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Urbanização extensiva e o violento neoextrativismo no Brasil: dez considerações sobre a explosão do conflito social brasileiro

Extensive urbanization and violent neo-extractivism in Brazil: ten considerations on the explosion of the Brazilian social conflict

Resumo

Trata-se de ensaio crítico que explora a relação entre o processo de urbanização extensiva, a crise do capital e as dinâmicas instauradas pela lógica do extrativismo no Brasil. Ancorado na tese marxiana de uma tendência de elevação da composição orgânica dos capitais, o ensaio argumenta que a dinâmica extrativa opera também nesses marcos, e, assim, promove a extensão da urbanização. A urbanização extensiva-extrativa, portanto, implica na dissolução de formas historicamente determinadas de sociabilidade. Destarte, o texto aborda as dinâmicas do conteúdo violento do conflito social produzido pela urbanização extensiva-extrativa em pelo menos três sentidos: a violência própria da extração; a violência presente na relação do extrativismo com o crime organizado; e, por fim, a relação do extrativismo com a violência da nova extrema direita.

Palavras-chave:
Urbanização Extensiva-Extrativa; Neoextrativismo; Contradição Do Capital; Violência; Conflito Social; Brasil; Commodities

Abstract

This critical essay explores the relationship between the process of extensive urbanization, the crisis of capital and the dynamics established by the logic of extractivism in Brazil. Anchored in the Marxian thesis of a tendency to raise the organic composition of capitals, the essay argues that the extractive dynamics also operate in these frameworks and thus promote the extension of urbanisation. Extensive-extractive urbanisation, therefore, implies the dissolution of historically determined forms of sociability. Thus, the text addresses the dynamics of the violent content of the social conflict produced by extensive-extractive urbanization in at least three senses: the violence proper to extraction; the violence present in the relationship of extractivism with organized crime; and, finally, the relationship of extractivism with the violence of the new extreme right.

Keywords:
Extensive-Extractive Urbanization; Neoextractivism; Capital Contradiction; Violence; Social Conflict; Brazil; Commodities

I.

Acompanhamos a recente expansão da fronteira extrativa no Brasil. Essa expansão ocorre a partir da combinação de diferentes lógicas, regimes normativos e agentes. Entender o atual estágio da economia de extração e seus efeitos passa, portanto, pela compreensão deste fenômeno multifacetado, complexo e, por definição, transescalar.

Para um empreendimento dessa natureza, é preciso uma constelação de conceitos que esteja à altura da tarefa da crítica. Aqui, proponho uma possibilidade de arranjo conceitual com a qual espero ser possível compreender essa dinâmica. A partir da chave da urbanização extensiva (Monte-Mór, 1996MONTE-MÓR, R. L. Modernities in the jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 1996. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) - University of California, Los Angeles, 1996.; 2006MONTE-MÓR, R. L. O que é o Urbano, no Mundo Contemporâneo? Revista Paranaense de desenvolvimento, v. 111, p. 9-18, 2006.), quero compreender como as geografias dos extrativismos se transformaram nos últimos anos. Assim, mobilizo a noção de operacionalização das paisagens (Brenner; Schmid, 2011BRENNER, N.; SCHMID, C. Planetary Urbanization. In: GANDY, M. (Org.). Urban constellations. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2011.; 2015BRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, 2015.) para descrever esse fenômeno, mas adiciono a centralidade da crise do capital para compreender a historicidade deste momento. Ainda que boa parte da literatura sobre o tema tenha como foco a espacialidade produzida pela operacionalização da paisagem, o texto explora uma lacuna importante: quais são as relações sociais que emergem nessas condições? Quais aquelas que submergem? Com isso, espero que o texto possa apresentar uma maneira de capturar a alteração do conflito social no Brasil e na América Latina, a partir da tentativa de compreensão da transformação das relações sociais provocadas por essa dinâmica. Por fim, argumento que um dos desdobramentos (sem ignorar outros, como dinâmicas de pacificação e de catástrofes) deste processo é a explosão de uma sociabilidade baseada na violência.

Interessa, portanto, compreender como a expansão da extração, a partir da mobilização de territórios da urbanização extensiva, se conecta ao colapso da modernização, produzindo efeitos abrangentes em toda sociedade (Cunha, 2019CUNHA, D. Bolsonarismo e capitalismo de fronteira. Sinal de Menos, n. 13, p. 183-200, 2019.). Deste modo, a abordagem que hora apresento é uma discussão sobre as transformações das geografias do extrativismo, da urbanização extensiva e da crise, buscando demonstrar os efeitos dessa interrelação.

Aqui, me apoio na discussão sobre o neoextrativismo desenvolvida por importantes intelectuais e ativistas latino-americanos. Conforme apresentado por Svampa (2019SVAMPA, M. Las fronteras del neoextractivismo en América Latina: conflictos socioambientales, giro ecoterritorial y nuevas dependencias. Guadalajara: Calas, 2019., p. 14), trata-se, sobretudo, de uma categoria capaz de compreender os padrões do desenvolvimento destrutivo que mobiliza lógicas econômicas de despossessão, violência e destruição, iluminando um conjunto de problemáticas transescalares que enquadram as diferentes dimensões da crise contemporânea. Considerando essa dinâmica destrutiva, considero o neoextrativismo violento como um resultado da economia da exploração de recursos naturais para produção de commodities, minerais, madeiras ou da produção agrícola. A lógica do neoextrativismo está conectada à reprodução ampliada do capital em sua dinâmica contraditória e a manutenção de uma economia-mundo de exploração violenta, resultante de um processo histórico-geopolítico que nasceu com a colonização (Machado-Aráoz, 2013MACHADO-ARÁOZ, H. Crisis ecológica, conflictos socioambientales y orden neocolonial: las paradojas de Nuestra América en las fronteras del extractivismo. Revista Brasileira de Estudos Latino-Americanos, v. 3, n. 1, p. 118-155, 2013.). Em adição a essa noção, construo meu argumento inspirado pela noção extrativismo urbano (García-Jerez, 2019GARCÍA-JEREZ, F.A. El extractivismo urbano y su giro ecoterritorial. Una mirada desde América Latina. Bitácora Urbano Territorial, Bogotá, v. 29, n. 2, p. 21-28, 2019.; Vásquez, 2017VÁSQUEZ, A.M. Extractivismo urbano. Debates para una construcción colectiva de las ciudades. Buenos Aires: Fundación Rosa Luxemburgo, 2017.), desenvolvida simultaneamente para pensar as dinâmicas de extração como uma condição necessária da constituição e reprodução do urbano, que ativa um processo espoliativo voltado para satisfazer as necessidades da acumulação de capital e de consumo da sociedade urbana, em especial no contexto de crise.

Importante incluir aqui um comentário metodológico: a abordagem que construo neste texto é eminentemente teórica, buscando um desenvolvimento categorial de caráter prospectivo. O presente texto pretende contribuir com a articulação de uma constelação de conceitos pertinentes ao entendimento do fenômeno do neoextrativismo e suas dinâmicas violentas no Brasil. São aqui concatenadas diferentes problemáticas, explorando relações passíveis de serem estabelecidas entre elas, buscando aproximações para a construção do neoextrativismo como objeto. Para tanto, partimos de um quadro teórico-conceitual de duplo enfoque: de um lado, a tese da urbanização planetária (Brenner; Schmid, 2011BRENNER, N.; SCHMID, C. Planetary Urbanization. In: GANDY, M. (Org.). Urban constellations. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2011.; 2015BRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, 2015.), e de outro, a formulação da crítica do valor (Kurz, 2014KURZ, R. Dinheiro sem valor: linhas gerais para a transformação da crítica da economia política. Lisboa: Antígona, 2014.; 2020KURZ, R. A crise do valor de troca. Rio de Janeiro: Editora Consequência, 2020.). As observações para essa aproximação são extraídas de um conjunto de pesquisas empíricas consultadas, que são, aqui, articuladas ao argumento. A montagem deste quebra-cabeça com uma empiria de fontes secundárias visa revelar dimensões relacionais pertinentes à urbanização extensiva-extrativa e à nova qualidade do conflito social que hoje explode no Brasil.

A crise - decorrente da dinâmica contraditória do capital - implica no asselvajamento da acumulação que rifa as formas “civilizadas” de acumulação, aquelas mediadas pela forma jurídica. Esta é uma necessidade do capital: encontrar formas de investimentos baratos o suficiente para a modulação da composição orgânica do capital no momento de crise. O efeito desta dinâmica é a expansão não só do tecido urbano, mas também da desposessão, da destruição ecológica e da disseminação da violência (Cunha, 2019CUNHA, D. Bolsonarismo e capitalismo de fronteira. Sinal de Menos, n. 13, p. 183-200, 2019.; Arboleda, 2022ARBOLEDA, M. Planetary urbanization and the commodity super-cycle. In: REIS, N.; LUKAS, M. (Org.). Beyond the megacity: new dimensions of peripheral urbanization in Latin America. Toronto: Toronto University Press, 2022.).

Para sustentar tal argumento, olho, sobretudo, para as dinâmicas do neoextrativismo na fronteira da urbanização extensiva brasileira. Assim, quero compreender como a dinâmica de exploração e dilapidação de recursos naturais, na exploração de commodities minerais e agrícolas, impactam na produção do espaço na organização social do território. Esse processo produz a extensão do tecido urbano sem que isso implique em formas mais “modernizadas” do urbano, como imaginou Monte-Mór (2006)MONTE-MÓR, R. L. O que é o Urbano, no Mundo Contemporâneo? Revista Paranaense de desenvolvimento, v. 111, p. 9-18, 2006.. Segundo o autor, os atributos do tecido urbano estendido são “as condições urbano-industriais de produção e reprodução, como também a práxis urbana e o sentido de modernidade e cidadania”, que ampliaria “as possibilidades de acesso às facilidades da vida moderna, à cidadania, à urbanidade e à modernidade” (Monte-Mór, 2006MONTE-MÓR, R. L. O que é o Urbano, no Mundo Contemporâneo? Revista Paranaense de desenvolvimento, v. 111, p. 9-18, 2006., p. 15-16). Veremos que não é exatamente esse o caso. O que ocorre com a urbanização extensiva-extrativa é a extensão da violência econômica e, sobretudo, da violência extraeconômica (vale lembrar, ambas umbilicalmente conectadas à própria modernidade). Olhar, portanto, para o arco do desflorestamento, para os conflitos amazônicos e para a mineração no Norte do país, pode oferecer o material crítico para uma reflexão sobre o estado de crise atual. A especificidade territorial da Amazônia, compreendida a partir da chave da urbanização extensiva-extrativa, ajudará, a meu ver, no entendimento da dinâmica contemporânea do capitalismo.

O texto objetiva dar sentido às diversas transformações de morfologias urbanas e territoriais, que estão acontecendo nas fronteiras da América Latina, de urbanização ampliada como resultado de uma demanda internacional voraz por matéria-prima que é extraída do território. A partir de uma perspectiva crítica sobre as geografias do neoextrativismo, quero sugerir a necessidade de mover o estudo sobre o tema para além do “local de extração em si, como um objeto autodelimitado” (Arboleda, 2022ARBOLEDA, M. Planetary urbanization and the commodity super-cycle. In: REIS, N.; LUKAS, M. (Org.). Beyond the megacity: new dimensions of peripheral urbanization in Latin America. Toronto: Toronto University Press, 2022., p. 91 - tradução nossa) para conseguir capturar a imbricação desta lógica com processos mais amplos. Como destaca Arboleda (2022ARBOLEDA, M. Planetary urbanization and the commodity super-cycle. In: REIS, N.; LUKAS, M. (Org.). Beyond the megacity: new dimensions of peripheral urbanization in Latin America. Toronto: Toronto University Press, 2022., p. 89 - tradução nossa), “A produção de commodities primárias é, sem dúvida, uma das principais forças motrizes da explosão de espaços [urbanos] que Lefebvre descreveu de forma tão presciente”. A extensão do urbano, argumento, não produz automaticamente a politização como extensão da pólis (Monte-Mór, 2006MONTE-MÓR, R. L. O que é o Urbano, no Mundo Contemporâneo? Revista Paranaense de desenvolvimento, v. 111, p. 9-18, 2006.), mas a explosão da violência. Essa dinâmica que tem produzido expulsões, despossessões, violência e destruição ecológica precisa ser compreendida, denunciada e transformada.

II.

Chico de Oliveira, num esquecido texto de 1981OLIVEIRA, F. Anos 70: Hostes errantes. Novos estudos Cebrap, v. 1, n. 1, 1981., descreveu o processo de integração da região Norte e Nordeste à economia nacional brasileira. A criação da Superintendência de Desenvolvimento da Região Nordeste (Sudene) e os desdobramentos do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) objetivavam, ao menos em teoria, implementar um programa de desenvolvimento capitalista para essas regiões de “fronteira”, interiorizando as relações capitalistas de produção e internalizando as condições de produção e, dessa maneira, ampliar as forças produtivas pelo território nacional. Contudo, já nesse período, Chico mata a charada: a questão regional no Brasil não é mais a da estagnação, afinal, as regiões acompanham razoavelmente as taxas e o estilo da expansão capitalista no Brasil.

A revolução verde modernizou a força produtiva no campo que demandava incorporar cada vez mais terra agricultável sob seu comando. O desenvolvimento das forças produtivas industriais se fez com um grau de tecnologia que já era poupadora de trabalho. Em outros termos, dispensava grandes contingentes de mão-de-obra da esfera produtiva. Ora, olhando para os dados, Chico percebeu que da segunda metade dos anos 1960 até os primeiros anos da década de 1970 a formação bruta de capital alcançou a marca de quase 50% do Produto Interno Bruto do Nordeste. Claro: “era um investimento com altíssimo coeficiente de capitalização e com fortes componentes de avanço tecnológico”.

A marca gritante da década de 1970 é esta: abriram-se as comportas que preservavam a população sob o guante das velhas estruturas e, como uma onda gigantesca, praticamente toda pessoa válida é incorporada ao mercado de reserva de mão-de-obra para os novos empreendimentos capitalistas na região (Oliveira, 1981OLIVEIRA, F. Anos 70: Hostes errantes. Novos estudos Cebrap, v. 1, n. 1, 1981., p. 21, grifo meu)

Ressalto: mercado de reserva de mão de obra. Diferentemente do que Marx (2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. [Das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie, Hamburg, 1867]. [1867]) descreveu no famoso capítulo sobre a “Assim chamada acumulação primitiva”, no qual analisa a despossessão violenta dos camponeses de suas terras comunais e, dessa maneira, se formava, ao mesmo tempo, o exército industrial; por aqui, quando a industrialização do campo e da cidade ocorre, já na segunda metade do século XX, os despossuídos vão para o banco de reservas. O efeito dessa dinâmica já é conhecido: “não podia produzir outra coisa senão uma marcada tendência pra piorar a distribuição de renda” ao mesmo tempo que “instaurou-se uma competição quase mortal entre os próprios trabalhadores pelos postos de emprego” (Oliveira, 1981OLIVEIRA, F. Anos 70: Hostes errantes. Novos estudos Cebrap, v. 1, n. 1, 1981., p. 22).

Pouco mais de uma década mais tarde, um outro importante intelectual brasileiro, Monte-Mór (1996), também interessado em compreender a dinâmica de modernização nacional, cunhava a expressão urbanização extensiva. Com este conceito o autor se refere a dinâmica de urbanização que se estende para além das cidades, formando redes que penetram virtualmente todos os espaços e integra-os em malhas mundiais. Inspirado pela elaboração teórica de Henri Lefebvre (2019LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Tradução: Margarida Maria de Andrade; Pedro Henrique Denski; Sergio Martins. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2019. [La Révolution Urbaine, Paris: Gallimard, 1970.]. [1970]), Monte-Mór descreve como a dinâmica brasileira no pós-guerra se realizou nos marcos da implosão-explosão:

Por um lado, o valor das terras e a concentração histórica de atividades e investimentos em áreas centrais levaram à “implosão” dos núcleos urbanos, onde a renda diferencial da terra produziu preços de imóveis extremamente altos e densidades urbanas; por outro, a integração espacial e a extensão do tecido urbano para além dos limites da cidade para perímetros urbanos constantemente redefinidos ao longo de estradas e avenidas externas marcou a “explosão” da cidade industrial para abrigar o tecido urbano-industrial (Monte-Mór, 1996MONTE-MÓR, R. L. Modernities in the jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 1996. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) - University of California, Los Angeles, 1996., p. 290).

A dinâmica necessária de expansão das relações capitalistas se estendeu e o tecido urbano-industrial, que garante as condições para as relações capitalistas se realizarem, foi “tomando a circunvizinhança das principais cidades brasileiras, em seguida as cidades pequenas em suas imediações e, pouco a pouco, a própria Fronteira Amazônica”. Essas terras incógnitas são transformadas “de acordo com as necessidades que emanam dos centros urbano-industriais” (Monte-Mór, 1996MONTE-MÓR, R. L. Modernities in the jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 1996. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) - University of California, Los Angeles, 1996., p. 291).

Oliveira (1981OLIVEIRA, F. Anos 70: Hostes errantes. Novos estudos Cebrap, v. 1, n. 1, 1981.) e Monte-Mór (1996)MONTE-MÓR, R. L. Modernities in the jungle: extended urbanization in the Brazilian Amazonia. 1996. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano) - University of California, Los Angeles, 1996. descrevem uma dinâmica de extensão das relações capitalistas e das condições gerais de produção. Independente do nome que se dê, o processo é o mesmo: a penetração violenta das práticas capitalistas em “terras ermas”, o que, geralmente, é lido como um bem-vindo processo de modernização, necessário para o amplo desenvolvimento do país, em direção à realização do lema gravado na bandeira nacional - ordem e progresso. A história da urbanização brasileira do século XXI está intimamente conectada ao processo de expulsão e despossessão dos camponeses, empurrados das áreas rurais para abrir espaço para a dinâmica extrativista. Essa população supérflua produzida no campo já chegava às cidades na condição de sobrante.

III.

Recentemente, Neil Brenner e Christian Schmidt (2011BRENNER, N.; SCHMID, C. Planetary Urbanization. In: GANDY, M. (Org.). Urban constellations. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 2011.), na tentativa de construir uma nova epistemologia da urbanização, apresentam a ideia de urbanização planetária. Os autores afirmam que o conceito de urbanização se refere a um duplo processo: a urbanização concentrada nas megacidades e nas gigantescas regiões metropolitanas, e uma urbanização extensiva, que se estende sobre regiões agrícolas, extrativas e de natureza, anexadas ao tecido urbano por uma rede de infraestrutura que produzem a operacionalização da paisagem para responder aos imperativos do metabolismo da reprodução ampliada do capital. A extensão do tecido urbano a partir da operacionalização da paisagem irá produzir uma nova qualidade de espaço urbano, que supera a dicotomia campo e cidade e que tem um alcance planetário.

Seguindo o caminho “towards a new epistemology of the urban” (Brenner; Schmid, 2015BRENNER, N.; SCHMID, C. Towards a new epistemology of the urban? City, v. 19, n. 2-3, 2015.), como a dupla define, pode-se dizer que falar de uma urbanização extensiva é falar de um processo de operacionalização de todo o espaço. Trata-se, portanto, de uma dinâmica que se desenrola desde os primórdios do capital, mas se consolida e dissemina ao longo do século XX e garante a incorporação e entrelaçamento de regiões não-citadinas aos imperativos da acumulação de capital. O conceito de paisagem operacional é uma proposta que engloba a compreensão das geografias contemporâneas de transformação urbana em um sentido amplo. Ela inclui muitos processos negligenciados que, como os autores demonstram, são essenciais para compreender as principais metamorfoses socioeconômicas, infraestruturais e sociometabólicas que ocorreram no mundo com o desenvolvimento do capitalismo.

Em seu livro Planetary Mine, Arboleda (2020ARBOLEDA, M. Planetary Mine: Territories of Extraction under Late Capitalism. Londres: Verso Books, 2020.) ressalta que no imaginário popular, a atividade de mineração é tida como uma atividade rudimentar. Entretanto, trata-se de um tipo de atividade com um elevadíssimo grau de sofisticação tecnológica. Atualmente, envolve inteligência artificial, satélites, big data, automação, aumentando em muito a produtividade deste setor. O mesmo ocorre, como demonstram Ghosh, Brenner e Katsikis (2023GHOSH, S.; BRENNER, N.; KATSIKIS, N. The Global industrial feedlot matrix: a metabolic monstrosity. In: NESBIT, J.; WALDHEIM, C. (Org.). Technical lands: a critical primer. Berlin: Jovis , 2023.) com a agricultura contemporânea: é um setor com uma altíssima composição orgânica do capital. A “quarta revolução industrial”, que certos autores se referem, portanto, produz uma nova geografia da urbanização tardia que ultrapassa em muito a “traditional heartland of capitalism”, isto é, o ocidente.

A extensão da operacionalização da paisagem, portanto, parece carregar intrinsecamente uma atualização profunda das forças produtivas. Significa reconhecer no processo de urbanização planetária a necessidade intrínseca do capital de se expandir continuamente, demolir todas as barreiras, e subsumir todo o espaço ao seu imperativo. Contudo, frequentemente deixado de lado, essa dinâmica produz efeitos sociais importantes.

IV.

O que ocorreu nos últimos anos no Brasil foi a intensificação da operacionalização da paisagem, em especial para continuar a operação extrativista. O lugar de subalternidade imposto, manteve, apesar do esforço de figurar no rol das nações “desenvolvidas”, a natureza puramente extrativa da nossa economia.

Desde a metade do século XX, há uma corrida para a Amazônia no Brasil, impulsionada pela demanda por commodities do mercado externo. Foi uma tentativa, coordenada pelo Estado e efetivada em diferentes “rodadas”, de integrar as regiões de baixa densidade demográfica. Essa integração significou a exploração de commodities minerais e agrícolas e, definitivamente, conectou essas regiões à economia nacional e mundial.

Segundo dados do IBGE, entre 2006 e 2013, a formação bruta de capital fixo variou, em média, 7,5% por ano. Nesse mesmo período, esse valor investido na constituição de capital fixo figurou entre os mais altos da série histórica, representando cerca de 20% do PIB nacional (IBGE, 2021aIBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema de Contas Nacionais. 2021a. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/industria/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
). Mesmo uma economia subalterna e periférica como a brasileira, com o dispositivo da superexploração da força de trabalho disponível, parece responder ao imperativo da elevação da produtividade extrativa. Considerando os dados desagregados por atividade, a indústria extrativa apresentou a mais elevada média de variação de valor adicionado em capital fixo bruto no mesmo período, de 18% (isto é, o dobro do total da indústria de transformação e das atividades imobiliárias). O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado oficialmente em 2007, marcou um amplo esforço do país nessa direção. Foi com o financiamento do Programa que se construiu inúmeras represas na Região Amazônica, de modo a atender interesses da economia extrativa. O PAC realizou mais de 40 mil obras e ações em todo o Brasil nos setores de logística, energia, recursos hídricos, além de melhorias urbanas e sociais. Entre 2007 e 2014, o PAC executaria R$ 1,5 trilhão - o equivalente ao PIB da Espanha. No mesmo período, os investimentos do setor público cresceriam 48%.

A natureza da matriz econômica dos países latino-americanos, a despeito do governo de plantão, reforça a “vocação” histórica à exportação de commodities minerais e agrícolas. Gestores e apologistas apostam na possibilidade de um “desenvolvimento nacional” baseado no neoextrativismo (Svampa, 2019SVAMPA, M. Las fronteras del neoextractivismo en América Latina: conflictos socioambientales, giro ecoterritorial y nuevas dependencias. Guadalajara: Calas, 2019.) - ainda que, de maneira consistente, o efeito dessa economia de extração seja a submissão de tudo à voracidade da extensão das fronteiras territoriais atrás de amplificar a superexploração dos recursos naturais. O consenso das commodities, segundo Svampa (2019)SVAMPA, M. Las fronteras del neoextractivismo en América Latina: conflictos socioambientales, giro ecoterritorial y nuevas dependencias. Guadalajara: Calas, 2019., atravessa todo o espectro político na América Latina e produz uma forma de economia unidimensional.

A dinâmica da urbanização extensiva-extrativa significou o aumento consistente de investimentos no setor extrativo do país, a interiorização do tecido urbano, processo condizente com a tendência de operacionalização da paisagem da urbanização extensiva dependente. Contudo, ao contrário de “levar desenvolvimento” como gostariam os ideólogos do capitalismo (à direita e, estranhamente, mas não tanto, também à esquerda), o quadro social que se vê emergir da “completa urbanização” da sociedade brasileira não é muito animador.

Talvez exista uma imagem síntese desse processo: Canaã dos Carajás, PA - contudo, bem diferente da bíblica Terra Prometida. Rodrigo Castriota (2021CASTRIOTA, R. Urbanização extensiva na Amazônia Oriental: escavando a não-cidade em Carajás. 2021. (Tese) Doutorado em Economia - Universidade Federal de Minas Gerais, Cedeplar, 2021.) investigou a recente urbanização extensiva na área de Carajás.

Para viabilizar tal empreendimento em um município no meio da Amazônia Oriental, dezenas de milhares de trabalhadores foram contratados a partir de 2011, estimulando um intenso fluxo migratório para a região. Os migrantes, já desempregados nas áreas urbanas consolidadas do Norte e Nordeste do Brasil viam uma promessa para “ganhar a vida”. Entretanto, com a conclusão das obras, na virada de 2015 para 2016, a mina passou a operar a partir de uma “automatização quase completa”, deixando no município “uma enorme massa de desempregados”. O autor denuncia que, a partir daí, a violência explodiu no município: “Muitos residentes faziam alusão a filmes de faroeste para descrever a conjuntura local ao relatarem episódios de violência nos meses anteriores: perseguições de carro, brigas, tiroteios, cobranças de dívidas e assaltos” (Castriota, 2021CASTRIOTA, R. Urbanização extensiva na Amazônia Oriental: escavando a não-cidade em Carajás. 2021. (Tese) Doutorado em Economia - Universidade Federal de Minas Gerais, Cedeplar, 2021., p. 149).

Como demonstrou Fábio Pitta (2020PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020.), esses anos não foram os anos de um boom, mas de uma bolha de commodities. Esse investimento no setor extrativo, para saciar a ferocidade do dragão chinês com commodities de todo tipo, só foi possível sendo alavancados pelo capital fictício. Assim, segundo o autor, trata-se de uma simulação fictícia de acumulação de capital que continuou fomentando a produção de mais mercadorias e a implementação de técnicas para o aumento da produtividade do trabalho, e que continuou agravando a situação crítica da urbanização extensiva. O capital financeiro pôde contribuir para o aumento da produtividade, mas também deixou a operacionalização da paisagem dependente estruturalmente de crédito. A concorrência obriga a elevação da composição orgânica e com ela a produtividade do trabalho, o que só é possível por meio da alavancagem pelo capital financeiro. A consequência desse processo é que a taxa de lucro cai, e, assim, a economia é acompanhada da necessidade de adiantamentos em capital constante cada vez mais altos, que tornam estrutural a dependência de crédito, ao passo que não permitem que sejam quitados, em geral, com a mais-valia que eles próprios possibilitam mobilizar. Contrariamente ao que se pensa, a crise não ocorre por falta de investimentos, mas por excesso.

Dessa maneira, o crescimento fictício sempre acossado pela pressão da crise é o que vem produzindo a urbanização extensiva-extrativa, produzindo suas paisagens operacionais da urbanização planetária baseada na exploração violenta de recursos naturais. Fato é que tudo é expressão da urbanização extensiva: transformação dos espaços pela subsunção ao imperativo do capital e transformação da vida cotidiana com a expansão das relações sociais de produção capitalistas em vias de dissolução.

Entre 1980 e 2020 a parte do PIB brasileiro correspondente a produção industrial, recuou de maneira consistente, enquanto o grau de industrialização da economia mundial aumentou no mesmo período. A participação da indústria de manufatura no Brasil reduziu de 21,1% em 1980 para 11,9%, em 2020 (IBGE, 2021bIBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Industrial Anual. 2021b. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/industria/9042-pesquisa-industrial-anual.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
). O processo de desindustrialização está sendo acompanhado por uma reprimarização da economia brasileira, em especial a partir dos anos 2000. A exportação de commodities, como minério de ferro e soja em grãos, cresceu de 23% em 2000 para 51% em 2019. Como nota Farias (2023FARIAS, L. F. Agronegócio e golpismo na hinterland brasileira. Blog da Boitempo, 2023. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09/agronegocio-e-golpismo-na-hinterland-brasileira . Acesso em: 10 de abril de 2023.
https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09...
), essa dinâmica enfraquece as cadeias produtivas industriais e fortalece as cadeias de commodities minerais e agrícolas do país.

V.

Tanto nos anos 1970, como hoje, o que está em jogo é a tendência do capital de continuamente aumentar a produtividade a partir da incorporação de processos de automatização. Esse princípio foi, pela primeira vez, descoberto por Marx (2013MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013. [Das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie, Hamburg, 1867]. [1867]). Sua análise do movimento contraditório da forma-valor permitiu compreender o mecanismo autodestrutivo e propenso a crise do próprio capital. Em sua dinâmica cega, o capital sempre busca ampliar o tempo de trabalho excedente que formará a base do mais-valor. Para fazer isso de maneira consistente e eficiente, o aumento da produtividade do trabalho é a melhor saída. Marx chamou essa dinâmica de extração de mais-valor relativo e percebeu que essa é a lógica da universalização do capital. A questão é que a cada investimento para elevar a produtividade do trabalho, ocorre também uma redução do capital variável, isto é, um decrescimento do emprego do trabalho vivo na produção. Robert Kurz (2020KURZ, R. A crise do valor de troca. Rio de Janeiro: Editora Consequência, 2020.) desenvolve essa formulação a partir do que observa no mundo na segunda metade do século XX: uma crise persistente do trabalho que já não acompanha a conjuntura econômica, mas parece aumentar consistentemente a cada dia. Além disso produzir um dinheiro sem valor (Kurz, 2014KURZ, R. Dinheiro sem valor: linhas gerais para a transformação da crítica da economia política. Lisboa: Antígona, 2014.), ou seja, uma acumulação de capital dessubstancializada que levaria a derrocada econômica, essa dinâmica contraditória produz a dissolução das formas historicamente constituídas de mediação social.

A autocontradição de base, que também no que diz respeito ao desenvolvimento das forças produtivas, ainda coziam, por assim dizer, em lume relativamente brando, podia ser compensada por uma expansão estrutural e espacial, pois as restantes condições não se mantinha constantes; a massa pura e dura do dispêndio de capital monetário adicional aumentava de forma incessante, à medida que o capital desbravava terreno em todos os ramos produtivos e capitalizava o espaço terrestre neste sentido histórico, ou seja, transformava-o num espaço global da valorização. (Kurz, 2014KURZ, R. Dinheiro sem valor: linhas gerais para a transformação da crítica da economia política. Lisboa: Antígona, 2014., p. 259)

À medida que se esbarra nos limites espaciais da expansão capitalista, isto é, a completa urbanização planetária, a crise se agudiza. A urbanização extensiva e da operacionalização da paisagem produzem, por todo lado, uma população sobrante do ponto de vista do capital que já não é mais incorporável às esferas produtivas. Andy Merrifield (2013MERRIFIELD, A. The politics of the encounter: urban theory and protest under planetary urbanization. Athens, Georgia: University of Georgia Press, 2013., p. 191) escreve algo semelhante: “o desemprego é estruturalmente inseparável da dinâmica da urbanização e de sua expansão em escala planetária, constituindo a própria natureza do capitalismo”.

Apoiado na formulação de Arboleda (2020ARBOLEDA, M. Planetary Mine: Territories of Extraction under Late Capitalism. Londres: Verso Books, 2020.), pode-se afirmar que o neoextrativismo hoje se constitui como um sistema interconectado de tecnologias espaciais e infraestruturas que permitem a extensão do tecido urbano para diferentes paisagens. Isso significa reconhecer que, também, esse setor da economia, altamente destrutivo, representa o suprassumo da ciência e tecnologia, como princípios incorporados à valorização do valor. Essa tendência em movimento produz a dissolução das formas historicamente determinadas de mediação entre indivíduos, por destruir a forma do trabalho. A lógica do neoextrativismo corre lado a lado com a urbanização extensiva e ambas contribuem para a produção de uma sociedade do desemprego à beira do colapso.

Segundo dados da Pesquisa Industrial Anual do IBGE (2021b)IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Industrial Anual. 2021b. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/industria/9042-pesquisa-industrial-anual.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
, que avalia as características estruturais da atividade industrial brasileira e suas transformações no tempo, fica evidente o processo de desindustrialização do país. Entre 2011 e 2021 ocorreu uma redução de 460.413 pessoas ocupadas ligadas à produção industrial, uma queda relativa de cerca de 10% entre um ano e outro. No caso específico da indústria extrativa, os mesmos valores variaram de 164.379, em 2011, para 135.253 em 2021, uma queda de 18%. O comportamento do mercado de trabalho na indústria extrativa é, portanto, revelador do processo que descrevemos até aqui.

A urbanização extensiva-extrativa brasileira coincide com a ampliação de uma população supérflua. Com as formas de reprodução social bloqueadas pela dupla dinâmica da urbanização extensiva-extrativa, isto é, de um lado, a expulsão de formas autônomas de reprodução e, de outro, o impedimento de integrar a sociabilidade da forma-trabalho, o conteúdo do conflito social brasileiro explode em violência e ilegalismos.

VI.

Como visto, a urbanização extensiva-extrativa no Brasil, isto é, a operacionalização dos territórios em áreas pouco adensadas para a exploração destrutiva da natureza, ocorre num patamar de tecnologia poupadora de trabalho. Esse imperativo da acumulação de capital rege, também, os critérios da urbanização e de sua extensão territorial. Essa dinâmica não produz uma “integração social efetiva”, mas descamba no seu contrário: uma desagregação nacional, para referir à expressão de Schwarz (1999SCHWARZ, R. Fim de século. In: SCHWARZ, R. Sequências Brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.).

O que quero sugerir aqui é que: a urbanização extensiva se efetiva como condição de manter a acumulação de capital ocorrendo mesmo em um contexto de aprofundamento da crise e, ao mesmo tempo, através da operacionalização da paisagem é o meio pelo qual se aprofunda e generaliza a crise. Dessa maneira, pretendo apresentar aqui duas formas de manifestação do conflito social a partir da violência intimamente ligada à dinâmica de urbanização extensiva. De um lado, ressalto a violência produzida por economias ilegais e a conexão que existe do crime organizado com a operacionalização da paisagem, tornando-o um relevante agente da urbanização extensiva; de outro, a expansão e disseminação da extrema-direita pela hinterland acompanhando esse mesmo processo. Evidentemente, essas duas formas de manifestação estão conectadas.

Vale lembrar que há alguns anos, o Brasil surfou na crista da onda das commodities. A liquidez abundante promovida pelo cenário particular inflado pelo apetite insaciável do dragão chinês, permitiu ao governo de turno produzir eficientes formas de “gestão da barbárie”, como descreve Marildo Menegat (2019MENEGAT, M. A crítica do capitalismo em tempos de catástrofe: o giro dos ponteiros do relógio no pulso de um morto. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.). Contudo, o boom das commodities não passava de uma bolha especulativa (Pitta, 2020PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020.). Nesse momento, tudo o que havia era a “simulação de acumulação capitalista no Brasil que aparecia como crescimento econômico entre 2003/2004 e 2012/2013” (Pitta, 2020PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020., p. 64). Quando a inflação de títulos de propriedade - como as ações de empresas em bolsas de valores, os preços das commodities, os preços do real e do dólar - começou a cair, primeiro em 2008 e, depois, de forma mais acentuada, a partir de 2011, aparecendo como uma queda na taxa de lucro das empresas, elas “ainda continuaram tentando o desenvolvimento de suas forças produtivas e o aumento da composição orgânica de seus capitais” (Pitta, 2020PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020.). Afinal, essa é a tendência interna e inerente ao próprio funcionamento contraditório do capital.

A perspectiva de Pitta (2020PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020.) explora os nexos entre o endividamento estrutural, a financeirização e a presença incontornável do capital fictício na dinâmica de “simulação” de acumulação com a crise do trabalho. O autor descreve que só no estado de São Paulo, nos anos 1970, existiam aproximadamente 2 milhões de trabalhadores na agricultura, número que caiu para 400 mil em 1990, e, em 2014, chegou a apenas 90 mil.1 1 A redução dos postos de trabalho no corte manual de cana-de-açúcar conduziu à redução do preço pago ao cortador por tonelada de cana-de-açúcar cortada, já que a concorrência pelos últimos postos de trabalho fazia com que o trabalhador aceitasse qualquer condição oferecida, o que fez também com que os cortadores passassem a cortar cada vez mais cana-de-açúcar, aumentando a produtividade do trabalho a fim de ‘compensar’ a queda nos pagamentos por tonelada cortada, já que seu pagamento se dá por produção. A concorrência entre os próprios trabalhadores pelos últimos postos de trabalho levou a que, no auge do processo de mecanização da colheita de cana, entre 2005 e 2009, ocorressem diversas mortes nos canaviais brasileiros por excesso de trabalho. Vale o destaque de que uma colhedeira de cana-de-açúcar, que chega a substituir por volta de 120 cortadores manuais, é um robô automatizado, muitas vezes guiado a GPS” (Pitta, 2020, p. 111). À medida que a inflação fictícia mantinha a aparência da acumulação, os processos de expulsão de trabalho vivo do processo produtivo se aprofundavam. Conforme Pitta (2020)PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020., a simulação fictícia de acumulação de capital continuou fomentando a produção de mais mercadorias e a implementação de técnicas para o aumento da produtividade do trabalho. Esse processo não ficou restrito à indústria canavieira. Como demonstra Pitta (2020)PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020., essa situação foi generalizada na produção de commodities em geral. O Brasil é o maior e mais produtivo produtor de soja do mundo, junto com os EUA, e apresentou forte expansão e aumento da sua produtividade no século XXI, com o crescimento da composição orgânica desses capitais (Pitta; Boechat; Mendonça, 2017PITTA, F.; BOECHAT, C.; MENDONÇA, M. L. A produção do espaço na região do MATOPIBA: violência transnacionais, imobiliárias agrícolas e capital fictício. Revista de Estudos Internacionais, v. 5, n. 2, 2017.). O mesmo ocorreu com a produção de suco concentrado de laranja (Boechat, 2014BOECHAT, C. O colono que virou suco: terra, trabalho, Estado e capital na modernização da citricultura paulista. 2014. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 2014.), com a produção de minério de ferro (Milanez, 2017MILANEZ, B. Boom ou bolha? A influência do mercado financeiro sobre o preço do minério de ferro no período 2000-2016. Versus Jornal, v. 1, n. 2, 2017.), com a indústria avícola (Silva, 2013SILVA, A. Imigrantes afro-islâmicos na indústria avícola brasileira. 2013. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.) e com a produção de petróleo e seus derivados (Asevedo, 2017ASEVEDO, M. Petrobras: notícias sobre uma crise nada particular - a Petrobras e o Pré-sal brasileiro no contexto de crise mundial da indústria do petróleo e de financeirização da economia. 2017. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.).

VII.

As massas sobrantes da urbanização extensiva buscam formas de acessar a riqueza social necessária para a própria reprodução. Com as condições de integração pelo trabalho completamente barradas pela própria dinâmica do capital, o que ocorre é a explosão do conteúdo violento do conflito social brasileiro: a imagem de Canaã de Carajás como um bang-bang atesta essa situação. Mas o processo é muito mais abrangente. Mantovani (2021MANTOVANI, E. Crimen organizado, economías ilícitas y geografías de la criminalidad: otras claves para pensar el extractivismo del siglo XXI en América Latina. In: LÓPEZ, P.; BETANCOURT, M. (Coord.). Conflictos territoriales y territorialidades en disputa: re-existencias y horizontes societales frente al capital em América Latina. Clacso, 2021. Serie Movimientos sociales y territorialidades.), em seu texto, mostra como ocorreu, nos últimos anos, “um incremento da violência extrativa” na área da Amazônia. Dessa maneira, o autor sugere pensar o crime organizado como uma chave para compreender a economia política da extração no século XXI.

A partir do início do século XXI, a configuração política da América Latina mudou. Emergiu uma série de governos progressistas que experimentaram os efeitos políticos e econômicos do assim chamado boom (embora, como já discutido, se trate de uma bolha) das commodities. Isso permitiu a esses países, o Brasil inclusive, ampliar a escala de políticas públicas de inclusão no consumo de setores populares historicamente excluídos. Contudo, essa mesma dinâmica não logrou superar as estruturas da desigualdade social. A explosão do neoextrativismo produziu uma fragmentação que é evidente na urbanização extensiva: os centros urbanos para os quais convergiam os excedentes e o tecido urbano expandido onde estão as estruturas extrativas. Essa distinção é um retrato da desigualdade latino-americana, impulsionada pela dinâmica da operacionalização das paisagens.

Ao passo que a pulsação de dinheiro começou a diminuir com o estouro da bolha, essas economias criminais intensificaram a exploração e a violência para manter a extração rentável. De um lado, as regulações institucionais se tornavam menos legítimas e eficientes; de outro, as regulações criminais ganhavam em força, coerção e ação nesses territórios. Fato é que a presença das organizações criminosas se tornou fortalecida frente a ampla possibilidade de investir em novos ativos, como a mineração de ouro, o tráfico de madeira, de vida silvestre, e até extração de ferro, diamantes e grilagem de terras, entre outros. Segundo Mantovani (2021MANTOVANI, E. Crimen organizado, economías ilícitas y geografías de la criminalidad: otras claves para pensar el extractivismo del siglo XXI en América Latina. In: LÓPEZ, P.; BETANCOURT, M. (Coord.). Conflictos territoriales y territorialidades en disputa: re-existencias y horizontes societales frente al capital em América Latina. Clacso, 2021. Serie Movimientos sociales y territorialidades.), esses grupos conseguiram controlar as áreas de extração com armamento de guerra e abriram suas próprias rotas de comercialização das commodities ilegais. A partir de um certo momento, escreve Mantovani (2021)MANTOVANI, E. Crimen organizado, economías ilícitas y geografías de la criminalidad: otras claves para pensar el extractivismo del siglo XXI en América Latina. In: LÓPEZ, P.; BETANCOURT, M. (Coord.). Conflictos territoriales y territorialidades en disputa: re-existencias y horizontes societales frente al capital em América Latina. Clacso, 2021. Serie Movimientos sociales y territorialidades., as expectativas de se apropriar dessas rendas estimulou a corrupção em todos os níveis e contribuiu para uma maior abrangência de territórios extrativos que foram sendo, paulatinamente, ocupado por redes ilícitas. Grupos criminais foram cada vez mais se combinando com as economias de extração, como uma forma de diversificação de investimentos. O efeito colateral foi que esses grupos passaram a ordenar parte considerável da vida social nas áreas que atuam.

Em adição, essa situação se traduz nos recorrentes assassinatos de ativistas que denunciam as violações de direitos humanos e ambientalistas que enfrentam essa lógica extrativa. Os países que lideram o ranking de assassinatos envolvidos em conflitos socioambientais são latino-americanos, e o Brasil está disparado em primeiro lugar. O número desses assassinatos segue crescendo ano após ano (Svampa, 2019SVAMPA, M. Las fronteras del neoextractivismo en América Latina: conflictos socioambientales, giro ecoterritorial y nuevas dependencias. Guadalajara: Calas, 2019.).

Minas, zonas de desmatamento ilegal e grilagem de terra são meios de realização da urbanização extensiva-extrativa que, com frequência, estão subdimensionados (ou até mesmo ignorados) na nossa concepção de urbanização. O prisma de análise que quero sugerir aqui, contudo, assume essa dinâmica como algo essencial no processo de operacionalização da paisagem e da maneira particular que a urbanização planetária se efetiva no Sul Global.

VIII.

Essa operacionalização da paisagem para a extração ilegal, criminosa e violenta parece ser a condição necessária da urbanização extensiva por aqui, dado que ela é extremamente recorrente. Aqui, vale chamar a atenção que essa operação não ocorre apenas pela ação de agentes à margem da lei. Primeiro porque seria impossível ignorar a participação do Estado na produção, circulação e organização da violência em economias extrativas, tão antiga quanto a colonização. Recorrentemente, vale dizer, existe uma imbricação profunda entre a violência criminal, os estados-nação e o modelo econômico, formando o mesmo quadro de desapropriação (Zibechi, 2023ZIBECHI, R. Crime organizado e extrativismo. Blog da Editora Elefante, 2023. Disponível em: https://elefanteeditora.com.br/crime-organizado-e-extrativismo . Acesso em: 10 de abril de 2023.
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). É imprescindível reconhecer que as fronteiras que demarcam a separação do ilegal e do legal são mais borradas do que normalmente se assume. Importa, portanto, compreender essas porosidades e atravessamentos imbricados na dinâmica da urbanização extensiva nas paisagens de extração da América Latina e no Brasil. Por exemplo, Gudynas (2019GUDYNAS, E. Extractivismo y corrupción: anatomía de una íntima relación. Lima: Abya Yala, 2019.) sugere a noção de alegalidade para se referir a práticas que não são exatamente ilegais, mas se valem dos vazios da lei para conseguir benefícios e vantagens econômicas, operadas por agentes estatais (inclusive os progressistas). Esses grupos, como se vê, incidem cada vez mais com os modos de governança estatal. A extensão da urbanização não significou a extensão simultânea dos marcos do direito moderno no Sul Global, mas sua principal força motriz é a violência extrativista.

Ao mesmo tempo, o Estado não tem outra maneira de lidar com essa situação que não seja reproduzir a sua resposta ao quadro da já conhecida “violência urbana”, com a disseminação de grandes operações de guerra, voltadas para coibir a ação dos criminosos. Os danos colaterais produzidos já são assumidos. Espera-se, repetindo o mesmo remédio, que os resultados sejam diferentes do que ocorreu na cidade? O poder criminal não diminuiu diante da ação violenta do Estado; ao contrário, se fortaleceu.

O caso recente do garimpo ilegal de ouro na Amazônia Brasileira é, portanto, ilustrativo do processo:

Se a solução aventada por governistas for uma guerra aos grupos armados que controlam mercados ilegais na Amazônia, comandada pelas nossas forças de segurança, estamos lascados. Repetiremos na floresta o mesmo que fizemos nas periferias urbanas (Feltran, 2023FELTRAN, G. Lula ainda não despertou para a contrarrevolução dos jagunços. Folha de São Paulo, 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/03/lula-ainda-nao-despertou-para-a-contrarrevolucao-dos-jaguncos.shtml . Acesso em: 10 de abril de 2023.
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissi...
).

Estão em curso, com esse processo, transformações consideráveis nas redes de poder e de legitimidade que disputam o controle e o acesso a fontes de riqueza: estão participando cada vez com mais força as diversas expressões do crime organizado. Trata-se de uma dinâmica de expansão, sofisticação de suas redes, articulações, diversificações, adaptações que exerce um profundo controle nos diversos âmbitos da vida social nas áreas em que atuam.

A operacionalização da paisagem por grandes estruturas extrativas modernas, avançadas e automatizadas coexiste, lado a lado, com a operacionalização da paisagem por estruturas de guerra coercitivas. De um lado, uma economia cosmopolita; de outro, uma economia cinza, que se vale exatamente da “população excedente”2 2 Vale dizer, excedente aqui se refere à possibilidade de “utilização” de trabalho vivo nos circuitos da acumulação de valor. Ou seja, uma população excedente em relação à necessidade do capital. para acessar mão de obra barata e ultraprecarizada disposta a topar qualquer parada. São dois lados da mesma moeda da urbanização planetária baseada na lógica do extrativismo.

IX.

A outra dimensão que chama a atenção ao tratar da urbanização extensiva violenta é a sua vinculação com a extrema-direita. As transformações na economia brasileira estão acarretando uma relativa perda da capacidade dos grandes centros metropolitanos de continuarem a exercer sua hegemonia sobre o território nacional (Farias, 2023FARIAS, L. F. Agronegócio e golpismo na hinterland brasileira. Blog da Boitempo, 2023. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09/agronegocio-e-golpismo-na-hinterland-brasileira . Acesso em: 10 de abril de 2023.
https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09...
). Isso conduz a uma reconfiguração das estruturas de poder e uma alteração do protagonismo político. Está em curso um deslocamento da hegemonia que deixa as metrópoles sudestinas em direção a hinterland brasileira.

As últimas duas décadas têm sido marcadas no Brasil pela erosão dos aparelhos de hegemonia que haviam permitido às frações das classes dominantes no Sudeste mais industrializado dirigirem a sociedade civil em escala nacional ao longo do século XX. Imprensa escrita, emissoras de televisão, universidades públicas, federações industriais, aparelhos partidários e entidades sindicais sediados prioritariamente na região Sudeste, com suas dinâmicas próprias, parecem perder capacidade de enxergar inquietações, dirigir interesses, elaborar valores e orientar expectativas das frações de classe pelo país. Paralelamente, o ascenso do agronegócio tem promovido o fortalecimento de novos centros de poder em espaços urbanos de médio porte pela hinterland brasileira, demandando novos canais de representação política que parecem cada vez mais transbordar os pactos sociais instituídos desde a redemocratização do país desde 1985 (Farias, 2023FARIAS, L. F. Agronegócio e golpismo na hinterland brasileira. Blog da Boitempo, 2023. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09/agronegocio-e-golpismo-na-hinterland-brasileira . Acesso em: 10 de abril de 2023.
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).

Trata-se, segundo Farias (2023FARIAS, L. F. Agronegócio e golpismo na hinterland brasileira. Blog da Boitempo, 2023. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09/agronegocio-e-golpismo-na-hinterland-brasileira . Acesso em: 10 de abril de 2023.
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), de uma “nova territorialização da estrutura e do conflito de classes”.

A lógica do extrativismo depende de mobilizar constantemente a acumulação por despossessão e seu interesse estratégico se voltou para as fronteiras da urbanização. Curiosamente, é a lógica extrativista que parece mais contribuir para a urbanização extensiva. Diferentemente das indústrias metal-mecânicas que se instalaram no Sudeste, que desempenhavam uma ação centrípeta, isto é, atraiam pessoas e recursos para o seu entorno, o extrativismo possui um caráter centrífugo, derramando os efeitos e as externalidades da extração numa vasta área circunvizinha, que vai se incorporando às tramas da acumulação.

O controle das condições de produção e na dinâmica social nos confins da urbanização extensiva implica num reordenamento do poder que também se pulveriza. Por isso, Luiz Felipe de Farias (2023FARIAS, L. F. Agronegócio e golpismo na hinterland brasileira. Blog da Boitempo, 2023. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09/agronegocio-e-golpismo-na-hinterland-brasileira . Acesso em: 10 de abril de 2023.
https://blogdaboitempo.com.br/2023/01/09...
) escreve que é compreensível que, nessas condições, a forma política adotada por esses grupos seja uma quebra da ordem, mesmo que não existam consensos minimante estáveis para efetivar qualquer tipo de transição de regime.

O esgarçamento do tecido urbano extensivo promovido pela lógica extrativista produz, também, o definhamento da forma-jurídica. De Caux (2020DE CAUX, L. F. A hipótese do definhamento da forma jurídica (e o atual capítulo brasileiro de seu processo). Sinal de Menos, n. 14, v. 2, 2020., p. 293) sugere que “a história da forma jurídica, desde que ela se impôs, foi até então a história do seu afrouxamento”. Isso porque há uma estrutura homóloga entre a forma-valor e a forma-jurídica e a dissolução da primeira implica o definhamento da segunda. Assim, olhando para o atual cenário brasileiro, De Caux (2020)DE CAUX, L. F. A hipótese do definhamento da forma jurídica (e o atual capítulo brasileiro de seu processo). Sinal de Menos, n. 14, v. 2, 2020. nota um “paulatino ganho de poder político de frações da classe capitalista que operam predominantemente à margem ou fora da legalidade”.

Trata-se de uma organização social da produção e distribuição da riqueza que assume a ordem miliciana como modelo. A milícia, por outro lado, se sustenta por constranger relações de troca econômica por meio da coerção violenta. Sua origem compartilhada com o Estado não é, portanto, mero acaso: como define Charles Tilly (1985TILLY, C. War making and State making as organized crime. In: EVANS, P. (Org.). Bringing the State Back. Cambridge: Cambridge University Press, 1985.), a origem do Estado é um bando armado que pratica extorsão. Contudo, se a origem do Estado por bandos armados deu origem a forma-jurídica para ordenar a relação econômica; hoje observa-se a emergência de bandos armados exatamente onde a forma-jurídica passa a falhar.

Ocorre outra vez algo como uma transformação de quantidade em qualidade quando milícias crescem tanto que deixam de se opor ao Estado, mas ameaçam tomá-lo por dentro. Se, no polo superior, a milícia que toma de dentro o Estado brasileiro não se distingue de qualquer bando armado que funda ou refunda pela violência um Estado, no polo de baixo, no rés do chão de onde ela ascende, ela opera integrada funcionalmente ao sistema de produção de mercadorias, literalmente forçando violentamente a sua circulação e a realização da mais-valia (mesmo que já sem sequer sinal de equivalência das “trocas”). A milícia é algo como um parasita funcional de um sistema de produção de mercadorias que deixou de ser funcional (num país em que, na verdade, ele nunca chegou exatamente a parar em pé sozinho). A forma miliciana da troca de mercadorias não substitui a forma-valor, mas é como que efeito colateral de sua obsolescência e de sua permanência meramente positiva, sem substância (De Caux, 2020DE CAUX, L. F. A hipótese do definhamento da forma jurídica (e o atual capítulo brasileiro de seu processo). Sinal de Menos, n. 14, v. 2, 2020., p. 295).

Assim, percebe-se que a dinâmica do extrativismo contemporâneo, nas fronteiras da urbanização extensiva, vai além de mais um capítulo na dinâmica da acumulação por espoliação estrutural na economia brasileira. Os últimos anos apontam para a emergência de novos atores nesse jogo que querem o naco de riqueza que lhes cabe pela violência.

X.

O que é produzido pela urbanização extensiva-extrativa está longe ser democrático ou republicano. Trata-se da pura lógica econômica que mobiliza a violência extraeconômica para continuar ganhando dinheiro com a destruição generalizada.

Como descreve Gabriel Feltran (2020FELTRAN, G. Formas elementares da vida política: sobre o movimento totalitário no Brasil. Blog Cebrap, 2020. Disponível em: https://novosestudos.com.br/formas-elementares-da-vida-politica-sobre-o-movimento-totalitario-no-brasil-2013/#gsc.tab=0 . Acesso em: 10 de abril de 2023.
https://novosestudos.com.br/formas-eleme...
), a forma de governo do Brasil mudou radicalmente nos últimos anos. Se antes o poder emanava das elites econômicas tradicionais, e dela se controlava o conflito social brasileiro, pois controlava o Estado, que por sua vez controlava as polícias, que controlavam os justiceiros, que, então, controlava os pretos mais revoltados e ladrões, essa linha de poder se rompeu; quiçá de modo definitivo. A interpretação sugerida pelo etnógrafo é que se vive no Brasil hoje uma Revolta dos Jagunços.

Esse movimento em curso não é, como por vezes se faz pensar, uma mobilização das elites contra os pobres. Gabriel Feltran (2023FELTRAN, G. Lula ainda não despertou para a contrarrevolução dos jagunços. Folha de São Paulo, 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/03/lula-ainda-nao-despertou-para-a-contrarrevolucao-dos-jaguncos.shtml . Acesso em: 10 de abril de 2023.
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissi...
; 2020) percebe que a frustração das expectativas de integração social e política plenas, próprias da migração e da promessa que construiu assalariamento urbano, fez fermentar um caldo de violência. Esse é o novo conteúdo do conflito social brasileiro que ora explode: “equacionar o conflito social brasileiro através da eliminação das diferenças”.

As elites tradicionais estão eclipsadas pela dinâmica da crise do capital. Seu discurso de legitimação já não convence ninguém. A dinâmica instaurada pela operacionalização da paisagem e pela urbanização extensiva, baseada, especialmente na reprimarização da economia, também produziu um efeito social: a substituição da narrativa moderna por formas muito elementares da vida política e do exercício do poder.

Em lugar da mediação dos partidos, o movimento de massas; em lugar da lei, a honra masculina; em vez da representação, a identidade; no lugar do pluralismo, a irmandade; no lugar da Constituição, o Evangelho e, por fim, no lugar da razão comunicativa, a violência crua (Feltran, 2020FELTRAN, G. Formas elementares da vida política: sobre o movimento totalitário no Brasil. Blog Cebrap, 2020. Disponível em: https://novosestudos.com.br/formas-elementares-da-vida-politica-sobre-o-movimento-totalitario-no-brasil-2013/#gsc.tab=0 . Acesso em: 10 de abril de 2023.
https://novosestudos.com.br/formas-eleme...
).

A urbanização extensiva como disseminação da crise e da violência, tal como se manifesta na América Latina, isto é, a urbanização extensiva pelo extrativismo, produz uma metamorfose da forma política. Roberto Monte-Mór (2006MONTE-MÓR, R. L. O que é o Urbano, no Mundo Contemporâneo? Revista Paranaense de desenvolvimento, v. 111, p. 9-18, 2006., p. 14), percebe que “à medida que o tecido urbano se estendeu sobre o território, levou com ele os germes da pólis e da civitas”, isto é, uma extensão da práxis política como uma luta pela cidadania que expandiu para além dos limites da cidade, “atingindo todo o espaço social”. Talvez, diante do exposto até aqui, se possa considerar que a extensão do tecido urbano não significou a disseminação dos germes da pólis e da civitas, mas, ao contrário, produziu uma degradação política para formas muito elementares cujo caráter distintivo é, exatamente, a explosão da violência latente e intrínseca do processo social na periferia do capitalismo. Diante da forma multidimensional, transescalar e molecular da violência envolvida no processo da urbanização extensiva para a extração, se deve reconhecer que, ao menos agora, a urbanização extensiva é produto-produtora da violência.

A urbanização extensiva-extrativa é responsável, como visto, pelos “processos de pilhagem ecológica e desapropriação social resultante da expansão das fronteiras de commodities primárias na América Latina” (Arboleda, 2022ARBOLEDA, M. Planetary urbanization and the commodity super-cycle. In: REIS, N.; LUKAS, M. (Org.). Beyond the megacity: new dimensions of peripheral urbanization in Latin America. Toronto: Toronto University Press, 2022., p. 97 - tradução nossa). Ao que tudo indica, há uma tendência de intensificação da extração à medida que a crise do capital se agudiza. Por mais minas que se abram, pastos que produzam, e colheitas que se realizem, não há possibilidade de reverter a dinâmica de crise. Ainda assim, a crise será compensada com mais espoliação violenta:

Como em outras épocas, a ilusão eldoradista está sendo transformada em uma dialética renovada de desapropriação e dependência, que é acompanhada por mais extrativismo, mais violência e, portanto, menos democracia (Svampa, 2019SVAMPA, M. Las fronteras del neoextractivismo en América Latina: conflictos socioambientales, giro ecoterritorial y nuevas dependencias. Guadalajara: Calas, 2019., p. 71 - tradução nossa).

É necessário, portanto, ampliar a noção de Neil Brenner (2013BRENNER, N. Urban theory without an outside. In: BRENNER, N. (Org.). Implosions/Explosions: towards a study of planetary urbanization. Berlin: Jovis, 2013.) sobre as formas de manifestação da urbanização planetária. Uma dessas formas de manifestação seria a operacionalização das paisagens que, por meio das estratégias do planejamento territorial em larga escala e estruturas de governança neoliberal, transformam o espaço funcionalizando-o à acumulação de capital. Como resultado deste mesmo processo de operacionalização da paisagem, ocorre a elevação da composição orgânica do capital como uma necessidade imanente do processo social que preside esse movimento. A expressão deste processo no “tecido social” é a dissolução de formas de sociabilidade, fazendo emergir a violência direta e dispersa, se apoiando em relações arcaicas e dinâmicas de coerção extraeconômica.

Daniel Cunha (2019CUNHA, D. Bolsonarismo e capitalismo de fronteira. Sinal de Menos, n. 13, p. 183-200, 2019.) analisou esse processo com a noção apresentada por ele de capitalismo de fronteira. Há pelo menos dois sentidos embutidos nessa formulação: de um lado, o capitalismo que está na fronteira (limite) de sua própria sobrevivência; de outro, o capitalismo que, para sobreviver, precisa ampliar as fronteiras do neoextrativismo.

Referências

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  • 1
    A redução dos postos de trabalho no corte manual de cana-de-açúcar conduziu à redução do preço pago ao cortador por tonelada de cana-de-açúcar cortada, já que a concorrência pelos últimos postos de trabalho fazia com que o trabalhador aceitasse qualquer condição oferecida, o que fez também com que os cortadores passassem a cortar cada vez mais cana-de-açúcar, aumentando a produtividade do trabalho a fim de ‘compensar’ a queda nos pagamentos por tonelada cortada, já que seu pagamento se dá por produção. A concorrência entre os próprios trabalhadores pelos últimos postos de trabalho levou a que, no auge do processo de mecanização da colheita de cana, entre 2005 e 2009, ocorressem diversas mortes nos canaviais brasileiros por excesso de trabalho. Vale o destaque de que uma colhedeira de cana-de-açúcar, que chega a substituir por volta de 120 cortadores manuais, é um robô automatizado, muitas vezes guiado a GPS” (Pitta, 2020PITTA, F. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Sinal de Menos , n. 14, v. 1, p. 38-146, 2020., p. 111).
  • 2
    Vale dizer, excedente aqui se refere à possibilidade de “utilização” de trabalho vivo nos circuitos da acumulação de valor. Ou seja, uma população excedente em relação à necessidade do capital.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Maio 2023
  • Aceito
    22 Nov 2023
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