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Características das quedas em idosos que vivem na comunidade: estudo de base populacional

Resumo

Objetivo:

Explorar as características da última queda em idosos brasileiros que caíram em 2008 e 2009 e identificar se há relação com as características sociodemográficas, de saúde física, comorbidades, condições clínicas e com as circunstâncias de quedas.

Método:

Estudo transversal, de base populacional, com idosos de 65 anos de idade ou mais, de Barueri, SP e Cuiabá, MT, Brasil. Foi utilizado um inquérito multidimensional contendo dados sociodemográficos, de saúde física e mental e de quedas. As associações foram analisadas por meio de tabelas de contingência e foi usado o teste Exato de Fisher ou de qui-quadrado de Pearson.

Resultados:

774 idosos foram incluídos no estudo e destes, 299 (38,6%) relataram queda no último ano, sendo que 176 (58,9%) caíram uma vez e 123 (41,1%) relataram ter caído duas vezes ou mais. Entre os caidores, a idade média foi de 72,5 (±6,1) Cerca de 107 (35,8%) dos idosos relataram ter caído para frente,79 (26,4%) para os lados e 42 (14%) para trás. Quanto às circunstâncias, 107 (35,8%) idosos relataram ter perdido o equilíbrio, 79 (26,4%) referiram ter tropeçado e 42 (14%) ter escorregado. Houve associação entre o mecanismo e as circunstâncias das quedas e ter caído uma vez ou duas vezes ou mais. Houve associação entre as circunstâncias das quedas e o número de medicações.

Conclusão:

As características das quedas são diferentes para os idosos que caíram uma ou duas ou mais vezes, o que pode nortear os profissionais de saúde, idosos e seus familiares em relação a estratégias específicas para prevenção de quedas.

Palavras-chave:
Idoso; Acidentes por quedas; Epidemiologia

Abstract

Object:

to examine the characteristics to the last fall of Brazilian elderly persons who experienced falls in 2008 and 2009, and to identify if there is a relationship with sociodemographic characteristics, physical health, comorbidities, clinical conditions and the circumstances of the falls.

Methods:

a cross-sectional, population based study was carried out with participants aged 65 and older from Barueri in the state of São Paulo and Cuiabá in the state of Mato Grosso, Brazil. Households were enrolled within each census region according to population density and the number of elderly persons living in each region. A multidimensional questionnaire composed of sociodemographic factors and data regarding falls was used. Associations were analyzed using contingency tables, and Fisher's Exact or Pearson's Chi-square test was used.

Results:

774 elderly people were included in the study, 299 of whom reported falling in the previous year. Of these, 176 (58.9%) had fallen once and 123 (41.1%) reported having fallen twice or more. Among fallers the mean age was 72.53 (±6.12) years and 214 (71.6%) were female. About 107 (35.8%) of the elderly reported having fallen forwards, 79 (26.4%) fell to the side and 42(14%) fell backwards. Regarding the circumstances of the falls, 107 (35.8%) reported having lost their balance, 79 (26.4%) said they had stumbled and 42 (14%) said they had slipped. There was an association between the mechanism and circumstances of the falls and having fallen once or twice or more. There was an association between the circumstances of falls and the number of medications taken.

Conclusion:

The characteristics of falls were different among elderly persons who had fallen once or twice or more, which may guide health professionals, the elderly and their families in relation to specific fall prevention strategies.

Keyword:
Elderly; Accidental Falls; Epidemiology

INTRODUÇÃO

O aumento da longevidade e a expectativa de vida traz mudanças no perfil epidemiológico da população, com o aumento da prevalência de doenças crônico degenerativas não transmissíveis, da ocorrência de quedas e de incapacidade funcional, como a redução da força muscular e do equilíbrio corporal11 Marengoni A, Angleman S, Melis R, Mangialasche F, Karp A, Garmen A, et al. Aging with multimorbidity: a systematic review of the literature. Ageing Res Rev. 2011;10(4):430-9.. Essas mudanças geram um impacto no sistema de saúde, tanto em termos dos custos envolvidos, quanto da necessidade de desenvolvimento de estratégias de atenção à saúde em todos os níveis22 Burns ER, Stevens JA, Lee R. The direct costs of fatal and non-fatal falls among older adults - United States. J Safety Res. 2016;58:99-103..

A incidência e a gravidade das quedas aumentam consideravelmente após a sexta década de vida, triplicando os índices de internação de idosos após os 65 anos33 Fasano A, Plotnik M, Bove F, Berardelli A. The neurobiology of falls. Neurol Sci. 2012;33(6):1215-23.. Estima-se que 30% dos idosos com 60 anos que vivem na comunidade cai a cada ano e, destes, metade cai de forma recorrente. Essa proporção aumenta para 42% em idosos com 70 anos44 Tinetti ME, Kumar C. The patient who falls: "It's always a trade-off". JAMA. 2010;303(3):258-66.. A prevalência de quedas no Brasil varia de 30% a 38,7%55 Soares WJS, Moraes SA, Ferriolli E, Perracini MR. Fatores associados a quedas e quedas recorrentes em idosos: estudo de base populacional. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(1):49-60.. Queda é considerada uma das principais causas de lesões e de morte entre os idosos e acarreta uma grande preocupação para a saúde pública44 Tinetti ME, Kumar C. The patient who falls: "It's always a trade-off". JAMA. 2010;303(3):258-66.. A queda pode ocasionar traumas graves em pessoas idosas, tais como a fratura de quadril e traumatismo craniano, contribuindo para o declínio da capacidade funcional e da autonomia, institucionalização e aumento da mortalidade66 Da Cruz DT, Ribeiro LC, Vieira MT, Teixeira MTB, Bastos RR, Leite ICG. Prevalência de quedas e fatores associados em idosos. Rev Saúde Pública. 2012;46:138-46.. No Brasil, o Sistema Único de Saúde registra a cada ano um custo de mais de R$ 51 milhões com o tratamento de fraturas decorrentes de quedas77 Portal Brasil. Quedas [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014 [acesso em 28 fev. 2017]. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/quedas..

Queda é um evento multifatorial e decorre de fatores intrínsecos e extrínsecos. O primeiro refere-se às alterações fisiológicas decorrentes do envelhecimento e de disfunções sensoriais, neuromusculares, psicocognitivas relacionadas a doenças e condições clínicas, comprometendo o equilíbrio e a marcha88 Ambrose AF, Paul G, Hausdorff JM. Risk factors for falls among older adults: a review of the literature. Maturitas. 2013;75(1):51-61.. Os fatores extrínsecos incluem os riscos ambientais tais como; má iluminação, piso escorregadio ou irregular, tapetes soltos, degraus altos ou estreitos88 Ambrose AF, Paul G, Hausdorff JM. Risk factors for falls among older adults: a review of the literature. Maturitas. 2013;75(1):51-61., os quais são fatores relativos às circunstâncias da queda. Na literatura há alguns estudos que apontam que 75% dos idosos sofrem queda em seu próprio domicílio em comparação aos idosos que caem fora do domicilio99 Hill AM, Hoffmann T, Haines TP. Circumstances of falls and falls-related injuries in a cohort of older patients following hospital discharge. Clin Interv Aging. 2013;8:765-74.. O ambiente do domicílio que mais ocorre o acidente por queda é o quarto (25,2%), seguido da cozinha (16,8%) e banheiro (14,5%)1010 Antes DL, D'Orsi E, Benedetti TRB. Circunstâncias e consequências das quedas em idosos de Florianópolis. Epi Floripa Idoso 2009*. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(2):469-81.. Isso pode ser explicado porque os idosos permanecem grande parte de seu tempo em suas residências, por ser o local mais seguro e familiar. Possivelmente, em casa, os idosos diminuam a atenção devido à maior autoconfiança e familiaridade para se descolocar entre os ambientes1111 Ferretti F, Lunardi D, Bruschi L. Causas e consequências de quedas de idosos em domicílio. Fisioter Mov. 2013;26(4):753-62..

Considerando os sérios prejuízos que as quedas podem gerar na população idosa, identificar as características da última queda através de um estudo de base populacional permite caracterizar as populações e orientar medidas preventivas para evitar a ocorrência de novas quedas. O levantamento do histórico de um evento de queda é preconizado no guideline da American Geriatrics Society e British Geriatrics Society (Clinical Practice Guideline for Prevention of Falls in Older Persons)1212 American Geriatrics Society, British Geriatrics Society, American Academy of Orthopaedic Surgeons Panel on Falls Prevention. Guideline for the prevention of falls in older persons. J Am Geriatr Soc. 2001;49(5):664-72.. As características das quedas, particularmente os mecanismos e as circunstâncias, podem ajudar na identificação de perfis de idosos caidores e desencadear estratégias de avaliação e de intervenção.

O objetivo deste estudo é explorar as características da última queda em idosos brasileiros que caíram no último ano (2008 e 2009) e identificar se há relação com as características sociodemográficas, de saúde física, comorbidades, condições clínicas e com as circunstâncias de quedas

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal de base populacional, com uma amostra de 774 idosos comunitários residentes no município de Barueri, SP e Cuiabá, MT, Brasil. O estudo é parte de uma pesquisa multicêntrica, constituída a partir de uma rede de pesquisa de natureza multidisciplinar, denominada Rede FIBRA (Rede de Estudo da Fragilidade em Idosos Brasileiros)

A amostra deste estudo foi composta de idosos com 65 anos ou mais do sexo feminino e masculino, residentes na comunidade no município de Barueri e Cuiabá avaliados no período de março 2009 a abril de 2010. A obtenção da amostra ocorreu segundo o método de amostragem de casualidade por conglomerados por área. Para o cálculo da amostra de cada cidade foi estimado o tamanho amostral necessário para se ter uma proporção populacional de 50% de uma determinada característica em estudo (valor em que o tamanho amostral obtido é o máximo possível (p=0.50; q=0.50), conforme a população idosa de cada uma delas). Foi fixado o nível de significância de 5% (alfa=5%; Z=1,96). Com base nesses cálculos, o tamanho amostral para as localidades com menos de um milhão de habitantes foi de 385 idosos. Para o número e a localização dos domicílios que foram visitados visando-se à localização dos idosos, foram utilizados dados do IBGE. Foi calculada a proporção de idosos existentes em cada setor censitário, em relação ao total de idosos de cada cidade. Em seguida, em cada setor censitário foi calculada a densidade de idosos por domicílio. Depois, foi dividido o número de idosos de cada setor censitário pela densidade de idosos por domicílio para obtenção do número de domicílios que foram visitados. Para o sorteio das quadras foram fornecidos mapas pelo IBGE e pelas Prefeituras, foram identificadas, contadas e sorteadas as quadras cujos domicílios foram visitados. Em cada setor censitário foram selecionados um número adicional e proporcional de quadras, para suprir recusas e ausências (10%) e para compensar as perdas motivadas pela aplicação dos critérios de exclusão (20%).

Foi considerada como recusa a manifestação categórica do idoso quanto a não querer participar, sua declaração de impossibilidade ou de intenção de interromper a participação. Foram realizadas até três tentativas de abordagem infrutífera dos idosos, para que fosse considerada como “recusa”. Ausências foram consideradas caso a casa estivesse fechada no dia da primeira visita e continuar fechada em mais duas tentativas consecutivas. Foram excluídos os participantes com as seguintes características: a) deficit cognitivo grave sugestivo de demência, avaliado pelo mini exame do estado mental, ajustado pela escolaridade, menos um desvio-padrão1313 Brucki SM, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PH, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3B):777-81., b) cadeirantes ou restritos ao leito, provisória ou definitivamente; c) sequelas graves de acidente vascular cerebral, com perda localizada de força; d) doença de Parkinson em estágio grave ou instável; e) estágio terminal e aqueles em tratamento para câncer, exceto o de pele. Os entrevistadores foram fisioterapeutas e educadores físicos previamente treinados para aplicar o questionário e para realizar os testes físicos funcionais.

As variáveis dependentes deste estudo foram baseadas no autorrelato de quedas nos últimos doze meses, queda (qualquer evento de queda) e queda recorrente (dois ou mais eventos de quedas). Queda foi considerada “um evento inesperado no qual o sujeito venha a se posicionar no solo ou nível inferior ao seu”1414 Lamb SE, Jorstad-Stein EC, Hauer K, Becker C; Prevention of Falls Network E; Outcomes Consensus G. Development of a common outcome data set for fall injury prevention trials: the Prevention of Falls Network Europe consensus. J Am Geriatr Soc. 2005;53(9):1618-22.. Para a caracterização da queda foi perguntado ao idoso sobre a última queda, local, mecanismo, circunstâncias, iluminação no momento da queda, atividade no momento da queda, período do dia, consequências, necessidade de repouso, necessidade de procurar assistência médica. Circunstância de um evento de queda pode ser entendido como sendo o modo em que os idosos caíram (por exemplo tropeçar, escorregar, perder o equilíbrio). O mecanismo da queda está relacionado ao deslocamento do centro de massa do corpo (por exemplo para frente, para os lados, para trás).

As variáveis sociodemográficas utilizadas foram: sexo e faixa etária (65 a 79 anos e 80 anos e mais). A avaliação subjetiva de saúde o idoso manifestava a impressão pessoal e subjetiva de sua própria saúde e com relação ao cuidado com a sua saúde. A pergunta realizada foi: Em geral, o(a) senhor(a) diria que a sua saúde é seguida das seguintes alternativa de respostas “muito boa”, “boa”, “regular”, “ruim” e “muito ruim”?

A presença de sintomas depressivos foi avaliada a partir da aplicação da Escala de Depressão Geriátrica (GDS, Geriatric Depression Scale), (versão de quinze itens), traduzida e validada para a língua portuguesa1515 Paradela EMP, Lourenço RA, Veras RP. Validação da escala de depressão geriátrica em um ambulatório geral. Rev Saúde Pública. 2005;39:918-23.. Os participantes foram classificados de acordo com o número de sintomas depressivos: aqueles com ≥5 sintomas como um rastreio positivo de depressão e <5 sintomas foram considerados como sem depressão. O número de medicamentos foi investigado a partir do questionamento ao idoso sobre a quantidade de medicamentos que ele fazia uso de forma regular nos últimos três meses. O número de doença foi investigado a partir de repostas dicotômicas e categorizado em zero a uma doença, duas a três doenças e de quatro ou mais doenças para a presença de diabetes, osteoporose, artrite/reumatismo e de incontinência urinária. A presença da queixa de tontura foi investigada a partir do autorrelato nos últimos doze meses. Considerou-se tontura qualquer sensação de rodar, girar, sentir a cabeça vazia ou pesada, tonteira, zonzeira ou flutuação.

As atividades avançadas de vida diária1616 Reuben DB, Laliberte L, Hiris J, Mor V. A hierarchical exercise scale to measure function at the Advanced Activities of Daily Living (AADL) level. J Am Geriatr Soc. 1990;38(8):855-61. incluem atividades voluntárias sociais, ocupacionais e de recreação, totalizando 12 atividades. As atividades que o idoso deixou de fazer ou nunca fez foram somadas e foi utilizada a mediana para classificar os idosos (abaixo da mediana: 0 a 5 atividades comprometidas e acima da mediana >5 atividades comprometidas). As atividades instrumentais de vida diária17 envolvem tarefas práticas da vida cotidiana, a partir de um questionário contendo respostas de autorrelato sobre a necessidade de alguma ajuda, ajuda total ou independência. As atividades nos quais os idosos requereram ajuda parcial ou total foram somadas e a mediana foi calculada. Idosos com >1 atividade comprometida foram categorizados como acima da mediana e idosos com 0 atividades comprometidas como abaixo da mediana.

Foi realizada análise descritiva e foram geradas tabelas de contingência para avaliar a associação entre cair uma vez e cair duas ou mais vezes e as variáveis de interesse e para avaliar a associação entre as circunstâncias das quedas e as variáveis de interesse. Foi utilizado teste Exato de Fischer para tabelas 2x2 e o teste de qui-quadrado de Pearson para verificar se existe associação entre as variáveis. O nível de significância adotado foi de α<0,05.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado por todos os participantes da pesquisa, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP, sob o protocolo de pesquisa nº 269/2007 para o estudo FIBRA em Barueri e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da HCRP e da FMRP-USP, sob nº 5018/2007.

RESULTADOS

Dos 774 idosos incluídos no estudo, 299 idosos (38,6%) relataram queda no último ano. Destes, 176 (58,9%) caíram uma vez e 123 (41,1%) relataram ter caído duas vezes ou mais. Entre os caidores a idade média foi de 72,53±6,12 anos, sendo 214 (71,6%) era do sexo feminino. A tabela 1 descreve as características dos idosos em relação ao número de quedas. Comparado com os idosos que sofreram uma queda no último ano, os idosos que caíram de forma recorrente (duas ou mais quedas). Entre os idosos de 80 anos e mais a prevalência de duas ou mais quedas é significativamente maior quando comparada a uma queda. Há um aumento significativo de comorbidades (4 ou mais doenças) em idosos que caíram de forma recorrente, com aumento da proporção de idosos que auto relataram ter artrite ou reumatismo, osteoporose, incontinência urinária, tontura e depressão. Além disso, os idosos que caíram recorrentemente apresentaram mais limitações em atividades instrumentais e em atividades avançadas de vida diária.

Tabela 1
Caracterização de idosos com história de uma queda e duas quedas ou mais quedas em relação a variáveis sociodemográficas, saúde física e mental e funcionalidade em idosos que vivem na comunidade (Rede FIBRA; n=299). Barueri, SP e Cuiabá, MT, 2009-2010.

Cerca de 107 (35,8%) dos idosos relataram tem caído para frente, 79 (26,4%) para os lados e 42 (14%) para trás. Quanto às circunstâncias 79 (26,4%) referiram ter tropeçado, 42 (14%) ter escorregado e 107 (35,8%) ter perdido o equilíbrio. Houve associação entre o número de quedas e o mecanismo e a circunstância da queda. Os idosos que caíram de forma recorrente, relataram com mais frequência ter caído para os lados, para frente ou sentado. Quanto às circunstâncias estes mesmos idosos relataram ter tropeçado e perdido o equilíbrio. Curiosamente, os idosos que caíram uma vez relataram como circunstância mais frequente ter escorregado. Cerca de 45% dos idosos que caíram duas vezes ou mais relataram ter diminuído suas atividades em decorrência da queda (tabela 2).

Tabela 2
Caracterização da última queda em relação ao local, mecanismo, iluminação, período, consequências e circunstâncias de queda em idosos que vivem na comunidade (Rede FIBRA; n=299). Barueri, SP e Cuiabá, MT, 2009- 2010.

Não houve associação entre o mecanismo da queda e as variáveis de interesse. Houve associação entre o número de medicamentos e as circunstâncias da queda ter perdido o equilíbrio e escorregado (tabela 3).

Tabela 3
Associação entre as circunstâncias de queda e variáveis sociodemográficas, de saúde física e mental e funcionalidade em idosos que vivem na comunidade (Rede FIBRA; n=299). Barueri, SP e Cuiabá, MT, 2009 - 2010.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo mostraram que as pessoas idosas que caíram de forma recorrente eram mulheres, entre 65 e 79 anos com mais comorbidades, especialmente aquelas que são fatores de risco para cair e apresentavam maior comprometimento no desempenho funcional e na participação social. Particularmente, as características levantadas sobre a última queda apontaram que os idosos caidores recorrentes apresentaram com maior frequência os mecanismos de cair para os lados, para frente e sentado e as circunstâncias relacionadas ao tropeçar e perder o equilíbrio, quando comparados aos idosos que caíram uma vez. No entanto, não houve associação entre o mecanismo de cair e as variáveis estudadas e apenas o número de medicamentos mostrou-se associado à circunstância de perder o equilíbrio e de escorregar.

A prevalência de queda no sexo feminino foi 79,7%, o que é consistente com os achados da literatura nacional e internacional os quais têm demonstrado que as mulheres são mais acometidas que o sexo masculino. Isso pode ocorrer devido à maior fragilidade física, menor quantidade de massa magra e de força muscular em relação ao sexo masculino1818 Perracini MR, Ramos LR. Fatores associados a quedas em uma coorte de idosos residentes na comunidade. Rev Saúde Pública. 2002;36:709-16.. A ocorrência de quedas mostrou-se crescente nos idosos com 80 anos e mais em comparação aos de 65 a 79 anos. Esse resultado é atribuído ao processo natural do envelhecimento, onde há perdas progressivas de equilíbrio e de massa muscular e óssea1919 Siqueira FV, Facchini LA, Piccini RX, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, et al. Prevalência de quedas em idosos e fatores associados. Rev Saúde Pública. 2007;41:749-56.. Pesquisas têm revelado que para minimizar os deficit de equilíbrio e de massa muscular ocasionados nesse processo, fundamental é a prática regular de atividade física, a qual auxilia na melhora da capacidade funcional de equilíbrio e força2020 Guimarães L, Galdino D, Martins F, Vitorino D, Pereira K, Carvalho E. Comparação da propensão de quedas entre idosos que praticam atividade física e idosos sedentários. Rev Neurociênc. 2004;12(2):68-72.. Entre as doenças pesquisadas houve associação entre artrite/reumatismo, incontinência urinária, osteoporose, depressão e tontura. Esse achado foi similar ao um estudo de base populacional realizado com 1.520 idosos no Brasil2121 Rodrigues IG, Fraga GP, Barros MBA. Falls among the elderly: risk factors in a population-based study. Rev Bras Epidemiol. 2014;17:705-18.. As doenças articulares e a osteoporose contribuem para a redução da capacidade física no idoso, podendo ocorrer processo inflamatório, dor e, por conseguinte, influenciar no equilíbrio e no controle postural e assim aumentar o risco de eventos de queda. A tontura foi associada a quedas. De Moraes et al.2222 De Moraes SA, Soares WJ, Ferriolli E, Perracini MR. Prevalence and correlates of dizziness in community-dwelling older people: a cross sectional population based study. BMC Geriatr. 2013;13:4. analisaram os fatores associados à queixa de tontura e identificaram que 51,4% dos idosos que apresentaram queixa de tontura caíram e 64,1% tiveram queda recorrente. Para se evitar quedas, é necessário que os mecanismos de controle da estabilidade e da orientação postural estejam funcionando de forma adequada. A tontura prejudica tal controle e pode tornar esses idosos mais suscetíveis a cair. A depressão foi mostrada neste estudo como associado a quedas o que foi igualmente observado em outros estudos55 Soares WJS, Moraes SA, Ferriolli E, Perracini MR. Fatores associados a quedas e quedas recorrentes em idosos: estudo de base populacional. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(1):49-60.,2121 Rodrigues IG, Fraga GP, Barros MBA. Falls among the elderly: risk factors in a population-based study. Rev Bras Epidemiol. 2014;17:705-18.. Estudo realizado no Suécia comprova que eventos estressantes e mobilizadores de sentimentos negativos atuam como desencadeadores de quedas entre os idosos2323 Moller J, Hallqvist J, Laflamme L, Mattsson F, Ponzer S, Sadigh S, et al. Emotional stress as a trigger of falls leading to hip or pelvic fracture. Results from the ToFa study - a case-crossover study among elderly people in Stockholm, Sweden. BMC Geriatr. 2009;9:7.. Em relação à percepção de saúde, foi encontrado neste estudo que a maioria dos idosos relataram terem uma percepção de muito boa a boa. Idosos com boa percepção de saúde e que tenham histórico de quedas podem atribuir a queda a fatores ambientais2424 Nyman SR, Ballinger C, Phillips JE, Newton R. Characteristics of outdoor falls among older people: a qualitative study. BMC Geriatr. 2013;13:125.. É possível que essa população que tenha a capacidade funcional preservada exponham-se mais enquanto e que os idosos frágeis sejam capazes de lidar apenas em ambientes de baixa demanda2525 Oliveira AS, Trevizan PF, Bestetti MLT, Melo RC. Fatores ambientais e risco de quedas em idosos: revisão sistemática. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(3):637-45.. A maioria dos idosos investigados limitaram as atividades sociais, as atividades instrumentais de vida diária. Quando o idoso cai há uma tendência à redução de suas atividades diárias, seja por medo de se expor ao risco de queda, seja por atitudes protetoras de familiares e cuidadores1010 Antes DL, D'Orsi E, Benedetti TRB. Circunstâncias e consequências das quedas em idosos de Florianópolis. Epi Floripa Idoso 2009*. Rev Bras Epidemiol. 2013;16(2):469-81.. Essa redução pode causar imobilidade e consequente atrofia muscular, facilitando a reincidência de queda.

Em relação as circunstância das quedas, os principais fatores que contribuíram para a queda recorrente foi tropeçar e perder o equilíbrio. A maioria das quedas são decorrente da perda do equilíbrio dinâmico, ou seja, ocorrem durante a locomoção, sendo causadas principalmente por tropeços e escorregões durante a marcha2626 Berg WP, Alessio HM, Mills EM, Tong C. Circumstances and consequences of falls in independent community-dwelling older adults. Age Ageing. 1997;26(4):261-8.. Estudos indicam que o envelhecimento está associado a mudanças no padrão de marcha e equilíbrio de maneira que as disfunções na marcha é o problema mais comum na população idosa e sua prevalência aumenta com a idade2626 Berg WP, Alessio HM, Mills EM, Tong C. Circumstances and consequences of falls in independent community-dwelling older adults. Age Ageing. 1997;26(4):261-8.. Em relação ao mecanismo de queda, os resultados mostraram que a frequência maior foi em idosos que caíram de lado e para frente. A dinâmica envolvida no andar está relacionada à integração sensorial dos sistemas vestibular, visual e proprioceptivo, além da força muscular, mobilidade articular e controle neuromotor adequados. A marcha é uma habilidade motora complexa em que o corpo locomove-se por meio de um padrão cíclico de movimentos coordenados dos membros inferiores33 Fasano A, Plotnik M, Bove F, Berardelli A. The neurobiology of falls. Neurol Sci. 2012;33(6):1215-23..

Maior força muscular pode fornecer suporte mais estável durante a caminhada, e estudos anteriores mostram que a força muscular diminuída desempenha um papel importante nas quedas em idosos2727 Granacher U, Gollhofer A, Hortobágyi T, Kressig RW, Muehlbauer T. The importance of trunk muscle strength for balance, functional performance, and fall prevention in seniors: a systematic review. Sports med. 2013;43(7):627-41.,2828 Cheng YY, Wei SH, Chen PY, Tsai MW, Cheng IC, Liu DH, et al. Can sit-to-stand lower limb muscle power predict fall status? Gait Posture. 2014;40(3):403-7.. Além disso, exercícios que melhoram a força muscular ajudam a reduzir o medo de quedas e podem ter resultados positivos na redução de quedas no futuro2929 Oh DH, Park JE, Lee ES, Oh SW, Cho SI, Jang SN, et al. Intensive exercise reduces the fear of additional falls in elderly people: findings from the Korea falls prevention study. Korean J Intern med. 2012;27(4):417-25..

Este estudo aponta que o uso de medicamentos teve relação com a circunstância da queda. Os medicamentos de uso crônico podem potencializar o risco de queda e causam efeitos como hipotensão ortostática, disfunção cognitiva, distúrbios de equilíbrio, tontura, vertigem, sonolência, disfunção motora, comprometimentos de reflexos, alterações visuais3030 Dyks DSC. Interventions to Reduce Medication-Related Falls. CME J. 2015;5(1):23-31.. Portanto, o uso de múltiplos medicamentos entre idosos está associado a desfecho negativo. Nessa população estudada, quem fazia uso de dois a três medicamentos teve associação com a perca do equilíbrio, isso pode estar relacionado aos idosos que relataram ter tontura e foi estatisticamente significante e corroborou com os resultados De Moraes et al.2222 De Moraes SA, Soares WJ, Ferriolli E, Perracini MR. Prevalence and correlates of dizziness in community-dwelling older people: a cross sectional population based study. BMC Geriatr. 2013;13:4.. Quem escorregou, igualmente foi associado com o uso de quatro medicamentos ou mais. Essa associação pode ser explicada pelo comprometimento de reflexos que ocorre devido ao efeito adverso dos medicamentos. Esses reflexos estão diminuídos pelo processo natural do envelhecimento, principalmente o de proteção31 e potencializado pelo uso de medicamento, prejudicando, assim, a mobilidade corporal levando o idoso a queda por escorregamento. Berg et al.2626 Berg WP, Alessio HM, Mills EM, Tong C. Circumstances and consequences of falls in independent community-dwelling older adults. Age Ageing. 1997;26(4):261-8. apontaram que o ato de escorregar foi mais prevalente representando 59% da quedas na população idosa. Porém, nesse estudo, não foi relacionado a medicamentos.

A American Geriatrics Society e Bristish Geriatrics Society1212 American Geriatrics Society, British Geriatrics Society, American Academy of Orthopaedic Surgeons Panel on Falls Prevention. Guideline for the prevention of falls in older persons. J Am Geriatr Soc. 2001;49(5):664-72. recomendam que os médicos geriatras perguntem aos idosos sobre história de quedas nos idosos. Desta forma, os médicos ou os profissionais da área da gerontologia possam identificar os possíveis fatores contribuintes da queda. Sugere-se o cuidado de investigar o período anterior ao evento da queda e, em seguida, explorar o resultado pós-queda. Se houve perda da consciência, tropeçou, se sentiu tontura, se teve dificuldade em se levantar. Indagar sobre as condições de saúde e ainda investigar sobre o uso de medicamentos e se houve alterações recentes sobre o uso de vasodilatadores, diuréticos e sedativos hipnóticos. E, por fim, perguntar sobre a visão e uso de álcool é importante para entender todas as possíveis causas.

Este estudo apresenta algumas limitações. É um estudo de delineamento transversal, que não permite determinar fatores de risco para quedas. Existe um possível viés de memória porque a queda foi referida nos últimos 12 meses. Em relação ao medicamento não foi descrito o motivo da administração, o que impede identificar a ação do fármaco em relação à queda na população idosa. Apenas a última queda foi investigada, não permitindo que uma tipologia fosse determinada. Desta forma, é possível dizer que parte das associações que não foram encontradas possam se justificar. Isso faz com que os resultados sejam usados com cautela.

CONCLUSÃO

As características das quedas são diferentes para os idosos que caíram uma ou duas ou mais vezes, o que pode nortear os profissionais de saúde, idosos e seus familiares em relação às estratégias específicas para prevenção de quedas.

AGRADECIMENTOS

A todos os idosos que participaram da pesquisa e a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.

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  • Financiamento da pesquisa:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Número do processo: 555087/2006-9. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT). Número do processo: 555078/2006-0.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2017
  • Revisado
    24 Jul 2017
  • Aceito
    06 Set 2017
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