPMA considera tanto a incidência (quantos são os trabalhos precários) quanto a intensidade (quantas dimensões do trabalho são precárias), fornecendo um número que pode ser interpretado em termos percentuais. Além disso, o indicador admite a produção de estatísticas para cada subgrupo populacional e dimensões, sendo que, para fins deste artigo, será priorizada a intersecção sexo e cor ou raça.

A proposta de investigação das condições de trabalho por meio de indicadores sintéticos, dada a multidimensionalidade de fatores que contribuem para definir e qualificar a inserção ocupacional dos trabalhadores, não é, de toda forma, inédita. Maia et al. (2021MAIA, D. et al. A precarização das relações de trabalho no Brasil: reflexões sobre as diferentes formas de mensuração. Fundação João Pinheiro, 2021 (Texto para Discussão, n. 18). Disponível em: https://fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/08/7.10_Texto-para-discussao-18.pdf.
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) realizaram uma revisão de indicadores desse tipo no âmbito das estatísticas europeias e iniciativas nacionais, estas com base nos trabalhos de Saboia (2000SABOIA, J. Um novo índice para o mercado de trabalho urbano no Brasil. Revista de Economia Contemporânea, v. 4, n. 1, p. 123-146, jan./jun. 2000.) e Toni (2007TONI, M. O mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre: o desempenho mais favorável do período recente reverteu a precarização do trabalho dos anos 90? Indicadores Econômicos FEE, v. 35, n. 1, p. 61-70, ago. 2007.), ambas com metodologia de cálculo similar ao IDH. O diferencial da análise dos indicadores aqui propostos reside justamente na possibilidade de desagregação da incidência e da intensidade, permitindo a análise em separado de ambos por grupos populacionais. Pitombeira et al. (2021PITOMBEIRA, L. et al. Uma análise da qualidade dos postos de trabalho no Brasil em 2005 e 2015: diferenciais de sexo, raça e idade. In: FUSCO, W.; MYRRHA, L.; JESUS, L. (Org.). Migração, trabalho e gênero: textos selecionados. Belo Horizonte: Abep, 2021. p. 734-745.), por sua vez, construíram um índice de sobreposição de dimensões de qualidade de trabalho similar à proposta aqui apresentada (quatro dimensões, com score 0 ou 1) para subsidiar um modelo probit que visa estimar a relação entre a variável binária (trabalho precário) e possíveis variáveis explicativas (sexo, cor ou raça e grupo etário), não chegando, portanto, a explorar as diferenças entre incidência e intensidade de precarização do trabalho, conforme realizado na seção seguinte.

O trabalho precário pelos recortes racial e de gênero

Seguindo a metodologia descrita na seção anterior, a taxa de precarização (H) para o Brasil, definida como o total de pessoas em ocupações precárias sobre o total da população ocupada, teve seu ponto máximo no início da série, quando 70,8% da população ocupada encontrava-se precarizada em ao menos uma dimensão em 2012. O indicador decresceu continuamente até 2017, quando alcançou 58,0% dos ocupados, atingindo seu valor mais baixo (57,3%) em 2020, ano atípico devido à pandemia de Covid-19, em que o mercado de trabalho apresentou uma melhora geral nos indicadores associados à qualidade do emprego em função da saída de trabalhadores mais vulnerabilizados da força de trabalho.9 9 Para uma análise mais pormenorizada dos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho em 2020, ver IBGE (2021). Com o retorno gradual das atividades econômicas e desses trabalhadores, a taxa de precarização tornou a aumentar, alcançando 61,2% da população ocupada em 2021 (Gráfico 1).

A evolução temporal do indicador revela que o período de crescimento econômico observado entre 2012 e 2014, com impactos positivos sobre a geração de emprego formal (IBGE, 2021), contribuiu para a redução da precarização que perdurou nos anos de crise político-econômica-institucional em 2015-2016. No entanto, nesse mesmo período, o processo de flexibilização das relações de trabalho observado na legislação brasileira e que vinha se intensificando desde 1990 não arrefeceu (Krein; Biavaschi, 2015KREIN, J. D.; BIAVASCHI, M. de B. Brasil: os movimentos contraditórios da regulação do trabalho dos anos 2000. Cuadernos del CENDES, v. 32, n. 89, p. 47-82, 2015.), tendo seu ápice na Reforma Trabalhista de 2017,10 10 Com vigência iniciada em 11 de novembro de 2017, a reforma alterou mais de 100 artigos da CLT e foi estruturada em quatro principais diretrizes: 1- supremacia das negociações entre empregados e empregadores frente às normas trabalhistas; 2- ampliação das atividades terceirizadas, com terceirização das atividades meio e atividades fins; 3- amplitude dos contratos de trabalho e jornadas de trabalho ajustáveis; 4- limites ao acesso e atuação da Justiça do Trabalho, caminhando em sentido contrário aos interesses do trabalhador (Passos; Lupatini, 2020). ano que coincide com a reversão da trajetória de queda da taxa de precarização.

GRÁFICO 1
Taxa de precarização, segundo sexo e cor ou raça Brasil - 2012-2021

A segmentação racial do mercado de trabalho brasileiro pode ser observada pelo indicador, com ocupados pretos ou pardos (homens e mulheres) apresentando sistematicamente ao longo da série histórica maiores taxas de precarização em relação aos trabalhadores brancos (Gráfico 1). Ao adicionar a componente gênero, observa-se que as mulheres brancas ocupadas formavam o grupo populacional com menor incidência de trabalhadoras precarizadas, seguidas pelos homens brancos. Por sua vez, no grupo de cor ou raça preta ou parda, homens apresentaram maior quantitativo de ocupados em trabalhos considerados precários, embora com menor diferença em relação às mulheres.

A maior taxa de precarização entre os homens, para ambos os grupos raciais, em relação às mulheres pode ser, em parte, explicada com base na própria construção do indicador, que classificou como trabalho precário o atendimento de ao menos uma das dimensões consideradas (k=1), além de incluir apenas a população efetivamente ocupada. Conforme visto nas duas primeiras seções, boa parte das mulheres em idade de trabalhar não faz parte da força de trabalho e, portanto, não são aqui contabilizadas.

Quando consideradas tanto a incidência (quantos trabalhadores possuem trabalhos precários) quanto a intensidade (quantas dimensões do trabalho são precárias) no cálculo do IPMA, obtêm-se valores que podem ser interpretados em termos percentuais. Em 2021, o IPMA de mulheres e homens pretos ou pardos foi de 0,39, valor que variou pouco ao longo da série histórica (Gráfico 2). A mesma situação pode ser observada entre homens brancos (0,28) e mulheres brancas (0,27).

GRÁFICO 2
IPMA, segundo sexo e cor ou raça Brasil - 2012-2021

A análise do IPMA sugere, portanto, que as desigualdades por cor ou raça se mostraram mais determinantes do que as diferenças por sexo para a precarização do trabalho, visto que os indicadores apresentam pouca diferença entre homens e mulheres dentro de cada agrupamento de cor ou raça. Na análise desagregada somente por sexo, as mulheres registram um maior volume médio de dimensões precárias de trabalho e, portanto, uma maior intensidade da precarização do trabalho. No entanto, ao acrescentar a variável cor ou raça, esse diferencial por sexo não se mantém e as mulheres brancas se mostraram menos intensamente precarizadas do que homens pretos ou pardos.

Uma outra possibilidade de análise da intensidade da precarização pode ser realizada por meio da quantidade de dimensões precarizadas, com conclusões similares às encontradas anteriormente pelo IPMA: homens e mulheres negros estão mais em trabalhos precários do que homens e mulheres brancos. Do total de mulheres pretas ou pardas em ocupações precárias, 18,4% atendiam aos critérios de precariedade estabelecidos para todas as quatro dimensões em 2021, seguidas de 15,5% de homens pretos ou pardos, 10,9% de mulheres brancas e 9,3% de homens brancos. Para toda a série histórica há uma diferença superior a 5% entre brancos (homens e mulheres) e pretos ou pardos (homens e mulheres), sendo os últimos mais intensamente precarizados (Gráfico 3).

GRÁFICO 3
Proporção de trabalhadores precarizados nas quatro dimensões, segundo sexo e cor/raça Brasil - 2012-2021

Considerações finais

O presente artigo buscou estabelecer um diagnóstico recente do quadro de precarização do trabalho à luz das históricas desigualdades de gênero e raça da sociedade brasileira. Para além da definição teórica de trabalho precário, foi utilizado um indicador multidimensional de precarização a partir das informações existentes na PNADC, principal fonte de dados sobre o mercado de trabalho brasileiro. O intuito foi contribuir para o debate atual em torno das melhores formas de dimensionar o fenômeno em relação tanto à sua incidência quanto à sua intensidade. Para tal, foram considerados diversos aspectos das relações de trabalho no Brasil recente, de modo a identificar elementos que apontassem para a precarização do trabalho.

Nesse sentido, o artigo permitiu a compreensão sobre como o processo de precarização vem avançando sobre as condições de trabalho de forma combinada nas quatro dimensões consideradas neste artigo: contratual, organizacional, econômica e social. Para mensurar cada dimensão, foram selecionados indicadores representativos como vínculo formal ou informal de trabalho (contratual), jornada de trabalho (organizacional), remuneração do trabalho (econômica) e contribuição previdenciária (social). Dois indicadores foram, então, construídos com base na metodologia proposta por García et al. (2017): a taxa de precarização (H) e o indicador de precariedade multidimensional ajustado (IPMA).

Ambos os indicadores apontaram que mulheres negras constituem o grupo populacional mais afetado pela precarização do trabalho em curso, acompanhadas de perto pelos homens negros, informando o peso da nossa herança escravista sobre o acesso e qualidade do emprego de mais da metade da população brasileira. A análise dos resultados também apontou para um agravamento do cenário de precarização do trabalho iniciado em 2014 e intensificado após 2016. A melhora observada nos anos finais da série remete aos efeitos da pandemia, que retirou da força de trabalho justamente os trabalhadores mais precarizados, mais vulneráveis e, entre eles, mulheres que, mais do que nunca, se viram às voltas com a conciliação entre mercado de trabalho e cuidados e afazeres domésticos.

A persistência da divisão sexual do trabalho que ainda relega às mulheres a responsabilidade pelo cuidado com a família e com a casa impõe que essa dimensão seja analisada à parte, afinal, é um dos principais motivos da sobrerrepresentação de mulheres fora da força de trabalho, subocupadas e ocupadas em tempo parcial. Embora não considerado como produtivo, dentro da esfera da Contabilidade Nacional, feministas marxistas vêm se empenhando em mostrar a importância do trabalho reprodutivo para a geração de lucro e riqueza no interior do capitalismo. Nesse ponto, a intersecção gênero, raça e classe se evidencia e as classes mais favorecidas (brancas) participam das engrenagens de reprodução de desigualdades de várias formas, entre elas, ao terceirizar suas atividades de reprodução social às empregadas domésticas precariamente ocupadas. Mulheres brancas quebram tetos de vidro desde que tenham mulheres negras para limpar os cacos, já alertam há tempos feministas de vertente marxista e decolonial.

A reforma trabalhista de 2017, aprovada no governo Temer visando a flexibilização das relações de trabalho como caminho para geração de empregos, claramente contribuiu para o agravamento do quadro ora apresentado. A geração de emprego formal e qualificado por meio de crescimento econômico em bases sustentadas precisa estar acompanhada de um sistema de proteção social que efetivamente apoie institucionalmente a participação das mulheres no mercado de trabalho, via, por exemplo, garantia de educação em tempo integral e serviços assistenciais e de saúde universais.

Por fim, o artigo também buscou ressaltar os desafios da construção de um indicador de precarização do trabalho quando não há metodologia acordada nem internacionalmente nem nacionalmente. Não obstante a conceituação proposta ter partido da sistematização de uma ampla pesquisa bibliográfica, identificando as dimensões de precarização do trabalho mais comumente acionadas pela literatura, há limitação de informações nas bases de dados atuais, cujos instrumentos de coleta precisam ser atualizados para acompanhar as mudanças em curso no mundo do trabalho. Dentre estas, destacam-se os diferentes modos de flexibilização nos contratos de trabalho, as contratações via MEI (microempreendedores individuais) e o trabalho por aplicativo.

Muitos aspectos relativos ao tema ainda carecem de investigação e se apresentam como oportunidades para pesquisas futuras, em especial, no que se refere aos impactos da precarização do trabalho associados à redução dos gastos sociais sobre as condições de vida das mulheres, principalmente. Não obstante, reconhecemos que a perspectiva de análise interseccional aqui empreendida centrada em dois elementos fundantes como gênero e raça precisa ser mais amplamente explorada, incorporando outras dimensões que impactam sobremaneira as análises de mercado de trabalho e, por conseguinte, podem, quando combinadas, exponenciar as desigualdades aqui discutidas, com destaque para local de residência, ocupações agrícolas e não agrícolas e ciclo de vida dos trabalhadores.

Reconhecimentos

Não aplicável.

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    » https://doi.org/10.1590/S0102-69092009000100002.
  • KREIN, J. D.; BIAVASCHI, M. de B. Brasil: os movimentos contraditórios da regulação do trabalho dos anos 2000. Cuadernos del CENDES, v. 32, n. 89, p. 47-82, 2015.
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    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00162215» http://www.scielo.br/j/csp/a/TnLKPGDJh9Cx5cDhNqKc7Mz/?lang=en
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  • STANDING, G. O precariado - A nova classe perigosa. 1. ed. Autêntica, 2013.
  • TONI, M. O mercado de trabalho da Região Metropolitana de Porto Alegre: o desempenho mais favorável do período recente reverteu a precarização do trabalho dos anos 90? Indicadores Econômicos FEE, v. 35, n. 1, p. 61-70, ago. 2007.
  • VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. Tradução Jamille Ribeiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Editora UBU, 2020.
  • Financiamento:

    Não aplicável.
  • Aprovação ética:

    Os autores certificam que o trabalho não inclui seres humanos ou animais.
  • Disponibilidade de dados e material:

    Não aplicável
  • 1
    Os questionários das pesquisas domiciliares do IBGE, e da PNADC em particular, preveem uma categorização de cor/raça a partir das respostas branca, preta, parda, amarela e indígena. Amarelos e indígenas não têm representatividade estatística na amostra da PNADC e, historicamente, para fins de formulação de políticas públicas e na maioria dos estudos quantitativos da área, a soma das categorias “preta” e “parda” corresponde a uma categoria política derivada denominada “negra”. Ao longo do texto, as duas possibilidades poderão aparecer.
  • 2
    Segundo Fraccaro (2018FRACCARO, G. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018., p.32), “o questionamento sobre o uso da metáfora de ondas tem sido cada vez mais frequente por considerar que a periodização entrincheira a percepção de um feminismo singular em que gênero é a categoria predominante de análise, deixando subsumidos os conflitos de raça e classe”.
  • 3
    Para Vergès (2020VERGÈS, F. Um feminismo decolonial. Tradução Jamille Ribeiro Dias e Raquel Camargo. São Paulo: Editora UBU, 2020., p. 18), na França, “o termo ‘racializada’ é empregado para designar todas as mulheres que a colonialidade fabrica como ‘outras’, para discriminar, excluir, explorar, desprezar”. Abrange, portanto, o conjunto de mulheres negras, latinas, indígenas, imigrantes que, a depender do contexto e história de cada país, representam uma categoria de “coalizão” que identifica pessoas-alvo de discriminação e exclusão. No Brasil, são historicamente denominadas “negras” pelos movimentos antirracistas, sendo um termo presente nas políticas públicas.
  • 4
    No sentido de alcance de conquistas individuais, quebra de “tetos de vidro” e carreiras. Para Koa Beck (2021BECK, K. Feminismo branco: das sufragistas às influenciadoras e quem elas deixam para trás. Tradução Bruna Barros. Rio de Janeiro: HarperCollins Brasil, 2021., p. 23), “é um tipo de feminismo que engole as políticas de poder sem questioná-las” e que tem uma “forma específica de ver a igualdade de gênero ancorada na acumulação de poder individual em vez de redistribuição de poder”.
  • 5
    A PNADC é uma pesquisa amostral domiciliar, planejada para fornecer dados trimestrais sobre força de trabalho e anuais para outras características da população a partir da constituição de um painel longitudinal, no qual cada domicílio permanece na amostra por 5 trimestres e, para cada trimestre, um questionário básico e um rotativo (módulos e suplementos temáticos) são aplicados. Para mais informações ver https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=o-que-e. Em função da pandemia e melhor aproveitamento das respostas obtidas, os dados anualizados de 2020-2021 obedeceram a uma lógica distinta de acumulação (ver notas técnicas do IBGE para esse período em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9171-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-mensal.html?=&t=notas-tecnicas).
  • 6
    Aqui restrita às desigualdades entre homens e mulheres (sexos declarados masculino e feminino para a pesquisa) em função da limitação dos dados oficiais sobre outras identidades de gênero e sexuais na PNADC.
  • 7
    Obtida pela soma de desocupados, subocupados por insuficiência de horas (ocupados que trabalhavam menos de 40 horas semanais, mas que gostariam e estavam disponíveis para trabalhar mais) e a chamada força de trabalho potencial, que agrega pessoas fora da força de trabalho que não procuraram trabalho, mas estavam disponíveis para trabalhar (desalentados), e aqueles que procuraram trabalho, mas, por algum motivo, não estavam disponíveis para começar a trabalhar na semana de referência da pesquisa.
  • 8
    Adotaram-se os seguintes limites de corte considerando-se as variáveis para cada dimensão: contratual (X ij = informal = precário); social (X ij = não contribui = precário); organizacional (X ij > 44 horas OU X ij = subocupado = precário); e econômico (X ij < 1SM = precário).
  • 9
    Para uma análise mais pormenorizada dos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho em 2020, ver IBGE (2021).
  • 10
    Com vigência iniciada em 11 de novembro de 2017, a reforma alterou mais de 100 artigos da CLT e foi estruturada em quatro principais diretrizes: 1- supremacia das negociações entre empregados e empregadores frente às normas trabalhistas; 2- ampliação das atividades terceirizadas, com terceirização das atividades meio e atividades fins; 3- amplitude dos contratos de trabalho e jornadas de trabalho ajustáveis; 4- limites ao acesso e atuação da Justiça do Trabalho, caminhando em sentido contrário aos interesses do trabalhador (Passos; Lupatini, 2020).

Editado por

Editores:

Cassio Turra e Igor Cavallini Johansen

Disponibilidade de dados

Não aplicável

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2023
  • Aceito
    08 Jan 2024
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