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Anomalias de temperatura e precipitação sobre o Brasil durante o inverno de 1995: características atmosféricas e ocêanicas

Temperature and precipitation anomalies over Brazil during the 1995 winter season: atmospheric and oceanic characteristics

Resumos

O inverno de 1995 nas Regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil foi atípico, pois as temperaturas médias mensais registradas neste período apresentaram grandes desvios positivos e a precipitação ficou abaixo da média. Neste estudo foi feita uma análise dos campos atmosféricos, oceânicos e de superfície com o objetivo de se diagnosticar essas anomalias observadas. Nas anomalias de função de corrente em 200 hPa, foram identificados bloqueios na atmosfera que impediram a penetração de sistemas frontais pelo interior do continente. Foi também identificada uma configuração de "trem de ondas" com circulações anticiclônicas sobre o Pacífico sudeste e sobre a América do Sul. Usando-se séries temporais de anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) observou-se que as áreas 3 (no Oceano Atlântico Sul) e 4 (no Oceano Pacífico Sul) estiveram em oposição de fases. A área 3 apresentou um contínuo resfriamento associado a uma circulação ciclônica em baixos níveis e a área 4 apresentou um aquecimento contínuo associado a uma circulação anticiclônica subtropical.

Bloqueio atmosférico; Inverno de 1995; Anomalias de temperatura; Anomalias de precipitação; Anomalias oceânicas


The 1995 winter over south, southeast and central west Brazil was anomalous because monthly mean temperatures recorded in this period showed large positive deviations and the precipitation was below normal. In this study, atmospheric, oceanic and surface analyses were performed. The main goal is to diagnose the observed atmospheric anomalies over Brazil. Streamfunction anomalies at 200 hPa revealed the presence of a blocking atmospheric situation and a wavetrain configuration in july and august depicting an anticyclonic circulation over the Pacific Ocean and South America. The atmospheric pattern blocked the frontal system track which was displaced from the normal path crossing the interior of the continent to the coast region. Time series of Sea Surface Temperature (SST) anomalies in areas 3 (over the South Atlantic Ocean) and 4 (over the South Pacific Ocean) were in opposite phase during the entire period. Area 3 showed a continuous cooling associated with a cyclonic circulation at low levels and area 4 showed a continuous warming associated with a subtropical anticyclonic circulation.

Atmospheric blocking; 1995 winter season; Temperature anomalies; Precipitation anomalies; Oceanic anomalies


Temperature and precipitation anomalies over Brazil during the 1995 winter season - atmospheric and oceanic characteristics

L. P. Pezzi & I. F. A. Cavalcanti

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos - CPTEC

Rodovia Presidente Dutra, Km 40

CP 01, CEP 12630-000, Cachoeira Paulista - SP - Brasil

E-mail: luciano@cptec.inpe.br / iracema@cptec.inpe.br

Tel:(012) 560-84 00 / Fax:(012) 561-28 35

The 1995 winter over south, southeast and central west Brazil was anomalous because monthly mean temperatures recorded in this period showed large positive deviations and the precipitation was below normal. In this study, atmospheric, oceanic and surface analyses were performed. The main goal is to diagnose the observed atmospheric anomalies over Brazil. Streamfunction anomalies at 200 hPa revealed the presence of a blocking atmospheric situation and a wavetrain configuration in july and august depicting an anticyclonic circulation over the Pacific Ocean and South America. The atmospheric pattern blocked the frontal system track which was displaced from the normal path crossing the interior of the continent to the coast region. Time series of Sea Surface Temperature (SST) anomalies in areas 3 (over the South Atlantic Ocean) and 4 (over the South Pacific Ocean) were in opposite phase during the entire period. Area 3 showed a continuous cooling associated with a cyclonic circulation at low levels and area 4 showed a continuous warming associated with a subtropical anticyclonic circulation.

Key words: Atmospheric blocking; 1995 winter season; Temperature anomalies; Precipitation anomalies; Oceanic anomalies.

Anomalias de temperatura e precipitação sobre o Brasil durante o inverno de 1995 - características atmosféricas e ocêanicas -

O inverno de 1995 nas Regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil foi atípico, pois as temperaturas médias mensais registradas neste período apresentaram grandes desvios positivos e a precipitação ficou abaixo da média. Neste estudo foi feita uma análise dos campos atmosféricos, oceânicos e de superfície com o objetivo de se diagnosticar essas anomalias observadas. Nas anomalias de função de corrente em 200 hPa, foram identificados bloqueios na atmosfera que impediram a penetração de sistemas frontais pelo interior do continente. Foi também identificada uma configuração de "trem de ondas" com circulações anticiclônicas sobre o Pacífico sudeste e sobre a América do Sul. Usando-se séries temporais de anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) observou-se que as áreas 3 (no Oceano Atlântico Sul) e 4 (no Oceano Pacífico Sul) estiveram em oposição de fases. A área 3 apresentou um contínuo resfriamento associado a uma circulação ciclônica em baixos níveis e a área 4 apresentou um aquecimento contínuo associado a uma circulação anticiclônica subtropical.

Palavras-chave: Bloqueio atmosférico; Inverno de 1995; Anomalias de temperatura; Anomalias de precipitação; Anomalias oceânicas.

INTRODUÇÃO

No trimestre de junho, julho e agosto é esperada a ocorrência de temperaturas mais baixas nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, e chuvas bem distribuídas na Região Sul. Porém, o inverno de 1995 foi anomalamente quente, apresentando temperaturas mais elevadas que o normal em parte da Região Sul e nas Regiões Sudeste e Centro Oeste do país. As precipitações também apresentaram um comportamento anômalo, ficando abaixo da média em parte das regiões Sudeste, Sul e Centro Oeste, principalmente no mês de agosto. Nesta época do ano há normalmente entradas de ar frio sobre o Brasil, acompanhando o deslocamento de sistemas frontais, o que entretanto não ocorreu. Houve a passagem de um número menor de sistemas frontais sobre o país, que na maioria das vezes deslocaram-se apenas pelo litoral. O objetivo deste trabalho é identificar as anomalias que ocorreram na atmosfera e no oceano durante o inverno de 1995 associadas às anomalias nos campos de precipitação e temperatura sobre o Brasil. Satyamurty & Pezzi (1998) mostraram que no período de julho a outubro de 1994 também ocorreram anomalias negativas de precipitação e positivas de temperatura, sobre o Sudeste e parte das regiões Sul e Central do Brasil. Essa condição de "seca" implica em sérios prejuízos à economia da região, bem como em questões ambientais. Um melhor entendimento da persistência de anomalias climáticas sobre as regiões Sul, Sudeste e Central do Brasil pode ser de muita utilidade em aplicações agrícolas, gerenciamento de água e energia elétrica. Após apresentarmos os dados usados nas análises e também a metodologia, será feita uma análise dos sistemas sinóticos que atingiram o País, do padrão atmosférico de grande escala e uma análise da condição oceânica.

DADOS E METODOLOGIA

São analisados dados pentadais de função de corrente, em 200 hPa, dados semanais de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) e dados diários das componentes u e v do vento nos meses de junho, julho e agosto de 1995. As pêntadas foram calculadas obedecendo-se um calendário anual de pêntadas. A pêntada número 1 corresponde ao período de 1/01/95 a 5/01/95, a de número 2 de 6/01/95 a 10/01/95 e assim sucessivamente até o final do ano. As pêntadas utilizadas nas análises cobrem o período de 31/05/95 a 28/08/95, como especificadas na Tab. 1.

Tabela 1
- Tabela com os números e as respectivas datas das pêntadas usadas para o estudo das anomalias ocorridas nos meses de junho, julho e agosto de 1995.

Table 1 - Pentad numbers and respective days during the anomalous period of june, july and august, 1995.

As características atmosféricas foram analisadas nos campos de anomalias de função de corrente em 200 hPa com os dados reanalisados do National Center for Environmental Prediction (NCEP) (Kalnay et al., 1996). As anomalias pentadais para o período de junho, julho e agosto de 95 (JJA 95) foram obtidas em relação à climatologia de 1979 a 1995.

Para a análise oceânica, foram utilizados os campos semanais de Temperatura da Superfície do Mar (TSM), disponíveis no NCEP. Esses campos são gerados pelo método de Interpolação Ótima e uma descrição detalhada pode ser encontrada em Reynolds & Smith (1994). Esses campos são semanais, de cobertura global e com resolução de 1° x 1° gerados a partir de dados in situ (bóias e também informações coletadas por navios) e de satélite. Em Reynolds & Smith (1994) são mostradas as áreas que contém as observações e os dados de satélite para um determinado período. Nas regiões estudadas aqui, Pacífico Sudeste e Atlântico Sul, as observações in situ são bastante escassas, porém são complementadas com informações de satélite. As semanas nas quais as TSM são disponíveis, diferem entre si durante o período de 1982 a 1993. Para uniformizá-las interpolou-se linearmente o conjunto das TSM semanais para TSM diárias. Calculou-se então a climatologia diária com os dados de 12 anos e a partir desses foram obtidas as médias climatológicas semanais, de acordo com as semanas escolhidas para se analisar no período de junho, julho, agosto de 95. A seguir, subtraiu-se os campos semanais observados (JJA 95) dos campos semanais climatológicos, com a finalidade de se obter os respectivos campos de anomalias semanais de TSM para JJA 95. O período de TSM usado nessa análise foi de 31/05/95 a 02/09/95.

A evolução das anomalias temporais de função de corrente (médias espaciais) foi analisada para duas regiões, uma sobre o Brasil e a outra a oeste da América do Sul. Essas regiões podem ser vistas na Fig 1. Uma delas representa a região onde ocorreram anomalias de precipitação e temperatura e foi denominada de Área 1 (30°S a 15°S, 60°W a 45°W) e a outra corresponde a uma área sobre o Oceano Pacífico Sudoeste (70°S a 50°S, 120°W a 80°W), que corresponde a Área 2, onde observou-se uma circulação anticiclônica que persistiu durante o período analisado. Foram também calculadas médias espaciais de anomalias de TSM em outras duas áreas sobre os oceanos Atlântico, área 3 (40°S a 70°S, 65°W a 30°W) e Pacífico, denominada área 4 (45.0°S a 70°S, 140°W a 100°W), próximas à América do Sul. Ambas áreas estão representadas na Fig. 1. As análises dos campos mensais e trimestrais de anomalias de temperatura média do ar e precipitação foram realizadas com dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). As anomalias foram obtidas usando-se a climatologia de 1961-1990. Séries temporais de temperatura do ar na superfície e dados de vento (componente v, em 10 metros de altura) para os meses de julho e agosto de 95 foram analisadas para 3 áreas do Brasil, com os dados diários reanalisados do NCEP (Kalnay et al.,1996), nos horários das 00:00, 06:00, 12:00 e 18:00 TMG. Analisaram-se, também, gráficos que mostram o deslocamento e evolução dos sistemas frontais que atingiram o País (não mostrados aqui), obtidos nos boletins de monitoramento e análise climática (Climanálise 1995a; 1995b; 1995c).

Figura 1 -

Figure 1 - Areas considered in the atmospheric (1 and 2) and oceanic (3 and 4) analyses.

ANÁLISES E DISCUSSÕES

As anomalias de temperatura sobre o Brasil chegaram a 2° e 3°C acima da média como pode ser visto na Fig. 2.

Figura 2
- Anomalias de Temperatura (°C) trimestrais (a), sobre o Brasil, nos meses de junho (b), julho (c) e agosto (d) de 1995. Valores positivos em tons de cinza.

Figure 2 - Temperature anomalies (°C), over Brazil in JJA (a); june (b), july (c) and august (d), 1995. Positive values in grey.

O total de precipitação ocorrido durante o trimestre ficou ligeiramente acima do normal no extremo sul do Brasil e em parte do litoral do Sudeste, principalmente no mês de julho de 95. Porém, na maior parte da área abrangida pelas re-giões Sul, Sudeste e Centro Oeste, as precipitações ficaram abaixo da normal climatológica durante todo o trimestre, como visto na Fig. 3. Esse padrão anômalo das temperaturas e precipitações é analisado e discutido nos próximos sub-itens através da climatologia sinótica dos sistemas frontais e análise dos padrões de grande escala atmosféricos e oceânicos durante o período em estudo.

Figura 3 -

Figure 3 - Precipitation anomalies (mm), over Brazil in JJA (a), june (b), july (c) and august (d), 1995. Positive values in grey.

Os Sistemas Frontais que atingiram o Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil

Nos meses de junho, julho e agosto é esperado que em média 22 sistemas frontais cheguem à região compreendida entre as latitudes de 25° a 35°S, segundo a climatologia apresentada em Oliveira (1986). Essa climatologia foi realizada utilizando-se a observação dos sistemas em imagens de satélite. A Tab. 2 mostra o número de sistemas frontais que atingiram a região em 1995 deslocando-se pelo litoral, pelo interior e pela região oeste do Brasil, identificados em análises sinóticas de cartas de pressão e vento a superfície (Climanálise, 1995a, b, c). Nessa mesma tabela também são mostrados os valores climatológicos.

Tabela 2 -
Climatologia dos sistemas frontais na região 25°S e 35°S e o número de sistemas frontais ocorridos no trimestre de junho, julho e agosto de 1995, para as regiões do litoral, interior e oeste do Brasil.

Table 2 - Climatology of frontal systems reaching 25°S and 35°S and number of frontal systems in june, july and august, 1995.

Em junho apenas dois sistemas alcançaram o interior dos estados de São Paulo e Minas Gerais. A maioria dos sistemas frontais passou pelo litoral. As temperaturas médias mensais do ar nas regiões Sudeste e Centro Oeste do País ficaram superiores à média climatológica. No Mato Grosso do Sul ocorreram anomalias positivas de temperatura de até 3°C. Entretanto no sul do Estado do Rio Grande do Sul, as temperaturas ficaram abaixo da normal climatológica, com anomalias que chegaram a -1°C.

No mês de julho, o número de sistemas frontais ficou muito abaixo da média, sendo registrados somente 4 sistemas passando pelo litoral, interior e região oeste. Destes somente um alcançou o interior de São Paulo e a região central. Devido ao número reduzido de sistemas frontais e massas de ar que penetraram no continente, as temperaturas médias do ar nas Regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste ficaram anomalamente altas excedendo a climatologia em até 3°C (Fig. 2).

Em agosto, como nos meses anteriores, os sistemas deslocaram-se na maior parte dos casos pelo leste do continente e somente dois deles atingiram o sul da Bahia. Apenas um sistema alcançou o interior do estado de São Paulo e nenhum chegou à região central. As anomalias positivas de 2°C e 3°C nas Regiões Sul, Sudeste e parte do Centro Oeste continuaram persistindo nesse mês (Fig. 2).

Durante o período analisado, em praticamente todas essas regiões, as anomalias de temperatura e precipitação apresentaram sinais opostos, com precipitações abaixo e temperaturas acima da média climatológica. As precipitações ficaram acima da média, no trimestre JJA, somente sobre o Rio Grande do Sul (temperaturas abaixo da média) (Fig. 3).

A Fig. 4 mostra a série temporal (julho a agosto) da temperatura média à superfície e a componente v do vento em 10 metros de altura, em três pontos distintos e representativos das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, gerados com os dados reanalisados do NCEP. Uruguaiana, situada no extremo oeste do estado do Rio Grande do Sul, faz parte das estações da região oeste do Brasil. Pela análise da série temporal nessa localidade, houve redução da temperatura devido à passagem de sistemas frontais em 7 episódios, sendo que há dois períodos bem definidos com temperaturas baixas e aproximadamente constantes e ventos de sul durante vários dias em julho e agosto. Na série temporal de São Paulo, há três quedas acentuadas de temperatura, uma em julho e duas em agosto. No centro do Brasil, representado aqui pelo ponto sobre Brasília, percebe-se bem o ciclo diurno e as quedas não acentuadas da temperatura.

Figura 4
- Série temporal de temperatura (linha continua) e componente v do vento (linha pontilhada) nos meses de julho e agosto de 95, para as cidades de Uruguaiana - RS (a), São Paulo - SP (b) e Brasília - DF (c).

Figure 4

- Time series of temperature (solid line) and meridional wind component (dotted line) in july and august, 1995, in Uruguaiana - RS (a), São Paulo - SP (b) and Brasilia - DF (c).

O comportamento atmosférico durante o inverno de 1995

Os padrões atmosféricos dominantes foram analisados nos campos de anomalia temporal de função de corrente no período compreendido entre os dias 31/05/95 e 28/08/95, que são representados pelas pêntadas de número 31 a 48, e que cobrem todo o trimestre de inverno (Tab. 1). A Fig. 5 reune as pêntadas em que as anomalias foram mais acentuadas e que ocorreram nos meses de julho e agosto. Nessas pêntadas pode-se ver a persistência de uma anomalia anticlônica a sudoeste da América do Sul, que pode ser associada a uma situação de bloqueio, e uma anomalia anticiclônica sobre a América do Sul. No Hemisfério Sul, o local preferencial para a formação de sistemas de bloqueio atmosférico é a região da Nova Zelândia e o segundo máximo a sudeste da América do Sul, segundo Trenberth & Mo (1985). Estudos mais recentes, (Marques, 1996; Sinclair, 1996) identificaram a região a sudoeste da América do Sul também como uma das regiões com alta freqüência de bloqueios no Hemisfério Sul. Por suas características, o bloqueio, quando ocorre, divide o escoamento de oeste e desloca-o de seu curso natural, modificando a progressão normal dos sistemas transientes.

Figura 5 -

Figure 5 - Pentad analyses of streamfunction anomalies at 200 hPa from 20/Jul/95 to 18/Aug/95. Pentad 41 (a), 42 (b), 43 (c), 44 (d), 45 (e) and 46 (f). Dark grey anomalies greater than 5 hPa and light grey anomalies less than -5 hPa. Intervals of 5 hPa.

O extremo sul da América do Sul foi afetado por um centro ciclônico durante esse período. Os centros ciclônicos e anticiclônicos observados representam um cavado sobre o sul e uma crista sobre o sudeste do continente. Esta configuração é coerente com a influência das zonas frontais apenas sobre o sul do Brasil e o deslocamento das mesmas para o oceano sem afetar o sudeste e centro-oeste que estavam sob a ação do centro anticiclônico. Durante o período analisado observou-se também a presença de um trem de ondas do Pacífico Sudeste até o leste da América do Sul.

O campo médio das anomalias temporais de função de corrente que compreende as pêntadas de 42 a 46 é apresentado na Fig. 6. Neste campo, a anomalia anticiclônica sobre a América do Sul que esteve relacionada com as temperaturas e precipitações anômalas ocorridas na região, é facilmente identificada. O centro anticiclônico a sudoeste da América do Sul também é ressaltado nesse campo médio assim como o trem de onda dirigido do Pacífico para a América do Sul. A série temporal de anomalia de função de corrente em partes da Região Sudeste e Central e do Brasil (Área 1) evidencia os valores negativos de anomalia durante as pêntadas 42 a 46 (Fig. 7). É neste período que a região apresenta máximos valores negativos. A série temporal de anomalias de função de corrente para a Área 2, situada no Pacífico sudeste, mostra valores máximos negativos na pêntada 42 e uma variabiblidade semelhante à área 1 nas pentadas 43 a 45. Essa variação pode estar relacionada com a transferência de energia através do trem de onda, da área sobre o Pacífico Sudeste (Área 2) para a área do Brasil (Área 1). Configurações semelhantes a esse trem de ondas foram encontradas em estudos anteriores de anomalias de baixa freqüência em Cavalcanti (1992) e em estudo sobre a influência de anomalias de baixa freqüência nos sistemas de alta freqüência, (Cavalcanti & Fleischfresser, 1993).

Figura 6
- Campo médio das pêntadas 42 a 46 (Anomalia temporal de função de corrente em 200 hPa). Período de 25/07/95 a 18/08/95. Cinza escuro representa as anomalias maiores que 5 hPa e cinza claro anomalias menores que -5 hPa. Intervalos de 5 hPa.

Figure 6 - Average field of streamfunction anomalies at 200 hPa during the period of 25/Jul/95 to 18/Aug/95. Dark grey anomalies greater than 5 hPa and light grey anomalies less than -5 hPa. Intervals of 5 hPa.

Figura 7 -

Figure 7 - Time series of streamfunction anomalies at 200 hPa (Area 1: over Brazil and Area 2: over the Southeast Pacific Ocean).

O comportamento oceânico durante o inverno de 1995

As séries temporais de anomalias de TSM indicam que as duas áreas (no Pacífico e Atlântico) tiveram um comportamento oposto (Fig. 8). Verifica-se que no começo do período, a área 3 que fica sobre o Oceano Atlântico (Fig. 1) apresentou anomalias positivas de até 0,5°C e na área 4, sobre o Pacífico (Fig. 1), anomalias negativas de -0,5°C. Porém no decorrer do período essa situação inverteu-se com ambas áreas apresentando anomalias opostas àquelas que apresentavam no início da análise. Esse padrão, anomalias positivas na área 4 e negativas na 3, permaneceu durante o período em que os casos de bloqueio atmosférico foram observados.

Pelo diagrama de Hovmöller (Fig. 9) construído com anomalias de TSM média na área compreendida pela banda latitudinal de 45°S a 70°S, observam-se anomalias positivas na área do Pacífico (área 4) no último período do trimestre e anomalias negativas estacionárias na área do Atlântico, a sudeste da América do Sul, em julho e agosto. Nessa figura pode ser observada a propagação de anomalias positivas de TSM da região próxima a 180°W no início do período, até a longitude de 100°W no final do período (mês de agosto).

Figura 8 -

Figure 8 - Time series of Sea Surface Temperature (SST) in °C, averaged in area 3 (Atlantic Ocean) and area 4 ( Pacific Ocean).

Circulação atmosférica em baixos e altos níveis

Durante o período analisado, em baixos níveis (média das pêntadas 42 a 46), mostrado na Fig. 10a, notou-se uma circulação anticiclônica sobre o Oceano Pacífico Sudeste (área 4). O escoamento de noroeste sobre a área 4 pode ter contribuído para a advecção de águas mais quentes de latitudes mais baixas para essa área, fazendo com que as anomalias de TSM apresentassem valores positivos (Fig. 9). Na área 3, sobre o Atlântico, onde o escoamento em baixos níveis foi predominantemente de sul/sudoeste, as anomalias de TSM observadas começaram a tornar-se cada vez mais negativas no decorrer do tempo. Esse escoamento pode ter advectado águas mais frias para essa região. Pela carta de escoamento em altos níveis (Fig. 10b), identifica-se a circulação anticiclônica sobre a parte central e sudeste da América do Sul, e no Pacífico Sudeste. Nesta mesma figura nota-se o jato subtropical de noroeste/sudeste sobre a América do Sul. Essa orientação no escoamento em altos níveis contribuiu para que os sistemas frontais não tivessem um deslocamento pelo interior do continente, atingindo preferencialmente o sul do Brasil e litoral das regiões Sul e Sudeste.

Figura 9 -
Diagrama de Hovmöller com Anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) em °C, sobre a banda latitudinal de 45°S a 70°S. Cinza escuro representa anomalias positivas e cinza claro, anomalias negativas. Intervalo 0,2 °C.
Figura 10
- Campo médio das Linhas de Corrente em 1000 hPa (a) e 200 hPa (b) para as pêntadas de 42 a 46. Isotacas nas áreas sombreadas, com intervalos de 10 m/s.

Figure 10 - Averaged streamlines for pentads 42 to 46 at 1000 hPa (a) and 200 hP (b). Shaded areas represent wind magnitude with intervals of 10 m/s.

CONCLUSÕES

As anomalias de temperatura e de precipitação sobre o Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil em julho e agosto de 1995 foram associadas a uma situação de bloqueio a sudoeste da América do Sul e à presença de uma circulação anticiclônica em altos níveis sobre a Região Central e Sudeste do Brasil. As circulações anticiclônicas a sudoeste e sobre a América do Sul fazem parte de um trem de onda que se estende do Pacífico até a América do Sul. No Pacífico a circulação anticiclônica é também parte da configuração de bloqueio. Houve persistência de uma crista sobre o Brasil e um cavado no extremo sul da América do Sul o que é consistente com a passagem de sistemas frontais pelo sul do Brasil e o deslocamento dos mesmos para o oceano. Essa situação afetou o campo de temperatura e de precipitação sobre o Brasil, resultando em um inverno "quente" e com pouca precipitação. O campo de TSM próximo da América do Sul apresentou anomalias opostas durante o período de bloqueio atmosférico, com anomalias positivas no Pacífico e negativas no Atlântico, que podem ser associadas com a permanência da circulação anticiclônica sobre o Pacífico Sudeste e ciclônica sobre o Atlântico, em baixos níveis.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Dr. Vernon E. Kousky pelo fornecimento dos dados pentadais de função de corrente, e aos revisores anônimos pelas sugestões.

REFERÊNCIAS

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CLIMANÁLISE - 1995b - Boletim de Monitoramento e Análise Climática. Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, (CPTEC/INPE/MCT), 10 (7): 49 pp.

CLIMANÁLISE - 1995c - Boletim de Monitoramento e Análise Climática. Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, (CPTEC/INPE/MCT), 10 (8): 49 pp.

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Received: April, 1998

Accepted: November, 1998

TEMPERATURE AND PRECIPITATION ANOMALIES OVER BRAZIL DURING THE 1995 WINTER SEASON - ATMOSPHERIC AND OCEANIC CHARACTERISTICS

In the winter season normally low temperatures occur over south, southeast and central west regions of Brazil and the precipitation is well distributed in the south. However, the 1995 winter season was anomalous because monthly mean temperatures recorded in this period showed large positive deviations and the precipitation was below normal. Normally during this season, cold air masses are displaced over Brazil following frontal systems. Moreover, this behavior did not happen during the 1995 winter. A lower than normal number of frontal systems crossed the country and in most cases they just crossed over the coastal region. Temporal anomalies of streamfunction at 200 hPa revealed the presence of a blocking atmospheric situation associated with a wavetrain configuration. This atmospheric pattern blocked the frontal system track which was displaced from the normal path crossing the interior of the continent to the coastal region. Time series of streamfunction anomalies in two areas, one over Brazil (area 1) where the temperature and precipitation anomalies occurred and another over the Pacific Ocean (area 2) where there was a blocking situation, showed the intensification and desintensification of the anticyclonic centers which were observed over the two regions. The variability of the streamfunction anomalies suggests that there is a transfer of energy from area 2 to area 1, throughout a wavetrain. Time series of Sea Surface Temperature (SST) in areas 3 (over the South Atlantic Ocean) and 4 (over the South Pacific Ocean) were in opposite phase during the entire period. Area 3 showed a continuous cooling associated with a cyclonic circulation at low levels and area 4 showed a continuous warming associated with a subtropical anticyclonic circulation.

NOTES ABOUT THE AUTHORS

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Luciano Ponzi Pezzi

Luciano Ponzi Pezzi é formado em meteorlogia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) no ano de 1989. No ano de 1993 recebeu o título de Mestre em Sensoriamento Remoto pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos desde o ano de 1994. Atualmente trabalha ligado ao "Grupo de Clima" e desenvolve pesquisas nas áreas de modelagem e previsibilidade sazonal climática e também estudos diagnósticos do clima. Suas principais áreas de interesse são modelagem numérica e estatistica do clima, previsão sazonal climática e interação dos processos oceânicos e atmosféricos.

Iracema Fonseca Albuquerque Cavalcanti

Graduação em Física em 1973 na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Rio Claro, atualmente pertencente a UNESP. Mestrado em Meteorologia no Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) em 1982. Ph.D. em Meteorologia pela University of Reading, U.K. em 1991. Pesquisadora no INPE desde 1982, no departamento de Meteorologia, e no CPTEC desde 1992. Trabalha na área de pesquisas climáticas com dados observacionais e também com resultados do modelo climático CPTEC/COLA. Participa das previsões sazonais climáticas e de experimentos de simulaçào climática. Coordenadora do grupo de Estudos climáticos de 1994 a 1997.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Dez 1999
  • Data do Fascículo
    Jul 1998

Histórico

  • Aceito
    Nov 1998
  • Recebido
    Abr 1998
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