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Editorial

Abrimos este dossiê saudando a todes, todas e todos que enviaram artigos para o Dossiê Temático “Território, Gênero e Interseccionalidades”. Foram 149 textos enviados, muitos e variados trabalhos debatendo gênero e interseccionalidade no campo dos estudos urbanos e regionais a partir das teorias feministas, o que revela tanto a pertinência e urgência da temática, quanto a escassez de projetos editoriais que acolham as perspectivas aqui indicadas. Apesar da riqueza do material que recebemos, precisamos selecionar uma quantidade adequada ao formato da revista, o que acarretou na difícil tarefa de escolher cerca de dez por cento dos artigos enviados. Os textos selecionados podem ser agrupados em quatro blocos temáticos discutidos a seguir.

Vários dos artigos poderiam ser enquadrados em um conjunto que reúne conversas epistemológicas sobre corpo e território. Nelas, corpos, casas e cidades são abordados enquanto territórios a partir de suas naturezas específicas. São artigos que abordam a interseccionalidade como uma opção metodológica que envolve a produção de novas epistemologias, conceitos e teorias. A interseccionalidade aqui proporciona lentes para examinar o que poderia se perder na tradução, ideias deslocadas, fora do lugar ou transpostas para lugares com diferentes níveis de poder. Ela conecta várias formas de produção de conhecimento, a do saber legitimado dos escritos acadêmicos com a produção intelectual de indivíduos que lêem, vivem e produzem cidade (LANDES, 1994LANDES, R. The City of Women. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1994.), sendo ao mesmo tempo crítica e práxis (COLLINS, 2017COLLINS, P. H. Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória. Parágrafo, v. 5, n. 1, p. 6-17, 2017.), exigindo novas formas de produção do conhecimento sobre os territórios.

Três artigos compõem esta abordagem mais diretamente. Um deles, intitulado “Como produzir conhecimento nos encontros entre mulheres. Reflexões sobre experiências teórico-metodológicas com e desde as margens da cidade”, de Vanessa Cordeiro, Aleida Batistoti, Atailon Matos, Marina Muniz e Zara Rodrigues, nos apresenta inquietações elaboradas coletivamente sobre modos de pensar e narrar as cidades, refletindo sobre possibilidades de produção do conhecimento desde e com as margens; a preservação da memória popular; as trajetórias urbanas de mulheres negras; e as imbricações dos modos de vida no fazer-cidade cotidiano. Fruto de trocas, costuras e encontros transdisciplinares, provoca o campo dos estudos urbanos: será que não é o momento da construção de um arcabouço teórico que se aproxime do alargamento epistêmico necessário para sua atualização? Misturando forma e conteúdo, o texto também nos presenteia com imagens instigantes e maravilhosas que imageiam trajetórias urbanas e memórias de mulheres negras em Salvador, Bahia, em seus modos de vida cotidiana.

É possível pensar num espaço urbano que dê lugar às expressões queer? No que implica queerizar o espaço público? São questões trabalhadas em outro artigo, “Del rosa de la Plaza Rocha al rojo de la Plaza es Matheu: ‘El Encontrolazo’ como experiencia queer en el espacio urbano de la ciudad de La Plata, en el marco del 34º Encuentro Nacional de Mujeres” de Sandra Valeria Ursino e Maira Miuños Cirone, um dos internacionais do dossiê. Nele as autoras relacionam eventos significativos da agenda queer e feminista na Argentina, dando centralidade a análise da apropriação do espaço urbano e a experiência queer no 34º Encontro Nacional de Mulheres de La Plata, província de Buenos Aires, em 2019 a partir da conformação do Circuito Urbano Queer como espaço alternativo de resistência.

Um terceiro, “O corpo, a casa e a cidade: Territorialidades de mulheres negras no Brasil”, de Maya Manzi, é um artigo voltado à discussão da territorialidade das mulheres negras a partir de uma perspectiva interseccional, articulando uma análise histórica das experiências insurgentes levando em conta o corpo, a casa e a cidade. Propõe ampliar a visão da condição de subalternidade da mulher negra, inicialmente entendida como “colonialidade de poder” (QUIJANO, 2000QUIJANO, A. Coloniality of power and Eurocentrism in Latin America. International Sociology, v. 15, n. 2, p. 215-232, 2000.) cujo modelo de poder global hegemônico de caráter colonial tem como eixo fundamental a classificação social da população do mundo com base na raça. Alargando para uma visão da “colonialidade de poder” que implica em uma imposição da divisão sexual e racial do trabalho, ou seja, generificada e racializada. Revisita os estudos sobre os territórios diaspóricos sem fronteiras fixas, resultados de desterritorialização e reterritorialização (GILROY, 2012GILROY, P. O Atlântico Negro: Modernidade e Dupla Consciência. Rio de Janeiro: Editora 34/UCAM, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.) para olhar para a migração forçada para o Brasil acompanhada de uma história silenciada e memória apagada, que as novas epistemologias buscam resgatar, usar para construir espaços de luta, através de territorialidades negras. Trabalha “enegrecendo o feminismo” (CARNEIRO, 2003CARNEIRO, S. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, p. 117-132, set., 2003.; GONZALEZ, 2018GONZALEZ, L. Primavera para as rosas negras. Rio de Janeiro: UCPA Editora, 2018.) e o espaço, traduzido por uma “divisão racial do espaço” entendia como a expulsão sistemática dos negros de seus lugares de moradia e que “o simples ato de apropriação do espaço para viver [nos quilombos] passou a significar um ato de luta, de guerra” (LEITE, 2000LEITE, I. B. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. Etnográfica, v. 4, n. 2, p.333-354, 2000.). Compreende a territorialidade das mulheres negras no corpo manifestadas pelas “bocas que não se deixam calar”, “peitos alugados para amamentar os filhos da sinhá”, “tranças usadas como mapas para orientar fugitivos”, entre tantas dimensões em torno de não poder decidir sobre o corpo. A territorialidade da mulher negra na casa aparece nas figuras da empregada, mãe, chefe, liderança religiosa, figuras atravessadas pelas dimensões práticas do trabalho do cuidado e pelas dimensões da opressão, invisibilidade e não reconhecimento pelo trabalho. A territorialidade da mulher negra na cidade produz espaços públicos e verdes; resgata modos de se alimentar, viver e circular; faz da periferia um lugar de luta e festa, de espiritualidade e respeito com os mortos e os vivos, o humano e o não-humano.

O segundo bloco traz experiências descritas a partir de narrativas situadas e corporificadas. Vida e ficção se confundem, deslizam entre a narrativa da vida, a literária “e suas dobras”, em diferentes “escrevivências” (PEREIRA, 2015PEREIRA, G. L. Corpo, discurso e território: a cidade em disputa nas dobras da narrativa de Carolina Maria de Jesus. 2015. Tese (doutorado em arquitetura e urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015.). Essas pensam em métodos que iluminam e visibilizam a diferença, que não se encaixam no perfil dominante de sujeito, provocando as “cidades indiferentes à diferença” (TAVARES, 2015TAVARES, R. B. Indiferença à diferença: espaços urbanos de resistência na perspectiva das desigualdades de gênero. 2015. Tese (doutorado em urbanismo) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.). Também são três artigos selecionados.

O artigo “Trançar histórias, cantar memórias. Narrativas e deslocamentos de uma mulher em situação de refúgio”, de Júlia Motta, traça uma etnografia que acessa memórias, por meio de fotografias, objetos e literatura, para fazer ressoar vozes de mulheres em situação de refúgio. Com uma narrativa que mistura memórias com descrição de trajetórias de vidas em diáspora, talvez seja o texto que é literatura ao mesmo tempo que é artigo, provocando o leitor, e lembrando que a vida é ficção. Descreve as agruras do exílio forçado repentino na forma e no conteúdo da escrita: “Na correria, a mãe pegou, por engano, o gato que estava enrolado no lençol da cama achando que era a filha. Já distante alguns metros, percebeu o equívoco e voltou para buscá-la”. Relata a rotina de pentear os cabelos e construir novas memórias, ampliando a noção de cuidado; a criação dos filhos em comunidade, uma rede afetiva; a vida de mulher e mãe que se dá nos quintais, junto com os cultos ancestrais, verdadeiros “inzu” (barraca, choça ou cabana num idioma de Ruanda, usados aqui como lugar que contém carga afetiva e emocional) urbanos no Rio de Janeiro.

Outro artigo que aborda a natureza da ficção é o de Camila Matos, “Narrar a Serra, imaginar as cidades: o recurso à ficção na pesquisa sócio-espacial”. A partir de entrevistas com moradoras idosas do Aglomerado da Serra, Belo Horizonte, traz a fabulação presente na narrativa de idosas sobre sua vivência na cidade, como questionadora do estatuto de “verdade” inerente aos discursos oficiais, e provocadora das metodologias para lidar com as experiências narradas pelas idosas.

O último do bloco é o “Prostituição e espaço urbano: a perspectiva “putafeminista” nos escritos de três prostitutas ativistas brasileiras” de Gabriela Pinto de Moura. O texto propõe uma revisão epistemológica para que a presença, as experiências e as demandas concretas das prostitutas de cidade sejam visibilizadas e consideradas, dialogando com trabalhos sobre as transformações urbanas nos territórios da prostituição (HELENE, 2015HELENE, D. Preta, Pobre e Puta”: a segregação urbana da prostituição em Campinas - Jardim Itatinga. 2015. Tese (doutorado em planejamento urbano e regional) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Rio de Janeiro, 2015.). Apresenta uma contribuição sobre o debate da apropriação cotidiana do espaço urbano desde a prostituição, em diálogo com o putafeminismo - “um campo teórico-prático dentro do feminismo protagonizado por prostitutas que usam suas vivências como forma engajada e política para pensar e repensar conceitualmente a ‘prostituição’”. Discute, a partir de narrativas, vivências e reflexões de prostitutas (LEITE, 1992LEITE, G. S. Eu, mulher da vida. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1992.; MOIRA, 2016MOIRA, A. E se eu fosse puta. São Paulo: Hoo Editora, 2016.; entre outras), temas como corpo, sexualidade, violências, estigma, política e zonas de confinamento urbano.

Tais trabalhos põem foco na ótica de potencializar narrativas contra-hegemônicas como base epistemológica nas metodologias que valorizam a experiência, a subjetividade e as vozes suprimidas e/ou silenciadas no contexto hegemônico da produção de conhecimento. Colocando saberes normalmente invisibilizados como os produzidos por migrantes, mulheres idosas e prostitutas pautando, a partir de seus territórios, formas outras de pensar e construir o mundo. Alinhadas às epistemes feministas e interseccionais, que criticam e reconstroem as formas tradicionais de organizar o espaço.

Um terceiro bloco reuniu textos que partem de leituras de processos de despossessão mobilizados por diversas violências urbanas inter-relacionadas - pública/estatal/governamental, financeira, imobiliária, doméstica -, que se dão em torno da moradia e do urbano. Os artigos procuram compreender as múltiplas dimensões dos processos de despossessão que envolvem, mas não se encerram na perda da moradia, e que não podem ser lidos de forma abstrata, e aqui ganham abordagem generificada e racializada.

O bloco contém o texto da Poliana Gonçalves Monteiro, “A Guerra dos Homens e a Vida das Mulheres: As interfaces entre planejamento urbano, violência contra a mulher e segurança pública no Rio de Janeiro/Brasil”, que procura desvelar a relação entre políticas públicas, violência e planejamento urbano ao observar a cidade do Rio de Janeiro. Seu foco está na compreensão destas violências pelos estudos urbanos como uma ruptura forçada das rotinas consideradas essenciais para a produção e reprodução do capitalismo racista e patriarcal. São violências que acontecem a partir das ausências estratégicas, presença precarizada e violenta do Estado e pela presença ostensiva dos poderes paraestatais - sejam eles milícia, tráfico, ou outros regimes de controle dos “territórios da pobreza”. Usa a metáfora da “cidade em guerra”, para mostrar que os efeitos da sociabilidade violenta incidem sobre as mulheres - mães solo são culpabilizadas, mulheres “tombam”, sofrem feminicídio e vivem uma rotina violenta -, mas não são visíveis aos que desenham políticas, em uma espécie de sexismo institucional. Em verdadeiras “zonas de não-ser” (FANON, 2008FANON, F. Peles negras, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.), são corpos “dispensáveis para o Estado, as elites e para os próprios pobres”, “existências que diferenciam aqueles que serão considerados mais ou menos humanos” (LUGONES, 2014LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Revista de Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014, apud TAVARES; BONADIO, 2021TAVARES, R. B., BONADIO, M. G. Ao encontro do corpo: teorias da performatividade para um debate diferencial sobre espaço urbano. Revista brasileira de estudos urbanos e regionais. v. 23, E202115, 2021. DOI 10.22296/2317-1529.rbeur.202115
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, p. 9). E dialoga com Perry (2017PERRY, K. Y. Black Women and State-Sanctioned Violence in the Brazilian City. Spotlight on Race, Justice, and the City. International Journal of Urban and Regional Research, 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.ijurr.org/spotlight-on/race-justice-and-the-city/black-women-and-state-sanctioned-violence-in-the-brazilian-city . Acesso em 16 nov. 2021.
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, s.n.) trazendo insumos analíticos para a pergunta: “Como seria nosso foco na justiça social na cidade se generificássemos e racializássemos a conversa? (...) Como seria nossa pesquisa urbana se prestássemos mais atenção às mulheres - suas vidas, seus pensamentos, seus desafios políticos contínuos contra projetos raciais de gênero de exclusão espacial e genocídio?”.

O artigo de Natália Alves, “Uma Izidora e duas Rosas: notas para uma perspectiva do espaço protagonizada por mulheres negras”, discute a produção do espaço protagonizada por mulheres negras em três tempos distintos sobre a região da Izidora, Vetor Norte de Belo Horizonte. Utiliza narrativas destas mulheres como método para mostrar um processo lento de despossessão dos territórios negros do Quilombo de Mangueiras até a Operação Urbana do Isidoro, frente de expansão imobiliária da cidade. Conecta quilombo, conjunto habitacional, ocupação, ao sintetizar perspectivas de vida e luta da população e das mulheres negras neste território, redimensionando os legados de Izidora e Rosa Leão, em um futuro em disputa.

Estes “territórios negros” são lidos a partir da ideia de que as geografias negras são locais suscetíveis à despossessão (MCKITTRICK, 2006MCKITTRICK, K. Demonic grounds: Black women and the cartographies of struggle. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006). Como opção teórica, recupera a literatura feminista que tem revisitado o tema da acumulação primitiva para buscar as origens das formas de opressão das mulheres, sua relação com o capitalismo e com o território (FEDERICI, 2019FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Rio de Janeiro: Editora Elefante, 2019.; MIES, 1998MIES, M. Globalization of the Economy and Women’s Work in a Sustainable Society. Gender, Technology and Development, v. 2, n. 1, p. 3-37, 1998.; SILVA, 2019SILVA, D. F. da. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.; CHAKRAVATTY; SILVA, 2013CHAKRAVATTY, P.; SILVA, D. F. da. Accumulation, Dispossession, and Debt: The Racial Logic of Global Capitalism - An Introduction. In: CHAKRAVATTY, P.; SILVA, D. F. da (eds.). Race, Empire and the Crisis of the Subprime. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2013, p. 361-385.). Com ela, revisita o conceito de “acumulação por despossessão” (HARVEY, 2016HARVEY, D. The new imperialism: acumulation by dispossession. In: PANITCH, L.; LEYS, C. The New imperial challenge. London: Profile Books Ltd, 2016, p. 63-87.) não como um fenômeno abstrato, mas visto a partir de uma lente interseccional que procura relacionar despossessão e racialidade. Retoma Silva (2019SILVA, D. F. da. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.), que considera o colonialismo como parte das relações capitalistas, que através de acordos legais, coerções físicas, levam à expropriação do trabalho, de territórios, em um processo de “acumulação por expropriação” (CHAKRAVATTY; SILVA, 2013CHAKRAVATTY, P.; SILVA, D. F. da. Accumulation, Dispossession, and Debt: The Racial Logic of Global Capitalism - An Introduction. In: CHAKRAVATTY, P.; SILVA, D. F. da (eds.). Race, Empire and the Crisis of the Subprime. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2013, p. 361-385.), cuja trajetória pós-escravidão é marcada por “exclusão econômica e alienação jurídica - escravidão, segregação, encarceramento em massa -, que deixaram uma percentagem desproporcional da população negra economicamente despossuída” (SILVA, 2019SILVA, D. F. da. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019., p. 180).

Os trabalhos que observam a expropriação dos corpos generificados e racializados estão inseridos em um conjunto de reflexões mais amplas que viram o corpo das mulheres como “colônias” (MIES, 1998MIES, M. Globalization of the Economy and Women’s Work in a Sustainable Society. Gender, Technology and Development, v. 2, n. 1, p. 3-37, 1998.), “territórios de saqueio dos quais se extrai riqueza por meio da violência” (GAGO, 2020GAGO, V. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020., p. 105). Começam com a denúncia da invisibilidade, da gratuidade ou da exploração sem salário do trabalho reprodutivo (entre tantas outras, ver Federici, 2021FEDERICI, S. O patriarcado do salário. Notas sobre Marx, gênero e feminismo. São Paulo: Boitempo, 2021. v. 1.; 2019). Migram para trabalhos que olham para a precariedade como parte de um processo de espoliação e o saqueio de terras e recursos comuns que envolvem roubo e contaminação de sua terra por parte do neoliberalismo. Observam processos de usurpação de terras indígenas, de população ribeirinha e de outros povos afetados por empresas transnacionais, geralmente em territórios rurais ou comunais (MIES, 1998MIES, M. Globalization of the Economy and Women’s Work in a Sustainable Society. Gender, Technology and Development, v. 2, n. 1, p. 3-37, 1998., 2014MIES, M. Patriarchy and accumulation on a world scale: Women in the international division of labour. London & New York: ZED Books, 2014.; MIES; VANDANA,1993MIES, M.; VANDANA, S. Ecofeminism. Halifax: Fernwood, 1993.; FEDERICI, 2019FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Rio de Janeiro: Editora Elefante, 2019.; GAGO, 2020GAGO, V. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020.)1 1 Derivam destes trabalhos outras abordagens como o ecofeminismo, que critica os paradigmas existentes de desenvolvimento global, argumentando que o padrão de desenvolvimento capitalista / patriarcal que é sinônimo de estímulo ao crescimento econômico permanente, é incompatível com uma preocupação com a conservação de recursos escassos, o verdadeiro empoderamento das mulheres e uma ecologia e sociedade sustentáveis (MIES, 1998; MIES; VANDANA, 2003). . “Inserem uma alcunha na literatura sobre despossessão que, ao não qualificar quem é despossuído, deixou de fora as formas de exploração coloniais e patriarcais, invisibilizadas pelas categorias ‘capitalista’ ou ‘neoliberal’, quando não combinadas à outras estruturas de opressão” (LACERDA et al., 2021LACERDA, L. G.; HARKOT, M.; SANTORO, P. F.; ALHO, I. B.; BRITO, G. Despossessão, violências e a potência transformadora: um olhar interseccional sobre as remoções. In: MOREIRA, F. A.; ROLNIK, R.; SANTORO, P. F. Cartografias da produção, transitoriedade e despossessão dos territórios populares. Observatório de Remoções - relatório bianual 2019-2020. São Paulo: LabCidade FAUUSP, 2021., p. 159).

Mais recentemente as leituras feministas do endividamento impulsionam um movimento de politização do problema financeiro como extração, sob o lema “desendividadas nos queremos”.2 2 Como continuação à greve feminista de 2017 na Argentina, o Coletivo NiUnaMenos publicou um manifesto intitulado Desenveudadas Nos Queremos, lutando contra a submissão às finanças. Articulam formas de exploração e extração de valor que têm na financeirização da vida social - e em particular, através do dispositivo da dívida - seu código comum (GAGO, 2020GAGO, V. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020.; GAGO; CAVALLERO, 2019GAGO, V.; CAVALLERO, L. Una lectura feminista de la deuda. Buenos Aires: Tinta limón, 2019.). Neste contexto está inserido o artigo “Generificando a pesquisa sobre endividamento imobiliário: primeiros desafios” de Flávia Elaine da Silva Martins e Ana Clara Guedes que revela o endividamento imobiliário urbano no Brasil - como principal forma de acesso à moradia, que cresce em volume de crédito e também em inadimplência, transformando crédito em dívida -, e traça uma geografia deste endividamento, procurando dar corpo aos indivíduos endividados. Como método, fazem uma leitura dos editais de leilões de imóveis da CAIXA em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O endividamento pode ser lido dentro de um contexto de várias políticas de inclusão a partir da financeirização da vida, em que a produção de direitos (aqui os da moradia) passa por uma mediação financeira3 3 Gago (2020, p. 159-160) chama de “cidadania pelo consumo”, não mais voltada à garantia de direitos vinculados ao trabalho assalariado, mas à inclusão bancária. Para ela, o salário é substituído pelo subsídio dos programas de transferência de renda, que permite a contração de crédito por populações não assalariadas, um dispositivo de endividamento massivo, cujo destino do crédito será o consumo de bens não duráveis e baratos. , por contrair um financiamento. É capaz de impor novos ritmos de exploração ao trabalhador, e é também generificado e racializado. As autoras refletem sobre a vulnerabilidade da mulher endividada, o papel da casa diante do endividamento, e as dinâmicas de opressão e violência a que ficam submetidas, reacendendo relações de subordinação e processos de expulsão silenciada e explícita, com a retomada de imóveis e o despejo dos moradores. O endividamento é compreendido então como processo de “violência financeira” cuja gestão da dívida, as obrigações financeiras, fazem com que os vínculos se tornem mais frágeis e precários ao estarem submetidos à pressão da dívida, que levam à “responsabilidade individual, incremento das violências chamadas ‘domésticas’, maior precarização das existências” (GAGO, 2020GAGO, V. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020., p. 175).

Ainda neste bloco, o artigo escrito por Raquel Ludermir e Flavio de Souza, intitulado “Moradia, patrimônio e sobrevivência: dilemas explícitos e silenciados em contextos de violência doméstica contra a mulher” explicita as intersecções entre violência doméstica e moradia, mostrando que a violência doméstica não é um problema privado e sim público, urbano: atinge uma em cada três mulheres no mundo, tem raízes nas formas de opressão estruturais de gênero, patriarcais. Observa as trajetórias de moradia de 56 mulheres de baixa renda no Recife que sofreram violência doméstica, que chama de “sobreviventes”. Traz trechos coloquiais dos relatos, que chama de “equívocos de propriedade”, traduzidos por expressões “dono é quem paga”, “o que é seu é meu” etc., que superestimam a contribuição dos homens e minimizam a das mulheres nas estratégias de moradia e sobrevivência das famílias. Constata que a grande maioria das mulheres acaba saindo de casa para escapar das violências, em processos de despejo constantes e cíclicos, que as obriga a recorrer à casa de familiares ou amigos, ou mesmo arcar com custos de aluguel elevado, situações que chama de “despejo relacionado à violência doméstica” (BERNARDINO, 2021BERNARDINO, R. L. Housing for Survival: insecurity of tenure, property loss and domestic violence against women in Recife. 2021. Tese (doutorado em investimento desenvolvimento urbano) - Universidade Federal do Pernambuco, Recife, 2021.). Ainda, expõe contradições nos programas habitacionais e de regularização fundiária que podem silenciar, mesmo quando alegam empoderar, as mulheres. Seu texto mostra que o reacender da família como estrutura possível para se habitar, traz de volta a conexão aos mandatos e hierarquias de gênero sobre a reprodução social, e as mulheres seguem remoralizadas e sofrendo diferentes formas de opressão e violências no lar, que de doce não tem nada.

O quarto, e último, bloco traz as lutas, o reposicionamento no território e a potência transformadora. Parte dos conflitos, apropriações, negociações, processos de deslocamento - os diaspóricos, os “displacements” de Schiller e Çaglar (2016SCHILLER, N. G.; ÇAGLAR, A. Displacement, emplacement and migrant newcomers: rethinking urban sociabilities within multiscalar power. Journal Identities, v. 23, p. 17-34, 2016.), as despossessões e violências, entre outros processos descritos nos textos anteriores - para afirmar que estes implicam em processos de insurgência e de reposicionamento no território por parte das sujeitas. O termo “emplacements” (SCHILLER; ÇAGLAR, 2016SCHILLER, N. G.; ÇAGLAR, A. Displacement, emplacement and migrant newcomers: rethinking urban sociabilities within multiscalar power. Journal Identities, v. 23, p. 17-34, 2016.) é traduzido aqui como reposicionamentos que representam formas de (re)construção de redes no interior dos processos que obstaculizam, e também nas brechas que o território oferece. São os aquilombamentos, as estratégias de resistência através do cuidado e da solidariedade, lidas aqui como “potência transformadora” (expressão título de livro de Veronica Gago, 2020GAGO, V. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020.).

O bloco propõe uma leitura que se aproxima dos estudos que consideram a diáspora não apenas como resultado do deslocamento e dispersão do povo africano, mas também como expressão da dimensão transcultural e cosmo-política da formação de uma identidade negra fora do continente africano (GILROY, 2012GILROY, P. O Atlântico Negro: Modernidade e Dupla Consciência. Rio de Janeiro: Editora 34/UCAM, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.).

Neste bloco encontra-se o artigo “O ativismo das mulheres negras escravizadas no Brasil colonial e pós-colonial, no contexto da América Latina”, escrito por Maria Amoras, Solange Maria Gayoso da Costa e Luana Mesquita de Araújo, que procura responder a pergunta: quais as condições de vida e as estratégias de resistência das mulheres quilombolas do norte da Amazônia e Sul do Brasil no contexto pós-colonial e colonial, compreendidas como negras africanas escravizadas? Imerge no tema da diáspora forçosa e atroz da população africana escravizada para as Américas, do processo de subalternização e dos anseios da ancestralidade. Recupera estudos sobre Cuba, Colômbia e Equador, procurando dialogar com situações análogas na América Latina colonial. Conta que no Equador, as mulheres fugiam em busca de alforria para o “cimarronismo” (fuga para os “palenques” nas montanhas, espécie de quilombos com estratégias coletivizadas de vida); ou como “zapacos” (que conseguiam escapar dos feitores, continuando a viver nos arredores das cidades); ou em “quadrilhas”, insurgências femininas. Também as mulheres que se articulavam e resistiam à escravidão, negociando cartas de liberdade através da compra direta do escravo, amizade ou paternalismo e/ou relações interpessoais. E desenvolviam estratégias coletivizadas de vida, marcadas pela solidariedade, cooperação, respeito, marcadas pela cosanguinidade.

Ainda neste bloco, o artigo “Mulheres em Ação e Categorias em Movimento. A luta pelo território na Comunidade Ribeirinha do Porto do Capim”, escrito por Helena Gonçalves, dá protagonismo a uma associação de mulheres na luta por moradia e pelo território, às margens do Rio Sahauá, em João Pessoa. Mostra o apagamento da presença das comunidades ribeirinhas na leitura urbana da colonização e do centro histórico; processos de “revitalização” - que envolvem, inclusive, a preservação através do tombamento - que substituem a população que mora e vive em áreas ameaçadas ou já removidas pelo Estado. A autora descreve a presença de elementos naturais, a beira rio, o mangue a pesca, a coleta de marisco, as saídas para o passeio nas “croas” (ilhas que se formam com a maré), o “silêncio”, acompanhado de vida com a movimentação das madeireiras, a chegada dos pescadores, a sociabilidade das ruas, o caminho para igrejas. Resgata como as mudanças, ressonâncias e "fricções" (TSING, 2005TSING, A. Frictions. An Ethnography of Global Conection. New Jersey, USA: Princeton University Press, 2005.) provocam o ordinário, e se desdobram em exigências em torno da reordenação de suas vidas cotidianas.

E, como “caranguejo que dorme acorda na corda”, a comunidade acordou. Está organizada desde 2011; reflete sobre a intersecção de gênero, violência e subjetividade recuperando histórias individuais e coletivas, trocando experiências; organiza-se para que “sejam ouvidas” pelo poder público; reposiciona o debate sobre o projeto de cidade que queremos inserindo-o nos debates interseccionais, generificados (HELENE, 2019HELENE, D. Gênero e direito à cidade a partir da luta dos movimentos de moradia. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 11, n.46, p. 951-974, set/dez. 2019.) e racializados. Organiza-se em um movimento social em defesa da permanência, composto prioritariamente por mulheres e, solidariamente, desenvolvendo estratégias locais articuladas e integradas para o combate à pandemia de Covid-19.

É assim que fechamos este Dossiê enquanto um espaço de reflexão contra-hegemônico, atento à produção de conhecimento que visa à transformação social, não interditado ou constrangido por conservadorismos. Em tempo de acirradas lutas em torno das representações, asseguramos voz, denunciamos silenciamentos. Desejamos que as discussões que vislumbramos neste Dossiê cresçam e ganhem novos espaços, não marginalizados, desvalorizados e/ou invisibilizados. Marielle, Presente! Marina Harkot, Presente!

Referências

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  • 1
    Derivam destes trabalhos outras abordagens como o ecofeminismo, que critica os paradigmas existentes de desenvolvimento global, argumentando que o padrão de desenvolvimento capitalista / patriarcal que é sinônimo de estímulo ao crescimento econômico permanente, é incompatível com uma preocupação com a conservação de recursos escassos, o verdadeiro empoderamento das mulheres e uma ecologia e sociedade sustentáveis (MIES, 1998MIES, M. Globalization of the Economy and Women’s Work in a Sustainable Society. Gender, Technology and Development, v. 2, n. 1, p. 3-37, 1998.; MIES; VANDANA, 2003MIES, M.; VANDANA, S. Ecofeminism. Halifax: Fernwood, 1993.).
  • 2
    Como continuação à greve feminista de 2017 na Argentina, o Coletivo NiUnaMenos publicou um manifesto intitulado Desenveudadas Nos Queremos, lutando contra a submissão às finanças.
  • 3
    Gago (2020GAGO, V. A potência feminista, ou o desejo de transformar tudo. São Paulo: Editora Elefante, 2020., p. 159-160) chama de “cidadania pelo consumo”, não mais voltada à garantia de direitos vinculados ao trabalho assalariado, mas à inclusão bancária. Para ela, o salário é substituído pelo subsídio dos programas de transferência de renda, que permite a contração de crédito por populações não assalariadas, um dispositivo de endividamento massivo, cujo destino do crédito será o consumo de bens não duráveis e baratos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2021
  • Aceito
    18 Nov 2021
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