Open-access A forma urbana patrimonialista: limites da ação estatal na produção do espaço urbano no Brasil

Resumo

As políticas públicas urbanas no Brasil se apoiam em uma crença exagerada quanto ao potencial transformador do aparato estatal e do planejamento urbano. Isso porque o modelo de Estado que se utiliza é aquele que se estrutura no contexto das economias reguladas do Estado do bem-estar social, no qual a produção do espaço urbano é decorrente da ação de um Estado forte. O problema é que esse modelo não corresponde à sociabilidade brasileira nem à nossa forma urbana. É necessário elaborar uma teoria do Estado no urbano que seja capaz de abarcar as especificidades da nossa sociedade patrimonialista. Usando a teoria da derivação do Estado, depreendemos que a forma urbana deriva dessa sociabilidade específica, definindo um processo que não é o da produção social do espaço, mas sim da produção patrimonialista do espaço - um padrão de dominação por meio do espaço que sustenta a sociedade de elite.

Palavras-chave: Estado; Formação Urbana; Patrimonialismo; Derivação do Estado; Políticas Públicas Urbanas

Abstract

Urban public policies in Brazil are based on an exaggerated belief in the transformative potential of the state apparatus and urban planning. This is because the State model, which is used, is the model structured within the context of the regulated economies of the welfare state, where the production of urban space is the result of action by a strong State. The problem with this is that this model does not correspond to Brazilian sociability, nor to our urban form. It is therefore necessary to create a theory of the State for the urban, which is capable of covering the specificities of our patrimonialist society. Using the theory of State derivation, it may be inferred that the urban form derives from this specific sociability, defining a process that is not the social production of space, but a patrimonialist production of space, a pattern of domination through space that sustains the elite society.

Keywords: State; Urban Development; Patrimonialism; State Derivation; Urban Policies

Résumé

Les politiques publiques urbaines au Brésil reposent sur une confiance excessive dans le potentiel transformateur de l’appareil d’État et de la planification urbaine. En effet, le modèle étatique de référence est celui des économies régulées de l’État-Providence, dans lequel la production de l’espace urbain est le résultat de l’action d’un État fort. Mais ce modèle ne correspond ni à la sociabilité brésilienne, ni à notre forme urbaine. S’agissant de l’espace urbain, il convient d’élaborer une théorie de l’État qui puisse rendre compte des spécificités de notre société patrimonialiste. La théorie de la dérivation de l’État nous permet de déduire que la forme urbaine dérive de cette sociabilité spécifique, définissant un processus qui n’est pas celui de la production sociale de l’espace, mais plutôt celui de la production patrimonialiste de l’espace - un modèle de domination à travers l’espace qui entretien la société des élites.

Mots clés: Etat; Formation Urbaine; Patrimonialisme; Dérivation de l’Etat; Politiques Publiques Urbaines

Introdução: os impasses da ação do Estado na promoção da reforma urbana

No Brasil, a questão da natureza do Estado e suas especificidades sempre esteve no cerne de um profícuo debate no campo da sociologia e da economia política. Ainda nos anos 30 do século passado, os intérpretes da nossa formação começaram a se debruçar sobre grandes e permanentes dilemas do nosso desenvolvimento, como a relação dialética entre o atraso decorrente das formas de organização coloniais e pós-coloniais e o projeto de modernidade (ARANTES, 1992). Por trás dessas análises, aparece a observação de como, no Brasil, as relações peculiares entre o “público” e o “privado” tornam-se uma das chaves para a interpretação da sociedade e suas lógicas de formação. A partir da perspectiva weberiana, foi primeiramente Sérgio Buarque de Holanda, em 1934 [2001], que apontou a característica patrimonialista do Estado brasileiro, termo retomado em 1958 [2000], por Raymundo Faoro, em obra republicada em meados dos anos 1970, quando surgiu também a interpretação, de viés liberal, de Simon Schwartzman (2015). Sem usar o termo patrimonialismo, mas com muitas referências a Weber, outros importantes autores, como Gilberto Freyre, em 1933, Victor Nunes Leal, em 1948, ou Oliveira Vianna, em 1949, também observaram a permanente imiscuição dos interesses privados na esfera estatal. Constituiu-se, assim, uma importante “escola” sociológica, genericamente chamada de “patrimonialista”, embora com muitas diferenças e antagonismos, mas tendo como elemento comum a preocupação em interpretar a natureza particular do Estado brasileiro e seu papel na nossa formação social.

Se para a sociologia parece claro que estudos mais aprofundados sobre o Estado são imprescindíveis para a compreensão da nossa sociabilidade, no campo do urbanismo, esse entendimento não parece ter ocorrido. Talvez por causa do caráter aplicado dos estudos urbanos, que geralmente focaram o olhar nas características, nos limites e nas potencialidades do planejamento, isto é, nos planos e em outros instrumentos da ação estatal sobre o urbano, deixando de dar maior atenção à natureza do Estado que os promovia.

A maioria das análises sobre a história do planejamento urbano no Brasil enfatiza a quantidade de planos realizados e suas características, com frequência para constatar suas vicissitudes e falta de eficácia. Flávio Villaça apontou, em 1999, para a tradição de realizar “planos de gaveta”, excessivamente tecnicistas e pouco ou nada comprometidos com sua efetiva aplicação. Essas leituras não deixam de mostrar a responsabilidade do Estado, porém não se debruçam sobre a relação específica entre a natureza mesma do Estado brasileiro e a pouca efetividade das políticas de planejamento por ele promovidas.

Ermínia Maricato, em 1996, fez o salto interpretativo dos campos sociológico e econômico para o urbano. Referenciando-se em Roberto Schwarz (1990), justamente um dos principais intérpretes da nossa formação, ela relacionou as lógicas desiguais e segregadoras que conduziam o crescimento espraiado das cidades com as contradições e especificidades da nossa sociedade e as formas de dominação política e social das elites.

Não que as contradições estruturais da nossa sociedade e sua relação com o urbano não tivessem sido apontadas por outros autores, como Reis Filho (1968), Villaça (1986), ou mesmo por autores da sociologia urbana, como Kowarick (1979), Bolaffi (1982), e da economia, como Singer (1982) e Oliveira (1977,1982). Ainda assim, não é central nesses trabalhos a preocupação em entender de que maneira as características e peculiaridades do Estado poderiam ter relação com o trágico quadro urbano que já se explicitava. O pensamento brasileiro sobre o urbano, fortemente enraizado na escola marxiana,1 tanto francesa quanto anglo-saxã, que se desenvolveu na década de 1960, em especial a partir dos trabalhos inaugurais de Lefebvre (2001) e Castells (2000), escritos em 1968 e 1972, respectivamente, importou o conceito de produção social do espaço urbano (GOTTDIENER, 2016), originalmente pensado a partir do estudo empírico das cidades no contexto do bem-estar social, com forte presença do Estado na produção, regulação e mediação das dinâmicas urbanas. Talvez resida aí a sólida crença de que, em qualquer lugar do mundo, esse deve ser o modelo referencial de Estado, bem como do espaço urbano decorrente da sua atuação. Essa influência também marcou os urbanistas envolvidos na formulação de políticas urbanas dentro do aparato estatal e em sua reivindicação junto à sociedade civil, em que é marcante a crença no potencial de planos e instrumentos urbanísticos como forma de enfrentamento dos problemas das cidades.

Em uma variante das ideias fora do lugar (SCHWARZ, 1973), o receituário urbanístico brasileiro, em todo o espectro ideológico, inspirou-se em políticas e instrumentos importados de uma outra realidade, sempre enxergando o Estado como o legítimo propositor da política urbana. Mesmo nos anos da ditadura, fortaleceu-se a crença no planejamento estatal, promotor de grandes obras urbanas e políticas habitacionais de produção em massa. Porém, com a redemocratização dos anos 1980, que culminaria na Constituição Federal (CF) de 1988, essa lógica também se reproduziu no campo progressista, vinculada às reivindicações por um papel forte do Estado na promoção da reforma urbana e do direito à cidade: 130 mil pessoas subscreveram a Emenda Constitucional de Iniciativa Popular pela Reforma Urbana - uma luta para promover a aprovação dos artigos 182 e 183 na Carta Magna, que introduziram o princípio da função social da propriedade urbana e a obrigatoriedade de realização de Planos Diretores nos municípios com mais de 20 mil habitantes, instrumentos urbanísticos inspirados na atuação reguladora do Estado nos países desenvolvidos. Em coêrencia com o momento político da redemocratização e de novas esperanças, havia uma predisposição para acreditar que o Estado poderia, após duas décadas de autoritarismo, cumprir o papel de alavancar mudanças sociais no país.

Os anos seguintes mostrariam, entretanto, que o caminho não seria tão simples. A regulamentação dos artigos da reforma urbana, que deveria ter sido um processo automático na sequência da promulgação da Constituição Federal, levou longos treze anos para se efetivar no Estatuto da Cidade em 2001. As tensões políticas no território e os interesses locais dominantes não foram tão facilmente controláveis pela simples regulação pública e promoção de instrumentos jurídicos de garantia da justiça urbana e social. Apesar dessas dificuldades, o Estatuto da Cidade reforçou a ideia de que seria o instrumento ideal para promover a reforma urbana, sem questionamentos sobre sua real capacidade de atender a essa função no contexto brasileiro. Assim, regulamentou-se um conjunto de instrumentos, importados de outra realidade, com a crença de que eles dariam ferramentas para que os poderes executivos municipais promovessem justiça social no território.

Como exemplo, vejamos alguns casos de inspiração no chamado droit urbain francês: os Planos Diretores, assemelhados aos Schémas Directeurs d’Aménagement et d’Urbanisme (SDAU); as Zones d´Aménagement Concerté (ZAC), zonas de intervenções do Estado para promover a recuperação de áreas “degradadas”, inspiradoras tanto das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) quanto das Operações Urbanas Consorciadas; ou ainda a Outorga Onerosa do Direito de Construir, claramente inspirada no Plafond Legal de Densité usado na França desde a década de 1970, assim como o Direito de Preempção.

À época, em artigo, alertamos para o eventual otimismo da aposta na regulação estatal, em um contexto tão diferente, da produção do espaço urbano como meio de transformação social:

Enquanto lá [nos países europeus do capitalismo desenvolvido] os instrumentos urbanísticos surgem no pós-guerra, concomitantemente à estruturação do Estado do bem-estar social, [...] no Brasil os instrumentos urbanísticos surgem como uma tentativa de reação face a um modelo de sociedade e de cidade estruturalmente organizadas de forma propositalmente desigual, o que muda completamente seu potencial e seu possível alcance. Aqui, trata-se de reverter a posteriori um processo histórico-estrutural de segregação espacial, o que significaria, em essência, dar ao Estado a capacidade de enfrentar os privilégios urbanos adquiridos pelas classes dominantes ao longo [...] de 500 anos. Não se trata, pois, de tarefa simples. (FERREIRA, 2003, p. 6).

É importante reconhecer que tanto os artigos da reforma urbana quanto o próprio Estatuto da Cidade permitiram inegáveis avanços no enfrentamento das desigualdades sociourbanas. Já nas eleições de 1988, inaugurou-se um período virtuoso de governos que promoveram iniciativas importantes nesse sentido, algumas com reconhecimento internacional. A criação do Ministério das Cidades, em 2002, e a implementação de políticas como os Conselhos da Cidade, nos âmbitos municipal, estadual e federal, entre outros exemplos, alimentaram expectativas de que seria possível ter no Brasil um Estado promotor da reforma urbana. Porém, esses avanços se deveram mais a iniciativas de gestão do que propriamente a efeitos da aplicação sistemática dos instrumentos do Estatuto pelos municípios. Passados vinte anos, se muitas cidades regulamentaram alguns desses instrumentos, é necessário reconhecer que a aplicação de forma integrada e sistêmica do Estatuto da Cidade como ferramenta pública para o enfrentamento real das desigualdades urbanas, não ocorreu.

Nossa hipótese é a de que o resultado foi mais efetivo até o momento em que a mobilização pelo Estatuto da Cidade aglutinou, em uma só luta, o conjunto das forças que reivindicavam a reforma urbana pelo país. Entretanto, a sua necessária regulamentação representou a desagregação de uma luta unificada nos milhares de municípios brasileiros. E é no nível municipal que ocorrem, de fato, as disputas e tensões em torno do nó da terra (MARICATO, 2008), é onde atuam os proprietários fundiários, o empresariado imobiliário. É nesse território que as classes dominantes exercem seu privilégio e orientam os investimentos públicos urbanos para seus interesses. É na escala territorial dos municípios que se expressa, em sua totalidade, o que os intérpretes da nossa formação chamaram de patrimonialismo. Aqui aparece claramente uma relação que, como dito no início deste artigo, recebeu pouca atenção: aquela entre a produção do espaço urbano e as condicionantes estruturais da nossa sociabilidade e a natureza do Estado que dela deriva.

A necessidade de uma teoria do Estado para o urbano

A questão urbana foi abordada por Castells com ênfase no papel do espaço como lócus do processo de produção e reprodução do capital, onde ocorriam a dominação do capital sobre o trabalho, a luta de classes e os conflitos sociais dela decorrentes. Em uma abordagem mais ampla, Lefebvre2 havia apresentado a ideia da forma urbana, que entendia o espaço como resultante de uma práxis social que “só pode ser apreendida dialeticamente, pois constitui uma abstração concreta, como uma das categorias de Marx, tal como o valor de troca” (GOTTDIENER, 2016, p. 132). Para Lefebvre, o espaço é base territorial para o processo de produção capitalista, mas é também, em si, produto do capital e da mercadoria, além de ser o lugar da reprodução da sociabilidade, de uma práxis social urbana. Essa compreensão localiza o que ele denominou de forma urbana não no âmbito do que o pensamento marxista clássico denomina de superestrutura, mas no das relações de produção em si.

Esses dois autores perceberam o papel relevante do Estado no processo de produção do espaço, porém nem sempre entraram numa discussão mais profunda sobre as implicações da sua natureza. Castells abordou a questão ao apontar a problemática e os impasses ao redor dos “meios de consumo objetivamente socializados” no urbano que dependem do Estado; enquanto Lefebvre produziu extenso estudo específico sobre o Estado3. Além de não se deterem mais particularmente na análise da natureza do Estado, ambos trabalham no contexto europeu do desenvolvimento central do capitalismo, tendo como referencial o Estado keynesiano de regime social-democrático, como acontece aliás com quase todos os autores dentro do chamado marxismo ocidental.4 Em 1976, David Harvey também se dedicou ao estudo sobre o Estado, mas tampouco aprofundou as relações entre as características do Estado e a produção do espaço (HARVEY, 2005).5 Enquanto fora do âmbito do urbano o debate sobre a natureza e o papel do Estado foi tomando importante dimensão dentro do marxismo ocidental, em especial a partir dos anos 1960, o estudo do papel do Estado na sua relação específica com a produção do espaço urbano pouco avançou após as publicações dos referidos autores.

Isso talvez se deva - e essa é uma hipótese que levantamos - ao fato de que, para os urbanistas marxianos, a questão da terra, mais objetivamente da renda da terra, canalizou as reflexões sobre o urbano, deixando a discussão específica do Estado em segundo plano. Ao buscar em Marx escritos que lhes permitissem criar uma teoria-base para interpretar o fenômeno urbano moderno, os urbanistas marxianos se detiveram na teoria da renda da terra, já que foi somente nesse ponto que Marx estudou algo mais próximo ao “urbano”.6 Como apontou Deák (2016), essa abordagem, baseada em uma tese formulada a partir de um contexto rural e agrícola muito anterior ao desenvolvimento urbano tal como o conhecemos atualmente, não permitiu criar categorias capazes de explicar as complexas dinâmicas das cidades modernas nem apreender o espaço urbanizado como um produto socialmente produzido pelo capital. Como afirma Harvey (2013, p. 532), “a teoria da renda fundiária resolve [para Marx] o problema de como a terra, que não é um produto do trabalho humano, pode ter um preço e ser trocada como mercadoria”. Com essa “solução” teórica, o problema seria solucionado porque “o que é comprado e vendido não é a terra, mas o direito à renda fundiária produzida por ela” (HARVEY, 2013, p. 532). Buscar a teoria da renda da terra, de Ricardo, era uma solução razoável para o problema7 de que a terra agrícola, mesmo sem ser “produzida”, era mercadoria.

A questão é que na urbanização moderna, que Marx não presenciou, essa explicação tornou-se insuficiente, gerando um impasse que não permitiu ir adiante na compreensão de como o espaço urbano passou a ser não um elemento parasitário do capital produtivo (por causa da suposta retenção da renda da terra), mas uma poderosa força motora do processo de reprodução ampliada do capital. Na segunda metade do século XIX, as reformas urbanas em Paris, sob a condução de Luís Napoleão Bonaparte e de Haussmann, foram a principal alavanca para uma modernização do capitalismo, com a entrada em jogo do capital financeiro no circuito da produção do espaço construído. Esse movimento no âmbito da circulação do capital realizou não só as conhecidas obras viárias ligadas ao setor imobiliário (e ao controle social do espaço), mas também obras de infraestrutura urbana, estradas de ferro ou grandes lojas de comércio - todos investimentos essenciais para o capital produtivo e para a consolidação da industrialização capitalista, como mostra David Harvey (2015). A forma-urbana capitalista nascia não como um impedimento, mas como uma condição necessária à emancipação do capital e da forma-mercadoria.

Mas, geralmente, as análises sobre tal período se atêm mais ao papel imobilizador dos especuladores parisienses do que ao efeito dinamizador que ele representou para o capital produtivo. O descompasso na atualização das categorias de Marx ocorreu, a nosso ver, por um equívoco de compreensão. Ao apontar a propriedade da terra (e a busca de um sobrelucro decorrente dessa propriedade) como o principal entrave à produção e reprodução do capital no urbano, não se entendeu que o lote de terra não é “terra nua”, uma “dádiva da natureza”, mas sim um pequeno recorte de uma rede sistêmica e complexa de infraestruturas que é socialmente produzida (pelo Estado), e por isso tem, sim, valor. Na verdade, o que “se vende e se compra” não é exatamente a terra em si, mas a “terra urbanizada” ou, nos termos de Deák (2016), a localização. Um “produto produzido” socialmente,8 uma mercadoria como outras, um fragmento de um conjunto sistêmico de infraestruturas, que lhe dá sua condição material como mercadoria, tendo, assim, preço, podendo ser comprada e vendida como qualquer outra mercadoria e apresentando o papel do Estado como fundamental em sua produção, como mostrou a experiência haussmaniana.

Assim, as tentativas de desenvolver e aprofundar a teoria da renda da terra para explicar a produção do espaço urbano contemporâneo mostraram-se rapidamente anacrônicas, tendo sido abandonadas até mesmo pelos seus principais teóricos, embora a teoria seja usada até hoje com recorrência. Ocorre que, mais do que nos deter em uma suposta renda da terra que obstaculiza a dinâmica urbana e sua possível regulação, o que temos é a necessidade de analisar como se dá a produção socializada dessa rede de infraestruturas que materializa o espaço urbano. Ou seja, ao invés de desenvolver teorias sobre a renda da terra, teria sido mais útil para a leitura da problemática urbana a elaboração de uma teoria do Estado sobre o urbano. Como assinala Deák (2016), a principal característica da localização, como recorte de um conjunto sistêmico de infraestruturas, é que ela não pode ser, como um todo, produzida individualmente pelo capitalista como mercadoria. Aparece, nesse ponto, o papel central do Estado, já que ele tem a capacidade de “executar coletivamente” a produção do espaço.

Se tudo pudesse ser produzido como mercadoria - todos os valores de uso, por seu valor de troca - seria concebível uma economia inteiramente regulada pelo mercado. No entanto, nem tudo pode ser produzido enquanto mercadoria, por lucro. Se determinado valor de uso não puder ser produzido por um valor de troca, mas ainda assim for necessário à produção das demais mercadorias, vale dizer, for socialmente necessário, o Estado intervém para assegurar a produção, diretamente ou indiretamente, do valor de uso em questão (DEÁK, 2016, p. 101).

O Estado e o urbano no capitalismo do bem-estar social

Tratemos rapidamente, então, da questão do Estado. O marxismo ocidental desenvolveu intenso debate sobre o seu papel no âmbito da reprodução ampliada do capital, que não cabe detalhar neste artigo. Convém observar que o cerne da discussão, a partir dos escritos de Marx e Engels, encontra-se no nível em que o Estado seria ou não um aparato a serviço especificamente dos interesses do capital, ou se ele é um instrumento político das classes dominantes em geral, quaisquer que sejam elas. No capitalismo monopolista financeiro que se consolidou a partir do início do século passado, apareceu cada vez mais a questão da “autonomia relativa” da esfera política em relação à econômica, termo proposto em meados dos anos 1920 pelo jurista soviético Evgueni Pachukanis (1988).

Essa questão se tornou ainda mais relevante para entender como, para sustentar o capitalismo, ou mesmo para alavancar o seu desenvolvimento, como ocorrera em Paris na virada do século, o Estado teve de colocar-se “acima” dos interesses capitalistas particulares, de modo a poder regular o sistema em nome do interesse do “capitalismo em geral”. Tal preceito tornou-se ainda mais relevante no rearranjo necessário para superar a grande crise estrutural de superprodução dos anos 1930. Para sair do impasse do subconsumo (e, portanto, da quebra da equação fundamental D-M-D - dinheiro se transforma em mercadoria, que se transforma novamente em dinheiro com mais-valor), causado pelo liberalismo do período anterior, que havia acirrado a exploração do trabalho ao mesmo tempo que crescia exponencialmente a produção fordista-taylorista, a solução foi promover a elevação das taxas de emprego e dos níveis de salário e, por conseguinte, o consumo de massa, capaz de sustentar a inexorável expansão da forma-mercadoria.

Tratou-se, do ponto de vista econômico, da adoção do modelo keynesiano de forte intervencionismo estatal, inaugurado nos EUA com o New Deal, de Roosevelt. Do ponto de vista político, consolidou-se a social-democracia como um caminho capaz de legitimar uma redistribuição dos ganhos de forma a sustentar, para o “interesse geral” do sistema, o mercado de consumo. Da perspectiva social, criou-se um modelo capaz de dar, por meio do eufemismo do bem-estar social, as condições de vida necessárias à expansão da forma-mercadoria. Segundo Joachim Hirsch, “o Estado capitalista é essencialmente um Estado interventor” (HIRSCH, 2010, p. 41). Para os regulacionistas franceses,9 tratou-se da passagem para um novo regime de acumulação e regulação, de caráter intensivo, quando a reprodução do capital e a expansão da forma-mercadoria passaram a exigir: racionalização que garantisse o progresso técnico, para aumentar a produtividade do trabalho; ajustes nos regimes de assalariamento, para sustentar o consumo; arranjos político-institucionais, para manter tais mudanças (JUILLARD, 2002, p. 226). Isso também incluía uma nova racionalidade do espaço urbano (DEÁK, 2016).

Mesmo em uma versão “social” capaz de dar condições de consumo para todos, não há dúvida de que o papel do Estado era, na verdade, manter nos países centrais as condições desiguais inerentes ao próprio sistema de acumulação. Como diz Harvey (2005, p. 79), trata-se de entender “como o poder do Estado pode ter toda a aparência de autonomia diante das classes dominantes, ao mesmo tempo que expressa a unidade do poder dessas classes dominantes”. Ou, nas palavras de Pierre Salama (s.d, apud CALDAS, 2013, p. 113): “A especificidade do Estado capitalista é a de aparecer garantindo a troca de equivalente para permitir, na realidade, a troca desigual”.

Cabe destacar o quanto o período virtuoso de crescimento que se seguiu por três décadas10 viu a expansão das grandes cidades do capitalismo desenvolvido. Se a intervenção estatal era necessária para estruturar as sociedades de consumo de massa e de bem-estar social, tais objetivos só seriam alcançados caso houvesse, concomitantemente, uma compatível melhoria das condições de vida urbana. E a regulação pública da economia, do trabalho, da seguridade social e da saúde e educação universais traduziu-se também em forte intervenção pública na produção do espaço urbano. Em especial na França e na Inglaterra, as políticas de moradia para a população mais pobre, incapaz de adquirir esse bem, foram totalmente encampadas pelo Estado por meio de políticas de locação social.

Implementou-se um impressionante receituário de instrumentos urbanísticos, aqueles mesmos que ressurgiriam como modelo na Constituição brasileira de 1988. Regulações urbanísticas e edilícias, associadas a maciços investimentos em infraestrutura e equipamentos urbanos, promoveram cidades compactas, apoiadas por densas tramas de transporte público de massa, com o objetivo de racionalizar gastos públicos adensando a população nas áreas bem servidas.11

Transparece, com toda evidência, o poder do Estado nesse processo. Ao ser responsável pela produção social da rede sistêmica de infraestruturas urbanas, as decisões de inseri-las no território passam a ser, pelo menos em tese, discricionárias do poder público. Quanto mais homogêneos forem os investimentos em infraestrutura, mais generalizado será o acesso à cidade. Quanto mais heterogêneos, mais variações de preço,12 mais desigualdade na apropriação e no uso do solo urbanizado. As cidades capitalistas têm essa contradição: o investimento social em infraestrutura provoca o aumento dos preços e os lotes, por serem caros, acabam sendo adquiridos individualmente pelos mais endinheirados. Assim, no bojo do conjunto de instrumentos urbanísticos, surgem ferramentas destinadas a corrigir tal contradição. Como a oferta de infraestrutura completamente homogênea no território é impossível na prática, os desequilíbrios são equacionados por meio de taxações, como o imposto territorial. Em suma, proprietários com melhores infraestruturas pagam mais do que aqueles que têm menos, e a “autonomia relativa do Estado” se expressa, também, na sua atuação sobre o urbano. É por isso que David Harvey resume que a luta pelo direito à cidade nada mais é do que a reivindicação “de algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização” (HARVEY, 2014, p. 30).

Forma política e forma urbana na periferia do capitalismo

O problema que vislumbramos é que a análise construída acima diz respeito ao capitalismo desenvolvido. As cidades tidas como modelo de democracia e civilidade, que exportam o ideário do planejamento urbano baseado em planos e instrumentos de regulação, são, na verdade, as cidades capitalistas desenvolvidas da social-democracia keynesiana. Inútil insistir no óbvio: não são as cidades do Sul Global.

A teoria materialista do Estado, desenvolvida por Joachim Hirsch (2010), a partir do debate sobre a derivação do Estado13 iniciado na década de 1960, traz a compreensão do Estado moderno como uma forma política peculiar ao capitalismo, a qual só nele pode ocorrer, diferentemente de outras formas de períodos históricos anteriores. Trata-se da forma política derivada das relações sociais capitalistas, e não é apenas superestrutura funcional ao capital. É uma categoria em si do processo de produção e reprodução, “uma forma histórica particular das relações sociais”, diretamente ligada à necessidade de expansão constante da forma-mercadoria. Respondendo à indagação de Pachukanis sobre por que “o aparelho de coação estatal não se impõe como aparelho privado da classe dominante”, mas “se separa desta última e reveste a forma de um aparelho de poder público impessoal, deslocado da sociedade” (PACHUKANIS, 1988, p. 95), Hirsch afirma: “a forma política, ou o Estado, é ela mesma parte integrante das relações de produção capitalistas. A particularidade do modo de socialização capitalista reside na separação e na simultânea ligação entre ‘Estado’ e ‘sociedade’, ‘política’ e ‘economia’” (HIRSCH, 2010, p. 31). Interessante observar como a afirmação de que o Estado “não é simplesmente definido como ligação organizativa dada e funcional, mas como expressão de uma relação de socialização antagônica e contraditória” (HIRSCH, 2010, p. 24) lembra muito a definição lefebvriana de “forma urbana”, embora o geógrafo francês não tenha tido, aparentemente, ligações com o debate da derivação.14

O capitalismo, se sairmos do recorte eurocêntrico, é um sistema desigual e combinado, pelo qual o crescimento do modelo do bem-estar social só se sustentou graças à expansão internacional da divisão do trabalho no âmbito da economia-mundo capitalista, para usar os termos braudelianos, do imperialismo por espoliação (HARVEY, 2003), realizado no que Alain Lipietz (1985) chamou de fordismo periférico. Se entendermos o Estado como forma-política derivada de determinada sociabilidade, na mesma lógica proposta pelo debate da derivação do Estado, podemos assumir que o Estado que deriva do capitalismo keynesiano não é o mesmo daquele que deriva do capitalismo periférico dependente, um outro capitalismo dentro do capitalismo. Da mesma maneira, podemos dizer que a forma-urbana também deriva de determinada sociabilidade e que, assim, as cidades no capitalismo desenvolvido são a forma urbana que deriva de uma sociabilidade completamente diferente da nossa, não podendo ser transferida para o Brasil.

A compreensão do urbano depende, portanto, do estudo das dinâmicas que caracterizam o “capitalismo particular” brasileiro e sua derivação política (o Estado), algo que os intérpretes da formação nacional já vêm fazendo há muito tempo. Somente a partir desse exercício, torna-se possível explicar as peculiaridades e vicissitudes da produção do espaço urbano no nosso país. Como pontua Deák (2016, p. 168), “descrever, entender ou interpretar o processo de urbanização do Brasil implica na verdade, descrever, entender e interpretar a natureza da sua própria sociedade”.

A forma social patrimonialista

Embora não se relacionem com a teoria da derivação, é interessante perceber como os intérpretes da nossa formação nacional visualizaram a relação direta da natureza do Estado com a nossa formação social. Falar em “Estado patrimonialista” faz bastante sentido, pois corresponde à percepção da necessidade de entender qual forma política deriva da nossa posição peculiar (periférica) no capitalismo.

O entendimento mais comum é que o “patrimonialismo” indica o reconhecimento, por parte de diversos intérpretes da nossa formação, de uma instrumentalização do Estado pelos setores dominantes, a tal ponto que, nas ações estatais, se confundem os interesses “públicos” e privados. É a imiscuição do privado na esfera pública, pela captura do aparato estatal, para a execução dos negócios específicos da classe proprietária. Esse padrão de instrumentalização do Estado teria especificidades que indicam uma diferenciação da nossa sociabilidade dentro do capitalismo.

O conceito de patrimonialismo se originou na obra de Max Weber para expressar, na sua análise das monarquias absolutistas em oposição ao surgimento do Estado moderno na gênese capitalista, a falta de distinção entre o que era patrimônio público e patrimônio particular do monarca. Weber opunha o patrimonialismo à eficácia do Estado Moderno e sua burocracia racional, exercida por funcionários conscientes do “sentido público” de seu papel. Segundo Holanda (2001) e Faoro (2000), a monarquia portuguesa se caracterizava pelo seu caráter patrimonialista e transferiu para o Brasil um estamento colonial que reproduzia as mesmas dinâmicas de funcionamento do Estado, marcadas pela intromissão dos interesses privados na esfera pública ou, em outras palavras, pelo controle e instrumentalização do aparato estatal pela nobreza no poder. Essa característica tornou-se indelével no funcionamento da máquina administrativa brasileira, bem como em todas as demais esferas da nossa sociedade (SCHWARCZ, 2019). Importante observar que foi essa estrutura, por suas características, que permitiu que se consolidasse o duradouro regime de escravidão, deixando marcas que até hoje não foram superadas.15

Holanda e Faoro apontaram as características patrimonialistas na gênese do Estado brasileiro, mas depois, obviamente, nossa formação social iria desenvolver suas próprias características, muito distintas do contexto analisado por Weber. O “patrimonialismo” brasileiro ganha, assim, um sentido próprio, complexo, que não necessariamente segue o conceito original. É impossível dizer que exista uma “escola patrimonialista”, como alguns críticos defendem, pois são diversas as suas interpretações, muitas delas até antagônicas - o conceito varia até na obra original de Weber (SELL, 2016). Ele teve inclusive entre os pesquisadores brasileiros uma leitura liberal, como em Schwartzman,16 no sentido da oposição “à irracionalidade e à ineficiência das burocracias estatais”.17

O conceito que utilizamos é aquele apropriado por autores progressistas da sociologia brasileira, como Florestan Fernandes, Francisco de Oliveira e outros, para os quais o patrimonialismo permitiu esconder, ao longo dos anos, um aparelho “estatal-liberal” exclusivamente a serviço das elites. Como coloca Fernandes, trata-se de uma “ordem competitiva”, porém só para as elites possuidoras. Importante notar, entretanto, que todos os autores que se inspiram nessa “matriz patrimonialista” apontam o quanto ela não se restringe ao Estado, mas se enraíza em toda a sociedade. Segundo Ricupero (apud BRITO, 2019, p. 11), Florestan Fernandes e Maria Sylvia de Carvalho Franco “enxergaram no país um patrimonialismo com base na sociedade”, o que levou, segundo ele, a fazer com que “tal interpretação favorece[sse] uma certa combinação de Weber com Marx”, corroborando a visão de Werneck Vianna (1999) de que o patrimonialismo no Brasil só pode ser apreendido no âmbito da própria conformação social. Nesse sentido, aproximam-se da derivação: o Estado patrimonialista faz sentido se o entendermos como a forma política que deriva da sociabilidade patrimonialista, uma forma peculiar no desenvolvimento capitalista.

Para entendê-la melhor, seria necessário adentrarmos o pensamento da economia política brasileira, que identifica e caracteriza o nosso capitalismo periférico, de caráter dependente, no qual o traço do subdesenvolvimento é uma modalidade específica de desenvolvimento - o atraso alimentando o moderno, como apontou Francisco de Oliveira (OLIVEIRA, 2003a). Teríamos que recuperar o debate sobre as origens da nossa “escravidão capitalista colonial” (MAZZEO, 1988, p. 8) e as reflexões da teoria marxista da dependência, assim como as de outros intérpretes da nossa formação, como Caio Prado Jr., Celso Furtado, Florestan Fernandes e tantos outros, o que não cabe no espaço deste artigo.

Registremos apenas que se estruturou no país um modelo de desenvolvimento que não seguiu as etapas da revolução burguesa, mas constituiu-se numa sociedade peculiar, uma “autocracia burguesa” (MAZZEO, 2015), de dominação das aristocracias proprietárias, inserida de forma subalterna no sistema capitalista internacional, marcada pela extrema concentração das riquezas e pelo alto grau de pobreza, em contraste com o fato de estar entre as mais ricas economias do mundo, a qual Deák (2016) chamou, com propriedade, de “sociedade de elite”. Uma elite que se apropriou da máquina de Estado para a promoção dos seus interesses, por meio do controle histórico sobre a terra e o trabalho, e que se tornou mais diversa com o tempo, para além da elite agrícola dos grandes latifúndios e dos imigrantes afortunados, ampliando-se para uma elite comercial, industrial e financeira, sem que, nas palavras de Florestan Fernandes, “o regime de castas e estamentos sofresse qualquer crise” (FERNANDES, 1968, p. 22). Essa elite não era isenta de disputas e antagonismos e se baseava em “uma estrutura que permitia até golpes e contragolpes constantes entre as facções dominantes sem alterações, no entanto, em seu aspecto basilar” (MAZZEO, 2015, p. 109).

É esse grupo que Faoro havia apontado como o que “atua em nome próprio, servido dos instrumentos políticos derivados de sua posse do aparelhamento estatal [...] [e] conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus” (FAORO, 2000, p. 819). Um grupo que não se comprometeu com o desenvolvimento autônomo nacional, mas com uma associação com os interesses hegemônicos do capitalismo mundial, que fortaleceu sua dominação interna sem precisar encarar os riscos de uma emancipação econômica e política interna. Há, portanto, uma impossibilidade de conciliar, como ocorreu no modelo do bem-estar, desenvolvimento capitalista com integração nacional. Como expõe Sampaio Jr.:

As revoluções burguesas “atrasadas” caracterizam-se pelo fato da sua direção política ser monopolizada por burguesias ultraconservadoras e dependentes que, ao fechar o circuito político à participação das massas populares e selar uma associação estratégica com o imperialismo, acabam por associar capitalismo e subdesenvolvimento (SAMPAIO Jr. s.d., p. 1).

Temos então que a “forma social patrimonialista” é uma construção que reflete uma dualidade histórica entre, de um lado, um grupo minoritário, possuidor das riquezas (fundiárias, industriais, comerciais, financeiras), que detém o poder político e econômico e o exerce de modo onipotente para proteger seus interesses “individuais”, mesmo que sejam um entrave à construção mais ampla da sociedade capitalista clássica. Retomando a indagação de Pachukanis, no Brasil, não existe autonomia do Estado em relação ao econômico para garantir o “progresso geral”: ele é um instrumento apropriado pelas elites para a garantia de seus interesses próprios. Mais do que isso, no país, dada sua economia voltada à permanente expatriação dos excedentes (DEÁK, 2016), nunca foi necessária ao sistema a construção de uma sociedade de consumo de massa, baseada no “bem-estar” social. No outro polo dessa dualidade, encontra-se uma massa de população trabalhadora que não precisava ser consumidora (isso mudaria um pouco a partir dos anos 1990), originada na diáspora africana e em outras imigrações externas e internas, permanentemente dominada e excluída dos processos emancipatórios e dos saltos de modernização.

A forma urbana patrimonialista e o “contraplanejamento permanente”

Cabe, então, a pergunta conclusiva: qual forma urbana deriva dessa sociabilidade e como entender o papel do Estado como agente da mudança social? O espaço urbano produzido no contexto do patrimonialismo reproduz as suas lógicas em todos os níveis: reforça e naturaliza a segregação socioespacial e legitima socialmente essa condição, gerando grande dificuldade para superá-la. O que os estudos urbanos marxianos definem como produção social do espaço urbano seria bem descrito como produção patrimonialista do espaço urbano, pois não tem relação com o contexto da social-democracia, de onde o primeiro termo foi retirado, menos ainda com um interesse em produzir cidades socialmente mais democráticas. Não houve um momento histórico em que a racionalização do urbano fosse condição para a existência do capitalismo dependente, exceto melhorias pontuais nos centros das elites, em determinadas épocas.

No Brasil, da mesma forma que o atraso alimenta o moderno, a segregação urbana estrutural alimenta um padrão de dominação urbana pelas elites. Essa dinâmica se estrutura em dois aspectos: o da produção em si do espaço desigual e o da manutenção da desigualdade funcional, por meios permanentes e institucionalizados de coação. Não podemos arguir que seja pontual ou mesmo decorrente de “erros”. Não, a produção patrimonialista do espaço é desejada, eficazmente funcional e permanente.

Quanto ao primeiro aspecto, a produção do espaço urbano se dá por uma lógica segregadora, comandada não por “interesses públicos”, mas pelos interesses das elites, que conduzem seu crescimento segundo suas decisões, utilizando-se do aparato estatal, como mostra Flávio Villaça (1998). Dentro do aparato estatal, há um direcionamento às avessas da ação “pública”, promovendo-se exatamente o oposto do que a lógica do Estado regulador ensejaria. Quem nele atua, por mais que queira trabalhar pelo “bem público”, enfrenta uma máquina azeitada durante séculos para funcionar justamente no sentido oposto, dificultando qualquer iniciativa, tornando os procedimentos nebulosos, burocratizados e marcados pelo clientelismo, pela corrupção e pelo favor, marcas indeléveis do patrimonialismo. Assim, as cidades já nascem excludentes pela lógica proposital de distribuição heterogênea das infraestruturas, excluindo a população pobre das áreas urbanizadas, crescendo por lógicas opostas à racionalidade de adensamento populacional, usando a segregação como instrumento permanente de dominação.

A rápida observação de exemplos de formação das cidades brasileiras é inequívoca: um único latifundiário conduzindo o loteamento e a urbanização de suas terras em função da intensificação econômica das suas próprias atividades agrícolas, às vezes, doando de seu próprio patrimônio para criar os equipamentos públicos-institucionais, como discute Maria Sylvia de Carvalho Franco (1983). Isso gera um Estado fraco e submetido à força patrimonialista desde sua gênese. Esse mesmo latifundiário determina o parcelamento do (seu) território com áreas ricas, bem dotadas de infraestrutura e reguladas por leis de ocupação, deixando os terrenos alagadiços e periféricos para a ocupação popular. Nas grandes cidades, foi comum as áreas centrais receberem fortes investimentos “públicos” para desenvolver planos urbanísticos em padrões “europeus” nos limites dos quadriláteros onde viviam as elites latifundiárias, comerciais ou industriais. Segundo Villaça (1998), essas elites, em parceria com o mercado imobiliário, conduziram os investimentos públicos em infraestruturas conforme eixos por elas definidos, deixando de fora qualquer preocupação “pública” no sentido de promover uma distribuição mais homogênea no território, relegando os mais pobres às periferias distantes e informais, em um processo magistralmente descrito por Erminia Maricato em Metrópole na periferia do capitalismo (MARICATO, 1996), o qual se mantém até hoje. A cidade brasileira, expressão da sociedade escravocrata patrimonialista, já nasce excluindo do “direito à cidade” a população pobre, majoritariamente negra. No país, a produção “social” do espaço urbano é a produção regida pelos interesses patrimonialistas.

O segundo aspecto diz respeito ao fato de que, uma vez produzido o espaço urbano desigual, a “forma urbana patrimonialista” estrutura um conjunto de mecanismos, socialmente aceitos, para manter a condição de segregação e a existência privilegiada dos bairros ricos, como uma política oficial de dominação espacial. Esses mecanismos afetam tanto a administração “pública” como a utilização tendenciosa das leis: a apropriação do conceito de “público” por interesses particulares se expressa na prioridade abusiva em investimentos de manutenção e expansão das áreas privilegiadas de alta renda, na utilização arbitrária do conjunto de leis e instrumentos jurídicos para manter a dominação territorial, na compreensão subjetiva do que é legal ou ilegal, conforme os interesses de momento, tudo isso acobertado pelo manto da cordialidade - outro traço fundamental do patrimonialismo -, que “normaliza” essa perversidades. Podemos destacar ainda a manipulação histórica das regras fundiárias, mantendo, convenientemente, parte da população na informalidade da posse, até que os interesses do mercado “resolvam” sua formalização. Para além da instrumentalização da gestão pública e da interpretação liberal de leis, a manutenção da população pobre nas “comunidades” - proibindo, muitas vezes de forma ostensiva e até violenta, seu acesso aos “bairros nobres” -, o racismo estrutural - que se expressa de forma naturalizada no cotidiano da cidade - e o verdadeiro genocídio de jovens negros de periferia18 são, entre muitos exemplos, instrumentos de manutenção da forma social patrimonialista no espaço urbano.

Em suma, a “produção patrimonialista do espaço urbano” se estrutura de maneria a promover propositalmente a produção desigual e, ao mesmo tempo, garantir a manutenção permanente da cidade segregada. Assim, não é surpreendente que o arcabouço normativo de regulação da produção do espaço urbano não tenha conseguido resultados expressivos para promover o “direito à cidade”. Ao contrário dos países inspiradores dos instrumentos urbanísticos que aqui se deseja ver funcionando, há emaranhados de leis e regramentos que mais confundem do que ordenam e que se mostram sujeitos a uma enorme subjetividade em suas interpretações, conforme se alinham ou não, evidentemente, aos interesses das elites.

Seguindo os termos de Florestan Fernandes para a “contrarrevolução permanente” que impediu no Brasil a revolução burguesa clássica do capitalismo, pratica-se aqui um “contraplanejamento permanente”, o qual impede qualquer possibilidade de promover a reforma urbana. A não regulação é parte de uma dinâmica proposital de “não planejar”, algo que resulta eficazmente em um modelo de cidade onde a dominação sobre o espaço é um dos instrumentos da dominação social.

Porém, é importante destacar que esse impasse estrutural, quando assimilado em todas suas variantes e especificidades, não deve, por causa disso, ceifar esperanças nem inviabilizar mobilizações ou argumentações por mudanças, que devem ocorrer, mesmo que lentamente. A consciência da nossa estrutura social, do nosso papel histórico no capitalismo mundial e das formas urbanas irá nos ajudar a entender a enorme dificuldade do desafio.

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  • 1
    Aron (2002), diferenciava “marxólogos”, estudiosos da obra de Marx, “marxistas”, cuja reflexão sobre a mesma se associa à uma proposta de ação política (por exemplo, Lênin), e “marxianos”, que adotam o método dialético e atualizam o materialismo histórico para interpretar o seu tempo e sua área de conhecimento. Cf. ARON, R. Le marxisme de Marx. Paris: Edition de Fallois, 2002.
  • 2
    Em seu clássico A produção social do espaço urbano, Gottdiener (2016), ao trabalhar alternadamente com os aportes de Castells e de Lefebvre para uma teoria do espaço, já havia demonstrado como as contribuições desses autores podem hoje ser vistas como complementares, mais do que antagônicas.
  • 3
    Trata-se de quatro volumes da obra intitulada De l’État, de 1975.
  • 4
    Um rótulo genérico para correntes muitas vezes antagônicas entre si.
  • 5
    O tema aparece no artigo “A teoria marxista do Estado”, publicado em 1976 na revista Antipode (Wiley-Blackwell, New Jersey). No Brasil saiu como capítulo do livro A produção capitalista do Espaço, em 2005.
  • 6
    Trata-se do capítulo 46, Livro III, de O Capital, sobre a renda da terra em terrenos a serem construídos, além de curto trecho no capítulo 23, do Livro I, sobre as dinâmicas imobiliárias.
  • 7
    Embora Harvey (2015, p. 532) diga que nem mesmo Marx se satisfez plenamente com ela.
  • 8
    Em Abu Dhabi, há bairros inteiros produzidos sobre o mar, onde a “terra nua” sequer chegou a existir.
  • 9
    Ver: AGLIETTA, M. Régulation et crises du capitalisme. Paris: Odile Jacob/Opus, 1997 e BOYER, R.; SAILLARD, Y. (Org.). Théorie de la Régulation: l’état des savoirs. Paris: La Découverte, 2002; Juillard (2002).
  • 10
    A Era de Ouro para os anglo-saxões, ou os Trinta Gloriosos para os franceses, foi na verdade um breve intermédio na história do capitalismo, pois o Welfare State (mas não os gastos estatais em favor do capital) passou a se desestruturar a partir da crise que se inicia nos anos 1970.
  • 11
    Ver GROPIUS, W. Construction horizontale, verticale ou de hauteur intermédiaire, 1931. In: Architecture et société. Paris: Éditions du Linteau, 1995.
  • 12
    Não entraremos nessa discussão, mas vale anotar que o preço do lote urbano é resultante do trabalho social investido na produção das localizações, acrescentado das dinâmicas de demanda do mercado.
  • 13
    No Brasil, essa abordagem é muito bem trabalhada por Alysson Mascaro em Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.
  • 14
    Em compensação, o debate da derivação aproximou-se da reflexão sobre o urbano, como atesta um artigo de Hirsch no livro Urbanization & urban planning in capitalist Society. HIRSCH, J. The apparatus of the State, the reproduction of capital and urban conflicts. In: DEAR, M.; SCOTT, A. J. Urbanization & urban planning in capitalist society. London & New York: Methuen, 1981.
  • 15
    Ao contrário do que defende o sociólogo Jessé Souza, ferrenho crítico do que ele denomina de “escola uspiana patrimonialista”, a escravidão não vem antes do patrimonialismo, mas é uma das suas consequências, certamente a pior e estruturalmente mais nefasta para a sociedade que se construiu a partir dali. Ver: SOUZA, J. A tolice da inteligência brasileira. São Paulo: LeYa, 2015.
  • 16
    Site do autor disponível em http://www.schwartzman.org.br/simon/atualidad.htm. Consultado em janeiro de 2021.
  • 17
    Essa vertente, inclusive, serviu recentemente para a apropriação do termo por setores da extrema-direita brasileira, usando-o como sinônimo de corrupção, de “encastelamento em determinados núcleos do aparelho burocrático estatal de indivíduos que se valiam da circunstância para se locupletarem” (PAIM, 2015, p. 8). PAIM, A. O patrimonialismo brasileiro em foco. Campinas: Vide Editorial, 2015.
  • 18
    Em 2016, foram 23 mil jovens negros assassinados nas periferias brasileiras. Ver ADÃO, C. Territórios de morte: homicídio, raça e vulnerabilidade social na cidade de São Paulo. 2017. Dissertação de Mestrado (EACH) - Universidade São Paulo, São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Out 2021
  • Aceito
    14 Abr 2022
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