Open-access Mercados imobiliários e rede urbana no Brasil

Resumo

Mercados imobiliários revelam aspectos relativos à rede urbano-regional de um país e também às possibilidades para o desenvolvimento dessa rede de forma policêntrica. Usando uma base de dados inédita, este artigo investiga os mercados imobiliários em metrópoles de segundo, terceiro e quarto níveis no Brasil. Explora-se a variabilidade e criam-se tipologias de mercados imobiliários nas metrópoles selecionadas - Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Florianópolis e Vitória - por meio de métodos multivariados. Os resultados indicam altos níveis de segmentação dos mercados, jogam luz sobre os processos de suburbanização em contraposição à presença de centros fortes e geram preocupações sobre a capacidade de pagamento dos residentes em alguns municípios. Dentro de cada metrópole, os mercados imobiliários variam substancialmente, evidenciando alto nível de segregação social; entre elas, há similaridades intrigantes, indicando como os locais residenciais e comerciais são (re)produzidos de maneira relativamente genérica no país.

Palavras-chaves: Mercados Imobiliários; Rede Urbana; Urbanização; Assentamentos Humanos; Policentralidades; Brasil

Abstract

Real estate markets reveal aspects regarding the urban-regional network of a country and the possibilities for the development of this network in a polycentric manner. Using an unprecedented database, this article investigates the real estate markets in second-, third- and fourth-tier metropolises in Brazil. It explores the variability and creates typologies of real estate markets in a group of selected metropolises - Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Florianópolis and Vitória - using multivariate analysis methods. The results indicate high levels of market segmentation, shed light on the suburbanization processes versus the presence of strong city centers, and raise concerns regarding the affordability of housing in some municipalities. Within each agglomeration, real estate markets vary substantially, indicating a high level of social segregation; among them, there are intriguing similarities, indicating how the residential and commercial locations are (re) produced in a relatively generic manner in Brazil.

Keywords: Real Estate Markets; Urban Network; Urbanization; Human Settlements; Polycentricities; Brazil

Introdução

Mercados imobiliários revelam aspectos relativos tanto à rede urbano-regional de um país como às possibilidades de desenvolvimento dessa rede de forma policêntrica, embora essas dimensões críticas sejam por vezes subestimadas em nome de considerações exclusivamente macroeconômicas (STORPER; SCOTT, 2003) ou excessivamente centradas nas metrópoles primárias de cada país (CASTRIOTA; TONUCCI, 2018; ZHANG et al., 2016). Neste artigo, utiliza-se a expressão “urbano-regional” em razão do entendimento de que o processo de urbanização contemporâneo não se restringe às centralidades principais de cada metrópole; ele só pode ser apreendido em uma escala que considere a região circunvizinha e suas inter-relações. Também há ênfase na “rede urbana” porque o crescimento de cada uma dessas aglomerações está inter-relacionado. Nesse sentido, algumas poucas cidades estendem seus tentáculos sobre um enorme espaço urbanizado (LEFEBVRE, 1999; MONTE-MÓR, 2006) e, de particular interesse para este trabalho, acabam por valorizar sobremaneira o solo urbano em tais centros (ALMEIDA; MONTE-MÓR; AMARAL, 2017; CRONON, 1991). Conforme a urbanização avança, centralidades primárias compram matérias-primas e vendem produtos e serviços avançados de/para locais cada vez mais distantes e a integração nacional, em geral guiada pelo Estado, conecta os fluxos de produtos, pessoas e informações. Efeitos desaglomerativos, como congestionamentos, altos custos da terra urbana e a politização da classe trabalhadora local, movem parte da indústria para outras aglomerações, formando novos níveis de metrópoles. Essa dinâmica, simplificadamente, leva à formação de uma rede urbana nacional (CAMPOLINA DINIZ; CROCCO, 2006; IBGE, 2008; PERROUX, 1967). Supõe-se que o processo de urbanização carregue consigo processos de valorização do solo urbano, e esse é um ponto de interesse neste artigo.

Nesse sentido, as características e o funcionamento dos mercados imobiliários são um aspecto fundamental das redes urbanas e da urbanização enquanto processo. Como a literatura empírica tem observado recentemente para países continentais, como é o caso da China (ZHANG et al., 2016) e dos Estados Unidos (DEFUSCO et al., 2018), as dinâmicas imobiliárias variam de maneira significativa em diferentes polos da rede urbana nacional. Além disso, a dinâmica imobiliária é uma chave para possibilitar uma rede urbana mais policêntrica, e, a depender do planejamento e da dinâmica intrínseca de cada processo, menos desigual. Uma das possibilidades deletérias da urbanização é que os centros secundários, terciários, quaternários, e assim sucessivamente na hierarquia urbana, tornem-se caros, dificultando processos de desconcentração. Teoricamente, as aglomerações urbano-regionais de segundo, terceiro e quarto nível na rede urbana seriam espaços privilegiados nesses processos de desconcentração, pois ofertam bons níveis de infraestrutura, economias de escala, de aglomeração e de urbanização, e serviços centrais no sentido dado por Christaller (1966). Essa perspectiva dialoga com um processo endógeno de desenvolvimento nacional, no qual a dinâmica territorial é guiada pelas possibilidades e compatibilidades do próprio país, como proposto há alguns anos no projeto Brasil policêntrico (BRASIL, 2008)1.

Diante desse panorama, o objetivo deste artigo é descrever e analisar os mercados imobiliários em diferentes níveis da rede urbana do país - Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Florianópolis e Vitória - e de diferentes macrorregiões (Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste), baseando-se na nova classificação da rede urbana realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020). O artigo utiliza uma nova base de dados construída a partir de uma das principais companhias de redes de imobiliárias para as aglomerações selecionadas. Pelo que se pôde alcançar na revisão de literatura, esta é a primeira tentativa de estudo dos mercados imobiliários desse grupo de metrópoles, e a primeira a utilizar a metodologia empregada aqui para estudar mercados imobiliários em geral. Tal metodologia permite a criação de tipologias de oferta imobiliária nas aglomerações selecionadas mediante a adoção de métodos multivariados (análise de clusters). Além disso, essa abordagem propicia uma compreensão das variáveis mais relevantes para diferenciar esses mercados (Análise de Componentes Principais, ACP) e aponta similaridades e dissimilaridades entre eles nas diferentes aglomerações.

Os resultados indicam que os mercados imobiliários são bastante segmentados e segregados2 nas aglomerações estudadas. Dentro de cada uma delas, há variações substanciais e similaridades intrigantes. Também há evidências de processos de suburbanização3 simultâneos à presença de centros fortes. Por fim, há indicações preliminares que trazem preocupações sobre a capacidade de pagamento dos residentes (housing affordability) em alguns municípios. Esses resultados podem ter implicações significativas para a política habitacional, para o planejamento territorial, para debates sobre migrações e sobre a recém-estudada relação entre ciclos macroeconômicos e mercados imobiliários em metrópoles de diferentes posições na rede urbana (DEFUSCO et al., 2018; ZHANG et al., 2016).

Este artigo estrutura-se em três seções além desta introdução. A próxima seção apresenta uma breve revisão da literatura especializada a respeito da rede urbana brasileira e das aglomerações selecionadas. A segunda seção detalha os dados analisados e a metodologia. Na terceira parte, são exibidos os resultados da ACP e da análise de clusters. Por fim, tecem-se considerações finais, com a sugestão de passos futuros no tocante a essa pesquisa.

1. Rede urbana brasileira

Processos de urbanização são ancorados por aglomerações urbanas que organizam o território, concentram valores e centralidades, estendem-se por regiões circunvizinhas e conectam-se entre si (CHRISTALLER, 1966; PERROUX, 1967). Cada aglomeração representa um nó na rede urbana. No Brasil, desde os anos 1960 o IBGE vem conduzindo pesquisas sobre a rede urbana - atualmente intituladas Regiões de Influência das Cidades (Regic) -, com publicações em 1967, 1972, 1987, 2000, 2008, e 2018. Esta última pesquisa foi publicada em 2020 com dados referentes a 2018. O objetivo principal do Regic é identificar e analisar a rede urbana brasileira, estabelecendo a hierarquia dos centros urbanos e as regiões de influência das Cidades. Nessa publicação, o IBGE adota como unidade de análise o conjunto dos municípios e arranjos populacionais - recortes territoriais que consistem em agrupamentos de dois ou mais municípios fortemente integrados - e o termo “Cidade”, com letra maiúscula, para indicar a centralidade principal de um nó na rede urbana (IBGE, 2020). Todas as definições sobre níveis na rede urbana brasileira neste artigo são baseadas no Regic.

A desconcentração e a extensão da rede urbana nacional, com a emergência e o fortalecimento de metrópoles e centros para além de uma única grande metrópole nacional, configuram-se como um fenômeno que tem sido constatado em vários países subdesenvolvidos nas últimas décadas. Para a África, ver Turok (2016); para a China, Zhang e Peck (2016); e, para a América Latina, UN-Habitat (2012) e Moura e Pêgo (2016). Para uma visão mundial baseada em dados, ver Angel et al. (2016). A Figura 1 ilustra essa dinâmica na América Latina e no Caribe. Nela se mostra que cidades primárias nacionais, como a Cidade da Guatemala, São Paulo, Assunção, Caracas, Montevidéu e Cidade do México, entre outras, cresceram abaixo da média nacional. Por outro lado, das doze aglomerações que cresceram acima da média nacional, onze não são cidades primárias das suas redes urbanas nacionais: Valparaíso, Puebla, Medellín, Belo Horizonte, Córdoba, Guadalajara, San Miguel de Tucumán, Fortaleza, Mendonza, Guayaquil e Arequipa - San José, na Costa Rica, é a única exceção. No Brasil, Rio de Janeiro (secundária) e São Paulo (primária) cresceram bem abaixo da média nacional, enquanto as metrópoles terciárias de Belo Horizonte, Fortaleza e Recife cresceram bem acima da média.

Figura 1
Crescimento do PIB per capita por aglomeração e no país - América Latina e Caribe (2000-2010)

Com relação ao caso brasileiro, como a literatura vem descrevendo, a queda da primazia urbana de São Paulo desde os anos 1970 não é associada com uma concentração contínua, nem com uma dispersão completa. De fato, a urbanização brasileira, particularmente quando enfatizada a dimensão de produção industrial, levou à formação de um “polígono”, cuja posição central era ocupada por São Paulo, com os vértices formados por aglomerações urbano-regionais (CAMPOLINA DINIZ, 1993; 1994).

As aglomerações selecionadas para este estudo formam alguns vértices desse polígono, como Belo Horizonte, ou estão dentro dele, como Florianópolis. Além disso, foi selecionada a metrópole de Salvador, de terceiro nível, no Nordeste, não diretamente conectada com o tecido urbano-industrial do Centro-Sul brasileiro (ROCHA; SILVEIRA NETO; GOMES, 2011; SCHERER; AMARAL; FOLCH, 2019). Vale destacar que a “Marcha para Oeste” se intensificou desde os anos 1960, com a nova capital planejada, Brasília, desempenhando um papel fundamental.

A urbanização brasileira vem sendo crescentemente explicada por intermédio da hipótese da urbanização extensiva, segundo a qual a relação dialética entre campo e cidade foi superada pela emergência do urbano (como substantivo, indicando sociedade urbana) que se estende de maneira virtual por todo o território nacional (CASTRIOTA; TONUCCI, 2018; MONTE-MÓR, 2006), e, cada vez mais, de forma planetária (MONTE-MÓR, 2006; KEIL, 2018).

A fim de possibilitar uma visualização estilizada da rede urbana do Brasil e das áreas de influência das Cidades, a Figura 2 ilustra o resultado de um mapeamento resultante de uma análise de área de influência ou polarização, baseada em encadeamentos produtivos e em características geomorfológicas, políticas e culturais. Nessa figura, o mapa do Brasil é remodelado de acordo com suas principais metrópoles e centros, e cada polígono representa a área de influência de uma ou mais Cidades principais, representadas pelos pontos pretos. Trata-se de uma maneira mais fácil e simplificada de visualizar a rede urbana do Brasil, apresentada ao longo do artigo, do que aquela oferecida pelo Regic. A ilustração, em vez do mapa típico do Regic, confere maior destaque às metrópoles estudadas neste artigo - Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Salvador (BA), Florianópolis (SC) e Vitória (ES). Como toda simplificação, há alguma perda de precisão ou de detalhamento. Recomenda-se fortemente a consulta ao “Mapa 1 - Rede Urbana - Brasil - 2018” do Regic 2018 (IBGE, 2020).

Figura 2
Rede urbana brasileira (2000s)

A evolução da rede urbana brasileira tem se caracterizado por poucos reposicionamentos diante de um reforço sobre o mesmo conjunto de centralidades principais (MOURA; NOGAMINE; FERREIRA, 2021). Entretanto, mudanças mais significativas têm sido percebidas nos papéis e funções urbanos das cidades e nas interações entre os centros. Transformações também podem ser percebidas em vista de “mudanças no conteúdo e nas formas de uso do espaço, combinando continuidade e descontinuidade territorial, adensamentos concentrados, e fragmentos dispersos pelo território” (id., 2021, p. 10). Nesse aspecto, Cidade e Rede Urbana são influenciadas e influenciam as transformações estruturais que se verificam em escalas e períodos distintos. E tais transformações envolvem mudanças nas características físicas, espaciais e funcionais das Cidades (IPEA, 2016).

Pautados em características como essas, buscamos neste artigo articular as relações entre a rede urbana e o mercado imobiliário. Este último reflete e revela aspectos importantes relativos à organização espacial e funcional da rede urbana. As características gerais do mercado imobiliário, bem como sua dinâmica, permitem a realização de análises a respeito da divisão espacial do uso do solo e da estrutura urbana entre diferentes níveis de centralidade/hierarquia urbana e dentro dos arranjos populacionais. Para esse fim, no próximo tópico são introduzidas as escolhas metodológicas do trabalho, que, por meio de técnicas de estatística multivariada - análise de componentes principais e análise de cluster -, buscam criar tipologias sobre o mercado imobiliário nos arranjos populacionais selecionados.

2. Métodos e dados

Nos últimos anos, vários trabalhos acadêmicos descreveram o mercado imobiliário brasileiro (AGUIAR; SIMÕES; GOLGHER, 2014; ALMEIDA, MONTE-MÓR, AMARAL, 2017; CAMPOS, 2017; FURTADO, 2007; 2011; NADALIN, 2010; PAIXÃO; ABRAMO, 2008; PAIXÃO; LUPORINI, 2019). No entanto, o foco de todos esses trabalhos recaiu sobre uma cidade ou aglomeração específica. Em face da localização dos autores e/ou da disponibilidade de dados cadastrais públicos, grande parte se debruçou sobre Belo Horizonte ou São Paulo. Há também os trabalhos relacionados à dinâmica imobiliária das chamadas “cidades médias”, principalmente do interior do estado de São Paulo (ver, por exemplo, BARCELLA; MELAZZO, 2020; MELAZZO, 2010). Contudo, até onde sabemos, esses trabalhos se baseiam em dados de anúncios em classificados de jornais (ABREU; AMORIM, 2014), o que os diferencia de modo substancial da abordagem adotada neste artigo, detalhada nesta seção. Em período mais recente, foi feita uma tentativa para Brasília (ALBUQUERQUE et al., 2018). Diferentemente dos Estados Unidos (SHILLER, 2014) ou da China (WU; DENG; LIU, 2014)4, não há índice oficial do mercado imobiliário brasileiro. Embora o Banco Central tenha feito tentativas nesse sentido, os dados ainda não configuram um índice nacional nem permitem análises de metrópoles específicas ou “intrametropolitanas”.

Diante da falta de dados consolidados e comparáveis ou de um índice oficial para o mercado imobiliário no Brasil, ao longo do tempo a literatura se baseou, principalmente, em dados de: i) anúncios de jornais; ii) dados fiscais de transações imobiliárias das prefeituras municipais (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis - ITBI); iii) dados primários coletados in loco. Para uma apreciação crítica dos vários problemas dessas fontes, ver, entre outros, Almeida, Monte-Mór e Amaral (2017) e Melazzo (2010). Em função do escopo deste trabalho, vale salientar que essas fontes tradicionais são muito limitadas espacialmente: em alguns casos cobrem apenas uma vizinhança, e, em outros, apenas a parte formal das transações ocorridas em um único município. Como destacado na introdução, a compreensão da urbanização, em conjunto com a dinâmica imobiliária contemporânea, requer uma escala muito maior. Recentemente, de um lado, com o avanço das plataformas de anúncios de ofertas imobiliárias, e, de outro, com a disseminação do conhecimento de programação computacional na academia, vem emergindo uma série de publicações construídas com base nos webcrawlers (“robôs” ou “raspagem”) que extraem dados desses sites. Dois exemplos são os de Almeida, Monte-Mór e Amaral (2017), que usaram a plataforma Netimóveis para a Região Metropolitana de Belo Horizonte, e Winke (2017), que trabalhou com as plataformas Immobilien Scout GmbH e IDN ImmoDaten GmbH para Frankfurt (Alemanha). Essas plataformas são diferentes de sites de anúncios (como o brasileiro OLX), pois são construídas por empresas imobiliárias e que concentram anúncios de centenas de imobiliárias individuais - nos exemplos dados, a Netimóveis conta com uma rede de mais de 150 imobiliárias e mais de 100 mil anúncios (sem repetição), e as duas plataformas alemãs citadas coletam informações sistemáticas de 113 imobiliárias. Não são as famílias ou indivíduos anunciantes que criam e fazem a gestão dos anúncios, como no OLX ou em outras plataformas.

Neste artigo, também se utilizou a plataforma Netimóveis, presente em vários estados brasileiros há alguns anos. Por meio do uso de um webcrawler, foi possível construir uma base com mais de 30 mil observações de várias tipologias para as aglomerações selecionadas. Isso levou à amostra exposta na Tabela 1. As definições dos níveis da rede urbana seguem os dados oficiais do IBGE (2020).

Tabela 1
Aglomerações urbano-regionais e municípios selecionados

Embora os dados das ofertas imobiliárias estejam se popularizando na academia, é importante ressaltar as limitações existentes. Essas ofertas tendem a sub-representar os mercados informais, apesar de a regularização fundiária não ser condição estritamente necessária para uma propriedade ser anunciada. Além disso, há a tendência de sobreprecificar as ofertas, dado que o processo negocial pode gerar descontos para o comprador. Como o objetivo deste artigo é comparar diferentes aglomerações com dados coletados da mesma maneira, supõe-se que isso não seja um problema em si - desde que tais sobreprecificações sejam distribuídas de modo similar entre os municípios.

As aglomerações selecionadas aqui refletem a área de mercado no país da plataforma escolhida no momento da coleta dos dados (2016): Brasília, Belo Horizonte, Florianópolis, Salvador e Vitória, como mostra a Tabela 1. Apesar de haver outras aglomerações nessa plataforma, não havia observações suficientes para dar segurança quanto às médias e medianas utilizadas (mais de trinta observações por município como critério de corte). Certamente, seria ótimo que a amostra contivesse outras metrópoles nacionais, mas isso não foi possível. Dentro de cada uma das aglomerações urbanas selecionadas, foi necessário escolher alguns dos principais municípios. No caso de Florianópolis, o critério de pelo menos trinta observações fez com que outros municípios metropolitanos não fossem incluídos na análise.

Como se pode observar na Tabela 1, a amostra inclui não só a centralidade principal, como também um ou mais municípios de cada arranjo populacional, exceto no caso de Florianópolis (em função dos dados; ver acima). Essa inclusão é fundamental para entender a estrutura das metrópoles, com a urbanização se estendendo cada vez mais e com a comutação diária (casa-trabalho) atingindo dezenas de quilômetros (ALMEIDA; MONTE-MÓR; AMARAL, 2017; SOJA, 2000; SUDJIC, 1992). Parr (2005) definiu a categoria “cidade-região” (MAGALHÃES, 2009) baseando-se justamente na capacidade de comutação de seus residentes. A amostra inclui uma metrópole de cada macrorregião do Brasil, exceto da região Norte, que carecia de dados para este trabalho, além de possuir uma escala espacial e um padrão de uso do solo diferenciados (MONTE-MÓR, 2004; SPAROVEK et al., 2019).

Para sintetizar e resumir a informação presente na base de dados, foram utilizadas a análise de componentes principais (ACP) e a análise de cluster, ferramentas de estatística multivariada de amplo emprego na literatura clássica de economia regional e urbana no Brasil (SIMÕES et al., 2005). Por meio desses métodos, buscou-se criar tipologias sobre a estrutura dos mercados imobiliários dos arranjos populacionais em questão, as quais revelam aspectos importantes, e pouco trabalhados, a respeito da divisão funcional e espacial do uso do solo e da estrutura urbana em diferentes níveis de centralidade dentro da rede urbana.

A ACP tem como objetivo reduzir e classificar um banco de dados, preservando parte importante da informação contida nas variáveis originais. A estrutura de correlações existentes é expressa por um número menor de dimensões, os componentes principais, que condensam parte significativa da variabilidade total. Trata-se de um método de natureza exploratória que não envolve métodos a serem testados a priori nem postula causalidades (HAIR et al., 2009; MINGOTI, 2005). Os componentes principais são gerados com base nos maiores autovalores associados à matriz de correlação amostral, que evidenciam o percentual da variância total explicada pelos componentes. Assim, as k novas dimensões são geradas por combinações lineares das p variáveis originais (k < p), em que o peso de cada variável original i no componente principal j será determinado pelo autovetor correspondente. Em outras palavras, os métodos sintetizam informações e são úteis quando há um número grande de características, como é o caso do objeto de estudo deste trabalho.

As tipologias consideradas foram: i) apartamento - apartamentos de um a quatro quartos, tipologia que contempla, também, loft e quitinetes (apartamentos muito pequenos de dois cômodos); ii) casas - casas em geral, casas em condomínios fechados e casas geminadas; e iii) categoria comercial - lojas, escritórios comerciais, salas, pontos comerciais e galpões. O conjunto de variáveis contém informações das tipologias anunciadas para venda relativas à área, preço, número de quartos e suítes, número de banheiros, número de vagas de garagem, além de percentual de ofertas naquele município que aceita financiamento. Essas tipologias de imóveis, combinadas com as informações disponíveis, deram origem a dezessete variáveis. Embora se reconheça a existência de diferenças importantes entre mercados de imóveis residenciais e mercados de imóveis comerciais, a não inclusão de uma dessas categorias na análise poderia distorcer a compreensão das principais características das metrópoles como um todo. Afinal, a presença de escritórios, salas e pontos comerciais caracteriza as centralidades principais de cada metrópole, assim como sua ausência caracteriza certos subúrbios residenciais, do mesmo modo que galpões industriais caracterizam eixos industriais das metrópoles. Caso se analisem por separado os mercados residenciais e comerciais, os resultados podem diferir substancialmente dos resultados que apresentamos na Tabela 2.

Tabela 2
Variáveis utilizadas no estudo

Diante das dezessete variáveis criadas na base, a ACP foi uma ferramenta útil para sintetizar tantas informações. Foram usados os valores medianos dessas variáveis - a média não foi utilizada em razão dos valores extremos.

Um passo adicional consistiu em classificar as similaridades entre os municípios escolhidos por intermédio da análise de cluster, técnica cujo objetivo é agrupar os elementos da amostra como decorrência de um conjunto de atributos segundo medidas de similaridade ou dissimilaridade, tal que os conglomerados formados sejam homogêneos internamente ou heterogêneos entre si (HAIR et al., 2009; MINGOTI, 2005). No que diz respeito a este artigo, partiu-se de uma medida de dissimilaridade, a distância euclidiana5 entre as observações, como reflexo das características selecionadas. Empregou-se um cluster hierárquico aglomerativo, pois não havia sugestão prévia de quantos clusters (conjuntos) existiam. Essa abordagem permitiu visualizar similaridades e dissimilaridades entre esses municípios e aglomerações, assim como criar tipologias de mercados imobiliários por municípios nos arranjos estudados. Por exemplo, os resultados mostram que há um padrão de oferta imobiliária característico das “cidades industriais” de cada metrópole, como é detalhado na próxima seção. Foram usados o método de agrupamento de Ward e as mesmas dezessete variáveis, que incluem valores medianos por município e por tipologia das variáveis disponíveis (preços, aluguel, área, valor do condomínio, número de quartos, suítes, vagas de garagem, proporção de ofertas que aceitam financiamento).

3. Resultados: variabilidades e similaridades dos mercados imobiliários na rede urbana brasileira

Os resultados da ACP mostram que três componentes explicam cerca de 75% da variância total. Mais detalhes podem ser conferidos nos anexos ao final do artigo Anexos Tabela A1 Autovalores e percentual da variância explicada dos cinco primeiros componentes Componente Autovalor Variância explicada Percentual Cumulativo Componente 1 6.1911 0,3642 0,3642 Componente 2 3.9010 0,2295 0,5937 Componente 3 2.7387 0,1611 0,7548 Componente 4 1.5710 0,0924 0,8472 Componente 5 1.1474 0,0675 0,9147 Fonte: Elaborada pelos autores. Figura A1 Screeplot dos autovalores Fonte: Elaborada pelos autores. . A Figura 3 apresenta o gráfico de variáveis e municípios para duas dimensões. De acordo com Scherer, Amaral e Folch (2019, p. 13), essa “é uma ferramenta útil, pois o ângulo formado por quaisquer duas variáveis, representadas como vetores, reflete sua correlação real par a par. Além disso, no gráfico, os objetos são distribuídos com base em sua semelhança e atração entre si”6. A direção e o tamanho das setas representam as cargas para cada uma das características do imóvel, ao passo que a posição dos pontos representa a combinação das pontuações dos dois primeiros componentes de cada município.

Figura 3
ACP: variáveis, municípios e duas dimensões

Primeiro, cabe esclarecer, o nome “Florianópolis” foi abreviado para “Floripa” e “Belo Horizonte” para “BH” para proporcionar melhor ajuste na figura. Os resultados da ACP ilustram as características distintivas do mercado imobiliário dos municípios das aglomerações selecionadas. Na Figura 3, o gráfico à esquerda mostra a relação entre os Componentes 1 e 2 da ACP, enquanto o da direita evidencia a relação entre os Componentes 1 e 3. O Componente 1 carrega, principalmente, informações sobre preços de apartamentos e casas, bem como sobre tamanhos de casas (m2). Nesse sentido, pode ser descrito como uma síntese de informações sobre o mercado residencial, sobretudo em termos de preço/m2. O Componente 2 diferencia casas e apartamentos, destacando no eixo decrescente a importância das características construtivas de casas, como tamanho, número de quartos e banheiros, e, no eixo crescente, essas mesmas características para apartamentos. O Componente 3, por seu turno, enfoca aspectos do mercado de imóveis comerciais, com cargas maiores para áreas e preços. (Tabela 3)

Tabela 3
Componentes

Em geral, os municípios com maiores preços e áreas, para uso residencial, apresentam os maiores valores no Componente 1 (eixo horizontal). É o caso de Brasília e Nova Lima. O primeiro é a capital federal do Brasil, cujas residências são comumente descritas como casas de alto valor no chamado “Plano Piloto”, principalmente perto do lago Paranoá. Nova Lima tornou-se, a partir da década de 1980, um espaço privilegiado para as elites de Belo Horizonte que adquiriram casas em condomínios fechados (ALMEIDA; MONTE-MÓR; AMARAL, 2017; COSTA et al., 2006; TONUCCI FILHO; FREITAS, 2020). Na outra extremidade desse eixo, Contagem e Serra são cidades industriais, onde são produzidas moradias para moradores de classes médias e operárias. Os eixos verticais (Componentes 2 e 3 na Figura 3) carregam informações sobre características construtivas de casas e apartamentos (2) e de imóveis comerciais (3). No eixo do Componente 2, destacam-se: Belo Horizonte, Vila Velha, Vitória e Florianópolis. A primeira é conhecida por sua densidade (mais de 7 mil habitantes/km2), um nível elevado para os padrões brasileiros. As outras três são aglomerações litorâneas, sendo Vila Velha e Vitória parte da mesma metrópole. Tanto Vitória como Florianópolis são ilhas. Essas características geográficas, associadas à geografia humana e à dinâmica imobiliária local, produziram faixas costeiras verticalizadas, com muitos apartamentos, como apontou Villaça (2001).

Parte da verticalização/alta densidade de Belo Horizonte se estendeu para os limites de Nova Lima, em que uma nova centralidade (Seis Pistas/Vila da Serra) apresenta apartamentos caros em edifícios altos. Essa é uma das razões pelas quais em Nova Lima há tanto casas caras (mais distantes de Belo Horizonte, em condomínios) como apartamentos caros (no limite com Belo Horizonte) (ALMEIDA; MONTE-MÓR; AMARAL, 2017; CAVALCANTE; ALMEIDA; BAKER, 2016; UFMG, 2011). Por outro lado, os mercados imobiliários oferecem, majoritariamente, casas em Brasília. Essa configuração é um dos motivos pelos quais Águas Claras foi ocupada predominantemente por edifícios de apartamentos. Cidades industriais e/ou suburbanas, como Contagem, Serra e Lauro de Freitas, são menos verticalizadas.

O terceiro componente principal da Figura 3, que destaca aspectos do mercado de imóveis comerciais, evidencia o município de Contagem na plotagem - possivelmente, por conta do uso do solo para a construção de grandes galpões industriais/logísticos e para shopping centers.

Essa discussão guia a classificação das similaridades entre os municípios das aglomerações mediante a análise de clusters. O coeficiente de aglomeração foi de 0,88, sugerindo forte estrutura de agrupamento, ou seja, grupos relativamente muito segregados.

A Figura 4 mostra o dendrograma ou mapa de árvore para o cluster hierárquico dos municípios das aglomerações selecionadas. Os resultados indicam que os mercados imobiliários são bastante segregados nessas metrópoles. Os mercados imobiliários oferecem produtos muito diferentes em um mesmo arranjo populacional. Por exemplo, Belo Horizonte, Nova Lima e Contagem pertencem à mesma metrópole, entretanto seus mercados imobiliários são bem diferentes. O mesmo ocorre com Brasília-Água Claras, Vitória-Serra e Salvador-Lauro de Freitas. Esses pares de municípios são fisicamente separados por poucos quilômetros de distância, porém apresentam imóveis residenciais e comerciais muito diferentes em termos de preço, características construtivas e proporções de anúncios que aceitam financiamento. Por outro lado, os mercados imobiliários oferecem produtos relativamente semelhantes em municípios de diferentes metrópoles, indicando relativa homogeneidade na produção imobiliária pelo Brasil.

Figura 4
Cluster hierárquico

De um lado da Figura 4, Contagem, Serra e Lauro de Freitas estão no mesmo ramo da árvore gerada. Podemos, ilustrativamente, chamar esse ramo de cidades industriais antigas. Elas têm mercados imobiliários semelhantes, com altas proporções de apartamentos populares financiados, casas simples com um número reduzido de quartos e banheiros, amplos galpões industriais/logísticos e shopping centers. Espacialmente, são municípios que se limitam com a capital do respectivo estado e são cortados por grandes rodovias. No outro extremo, Nova Lima e Brasília ilustram mercados imobiliários relacionados às elites locais, que moram em mansões próximas a corpos d’água e, em menor proporção, em apartamentos caros. Isto é, as variáveis relacionadas a preços e características construtivas do mercado habitacional (tipologia casas, principalmente) foram as que mais sobressaíram nesses dois municípios. O terceiro grande grupo, formado com base nas dezessete variáveis selecionadas e composto de Vila Velha, Florianópolis, Belo Horizonte, Águas Claras, Vitória e Salvador, caracteriza-se por ter mercados mais diversificados. Nele, destacam-se apartamentos relativamente caros e um nível importante de oferta de serviços, captado por lojas e salas com altos valores e áreas relativamente pequenas. Florianópolis, Belo Horizonte, Vitória e Salvador são as centralidades principais das respectivas metrópoles. Os resultados para Vila Velha e Águas Claras, ambas pertencentes a esse terceiro grande grupo e que não são capitais, podem ser interpretados como consequência do processo de urbanização que elevou o preço da terra o suficiente para estimular a verticalização de seus territórios (oferta de apartamentos), além de ter gerado centralidades comerciais significativas para grupos de renda média-alta (oferta de salas e lojas).

Embora exista uma diferença notável, em termos de população e PIB, entre Vitória e Florianópolis e as demais metrópoles consideradas no estudo, a última classificação do Regic agrupou ambas como metrópoles de nível igual a Belo Horizonte e Salvador. Na publicação de 2008, as duas apareciam em nível inferior, como Capital Regional A, o quarto nível na hierarquia. Os resultados deste trabalho, expressos na Figura 4, corroboram, a partir dos mercados imobiliários, essa última publicação do Regic/IBGE, uma vez que os municípios integrantes dos arranjos populacionais de Vitória e Florianópolis estão classificados nos mesmos ramos da árvore resultantes do cluster hierárquico que os municípios dos arranjos de Belo Horizonte e Salvador.

Os resultados também lançam alguma luz sobre questões de capacidade de pagamento dos residentes dos municípios em relação às características do mercado imobiliário local. Considerando o nível de renda per capita (Tabela 1), particularmente Salvador e Vila Velha levantam preocupações sobre sua acessibilidade habitacional, uma vez que estão agrupadas pelo cluster com Belo Horizonte, cuja renda per capita é bem mais alta. Por exemplo, os preços medianos por metro quadrado de apartamentos em Vila Velha (cerca de R$ 4.400/m2) eram apenas ligeiramente inferiores a esses valores em Belo Horizonte (cerca de R$ 5.100/m2) e Águas Claras (cerca de R$ 5.300/m2). Salvador (R$ 5.200/m2) levanta preocupações ainda maiores sobre a capacidade de pagamento e acesso à moradia, considerando a renda per capita dos residentes no município. Vale lembrar, mais uma vez, que as metodologias empregadas consideraram dezessete variáveis, que vão além do preço e da área das ofertas, e incluem várias tipologias imobiliárias.

Essa abordagem empírica também permite trazer algumas evidências sobre as tendências espaciais das metrópoles brasileiras, em termos de concentração/dispersão ou decaimento das áreas centrais em contraposição à emergência de policentralidades. Os resultados indicam que as capitais continuam a desempenhar papéis relevantes como pontos comerciais e a oferecer uma diversidade de propriedades imobiliárias. Essas cidades centrais das metrópoles permanecem como lugares centrais tanto para usos comerciais como para usos residenciais. Isso pode ser interpretado como evidência de como a urbanização brasileira, e possivelmente a latino-americana, difere da dos Estados Unidos, por exemplo, onde as cidades centrais se tornaram áreas degradadas em muitas metrópoles e as elites “voaram” para as casas dos subúrbios (ABRAMO, 2012; BETANCUR, 2014; EHRENHALT, 2012; HARVEY, 2014).

O resultado apresentado ecoa as observações de parte da literatura em estudos sobre gentrificação, em que se afirma que não há um processo generalizado e radical de volta aos centros das cidades por parte das elites nos países periféricos ou semiperiféricos do capitalismo global, pois elas não saíram de maneira massiva de perto das centralidades principais (BETANCUR, 2014; MALOUTAS, 2018; ALMEIDA et al., 2021). Esse resultado também está em linha com os encontrados por Nadalin, Furtado e Rabetti (2018), segundo os quais metrópoles relevantes no contexto nacional continuam a ter centros fortes. Os pesquisadores mencionados apontaram ainda que Belo Horizonte e Salvador diminuíram a taxa de vacância do estoque imobiliário nas áreas centrais entre 2000 e 2010, embora ainda fossem muito expressivas (9% na primeira e 10% na segunda). Por outro lado, os resultados aqui detalhados trazem evidência do processo de formação de novas centralidades nas periferias das Cidades e de suburbanização da riqueza por meio de condomínios fechados - ambos processos amplamente descritos na literatura nacional (ALMEIDA; MONTE-MÓR; AMARAL, 2017; CALDEIRA, 2001; COSTA et al., 2006). Dos municípios disponíveis para análise, Nova Lima foi o caso emblemático.

Tais resultados capturam uma fotografia dos mercados imobiliários dessas aglomerações urbano-regionais em dado ponto do tempo. Entretanto, não captam aquela referente à dinâmica imobiliária (são estáticos), nem pretendem fornecer interpretações definitivas dessas aglomerações. Conforme discutido na primeira seção deste artigo, a natureza das redes urbanas está em constante mudança, assim como os mercados imobiliários. Isso pode ser observado por meio dos resultados do Regic em diferentes décadas. Além disso, novas extrações de dados imobiliários e outras fontes podem guiar a resultados diferentes.

Considerações finais

Este artigo explorou mercados imobiliários brasileiros sob a perspectiva de sua rede urbana e sua urbanização. A metodologia empregada pode servir como base de estudos em outros países e pode ser aplicada a outros tipos de bases de dados. As técnicas de ACP e cluster hierárquico mostraram como as metrópoles selecionadas apresentam uma estrutura espacial bastante segregada, considerando seus mercados imobiliários. Municípios específicos dentro dos arranjos populacionais são predominantemente destinados a ser habitat de classes médias e operárias, como Contagem (MG), Serra (ES) e Lauro de Freitas (BA), enquanto, em outras, o mercado imobiliário produz casas de alto luxo para as elites, como Nova Lima (MG) e Brasília (DF). Essas formas de segmentação/segregação no mercado estão presentes em todos os arranjos estudados.

As capitais continuam sendo muito relevantes como pontos comerciais e residenciais. Por outro lado, há evidência de formação de centralidades em outros municípios metropolitanos para além das capitais. Isso ressalta tendências e especificidades da urbanização brasileira.

Em outras palavras, os mercados imobiliários ofertam produtos muito distintos em um mesmo arranjo populacional. Pares de municípios que são geograficamente próximos possuem imóveis residenciais e comerciais muito diferentes em termos de preços e características construtivas. Por outro lado, há evidências de relativa homogeneidade na produção imobiliária, com os mercados imobiliários oferecendo produtos relativamente semelhantes em municípios de diferentes metrópoles. Esses dois resultados sugerem um padrão de aglomerações urbano-regionais segregadas e ao mesmo tempo genéricas nas regiões brasileiras estudadas.

É possível classificar os mercados imobiliários das metrópoles estudadas em tipos ideais que, ilustrativamente, podemos chamar de subúrbios industriais (Contagem, Serra e, de certa maneira, Lauro de Freitas), centralidades principais dentro de seu arranjo (Salvador, Vitória-Vila Velha, Belo Horizonte e Florianópolis) e subúrbios ricos (Nova Lima). A estrutura urbana do Distrito Federal precisa ser mais bem estudada, com um padrão de segmentação peculiar entre Brasília (agrupada pelo método de clustering com Nova Lima) e Águas Claras (agrupada com as centralidades principais).

As próximas etapas desta pesquisa podem incluir na amostra mais municípios e arranjos populacionais. Conforme pesquisas recentes, as comparações entre diferentes níveis da rede urbana podem levar a implicações importantes, tanto para a política macroeconômica como para a de habitação. Por exemplo, os efeitos das taxas de juros sobre os preços da habitação podem variar em diferentes níveis de cidades na rede urbana de um país (ZHANG et al., 2016). Os ciclos de booms, crises e bolhas imobiliárias também podem apresentar um padrão diferenciado (DEFUSCO et al., 2018). Os subsídios para o financiamento imobiliário devem considerar igualmente as diversidades e as similaridades nas (re)produções imobiliárias nos países. Um dos avanços mais desejáveis nesse tipo de pesquisa seria a criação e a consolidação de um índice nacional de imóveis no Brasil - um desafio típico para países não desenvolvidos com grandes territórios e populações.

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  • 1
    O então Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) contratou junto ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) a execução do Estudo da Dimensão Territorial do PPA. Entre os oito módulos desse estudo, o Módulo 3 (Regiões de Referência) apresentou uma proposta de regionalização para o território brasileiro.
  • 2
    Por segregação nos referimos à distribuição de grupos no espaço urbano. Os estudos urbanos geralmente analisam a segregação em diferentes grupos (socioeconômicos, raciais, étnicos), definindo-a como o grau de separação entre grupos sociais em um espaço urbano (RASSE, 2019).
  • 3
    Suburbanização aqui tem o sentido de um processo que combina crescimento populacional e econômico e expansão do tecido urbano para além da centralidade principal de uma aglomeração urbana. Esse termo tem se tornado cada vez mais diversificado e complexo, e o mesmo ocorre com o próprio processo que ele descreve (KEIL, 2018). Para os propósitos deste artigo, vale notar que o processo de suburbanização pode resultar em uma variedade de transformações imobiliárias, como arranha-céus, ocupações e loteamentos informais, condomínios fechados, conjuntos habitacionais, shopping centers, entre outras.
  • 4
    Robert Shiller é um dos criadores dos índices mais conhecidos para o mercado imobiliário dos Estados Unidos, os índices Case-Shiller, iniciados nos anos 1980. Wu Jing, por sua vez, é um dos criadores de um índice oficial para o mercado imobiliário chinês.
  • 5
    A distância euclidiana entre duas cidades, i e j, pode ser calculada como
    d(i,j)=[(p(xip-xjp)12]
    , levando em conta as p dimensões consideradas.
  • 6
    Tradução livre feita pelos autores.

Anexos

Tabela A1
Autovalores e percentual da variância explicada dos cinco primeiros componentes

Figura A1
Screeplot dos autovalores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2021
  • Aceito
    09 Dez 2021
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