Resumo
A noção de “complexo” nos estudos urbanos e regionais brasileiros foi relevante no contexto agroexportador e industrial nos séculos XIX e XX, respectivamente, ao revelar arranjos sociais da urbanização nesses momentos históricos. Na interpretação das transformações urbanas contemporâneas, sustenta-se que a noção do “complexo imobiliário-financeiro”, concebida no Norte Global, deve considerar as especificidades de cada formação social particular. Este trabalho busca compreender a formação e a atuação de um complexo em decorrência do desenvolvimento dos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). Investigam-se os principais marcos institucionais do instrumento e os agentes envolvidos em seus desenhos, de modo a problematizar as essências constitutivas do complexo que suporta o instrumento e as transformações no espaço. A pesquisa identifica o domínio das instituições financeiras nacionais, em articulação com as finanças globais, sobre a indústria de FIIs e propõe a categoria de “complexo financeiro-imobiliário”, a qual indica a subordinação dos interesses do setor imobiliário aos financeiros.
Palavras-chave:
Financeirização; Produção Imobiliária; Patrimonialismo; Fundo de Investimento Imobiliário; Propriedade
Abstract
The notion of “complex” in Brazilian urban and regional studies was relevant in the context of agro-export and industrial economy in the 19th and 20th centuries, respectively, as it revealed social arrangements of urbanization in these historical moments. In the interpretation of contemporary urban transformations, it is argued that the notion of the “real estate-financial complex’, conceived in the Global North, must consider the specificities of each particular social formation. This work seeks to understand the formation and operation of a complex from the development of Real Estate Investment Funds (FIIs, Brazilian REITs). The main institutional frameworks of the instrument and the agents involved in its designs are investigated to problematize the complex’s constitutive essences that support the instrument and the transformations in space. The research identifies the dominance of national financial institutions, in articulation with global finance, over the FIIs industry and proposes the category of “financial-real estate complex”, which indicates the subordination of the interest of the real estate sector to the financial ones.
Keywords:
Financialization; Real Estate Production; Patrimonialism; Real Estate Investment Fund; Property
Introdução
A mobilização do conceito de “complexo imobiliário-financeiro” (AALBERS, 2015AALBERS, M. The real estate/financial complex. Belo Horizonte: Praxis-EA/UFMG. 2015. 1 vídeo (1:41:26). Publicado por Eduarda Assis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_XWUdZT3_7w. Acesso em: 10 nov. 2021.
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) tem se constituído como uma verdadeira “caixa-preta” (CHRISTOPHERS, 2015CHRISTOPHERS, B. From financialization to finance: For ‘de-financialization’. Dialogues in Human Geography, v. 5, n. 2, p. 229-232, 2015.), ao desconsiderar percursos particulares da financeirização de diferentes segmentos imobiliários (como o residencial e o comercial) e o relevante papel das elites locais em articulação com o capital financeiro internacional. Consequentemente, o emprego inadvertido dessa noção tem reforçado interpretações homogêneas da financeirização.
Proposto por Aalbers (2015AALBERS, M. The real estate/financial complex. Belo Horizonte: Praxis-EA/UFMG. 2015. 1 vídeo (1:41:26). Publicado por Eduarda Assis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_XWUdZT3_7w. Acesso em: 10 nov. 2021.
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), o complexo imobiliário-financeiro deriva da articulação entre o Estado, as finanças e o imobiliário e se inspira no “complexo militar-industrial” estadunidense, que, neste último caso, se refere ao íntimo relacionamento político entre as Forças Armadas e a indústria. De acordo com esse autor, tal proposição surge da necessidade de aprofundar a compreensão dessa relação triádica, que permanece pouco pesquisada e teorizada.
Na literatura brasileira, diferentes estudos avançam ao abordar diversas expressões do complexo imobiliário-financeiro, que variam desde a participação de agentes globais em São Paulo (ROLNIK; SANTORO, 2017ROLNIK, R; SANTORO, P. F. Novas frentes de expansão do complexo imobiliário-financeiro em São Paulo. Cad. Metrop., v. 19, n. 39, p. 407-431, 2017.), os vínculos entre as empreiteiras, incorporadoras, mercado de capitais e Estado na produção habitacional de média e baixa renda (SHIMBO, 2010SHIMBO, L. Habitação social, habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e o capital financeiro. 2010. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010.), às estratégias e formas de articulação entre agentes via instrumentos urbanos específicos (STROHER, 2017STROHER, L. Operações urbanas consorciadas com Cepac: uma face da constituição do complexo imobiliário-financeiro no Brasil? Cad. Metrop ., v. 19, n. 39, p. 455-477, 2017.). Apesar disso, verifica-se que poucos trabalhos tratam das “essências constitutivas” (BRENNER, 2013BAMBIRRA, V. Teoria de la dependência: una anticrítica. Ciudad de México: Era, 1978.) do complexo, o que constitui um desafio para a compreensão da sua dimensão histórica e social no processo de reprodução ampliada do capital. Segundo esse autor (2013, p. 14):
Para compreender a produção e a implacável transformação da diferenciação espacial, a teoria urbana deve priorizar a investigação de essências constitutivas, ou seja, os processos por meio dos quais são produzidas as heterogêneas paisagens do capitalismo moderno.
Historicamente, a noção de complexo mobilizada por autores brasileiros permitiu importantes avanços na apreensão da urbanização no contexto da economia agroexportadora (início do século XIX), via complexo cafeeiro (1870-1930) (BEIGUELMAN, 1977BEIGUELMAN, P. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Edusp, 1977.; FERNANDES, 2020FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: contracorrente, 2020.; MARTINS, 1979MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. São Paulo: Liv. Ed. Ciências Humanas, 1979.), bem como no entendimento da produção habitacional no contexto da industrialização, por meio do complexo industrial da construção (1930-1964) (GITAHY; PEREIRA, 2002GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002.).
Neste estudo, a noção de complexo é empregada com o objetivo de avançar na compreensão da produção do espaço sob o domínio financeiro. Em especial, a preocupação recai sobre as especificidades desse processo global, mediante os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs), no contexto brasileiro. Entende-se o complexo como forma histórico-social particular e resultante de encadeamentos diretos e indiretos entre diferentes setores da economia (públicos e privados). Fruto de diferentes relações de produção, interações sociais e interesses, destaca-se que a forma em si “não é uma ferramenta que constitui o mundo a partir de uma operação mental” (MASCARO, 2013MASCARO, A. L. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo , 2013., p. 22). Pelo contrário, como forma social, sua matéria advém de relações anteriores que representam a “objetivação de determinadas operações, mensurações, talhes e valores dentro das estruturas históricas do todo social” (id., ibid., p. 22).
Uma vez que o conceito tange diferentes dimensões de produção do espaço, que implica a multiplicidade e a simultaneidade de um conjunto de processos da reprodução social, o presente artigo propõe um recorte, ao analisar a constituição de um mecanismo em particular, o FII. Apesar do crescimento recente e impetuoso da indústria de FIIs, a escolha do instrumento para a análise proposta não é acidental nem precipitada. Idealizado no início dos anos 1990 como uma nova estrutura de financiamento imobiliário, os FIIs objetivavam captar recursos de investidores institucionais pela via do mercado de capitais e destiná-los à produção imobiliária (NAKAMA, 2021NAKAMA, V. K. A instrumentalização financeira do espaço: Fundos de Investimento Imobiliário como estruturas de capital fixo. Revista INVI , v. 36, n. 103, p. 194-214, 2021.). Aqui, o interesse reside no processo de constituição e desenvolvimento do complexo, ao qual se atribuem a instituição e o amadurecimento do instrumento. Segundo Yazbek, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi) no período, é em torno da estruturação do FII que, “pela primeira vez, o mercado imobiliário e o mercado financeiro se deram as mãos, sentaram numa mesa e produziram um projeto de lei” (ABECIP, 1995ABECIP. Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. SFI: Um novo modelo habitacional. VIII Encontro da Abecip, Brasília, DF: Abecip, 1995., p. 74).
Argumenta-se que o diálogo com a historicidade da noção de “complexo” (BEIGUELMAN, 1977BEIGUELMAN, P. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Edusp, 1977.; FERNANDES, 2020FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: contracorrente, 2020.; GITAHY; PEREIRA, 2002GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002.; KLINK, 2020KLINK, J. Metropolis, money and markets: Brazilian urban financialization in times of re-emerging global finance. New York: Routledge, 2020.) ilumina arranjos sociais particulares para distintos momentos da urbanização no Brasil. Para tratar das particularidades evidenciadas com a constituição do FII, propõe-se uma categoria específica, a do complexo financeiro-imobiliário. Embora o instrumento tenha sido concebido em importante articulação com as frações dominantes do setor imobiliário, sustenta-se que o complexo passa a ser progressivamente dominado por grandes instituições financeiras nacionais. Em alinhamento com instituições financeiras internacionais, tais agentes promoverão a expansão dos FIIs e sua diversificação concentrada nos principais espaços metropolitanos, por meio de produtos seletos, como estratégia de maximização dos fluxos de renda.
O artigo se desenvolve pautando-se na mediação entre a discussão teórica e a investigação empírica. A problematização teórica parte da revisão bibliográfica sobre os complexos brasileiros no processo de urbanização durante o contexto da economia agroexportadora e industrial. Em seguida, avança para a compreensão das novas configurações que emergem do domínio das finanças, destacando-se o FII. Com base em informes publicados em jornais de grande circulação e em registros de audiências públicas, a investigação empírica se concentra na análise dos principais marcos institucionais do FII e identifica os agentes envolvidos nesse processo. Mediante a identificação dos dois principais regramentos, examina-se o processo de instituição (PL n.º 2.204/1991) (BRASIL, 1991BRASIL. PL nº 2.204/1991. Dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos Fundos de Investimento Imobiliário e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 30 jun. 1993. ) e de modernização (ICVM 472/2008) (BRASIL, 2008BRASIL. Instrução CVM nº 472. Dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento, a oferta pública de distribuição de cotas e a divulgação de informações dos Fundos de Investimento Imobiliário - FII. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 3 nov. 2008.) do FII, bem como se tensionam as essências constitutivas do complexo que suporta o instrumento, suas lógicas de acumulação e implicações urbano-regionais.
O trabalho é dividido em duas partes, além da presente introdução e das considerações finais. A primeira seção discute a genealogia dos complexos no Brasil e sugere a recuperação da tradição do conceito nos estudos brasileiros. A segunda propõe e discute a constituição do complexo financeiro-imobiliário apoiando-se na trajetória dos FIIs e o domínio paulatino das grandes instituições financeiras nacionais, em conexão com o capital global, sobre esse mercado. Ademais, indica o deslocamento da centralidade da produção à propriedade no referido complexo.
1. A genealogia dos “complexos” da produção do espaço no Brasil
A noção de “complexo” tem sido utilizada nos estudos brasileiros com o objetivo de compreender importantes processos de transformações econômicas, territoriais, sociais e institucionais que se centram em uma atividade econômica principal, ou dominante, e se inter-relacionam profundamente com outras atividades, engendrando-as e, posteriormente, sendo suplantada por elas. Ela também permite interpretar dinâmicas de transferência de capital conduzidas pelos setores dominantes e suas reverberações sobre a urbanização e a produção do espaço.
A primeira forte mobilização do conceito se efetiva com a formação do complexo cafeeiro (1870-1930) (BEIGUELMAN, 1977BEIGUELMAN, P. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Edusp, 1977.; CANO, 2007CANO, W. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Campinas: Unicamp, 2007.; FERNANDES, 2020FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: contracorrente, 2020.; MARTINS, 1979MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. São Paulo: Liv. Ed. Ciências Humanas, 1979.). Isso ocorre porque, independentemente de outras culturas, como o açúcar, apresentarem similaridades com o café (baixo nível técnico empregado, ciclo de produção etc.), elas se revelaram atividades únicas, enquanto o café deu “nascimento a um complexo no qual se inserem rudimentos de uma cultura de alimentação e de uma indústria” (BEIGUELMAN, 1977BEIGUELMAN, P. A formação do povo no complexo cafeeiro: aspectos políticos. São Paulo: Edusp, 1977., p. 12).
Em que pesem as distintas relações de produção desse período (escravista e trabalho livre), Cano (2007CANO, W. Raízes da concentração industrial em São Paulo. Campinas: Unicamp, 2007.) indica que a expansão do complexo só ocorre, de fato, sob o regime das relações capitalistas. Conforme esse autor aponta, a adoção do trabalho livre não só permitiu, por intermédio da imigração, o surgimento de uma classe com poder aquisitivo (o que ampliou o mercado de bens de consumo), como também propiciou a mão de obra necessária para a expansão urbano-industrial. Na medida em que o café se expandiu, surgiram atividades tipicamente urbanas e uma série de outras ligadas ao processo de urbanização, requerendo também a ampliação do aparelho do Estado (id., ibid.). Fruto da pujante dinâmica econômica e social que o complexo cafeeiro impulsionou, Lencioni (2008LENCIONI, S. Observações sobre o conceito de cidade e urbano. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, n. 24, p. 109-123, 2008., p. 120) aponta que as “cidades materializavam as condições gerais da produção cafeeira, garantindo o comércio e serviços necessários, o que redundou no desenvolvimento de uma extensa rede urbana no interior paulista”. Em paralelo, São Paulo deixava seu estatuto de vila para se constituir como cidade, muito engendrado por um intenso processo de urbanização, pelo surgimento da indústria e pela formação da classe operária.
A constituição do complexo cafeeiro a partir de 18701 1 Lencioni (2008) cita a constituição do urbano no ano de 1870 como resultado da interpretação do trabalho de José de Souza Martins (1979). Contudo, também menciona Maria Conceição Tavares (1972) e João Manoel Cardoso de Mello (1979), que consideram a constituição do urbano a partir de 1930. TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. MELLO, J. M. C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1979. já evidenciava os interstícios da urbanização, que, por sua vez, não pode ser compreendida como um “subproduto da industrialização, mas como produto de determinadas relações sociais e de determinados condicionantes próprios do complexo” (LENCIONI, 2008LENCIONI, S. Observações sobre o conceito de cidade e urbano. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, n. 24, p. 109-123, 2008., p. 120).
O exame do complexo cafeeiro ilumina concomitantemente os profundos vínculos entre a urbanização e a incipiente industrialização, além de revelar como os excedentes da atividade agroexportadora moldaram a emergência dos negócios imobiliários de caráter rentista. Klink (2020KLINK, J. Metropolis, money and markets: Brazilian urban financialization in times of re-emerging global finance. New York: Routledge, 2020.) destaca que até os anos 1930 a ausência de uma política de financiamento da moradia e de desenvolvimento urbano consolidou um regime privado e rentista da habitação (como os cortiços e as vilas operárias). Segundo o autor, o estabelecimento do complexo cafeeiro “gerou um cenário em que os recursos disponíveis para empréstimos poderiam ser alocados e investidos em aluguel de moradias de modo a apoiar os centros urbanos em crescimento” (KLINK, 2020KLINK, J. Metropolis, money and markets: Brazilian urban financialization in times of re-emerging global finance. New York: Routledge, 2020., p. 91).
Analisando a evolução da construção da habitação econômica em São Paulo, Gitahy e Pereira (2002GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002.) investigam para o período posterior (1930-1964) a formação e a constituição do que denominam “Complexo Industrial da Construção”. Para eles, esse complexo nasce associado ao processo mais amplo de industrialização e urbanização que ocorreu na sociedade brasileira desde os anos 1930. Nesse sentido, ressaltam a evolução e os nexos da construção da habitação econômica “com o desenvolvimento urbano e industrial, a formação do empresariado no setor e o papel dos profissionais engenheiros e arquitetos na proposta habitacional, com especial atenção para a influência da arquitetura moderna” (GITAHY; PEREIRA, 2002GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002., p. 6).
Em vista disso, o termo complexo industrial da construção se presta a “caracterizar a especialização articulada que ocorre com sólida e consistente interdependência dos vários segmentos em que se divide técnica e socialmente a atividade de construir” (GITAHY; PEREIRA, 2002GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002., p. 6). Na noção de complexo aplicada no período, os autores identificam dois campos: materiais de construção e construção propriamente dita.2 2 Segundo Gitahy e Pereira (2002), ambos os campos podem ser subdivididos. O primeiro se diversifica pela produção de materiais variados. No campo da “construção propriamente dita”, apontam-se os ramos industrial (infraestrutura e construção pesada) e construção imobiliária (habitacional, comercial, serviços). O Estado, ao desestimular o rentismo imobiliário pela Lei do Inquilinato (BRASIL, 1942BRASIL. Decreto-lei nº 4.598, de 20 de agosto de 1942. Dispõe sobre aluguéis de residências e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Rio de Janeiro, p. 12897, 21 ago. 1942.), pelo congelamento dos aluguéis, impulsionou o deslocamento do capital para a esfera produtiva, inclusive para a indústria da construção imobiliária,
Por meio dos vínculos que podem ser estabelecidos pela emergência das propostas modernas de habitação econômica, destaca-se, nos ramos identificados, o que se chama “construção habitacional”. Além disso, é igualmente importante salientar a afirmação da indústria cimenteira na liderança da consolidação do referido complexo (GITAHY; PEREIRA, 2002GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002.).
Considerando o momento histórico e a necessidade de fortalecer, racionalizar e normatizar os diversos processos produtivos da construção já enumerados, duas associações despontam em profunda conexão com o complexo: a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP), fundada em 1936, e a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), criada em 1940 (GITAHY; PEREIRA, 2002GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002.). As associações de classe surgem como um traço importante da noção de complexo, pois designam um modo de organização institucional que congrega os interesses de diferentes agentes. Na atualidade, essa forma também possui expressão relevante, exemplificada pelo caso da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), apresentada na próxima seção.
No período seguinte (1964-1990), chama atenção a ausência da mobilização do conceito de complexo para a compreensão das importantes mudanças que se evidenciam a partir de meados da década de 1960. No contexto do esgotamento do modelo de industrialização dependente, a produção imobiliária ganha centralidade ao ser mobilizada, em articulação com o financiamento público, “para, através do suposto elevado multiplicador de renda e emprego da construção civil, minorar os efeitos desta crise” (SMOLKA, 1987SMOLKA, M. O. Para uma reflexão sobre o processo de estruturação interna das cidades brasileiras: o caso do Rio de Janeiro. Revista Espaço e Debates, São Paulo, v. 1, n. 21, 1987., p. 43-44).
Com a mudança do regime político, e com a instauração da ditadura militar e de um novo modelo econômico (substituição de importações e financiamento externo), verifica-se na indústria da construção o dinamismo necessário para promover o desenvolvimento urbano. Nesse sentido, instituiu-se, pela Lei nº 4.380 (BRASIL, 1964BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 11 ago. 1964.), o Plano Nacional da Habitação (PNH) e o Banco Nacional da Habitação (BNH), órgão gestor do Sistema Financeiro Habitacional (SFH), como estrutura mais aprimorada na promoção e no financiamento habitacional no país.
Naquele momento, o Estado, ao arquitetar um sistema de financiamento que fornecia capital desvalorizado (OLIVEIRA, 1998OLIVEIRA, F. de. A metamorfose da Arribaçã: fundo público e regulação autoritária no Nordeste. In: OLIVEIRA, F. M. C. de. Os direitos do antivalor: A economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis: Vozes, 1998.) para a produção de habitação social, privilegiou os investimentos privados e estimulou a expansão das relações de produção capitalistas, bastante ligadas ao processo de acumulação industrial do período sobre o espaço urbano (TOPALOV, 1974TOPALOV, C. Les Promoteurs immobiliers: contribuition à l’analyse de la production capitaliste du logement en France. Paris: Mouton, 1974.).
O arrefecimento na quantidade de financiamentos e a crise do SFH se articulam ao cenário político e econômico de endividamento do país e à incapacidade de superar o caráter deficitário do sistema. Além do esgotamento do modelo adotado pelo Estado autoritário, há transformações no próprio capitalismo mundial, que se reconfigura após os sucessivos choques do petróleo de 1973 e 1979.
Desde os anos 1990, a importância da produção imobiliária se renova com o crescente domínio das finanças, no qual se aprofundam os encadeamentos diretos e indiretos do setor imobiliário e financeiro, sem prescindir das articulações do Estado por meio de distintas formas de regulação e subsídios. Verificam-se, ao longo do tempo, diferentes articulações políticas sobre a necessidade de criar alternativas de funding do setor, materializadas pela criação dos FIIs em 1993 e do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), pela Lei n.º 9.514 (BRASIL, 1997BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 24 nov. 1997.), dentre outros.
Embora o FII apareça, inicialmente, como um mecanismo de financiamento imobiliário, ele pauta, na atualidade, uma transformação qualitativa na acumulação por meio do imobiliário, representada pela centralidade do capital fictício. Segundo Chesnais (2005CHESNAIS, F. A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005. ), o capital fictício se refere a todos os ativos financeiros cujo valor repousa sobre a capitalização de um fluxo de renda futura, e não tem, necessariamente, nenhuma contrapartida no capital industrial. No caso dos FIIs, observa-se que a propriedade imobiliária se fragmenta em cotas que representam frações ideais do imóvel e circulam no mercado de capitais, retornando, possivelmente, sob a forma de renda (BOTELHO, 2005BOTELHO, A. O financiamento e a financeirização do setor imobiliário: Uma análise da produção do espaço e da segregação socioespacial através do estudo do mercado da moradia na cidade de São Paulo. 2005. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Universidade São Paulo, São Paulo, 2005.; NAKAMA, 2021NAKAMA, V. K. A instrumentalização financeira do espaço: Fundos de Investimento Imobiliário como estruturas de capital fixo. Revista INVI , v. 36, n. 103, p. 194-214, 2021.).
Apesar de a intrínseca participação do capital financeiro na produção imobiliária não ser necessariamente uma novidade, a emergência das finanças decorrente do deslocamento do capital (de credor para proprietário), situado de forma externa à produção, indica um movimento apontado por Chesnais (2005CHESNAIS, F. A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005. ) como estrutural da financeirização.
Sobre os nexos formados entre o Estado e os setores imobiliário e financeiro, Aalbers (2015AALBERS, M. The real estate/financial complex. Belo Horizonte: Praxis-EA/UFMG. 2015. 1 vídeo (1:41:26). Publicado por Eduarda Assis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_XWUdZT3_7w. Acesso em: 10 nov. 2021.
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) propõe a noção de complexo imobiliário-financeiro, que se torna mais evidente depois da crise financeira global de 2008. De acordo com esse autor, o complexo permite analisar as mudanças qualitativas nos setores elencados, compreender sua dimensão global e, principalmente, conceituar as mudanças estruturais entre o Estado, a sociedade e o mercado.
No imobiliário brasileiro, a emersão das finanças ocorre de diversas formas: pela mudança na estrutura de propriedade das grandes incorporadoras (SHIMBO, 2010SHIMBO, L. Habitação social, habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas construtoras e o capital financeiro. 2010. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010.; 2016SHIMBO, L. Sobre os capitais que produzem habitação no Brasil. Novos estudos Cebrap, v. 35, n. 2, p. 119-133, 2016.), pela mudança de racionalidade na gestão imobiliária de agentes econômicos relevantes (MAGNANI, 2021MAGNANI, M. A atuação dos fundos de pensão no mercado imobiliário comercial: tomada de decisão e geografia dos investimentos. 2021. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021.), pelo aperfeiçoamento dos processos de mobilização da propriedade imobiliária como forma de investimento (destaque-se o caso dos FIIs), entre outros.
Em paralelo ao movimento de reestruturação da incorporação imobiliária, observam-se a consolidação e o aperfeiçoamento de uma “indústria de propriedades”, em que sobressaem o crescimento e a sofisticação dos FIIs. A referida “indústria” abrangeria, pela dominância nos processos de obtenção de fluxos de renda lastreados no imobiliário, setores como o dos fundos de pensão, o de property companies, o de family offices e o dos próprios fundos imobiliários (SANFELICI; MAGNANI, 2021SANFELICI, D.; MAGNANI, M. Inversores financieros y corporativos en el mercado inmobiliario comercial brasileño: una tipología para el análisis. In: GASCA ZAMORA, J.; OLIVERA MARTÍNEZ, P. (org.). La ciudad em la era de la financiarización: una geografía de la urbanización desde las inversiones inmobiliarias. Ciudad de México: Unam, 2021. p. 157-178.). Ao tomar como referência o desenvolvimento desse último instrumento e das relações de propriedade engendradas por ele, procura-se compreender o complexo financeiro-imobiliário que o suporta e as implicações impostas à produção do espaço no contexto da financeirização.
Na América Latina, diversos autores têm avançado sobre as dinâmicas de transformação urbano-territorial promovidas por fundos imobiliários. Citam-se, por exemplo, a expansão dos Fideicomisos de Inversión en Bienes Raíces (FIBRAs) nas zonas metropolitanas do México (GASCA ZAMORA; CASTRO MARTÍNEZ, 2021GASCA ZAMORA, J.; CASTRO MARTÍNEZ, E. de J. Financiarización inmobiliaria en México: una mirada desde los Fideicomisos de Inversión en Bienes Raíces (FIBRAS). Revista INVI, v. 36, n. 103, p. 112-136, 2021.); os fundos imobiliários argentinos como expressão da financeirização da habitação (SOCOLOFF, 2021SOCOLOFF, I. Fondos inmobiliarios cotizados y financiarización de la vivienda en Argentina. Revista INVI , v. 36, n. 103, p. 85-111, 2021.); e a lógica concentradora desses mecanismos no Chile (DAHER, 2013aDAHER, A. Fondos inmobiliarios y riesgo urbano. Revista de Urbanismo, v. 15, n. 29, 2013a., 2013bDAHER, A. Territorios de la financiarización urbana y de las crisis inmobiliarias. Revista de Geografía Norte Grande, n. 56, 2013b.; PINEDA, 2011PINEDA, R. A. C. Los fondos de inversión inmobiliaria y la producción privada de vivienda en Santiago de Chile: ¿Un nuevo paso hacia la financiarización de la ciudad? Eure, v. 37, n. 112, p. 5-22, 2011.). Embora, no Brasil, não seja um instrumento recente, o FII ganhou bastante relevância na última década, impulsionando novas relações de produção e reestruturação do espaço. Sobretudo em São Paulo, diferentes estudos se debruçaram sobre o desenvolvimento desse mercado, em estudos de caso específicos, como o do FII Panamby - a primeira experiência de desenvolvimento residencial do tipo (BOTELHO, 2005BOTELHO, A. O financiamento e a financeirização do setor imobiliário: Uma análise da produção do espaço e da segregação socioespacial através do estudo do mercado da moradia na cidade de São Paulo. 2005. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Universidade São Paulo, São Paulo, 2005.); como estratégia reprodutiva do capital (VOLOCHKO, 2008VOLOCHKO, D. A produção do espaço urbano e as estratégias reprodutivas do capital. São Paulo: FFLCH, 2008.) e de captura de renda (MAGNANI; SANFELICI, 2022MAGNANI, M.; SANFELICI, D. O e-commerce e os fundos imobiliários logísticos: estratégias de captura de rendas imobiliárias. Cadernos Metrópole, v. 24, n. 53, p. 173-198, 2022.); ou mesmo na atuação desses agentes financeiros na formulação de políticas urbanas (SANFELICI; HALBERT, 2018SANFELICI, D.; HALBERT, L. Financial market actors as urban policy-makers: the case of real estate investment trusts in Brazil. Urban Geography, v. 40, n. 1, p. 83-103, 2018.).
2. A trajetória dos Fundos de Investimento Imobiliário como movimento de ascensão do complexo financeiro-imobiliário
Instituído pela Lei n.º 8.669 (BRASIL, 1993BRASIL. Lei nº 8.669, de 30 de junho de 1993. Dá nova redação ao art. 1º da Lei nº 8.561, de 29 de dezembro de 1992, que “prorroga o termo final do prazo previsto no art. 3º da Lei nº 8.352, de 28 de dezembro de 1991 e dá outras providências”. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 1º jul. 1993.), o Fundo de Investimento Imobiliário é definido como “uma comunhão de recursos captados por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários e destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários” (id., ibid.). Idealizado como uma nova forma de financiamento da produção imobiliária na década de 1990, o FII foi criado em um contexto no qual o setor da construção civil sofria com a recessão econômica proveniente da década anterior e do esgotamento do principal modelo de financiamento imobiliário do país, o SFH. Esse cenário gerou a expectativa de formular um novo modelo de funding que conseguisse reativar a indústria da construção: o FII.
Inspirado no Real Estate Investment Trust (REIT) estadunidense, o FII foi idealizado por entidades de classe do setor da construção e das finanças, configurando-se como uma das primeiras iniciativas na qual ambos se articularam técnica e politicamente para a viabilização do instrumento (ABECIP, 2011ABECIP. Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. A revolução do crédito imobiliário. 44 anos: 1967-2011. [S. l.]: Abecip, 2011.). No período, tinha-se a perspectiva de destinar até U$ 3,6 bilhões de investidores institucionais, como dos fundos de pensão e seguradoras, para a produção imobiliária via mercado de capitais (MAKYIAMA, 1992MAKYIAMA, M. R. Fundo imobiliário pode captar U$3,6 bilhões. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 11 maio 1992.).
O parecer favorável do relator dep. José Reinaldo Tavares (1993TAVARES, J. R. Projeto de Lei nº 2.204-C, transformado na Lei Ordinária 8668/1993. Brasília, DF: Câmara dos Deputados , 30 jun. 1993., p. 4) revela como o projeto foi apresentado:
[…] um importante mecanismo de captação de recursos que reativará a indústria da construção civil, enfrentando o déficit habitacional e colaborando para a superação da recessão e do desemprego e propiciando a geração de renda e impostos, dado os efeitos multiplicadores do investimento neste setor.
A despeito de o Projeto de Lei (PL) dos FIIs (n.º 2.204/1991) ter sido aprovado em junho de 1993 com certa celeridade, o instrumento não conseguiu estimular a indústria da construção de acordo com as expectativas criadas naquele primeiro momento. Sobre o PL, cabe destacar que, durante o período de análise do Congresso Nacional, diversas entidades de classe formaram uma comissão de estudo paralela que analisou o texto do projeto e propôs 22 emendas a ele. Aqui, adianta-se que esse foi o primeiro marco institucional a ser examinado com vistas a promover a compreensão do complexo que então se estruturava e de suas limitações particulares.
Apesar de alguns poucos fundos de desenvolvimento criados logo após o estabelecimento do mecanismo, verificam-se duas razões principais pelas quais o interesse do mercado financeiro nos fundos imobiliários permaneceu restrito. O primeiro diz respeito ao cenário macroeconômico do período. Segundo Sanfelici e Halbert (2018SANFELICI, D.; HALBERT, L. Financial market actors as urban policy-makers: the case of real estate investment trusts in Brazil. Urban Geography, v. 40, n. 1, p. 83-103, 2018.), as altas taxas de juros praticadas no país tornavam os títulos públicos mais atrativos ao capital privado, uma vez que propiciavam uma relação risco-retorno mais interessante. O segundo motivo é de natureza regulatória. Dado o regime fiscal diferenciado dos FIIs, grande parte deles era empregada como uma estrutura de gestão tributária do patrimônio imobiliário das empresas. Nesse sentido, Botelho (2005BOTELHO, A. O financiamento e a financeirização do setor imobiliário: Uma análise da produção do espaço e da segregação socioespacial através do estudo do mercado da moradia na cidade de São Paulo. 2005. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Universidade São Paulo, São Paulo, 2005., p. 159) esclarece que “muitos dos primeiros FII’s foram utilizados como forma de reduzir a carga de impostos pagos, e não como elemento para captar recursos para a produção imobiliária”.
O parco desenvolvimento do mercado de fundos imobiliários não arrefeceu novas iniciativas de funding, como o já citado SFI, que, pela mesma lei que o criou, também instituiu a alienação fiduciária e a securitização de dívidas imobiliárias mediante o emprego de instrumentos financeiros inovadores, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). Não obstante o SFI também tenha ficado refém da política monetária, com a alta taxa de juros inibindo a migração de capital dos títulos públicos para o sistema, ele não foi esvaziado (ROYER, 2009ROYER, L. Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. 2009. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).
A previsão da securitização via títulos mobiliários no Brasil é particularmente importante para a indústria de fundos imobiliários, e vice-versa, pois os FIIs são a principal classe investidora em CRIs. Em 2008, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que disciplina o funcionamento do mercado de valores mobiliários, aprovou a Instrução CVM 472 (BRASIL, 2008BRASIL. Instrução CVM nº 472. Dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento, a oferta pública de distribuição de cotas e a divulgação de informações dos Fundos de Investimento Imobiliário - FII. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 3 nov. 2008.), medida que ampliou a base de investimentos dos FIIs. A partir de então, a indústria de FIIs, composta essencialmente de fundos de “tijolo” (que detêm propriedades em diversos segmentos imobiliários), se diversificou e passou a contar com outras tipologias. Citam-se os fundos de “papel”, cujos investimentos são exclusivos em títulos com lastro imobiliário; os fundos de fundos (fund of funds), que adquirem cotas de outros FIIs; e os fundos híbridos.
Desde 2008, há um impetuoso crescimento na quantidade de fundos imobiliários (Gráfico 1). Apesar de a ICVM 472 ter sido um importante marco, se não o mais relevante, é importante indicar que outros condicionantes também contribuíram para o desenvolvimento da indústria de FIIs. Dentre os fatores mais expressivos, é possível destacar a consolidação da base institucional (com o regime fiscal diferenciado, a criação de novos títulos de base imobiliária, a instituição do patrimônio de afetação etc.), a paulatina queda na taxa básica de juros e a migração de investidores do tipo pessoa física (NAKAMA, 2021NAKAMA, V. K. A instrumentalização financeira do espaço: Fundos de Investimento Imobiliário como estruturas de capital fixo. Revista INVI , v. 36, n. 103, p. 194-214, 2021.).
Ademais, um aspecto menos destacado na literatura é a entrada de Grandes Grupos Econômicos (GGEs)3 3 Segundo Rocha (2013, p. 4), um Grupo Econômico é “uma estrutura empresarial de grande porte e diversificada, formada geralmente por uma empresa holding em seu núcleo, porém, que somente pode ser compreendida através das relações que estabelece com outras unidades empresariais”. ROCHA, M. A. M. da. Grupos Econômicos e capital financeiro: uma história recente do grande capital brasileiro. 2013. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. nessa indústria. Destacam-se, nesse sentido, a concentração da administração e a gestão de fundos imobiliários por bancos nacionais. A análise da indústria de fundos de investimento no Brasil revela ampla concentração destes sob domínio de GGEs (FERREIRA, 2015FERREIRA, A. N. Os Fundos de Investimento no Brasil de 2008 a 2013: institucionalidade e interfaces com a política econômica. Brasília, DF: IPEA, 2015, p. 1-56. (texto para discussão n. 2153).; PESSANHA, 2019PESSANHA, R. M. A “indústria” dos fundos financeiros: Potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019. ), característica bastante específica do cenário doméstico. Envolvendo-se na estruturação e na administração desses fundos, as instituições bancárias tiveram papel determinante na elevação do montante mobilizado por FIIs (FERREIRA, 2015FERREIRA, A. N. Os Fundos de Investimento no Brasil de 2008 a 2013: institucionalidade e interfaces com a política econômica. Brasília, DF: IPEA, 2015, p. 1-56. (texto para discussão n. 2153).).
A atuação dos grandes bancos foi fundamental para ampliar a capilaridade dos fundos imobiliários entre seus clientes, impulsionando a migração de investidores do tipo pessoa física para a indústria de FIIs. Um dos primeiros FIIs de peso lançados, o BB Progressivo II - que atua no segmento de agências bancárias -, levantou aproximadamente R$ 1,6 bilhão em sua oferta pública inicial (IPO) em 2012 porque conseguiu mobilizar uma base significativa de investidores de varejo.
A partir de 2012, a atuação de tais bancos na criação de FIIs relevantes se constitui como um dos fatores determinantes para a expansão do instrumento. A presença e a força dos bancos nacionais sobre a indústria de FIIs particularizam o caso brasileiro em relação aos seus vizinhos latino-americanos, ao serem blindados das fortes ondas de privatização do sistema bancário na década de 1990. No caso chileno, observa-se, por exemplo, relevante participação de agentes estrangeiros na indústria de fundos imobiliários (inclusive com a presença de bancos brasileiros, como o BTG Pactual e o Itaú Unibanco).
Apresentados os dois principais marcos de desenvolvimento dos FIIs, busca-se identificar o perfil dos agentes que atuaram nesses momentos, isto é, na estruturação inicial do instrumento e em sua modernização. Para esse propósito, a análise se debruça sobre a composição da comissão de estudos que analisou o PL nº 2.204/1991 (BRASIL, 1991BRASIL. PL nº 2.204/1991. Dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos Fundos de Investimento Imobiliário e dá outras providências. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 30 jun. 1993. ) e sobre os agentes que participaram da audiência pública da ICVM 472/2008 (BRASIL, 2008BRASIL. Instrução CVM nº 472. Dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento, a oferta pública de distribuição de cotas e a divulgação de informações dos Fundos de Investimento Imobiliário - FII. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 3 nov. 2008.). A nova instrução, cabe destacar, tinha por objetivo “atualizar a disciplina dos FIIs, de modo a aproximá-los dos demais fundos regulados pela CVM e, ao mesmo tempo, flexibilizar as regras que regem sua constituição e seu funcionamento” (CVM, 2008BRASIL. Instrução CVM nº 472. Dispõe sobre a constituição, a administração, o funcionamento, a oferta pública de distribuição de cotas e a divulgação de informações dos Fundos de Investimento Imobiliário - FII. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 3 nov. 2008., p. 1).
Conforme é possível verificar na Tabela 1, a seguir, na primeira ocasião, há uma participação paritária entre associações do setor imobiliário e financeiro no desenho da lei, além de menor representatividade do setor bancário. Já no segundo momento, observa-se a debandada de representantes do imobiliário, “substituídos” por uma classe mais alinhada aos interesses internacionais, constituída por escritórios de advocacia e consultorias. Embora esperada maior participação de agentes financeiros sobre a ICVM 472, ressalta-se que em outras instruções relacionadas a questões imobiliárias há a participação de associações ligadas a esse setor. Ademais, identifica-se o aparecimento de novas categorias de agentes não financeiros (os já citados escritórios de advocacia e consultorias). Por fim, chama atenção a participação do fundo de pensão Previ, do Banco do Brasil, que ilumina o imbricamento do Estado com as finanças.
A ausência de associações imobiliárias durante a discussão da ICVM 472/2008 apresenta diversas razões. Além da crescente disponibilização de um funding mais barato (Sistema Brasileira de Poupança e Empréstimo - SBPE e FGTS organizados pelo SFH) para o setor da construção civil, as associações nunca haviam se organizado em torno de uma única instituição específica que se articulasse a interesses mais amplos no período (RUFINO, 2017RUFINO, M. B. C. Financeirização do imobiliário e transformações na produção do espaço: Especificidades da reprodução do capital e expansão recente na metrópole paulista. In: FERREIRA, A.; RUA, J.; MATTOS, R. C. (org.). O espaço e a metropolização: Cotidiano e ação. Rio de Janeiro: Consequência , 2017.; 2019RUFINO, M. B. C. Ascensão da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc) na financeirização do setor imobiliário-habitacional. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 18., 2019, Natal. Anais [...] Natal: Enanpur, 2019. Tema: Tempos em/de transformação - Utopias.). Além disso, destaca-se a disposição das principais empresas de capital aberto do setor na criação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), interesse que canalizou a formação da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc) em 2013 (RUFINO, 2017RUFINO, M. B. C. Ascensão da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc) na financeirização do setor imobiliário-habitacional. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 18., 2019, Natal. Anais [...] Natal: Enanpur, 2019. Tema: Tempos em/de transformação - Utopias.).
Se, no primeiro momento, a articulação entre os setores, junto ao Estado, constituiu o embrião daquilo que se reconhece como complexo imobiliário-financeiro (AALBERS, 2015AALBERS, M. The real estate/financial complex. Belo Horizonte: Praxis-EA/UFMG. 2015. 1 vídeo (1:41:26). Publicado por Eduarda Assis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_XWUdZT3_7w. Acesso em: 10 nov. 2021.
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), a ausência do imobiliário no processo de modernização do FII dá indícios do maior protagonismo assumido pelo setor financeiro. Embora a primeira articulação procurasse expandir os investimentos segundo os interesses da indústria imobiliária, o resultado desse processo representa, na atualidade, a ascensão das lógicas financeiras mais sofisticadas no desenho dos investimentos e na valorização imobiliária. À vista disso, propõe-se a noção de complexo financeiro-imobiliário, a qual indica transformações na própria configuração do complexo que suporta a expansão dos FIIs.
Conforme a Tabela 2 demonstra, os participantes da comissão de estudos, em sua maioria, eram associações de classe dos setores imobiliário e financeiro. Ou seja, apesar de abranger organizações diferentes, os interesses representados eram bastante convergentes. Essa característica perde força durante o segundo momento (Tabela 3), preservando-se apenas na instância financeira (80% dos participantes do setor eram associações). Nesse sentido, chamam atenção a Anbid e a Andima, que participaram dos dois momentos analisados. Posteriormente, em 2009, tais entidades se uniram e fundaram a Anbima.
Atualmente, a Anbima é a maior associação que atua no desenvolvimento do mercado de capitais. Um olhar sobre seus membros não só ilumina a importância das grandes instituições financeiras na promoção da indústria de FIIs, como revela a origem desse capital. Sob o arranjo de um “capitalismo mais patrimonial” (HALBERT, 2013HALBERT, L. Les acteurs des marchés financiers font-ils la ville? Vers un agenda de recherche. Espaces Temps, 2013. Disponível em: https://www.espacestemps.net/articles/les-acteurs-des-marches-financiers-font-ils-la-ville/ Acesso em: 20 nov. 2021.
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), a centralização de propriedades imobiliárias nas mãos de grupos econômicos nacionais desponta como uma especificidade importante.
Apesar de 40% dos agentes que estão no topo da Anbima (diretoria) possuírem capital de origem externa, aqueles que se relacionam direta ou indiretamente aos FIIs (no fórum4 4 No site da Anbima (https://www.anbima.com.br/pt_br/representar/foruns-de-representacao/gestao-de-fundos-estruturados/gestao-de-fundos-estruturados.htm), define-se fórum como um “grupo responsável pela definição, debate e orientação da agenda estratégica, com autonomia para a elaboração e deliberação de propostas para a indústria de produtos estruturados (FIDCs, FIPs e FIIs)”. de gestão de produtos estruturados e na comissão5 5 A comissão é, conforme se lê no site da Anbima (https://www.anbima.com.br/pt_br/representar/foruns-de-representacao/gestao-de-fundos-estruturados/gestao-de-fundos-estruturados.htm), “responsável pelo debate e pela elaboração de propostas para desenvolver a gestão de ativos imobiliários, bem como para aprimorar a regulação e as boas práticas do setor”. do imobiliário) são, na grande maioria (90%), empresas nacionais articuladas, em alguma medida, com GGEs.
Sobre o cenário supracitado, é possível observar distintas companhias de um mesmo grupo atuando em diferentes áreas da Anbima (Quadro 1). No caso, é bastante comum que uma empresa de um grupo econômico atue nos fóruns e comissões, enquanto a companhia principal participa da diretoria da associação. A Kinea, por exemplo, um braço de investimentos do grupo Itaú Unibanco, está nos referidos fórum e comissão. Outro caso semelhante é o da Votorantim Asset Management, parte do grupo Votorantim; e se repete nos bancos Santander e Bradesco, entre outros.
Sobre a indústria de FIIs, tais GGEs também são aqueles que detêm a custódia de grandes volumes de recursos. A Kinea possui nove FIIs sob gestão e aproximadamente R$ 17,5 bilhões sob custódia. Já a Votorantim administra, por meio do Banco BV (que conta com participação de 50% do Banco do Brasil) e de sua asset, quatro FIIs com patrimônio de aproximadamente R$ 520 milhões.
Entre os dez maiores administradores e gestores de FIIs, cuja participação na referida indústria chega a 78,99% e 58,2%, respectivamente (NAKAMA, 2021NAKAMA, V. K. A instrumentalização financeira do espaço: Fundos de Investimento Imobiliário como estruturas de capital fixo. Revista INVI , v. 36, n. 103, p. 194-214, 2021.), cerca de 28% (5 de 18) deles participam do fórum, enquanto 34% (9 de 26) estão envolvidos na comissão. Embora a análise revele diferentes camadas de composição do complexo, tal dinâmica aponta, para o caso estudado, o domínio das grandes instituições financeiras nacionais.
No âmbito desse complexo, ganha destaque o processo de autorregulação, que se sobrepõe às regulações definidas pelo Estado. Isso porque a Anbima conta com um código de autorregulação próprio que subordina todos os seus associados. Segundo a Associação, “geralmente, as regras são mais restritivas do que as exigidas pelo regulador [CVM], porém nunca contrária a estas” (ANBIMA, 2018ANBIMA. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. Modelo de autorregulação, supervisão e enforcement, 2018. Disponível em: https://www.anbima.com.br/data/files/24/91/D5/DA/15C416102956441699A80AC2/Modelo%20de%20autorregula__o%20supervis_o%20e%20enforcement.pdf. Acesso em: 6 dez 2021.
https://www.anbima.com.br/data/files/24/...
, p. 3).
Nesse sentido, a pesquisa encontrou quatro convênios celebrados entre ambas as entidades. Em particular, um deles se refere ao “aproveitamento de autorregulação na indústria de fundos de investimento brasileira” (ANBIMA; CVM, 2018ANBIMA; CVM. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais; Comissão de Valores Mobiliários. Convênio para aproveitamento de autorregulação na indústria de fundos de investimento brasileira, celebrada entre a Comissão de Valores Mobiliários - CVM e ANBIMA - Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, 2018.), e permite à CVM supervisionar o papel regulatório que, em parte, é “transferido” ao autorregulador privado. Nessa perspectiva, tal relação sugere uma dinâmica de regulação mista no complexo financeiro-imobiliário.
A articulação entre capitais nacionais e internacionais por meio da entidade pode ser expressa pelo que Lorrain (2011LORRAIN, D. The discrete hand: global finance and the city. Revue Française de Science Politique, v. 61, n. 6, p. 47-71, 2011., p. 45; tradução nossa) aponta como um fenômeno no qual as “finanças globais conseguiram tornar crível o próprio princípio da sua autorregulação”. À vista de a globalização das finanças exigir determinado nível de coesão e homogeneização entre diferentes mercados, faz-se necessário o apoio de distintos agentes econômicos (nacionais e internacionais), consultorias e escritórios de advocacia, na consolidação de um ambiente institucional propício aos negócios financeiros. Em geral, esse estado é alcançado pela consolidação das instituições, por um grau mínimo de transparência dos investimentos e pela adoção de técnicas financeiras sofisticadas. Aqui, cabe ressaltar que a autorregulação possui, necessariamente, um engate internacional, uma vez que determina as condições da acumulação global do capital ao “padronizar” uma tradução das qualidades dos investimentos em oportunidades de negócios estruturados que visam à obtenção de maiores retornos (PRYKE; ALLEN, 2017PRYKE, M.; ALLEN, J. Financialising urban water infrastructure: Extracting local value, distributing value globally. Urban Studies, v. 56, n. 7, p. 1326-1346, 2019.).
Por outro lado, um aspecto negociado pelo mercado de capitais que aproxima a ação reguladora do Estado em benefício da indústria de FIIs são os subsídios fiscais. Considerados parte fundamental da consolidação da base institucional, os FIIs apresentam um regime tributário diferenciado, em razão de serem isentos do imposto de renda sobre os rendimentos distribuídos.6 6 Há isenção do imposto de renda (IR) sobre a distribuição de rendimentos dos FIIs quando ele é listado e negociado na bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado; quando apresenta no mínimo cinquenta cotistas e quando nenhum deles possua mais de 10% das cotas distribuídas.
Caracterizada a constituição do complexo financeiro-imobiliário pela trajetória dos FIIs, e seu paulatino domínio pelas instituições financeiras nacionais, enfatiza-se a centralidade da gestão da propriedade que subordina, de certa forma, a indústria da construção. O entrelaçamento entre propriedades mobiliárias e imobiliárias comandado pelas finanças - e instrumentalizado pelo FII - intensifica a mobilização dos bens imóveis como lastro da circulação fictícia de capital, fato que afeta diretamente a produção do espaço (NAKAMA, 2021NAKAMA, V. K. A instrumentalização financeira do espaço: Fundos de Investimento Imobiliário como estruturas de capital fixo. Revista INVI , v. 36, n. 103, p. 194-214, 2021.). Assim, o “lugar” da propriedade imobiliária no capitalismo financeirizado se efetiva sob a égide do capitalismo patrimonial, cuja expressão rentista, estrutural da formação social brasileira desde o complexo cafeeiro, caminha de forma renovada a fim de atender aos interesses rentistas (RUFINO, 2021RUFINO, M. B. C. Transformações na propriedade imobiliária e a crise da pandemia: reflexões sobre a moradia e a metrópole em tempos de financeirização. In: LEOPOLDO, E.; HAESBAERT, R.; CRUZ, R.; SERPA, A. (org.). Por uma nova Geografia Regional. Rio de Janeiro: Consequência , 2021.). No complexo cafeeiro, os cafeicultores combinaram a condição de latifundiário com a de capitalista, em subordinação ao capital comercial internacional. Esse caráter ambíguo e subordinado da classe dominante ao capital internacional é característica estrutural da economia nesse período (BAMBIRRA, 1978BAMBIRRA, V. Teoria de la dependência: una anticrítica. Ciudad de México: Era, 1978.; CARDOSO; FALLETO, 1975CARDOSO, F. H.; FALLETO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar,1975.; FERNANDES, 2020FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: contracorrente, 2020.; MARTINS, 1979MARTINS, J. S. O cativeiro da terra. São Paulo: Liv. Ed. Ciências Humanas, 1979.). A ambiguidade e a subordinação, continuamente reproduzidas por novos formatos em fases posteriores do capitalismo (BOITO JR., 2007BOITO JR., A. Estado e burguesia no capitalismo neoliberal. Revista de Sociologia e Política, n. 28, p. 57-73, 2007.; REIS; OLIVEIRA, 2021REIS, N.; OLIVEIRA, F. A. Peripheral financialization and the transformation of dependency: a view from Latin America. Review of International Political Economy, 2021. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09692290.2021.2013290?journalCode=rrip20. Acesso em: 20 nov. 2021.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
), representam um aspecto relevante para a compreensão contemporânea dos vínculos entre o rentismo e a financeirização nas economias periféricas. Tais vínculos se renovam na consolidação das grandes instituições financeiras como investidoras no imobiliário por meio dos FIIs.
Mediante a análise do perfil dos FIIs listados na bolsa de valores, verificou-se, para o ano de 2020, que 51,03% dos fundos tinham “mandato” (objetivo) de renda, enquanto 17,2% negociaram títulos e valores mobiliários, como os CRIs. Além disso, outra importante particularidade é que poucos fundos se prontificam a atuar no desenvolvimento imobiliário para venda ou para renda (3,42% e 6,16% deles, respectivamente), pois consideram alto o risco de incorporação. Aqui, destaca-se que a expansão dos FIIs não prescinde do controle sobre a propriedade imobiliária. À vista disso, é indispensável apontar que o deslocamento à propriedade patrimonial promovido pelo complexo financeiro-imobiliário reside na feição de um rentismo renovado que não deve obscurecer o atual processo produtivo. Embora o foco se volte para a renda, a incorporação e o desenvolvimento imobiliário continuam a transcorrer regularmente, mesmo que de maneira subordinada.
Apesar de o instrumento FII não ser a forma predominante de produção do espaço urbano, ele condensa a atual lógica dominante (financeirizada) sobre os mecanismos de valorização (cálculos financeiros, rentabilidade de longo prazo etc.) que se apoiam na propriedade imobiliária. A despeito de a produção imobiliária ainda ser um importante meio de absorção dos excedentes de capital, que permite a reprodução do próprio capital (HARVEY, 2014HARVEY, D. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.), verifica-se que, sob a dinâmica financeira e patrimonial atual, os títulos de propriedade, ao circularem como “formas ilusórias e fictícias de capital” (HARVEY, 2013HARVEY, D. Os limites do capital. São Paulo: Boitempo , 2013., p. 355), ocultam as relações de produção e apropriação do mais-valor produzido como renda.
No território, a atuação dos FIIs sob a lógica de diferenciação espacial (SANFELICI, 2017SANFELICI, D. La industria financiera y los fondos inmobiliarios en Brasil: lógicas de inversión y dinámicas territoriales. Economía Sociedad y Territorio, v. xvii, p. 367-397, 2017.) implica certa concentração espacial, que varia de acordo com cada segmento e a maior especialização dos produtos imobiliários, cujos atributos são pautados pelo rating. Aqueles considerados prime (A+) propiciam melhor relação risco-retorno, pois garantem maior consistência nos rendimentos, alinhados ao menor risco de inadimplência, visto que seus locatários são, em geral, grandes empresas (NAKAMA, 2021NAKAMA, V. K. A instrumentalização financeira do espaço: Fundos de Investimento Imobiliário como estruturas de capital fixo. Revista INVI , v. 36, n. 103, p. 194-214, 2021.).
Com base na discussão realizada, as diferentes dinâmicas engendradas pelos FIIs iluminam a conformação de um complexo financeiro-imobiliário determinante na compreensão das dinâmicas contemporâneas de produção das cidades. Nesse arranjo, as instituições financeiras, em associação com um conjunto de agentes intermediários (tais como escritórios de advocacia, consultorias e seguradoras), coordenam os processos de expansão e renovação urbana e regional por meio de distintos produtos imobiliários (corporativo, logístico, educacional, varejo, residencial, hoteleiro, agroindustrial7 7 A Lei nº 14.130/2021 permite, em caráter ainda provisório, a criação do Fiagro para a captação de recursos visando à aplicação em ativos do agronegócio, incluindo direitos creditórios e títulos de securitização cujo lastro seja relativo a imóveis rurais. BRASIL. Lei nº 14.130, de 29 de março de 2021. Altera a Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, para instituir os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), e a Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 mar. 2021. etc.). A crescente emissão de títulos mobiliários, imbricada a esses produtos, impulsiona a circulação do capital fictício, ao mesmo tempo que absorve uma fração importante dos fundos de poupança, como potente via de financeirização da renda familiar.
Considerações finais
A trajetória dos FIIs permite compreender e contextualizar as “essências constitutivas” (BRENNER, 2014BRENNER, N. Teses sobre a urbanização. e-Metropolis: Rev. eletrônica de estudos urbanos e regionais, v. 9, n. 5, p. 6-26, 2014.) do complexo financeiro-imobiliário que começou a se manifestar no início dos anos 1990 no Brasil e tomou corpo mais definido ao longo da primeira década do século XXI. O complexo possui como essência constitutiva a articulação pioneira do imobiliário, do financeiro e do Estado no desenho do FII que - como mecanismo de transferência de capital para o financiamento da incorporação imobiliária -, atualmente, promove uma transformação da racionalidade de produção e rentabilização do espaço. Embora a relação triádica entre agentes que compõem o complexo tenha gravitado em torno dos FIIs em um primeiro momento, verifica-se no presente que sua dimensão extrapola os vínculos inicialmente estabelecidos, pautando-se em diferentes interesses e percursos. Em contraste com o Norte Global, cuja proposição do “complexo imobiliário-financeiro” se funda em uma metáfora sobre o complexo militar-industrial estadunidense (AALBERS, 2015AALBERS, M. The real estate/financial complex. Belo Horizonte: Praxis-EA/UFMG. 2015. 1 vídeo (1:41:26). Publicado por Eduarda Assis. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_XWUdZT3_7w. Acesso em: 10 nov. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=_XWUdZT3...
), o termo “complexo” nos estudos urbanos e regionais brasileiros carrega profunda dimensão histórica e social. A perspectiva que o termo fornece permite compreender o espaço como esfera privilegiada que estende os limites da reprodução capitalista decorrente da transferência de capitais para a produção do ambiente construído em diferentes momentos históricos (agroexportação, industrialização, financeirização). Consequentemente, verificam-se distintas relações de produção e propriedade, além de efeitos particulares à urbanização.
O domínio das instituições financeiras nacionais sobre o complexo que apoiou a implementação e a modernização dos fundos imobiliários ocorre ao passo do distanciamento dos agentes imobiliários dominantes da estrutura dos FIIs, designando vias distintas de financeirização desse setor. O exame sobre o complexo aponta um potente canal de reestruturação do espaço. Em um nível mais elevado, revela-se a (re)configuração patrimonialista dos agentes econômicos, em interlocução com práticas internacionais, pautada na renda e assegurada pela forma propriedade. O desenvolvimento desse último instituto, cabe dizer, é fundamental para a instrumentalização do espaço pelas finanças.
No que concerne à indústria de FIIs, o instrumento se torna, paulatinamente, uma estrutura mais intrincada, sobretudo como resultado de seu imbricamento com títulos mobiliários e ativos imobiliários de naturezas distintas. Neste caso, ao se tornar a principal classe investidora em CRIs, o FII cria uma relação de interdependência e estimula a produção imobiliária, ao absorver enorme volume de títulos lastreados, especialmente em crédito imobiliário (UQBAR, 2022UQBAR. Anuário Uqbar 2022. Disponível em: https://www.uqbar.com.br/anuarios2022/. Acesso em: 15 maio 2022.
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). Alinhado a outros fatores já citados (queda da taxa de juros, fundos constituídos por grupos econômicos e a inversão de pessoa física), o mercado de fundos imobiliários se desenvolveu de forma dinâmica e consistente a partir de 2008, com maiores reverberações sobre o espaço urbano, uma vez que centraliza grandes volumes de capital.
Em síntese, a proposição da categoria de complexo financeiro-imobiliário apoiada na trajetória dos FIIs busca refletir a essência que o constitui - isto é, as relações de subordinação do imobiliário pelo financeiro e, sobretudo, as novas relações de propriedade e produção que se sucedem pelo domínio das finanças. O Estado, aparentemente ausente, permanece central ao asseverar novas formas de propriedade como via de intensificação e aceleração das dinâmicas de metropolização, que, no caso, dizem respeito a um “quadro de profundas alterações da dinâmica do capital imobiliário e financeiro, como estratégias de renovação da reprodução capitalista” (LENCIONI, 2011LENCIONI, S. A metamorfose de São Paulo: o anúncio de um novo mundo de aglomerações difusas. Revista Paranaense de Desenvolvimento, n. 120, p. 133-148, 2011., p. 136).
Aproveitando-se da fragilidade do mercado financeiro nacional e do apetite de curto prazo dos investidores internacionais (PAULANI, 2013PAULANI, L. Acumulação sistêmica, poupança externa e rentismo: observações sobre o caso brasileiro. Estudos avançados, v. 27, n. 77, p. 237-264, 2013.), os representantes do grande capital financeiro nacional (novas e tradicionais instituições financeiras) se tornam protagonistas no desenvolvimento de instrumentos financeiros e se consagram como figuras-chave no processo de centralização do capital na indústria de propriedade. Ao estenderem seus domínios para o imobiliário, por intermédio de diferentes canais de investimento, como os FIIs, esses agentes reforçam, em alinhamento com as práticas da financeirização global, a valorização fictícia do capital (CARCANHOLO, 2017CARCANHOLO, M. D. Dependencia, superexplotación del trabajo y crisis: una interpretación desde Marx. Madrid: Ediciones Maia, 2017.).
Ao renovar a importância histórica do circuito imobiliário (LESSA, 1985LESSA, C. Acumulação oligárquica e formação das metrópoles. Pensamiento Iberoamericano, Madrid, v. 7, p. 214-216, 1985.), tais agentes não só dão relevo à valorização imobiliária alcançada, em larga medida, pela promoção de uma lógica de diferenciação espacial (SANFELICI, 2017SANFELICI, D. La industria financiera y los fondos inmobiliarios en Brasil: lógicas de inversión y dinámicas territoriales. Economía Sociedad y Territorio, v. xvii, p. 367-397, 2017.), como também habilitam novos patamares de reprodução dos excedentes de capital na produção do espaço. As barreiras à reprodução das finanças em outros setores, dada a condição periférica brasileira no capitalismo global, são contra-arrestadas pela significativa rentabilidade dos produtos imobiliários, oriundas da excessiva valorização de novos e velhos espaços da metrópole.
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1
Lencioni (2008)LENCIONI, S. Observações sobre o conceito de cidade e urbano. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, n. 24, p. 109-123, 2008. cita a constituição do urbano no ano de 1870 como resultado da interpretação do trabalho de José de Souza Martins (1979). Contudo, também menciona Maria Conceição Tavares (1972) e João Manoel Cardoso de Mello (1979), que consideram a constituição do urbano a partir de 1930. TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. MELLO, J. M. C. de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1979.
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2
Segundo Gitahy e Pereira (2002)GITAHY, M. L. C; PEREIRA, P. C. X. O Complexo Industrial da Construção e a Habitação Econômica Moderna: 1930-1964. São Paulo: RIMA, 2002., ambos os campos podem ser subdivididos. O primeiro se diversifica pela produção de materiais variados. No campo da “construção propriamente dita”, apontam-se os ramos industrial (infraestrutura e construção pesada) e construção imobiliária (habitacional, comercial, serviços).
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3
Segundo Rocha (2013, p. 4), um Grupo Econômico é “uma estrutura empresarial de grande porte e diversificada, formada geralmente por uma empresa holding em seu núcleo, porém, que somente pode ser compreendida através das relações que estabelece com outras unidades empresariais”. ROCHA, M. A. M. da. Grupos Econômicos e capital financeiro: uma história recente do grande capital brasileiro. 2013. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.
-
4
No site da Anbima (https://www.anbima.com.br/pt_br/representar/foruns-de-representacao/gestao-de-fundos-estruturados/gestao-de-fundos-estruturados.htm), define-se fórum como um “grupo responsável pela definição, debate e orientação da agenda estratégica, com autonomia para a elaboração e deliberação de propostas para a indústria de produtos estruturados (FIDCs, FIPs e FIIs)”.
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5
A comissão é, conforme se lê no site da Anbima (https://www.anbima.com.br/pt_br/representar/foruns-de-representacao/gestao-de-fundos-estruturados/gestao-de-fundos-estruturados.htm), “responsável pelo debate e pela elaboração de propostas para desenvolver a gestão de ativos imobiliários, bem como para aprimorar a regulação e as boas práticas do setor”.
-
6
Há isenção do imposto de renda (IR) sobre a distribuição de rendimentos dos FIIs quando ele é listado e negociado na bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado; quando apresenta no mínimo cinquenta cotistas e quando nenhum deles possua mais de 10% das cotas distribuídas.
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7
A Lei nº 14.130/2021 permite, em caráter ainda provisório, a criação do Fiagro para a captação de recursos visando à aplicação em ativos do agronegócio, incluindo direitos creditórios e títulos de securitização cujo lastro seja relativo a imóveis rurais. BRASIL. Lei nº 14.130, de 29 de março de 2021. Altera a Lei nº 8.668, de 25 de junho de 1993, para instituir os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), e a Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 mar. 2021.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
25 Jan 2022 -
Aceito
26 Jun 2022