Resumos
O rápido envelhecimento populacional no Brasil trouxe diversos desafios, um dos quais é a necessidade de preparar os trabalhadores mais velhos para a transição do trabalho para a aposentadoria. Existe também uma carência de pesquisas relacionadas ao tema, especialmente acerca dos trabalhadores que atuam na limpeza urbana. Este estudo investigou o planejamento para a aposentadoria dos garis e os aspectos priorizados para seu bem-estar nessa transição. Seis garis, com 45 anos ou mais e que estavam no mínimo a dois anos da aposentadoria participaram de seis encontros. No primeiro, os garis realizaram entrevista semiestruturada e também foram sensibilizados para o tema. Nos quatro encontros seguintes, foram realizados grupos focais, utilizando-se fatores-chave para o bem-estar na aposentadoria. No sexto e último encontro, ainda utilizando a técnica do grupo focal, os participantes avaliaram as condições de trabalho e no quanto poderiam impactar o bem-estar na aposentadoria. A análise dos dados revelou que o relacionamento familiar é o principal preditor de bem-estar na aposentadoria, seguido da promoção da saúde que, está diretamente relacionada às condições de trabalho e precisam ser revistas pelo empregador. Para esses garis, o lazer estava em segundo plano, embora houvesse a expectativa de que na aposentadoria eles teriam mais tempo para o lazer e recursos para viajar. O estudo aponta sugestões para a área de Recursos Humanos, tais como melhorar as condições de trabalho dos garis, reduzir a carga horária para os que estejam próximos da aposentadoria e adotar um programa de preparação para aposentadoria.
Aposentadoria; Garis; Recursos humanos; Qualidade de vida; Promoção da saúde; Programa de preparação para a aposentadoria
The rapid growth of the ageing population in Brazil brought a variety of challenges, one of which is the need to prepare older workers in the transition from work to retirement. There is also a lack of research in this area, especially towards workers who work in urban cleaning. This study investigated retirement planning of street sweepers and aspects prioritized for their well-being during future retirement. Six street sweepers of 45 years or more, who were at least two years from retirement, participated in six meetings. At the first meeting, they were sensibilized to this theme and participated in a semi-structured interview. Following this, four meetings were held with focus groups, using key factors related to well-being during retirement. At the sixth and last meeting, continuing with the focus group, the participants assessed working conditions and how these could impact their own retirement. The data analysis revealed that family relationships are the main predictor for well being during retirement, followed by health, which was directly related to their working conditions and which needed to be addressed by the employer. For these street sweepers, leisure was in second place, but they expected that in retirement years, they would have more time for this and also be able to travel. This study recommends a few measures for implementation by Human Resources, such as improving work conditions, reducing work hours before retirement and implementing a retirement preparation program.
Retirement; Street sweepers; Human resources; Quality of life; Health promotion; Retirement preparation program
ARTIGOS ORIGINAIS
Planejamento para aposentadoria: a visão dos garis
Planning for retirement: from the viewpoint of the street sweepers
Lucia Helena de F. P. FrançaI; Gustavo Silva MenezesI; Andreia da Rocha SiqueiraII
IPrograma de Pós-graduação em Psicologia. Universidade Salgado de Oliveira. Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
IICurso de Psicologia. Universidade Salgado de Oliveira. Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
Correspondência Correspondência: Lucia Helena de F. P. França Universo - Universidade Salgado de Oliveira Mestrado em Psicologia Rua Marechal Deodoro, 217, Bl.B - Centro 24.030-060 - Niterói, RJ, Brasil E-mail: luciafranca@luciafranca.com
RESUMO
O rápido envelhecimento populacional no Brasil trouxe diversos desafios, um dos quais é a necessidade de preparar os trabalhadores mais velhos para a transição do trabalho para a aposentadoria. Existe também uma carência de pesquisas relacionadas ao tema, especialmente acerca dos trabalhadores que atuam na limpeza urbana. Este estudo investigou o planejamento para a aposentadoria dos garis e os aspectos priorizados para seu bem-estar nessa transição. Seis garis, com 45 anos ou mais e que estavam no mínimo a dois anos da aposentadoria participaram de seis encontros. No primeiro, os garis realizaram entrevista semiestruturada e também foram sensibilizados para o tema. Nos quatro encontros seguintes, foram realizados grupos focais, utilizando-se fatores-chave para o bem-estar na aposentadoria. No sexto e último encontro, ainda utilizando a técnica do grupo focal, os participantes avaliaram as condições de trabalho e no quanto poderiam impactar o bem-estar na aposentadoria. A análise dos dados revelou que o relacionamento familiar é o principal preditor de bem-estar na aposentadoria, seguido da promoção da saúde que, está diretamente relacionada às condições de trabalho e precisam ser revistas pelo empregador. Para esses garis, o lazer estava em segundo plano, embora houvesse a expectativa de que na aposentadoria eles teriam mais tempo para o lazer e recursos para viajar. O estudo aponta sugestões para a área de Recursos Humanos, tais como melhorar as condições de trabalho dos garis, reduzir a carga horária para os que estejam próximos da aposentadoria e adotar um programa de preparação para aposentadoria.
Palavras-chave: Aposentadoria. Garis. Recursos humanos. Qualidade de vida. Promoção da saúde. Programa de preparação para a aposentadoria.
ABSTRACT
The rapid growth of the ageing population in Brazil brought a variety of challenges, one of which is the need to prepare older workers in the transition from work to retirement. There is also a lack of research in this area, especially towards workers who work in urban cleaning. This study investigated retirement planning of street sweepers and aspects prioritized for their well-being during future retirement. Six street sweepers of 45 years or more, who were at least two years from retirement, participated in six meetings. At the first meeting, they were sensibilized to this theme and participated in a semi-structured interview. Following this, four meetings were held with focus groups, using key factors related to well-being during retirement. At the sixth and last meeting, continuing with the focus group, the participants assessed working conditions and how these could impact their own retirement. The data analysis revealed that family relationships are the main predictor for well being during retirement, followed by health, which was directly related to their working conditions and which needed to be addressed by the employer. For these street sweepers, leisure was in second place, but they expected that in retirement years, they would have more time for this and also be able to travel. This study recommends a few measures for implementation by Human Resources, such as improving work conditions, reducing work hours before retirement and implementing a retirement preparation program.
Keywords: Retirement.Street sweepers.Human resources. Quality of life. Health promotion. Retirement preparation program.
INTRODUÇÃO
O aumento da expectativa de vida e a redução da taxa de natalidade provocaram uma transformação na pirâmide demográfica mundial. Este novo contexto foi motivo de preocupação com a saúde e a qualidade de vida para a população mais velha em dois encontros mundiais promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). O primeiro foi realizado em Viena em 1982,1 e o segundo em Madri, em 2002.2
Nesses encontros mundiais, o Brasil se fez representar por profissionais de instituições governamentais e não-governamentais que atuavam na área do envelhecimento. A repercussão desses eventos se traduziu em diversas medidas que visam ao bem-estar da população das pessoas mais velhas, como a Política Nacional do Idoso - Lei n° 8.8423 e o Estatuto do Idoso - Lei n° 10.741.4
Dentre as diversas recomendações relativas ao mundo do trabalho, em especial a aposentadoria e sua preparação, destacamos a obrigatoriedade da adoção dos programas de preparação para a aposentadoria pelas organizações com o apoio do Estado. Raras são as organizações, contudo, que desenvolvem tais programas para seus funcionários e igualmente escassas são as pesquisas realizadas sobre o tema.5-8
Um dos desafios atuais para as organizações é garantir o bem-estar dos trabalhadores mais velhos que irão se aposentar e daqueles que irão continuar trabalhando.5 A aposentadoria é um tópico ainda incerto, acompanhado por muitas ambivalências, que vão desde a idade da concessão, formas de acesso, situação econômica, condições de saúde e outros fatores que podem influenciar a permanência ou a saída dos trabalhadores mais velhos das organizações.
A aposentadoria é um dos momentos mais decisivos na vida dos adultos maduros. De acordo com Magalhães et al.,9 se a identidade das pessoas estiver fortemente associada ao trabalho, o processo de aposentadoria pode ser vivenciado por uma ruptura imposta pelo mundo externo, gerando frustração e sentimento de esvaziamento no indivíduo. Mas, para algumas pessoas, sobretudo para os trabalhadores mais sacrificados fisicamente, a aposentadoria pode representar a libertação de uma rotina árdua e sacrificante e se tornar uma oportunidade para vivenciar um tempo livre, nunca antes propiciado.5
Muitos aposentados recebem apenas o suficiente para sobreviver e esta situação se agrava na medida em que os proventos nem sempre acompanham a evolução do salário mínimo ou dos níveis de inflação. Outros aposentados privilegiados possuem recursos financeiros que lhes permitem desfrutar uma vida social intensa, com oportunidades de lazer diversificadas, muito embora o fato de continuar trabalhando nem sempre esteja correlacionado com o aspecto financeiro ou a identidade com o trabalho. A pesquisa de França5 com altos executivos indicou que os mais jovens (menos de 52 anos) eram mais propícios a continuar trabalhando e postergando a aposentadoria definitiva do que os mais velhos (52 anos ou mais), que privilegiavam o tempo que teriam na aposentadoria para os relacionamentos familiares e/ou lazer.
No Brasil, ainda é comum encontrarmos pessoas que se aposentaram com menos de 50 anos, e algumas estão vivendo mais tempo na aposentadoria do que o período que trabalharam. A definição tradicional de aposentadoria como saída da força de trabalho vem se modificando,10 na medida em que ela pode abrir uma janela de oportunidades, ou um recomeço, embora estas oportunidades nem sempre sejam para todos. Muitos não conseguem recolocação no mercado de trabalho,6 por conta do preconceito das organizações frente à capacidade cognitiva e produtiva dos trabalhadores mais velhos (ageismo ou idadismo) ou por falta de instrução, especialização e atualização destes trabalhadores.11
Qualquer que seja a situação, no Brasil, ainda há o agravante cultural, já que muitas pessoas não foram acostumadas a pensar sobre o futuro ou no que gostariam de realizar, seja uma atividade de caráter laborativo, educacional, espiritual, social, de lazer, relacionada à família, com amigos ou com a comunidade.5 Mesmo que conheçamos trabalhadores mais velhos que argumentam que irão realizar diversos projetos, muitos não são capazes de informar como tais projetos serão realizados.
A reflexão do projeto de vida, nos programas de preparação para a aposentadoria, deve perpassar também pelo trabalho e de que forma ele influenciaria seu bem-estar na aposentadoria. Isto se justifica pela identidade, autoestima e a pertença ao trabalho, principalmente porque as pessoas passam a maior parte do seu tempo nas organizações. Conforme sinalizado por Vasconcelos et al.,12 o trabalhador deseja uma estrutura organizacional que favoreça sua qualidade de vida e a felicidade.
Para Albuquerque & Limongi-França,13 a qualidade de vida no trabalho está relacionada às ações da organização, que devem prever desde o diagnóstico até a implantação de melhorias administrativas, gerenciais e tecnológicas, para assegurar as condições para o desenvolvimento humano no trabalho. Ribeiro14 argumenta que é preciso considerar o prazer e o bem-estar do trabalhador pelo ambiente, valorização e reconhecimento de suas necessidades por parte das chefias. As pessoas são os principais ativos das organizações, e para desenvolvê-los é preciso que existam programas que preservem e aumentem a qualidade de vida no trabalho e na vida pessoal.11
Tais medidas vêm ao encontro da teoria do capital humano,15 segundo a qual a educação e o treinamento são capazes de melhorar as habilidades e capacidades individuais dos trabalhadores e, em consequência, sua produtividade. Contudo, esse desenvolvimento deve ser propiciado não apenas enquanto o trabalhador colabora com a organização, mas no processo de transição e mesmo após sua saída - na aposentadoria.5
Este estudo foi direcionado para os garis, que, conforme a descrição resumida do Código Brasileiro Ocupacional (CBO), efetuam a limpeza de ruas, parques, jardins e outros logradouros públicos, varrendo-os e coletando os detritos ali acumulados, para manter os referidos locais em condições de higiene e trânsito.16 Apesar de serem profissionais que trabalham para o bem-estar da população, têm recebido muito pouca atenção, quer na qualidade de vida do trabalho, quer na saída dele, por meio da educação para a aposentadoria. Essa pouca atenção se reflete também na área acadêmica, pelos poucos estudos encontrados, como poderá ser observado na seção Método, mais adiante neste artigo. É relevante assinalar que nenhuma pesquisa foi encontrada, até o momento, sobre a aposentadoria dos garis, quer no que diz respeito a suas percepções sobre o bem-estar nesta fase da vida, quer sobre o que poderia influenciar tais percepções.
Os objetivos do presente estudo foram investigar três situações presentes aos garis que estavam próximos da aposentadoria - acerca de dois anos: a) investigar como os garis estavam planejando a aposentadoria; b) identificar os aspectos considerados principais para o bem-estar na aposentadoria; e c) investigar se as condições de trabalho dos garis interfeririam no planejamento para a aposentadoria.
MÉTODO
A revisão bibliográfica levantou artigos científicos, teses e dissertações nacionais publicados entre os anos 1990 e 2011, com os termos "aposentadoria" e "agentes de limpeza urbana" (garis, lixeiros e varredores de rua), sendo consultadas as bases de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Scielo e PEPsic.
Com relação aos termos "garis", "lixeiro" e "agentes de limpeza urbana", foram localizados 17 trabalhos, que destacaram as condições de trabalho,12,17 os acidentes de trabalho com os varredores de rua,18 o cuidado com a saúde,19 e a preocupação com a invisibilidade pública, os traços sociais e psicológicos da classe dos garis.20 O ponto comum nesses estudos é a precária condição laboral dos garis e a recomendação dos pesquisadores, em função da melhoria nas condições de vida-trabalho.
Participantes
A pesquisa foi realizada com os garis que trabalhavam em uma empresa de limpeza urbana em um município do Rio de Janeiro. A idade e a proximidade da aposentadoria foram os critérios utilizados para a seleção dos participantes: garis que estivessem com 45 anos ou mais e a no mínimo dois anos da aposentadoria. Assim, foi solicitado à representante de Recursos Humanos (RH) da empresa que compusesse uma lista daqueles que atendiam aos critérios descritos.
Considerando que o serviço de limpeza nas ruas é essencial e de utilidade pública, a representante de RH selecionou um gari por área, de forma que sua participação não prejudicasse a rotina e o atendimento do serviço de limpeza urbana. Foram convidados dez garis, que atuavam em locais diferenciados por todo o município - praias, comunidades, escolas e hospitais da rede pública municipal.
Dos dez convidados, nove compareceram no primeiro encontro e outros três faltaram na sessão seguinte, por motivos de doença, transferência de local de trabalho ou necessidade de trabalho. Como a exigência era de que eles tivessem o mínimo de 80% de participação na pesquisa, nos encontros seguintes, passamos a contar com apenas seis garis. A pesquisa foi realizada com cinco homens e uma mulher, de 54 a 65 anos de idade, nível de instrução elementar a médio, a maioria casada e com tempo de permanência na empresa variando de 6 a 17 anos. Os nomes dos participantes utilizados neste artigo são fictícios.
Técnicas utilizadas
As entrevistas e os grupos focais tiveram seus principais conteúdos baseados nas dimensões da Escala de Fatores-Chave para o Planejamento da Aposentadoria(KFRP), aplicada em estudos anteriores com trabalhadores de cargos gerenciais5 e não-gerenciais.6 No último grupo focal, foi abordada a percepção que os garis tinham do trabalho e suas condições, e como ela poderia influenciar o bem-estar na aposentadoria.
Instrumentos e técnicas utilizadas
Entrevista com a representante de RH da empresa
A entrevista semiestruturada com a representante de RH foi constituída por perguntas relacionadas ao tipo de trabalho desenvolvido pelos garis, a compensação financeira, os benefícios, alimentação, formas de acesso funcional, treinamentos recebidos, possibilidades de mudança de trabalho em função da idade, benefícios recebidos após a aposentadoria.
Sensibilização e entrevista individual com os garis
No primeiro encontro, os garis participaram de uma dinâmica que consistia na montagem de painéis individuais em cartolina, por meio de uma colagem de recortes de revistas, escolhidas pelos participantes e que pudessem representar a visão da aposentadoria para cada um. A ideia foi proporcionar uma espécie de introdução e sensibilização ao tema, facilitando a comunicação e promovendo melhor aproveitamento do trabalho. Logo a seguir, os participantes foram entrevistados individualmente, sendo utilizado um questionário semiestruturado seguindo as categorias descritas no item abaixo sobre grupos focais.
Grupos focais
Qualquer discussão de grupo pode ser chamada de grupo focal, contanto que o pesquisador esteja ativamente atento e encorajando as interações de grupo.21 As falas dos participantes foram gravadas, transcritas e analisadas, utilizando-se da análise de discurso.
Os grupos focais são utilizados para investigar ou desvendar o que os indivíduos pensam e como eles pensam22 em uma entrevista em grupo que obtém informações específicas sobre determinado tema.23 Devem ser realizados por encontros semanais sucessivos.24
As categorias abordadas nos quatro primeiros grupos focais corresponderam às quatro dimensões de uma escala dos fatores-chave para o planejamento para a aposentadoria - KFRP, construída e testada em pesquisas anteriores com pré-aposentados,5,6 e assim definidas:
-
novo começo - categoria que integra a utilização do tempo livre, os trabalhos voluntários e o que gostariam de realizar na aposentadoria;
-
relacionamento social, saúde e lazer - categoria que abrange a promoção da saúde física e mental, os exercícios físicos realizados, diversões, o que seria uma alimentação saudável e o que faziam para ter mais saúde;
-
investimentos e novas oportunidades de trabalho - categoria que engloba os investimentos realizados ao longo da vida, as economias para viver com mais conforto na aposentadoria, além das perspectivas de gastos e possibilidades de trabalho para complementar a renda, caso necessário;
-
relacionamentos familiares - categoria que aborda questões sobre o relacionamento com filhos, parceiros, pais e parentes.
No quinto e último grupo focal, os garis discutiram as situações do trabalho e sua influência no planejamento para o bem-estar na aposentadoria. Este grupo focal estimulou a reflexão e discussão entre os garis sobre as tarefas desempenhadas, as condições de trabalho, o relacionamento com as chefias e até que ponto este conjunto de situações poderia contribuir ou interferir na aposentadoria.
Apesar de este trabalho não ser considerado pelos autores uma pesquisa-intervenção,25 houve intenção em oferecer algo em troca aos garis pela sua colaboração na pesquisa. Assim, a palestra, após a coleta de dados, foi uma devolutiva aos participantes, que têm raras oportunidades de desenvolvimento profissional ou pessoal.
Coleta de dados
A coleta de dados foi efetuada nos seis encontros semanais nas instalações da universidade, em três etapas.
A primeira etapa compreendeu uma entrevista com a assistente social, representante de recursos humanos da empresa. A entrevista durou aproximadamente uma hora e teve por objetivo identificar quais as condições de trabalho, formas de promoção e benefícios dos garis.
A segunda foi composta por uma sessão de sensibilização para a aposentadoria e uma entrevista individual semiestruturada com os garis. A entrevista inicial teve por objetivo coletar dados sociodemográficos dos participantes, bem como comunicar o processo pelo qual o gari seria submetido com os grupos focais e a finalização do trabalho com a palestra sobre o tema. As entrevistas foram gravadas por cada entrevistador, autorizadas pelos entrevistados, que assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, conforme procedimentos aprovados anteriormente pelo Comitê Ético da Universidade, e que garantia, além do anonimato dos dados, que eles poderiam desistir de participar a qualquer momento.
Na terceira etapa, utilizou-se a técnica do grupo focal em cinco sessões. Os grupos focais seguiram um roteiro previamente estabelecido e foram gravados com o consentimento dos participantes. Participaram dos grupos focais a coordenadora, um aluno de mestrado e um aluno de graduação - treinados previamente - e seis garis. Os grupos foram conduzidos pela coordenadora, que atuou como mediadora, intervindo na dinâmica grupal sempre que o tema fosse extrapolado.24 Os dois alunos atuavam como observadores e eram os responsáveis por gravar e anotar as principais falas e observações que seriam discutidas nas reuniões da equipe.
No inicio de cada grupo focal, a coordenadora resumia para os participantes o que havia sido discutido na sessão anterior e a temática que seria abordada nas próximas duas horas. Em todos os encontros, os participantes eram estimulados a articular as temáticas discutidas com o projeto de vida para a aposentadoria. Após o término de cada grupo focal, a equipe de pesquisa se reunia com a coordenadora para interpretar e discutir os resultados obtidos e preparar o próximo grupo focal.
No sexto e último encontro - quinto grupo focal - os participantes discutiram as condições de trabalho dos participantes e em que medida estas poderia influenciar o bem-estar na aposentadoria. Ao final deste último encontro, que durou mais tempo do que os anteriores - três horas - a coordenadora, especialista na área de atitudes e planejamento para a aposentadoria, proferiu palestra sobre o tema. Foram abordados os seguintes tópicos: a revolução demográfica e o envelhecimento populacional; aspectos de sobrevivência e de risco - saúde e as finanças na aposentadoria; fatores preponderantes para o bem-estar - atividades de lazer, culturais, comunitárias, espiritualidade, exercícios físicos e as estratégias que poderiam ser adotadas no projeto de vida para a aposentadoria.
Análise dos dados
A análise de discurso foi escolhida como método para a interpretação dos dados da pesquisa e prevê, mediante a observação da fala dos indivíduos, que sejam evidenciados um sentido, um valor e uma relação frente a determinado tema que está sendo estudado.26 Os dados foram analisados pelas falas dos participantes nos grupos focais, nas quais foram colhidos elementos que revelaram a percepção do grupo frente ao trabalho e à aposentadoria.
A pesquisa foi aprovada em 20 de outubro de 2009 pelo Comitê Ético da Universidade Salgado de Oliveira, sob o número 124/2009. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS
Entrevista com a representante de RH da empresa de limpeza urbana
A função dos garis é limpar as ruas, praias, escolas ou postos de saúde e a representante de recursos humanos da empresa onde foram selecionados os participantes desta pesquisa admitiu que o trabalho que eles desenvolvem é árduo e penoso. Em geral, são expostos a condições climáticas, como chuva, vento, frio, e calor.
A compensação financeira desses trabalhadores varia de acordo com o local de trabalho. Por exemplo, os que trabalham na rua ganham pouco mais por trabalharem aos sábados e domingos, realizam hora extra e dão plantões. Além disso, recebem vale-transporte, vale-refeição e salário-insalubridade. Por outro lado, os que trabalham no aterro têm a periculosidade e os que trabalham à noite recebem o adicional-noturno.
As oportunidades de treinamento são restritas à época da admissão do gari, ficando a cargo do encarregado passar ao recém-admitido o trabalho a ser realizado. Os novatos têm dois dias de palestras sobre os procedimentos administrativos da empresa, medicina e segurança do trabalho. Recebem ainda informações sobre os benefícios da empresa e a Previdência Social.
Para amenizar o desconforto do trabalho, segundo a representante de RH, há uma preocupação em remanejar os garis mais velhos para postos de trabalho menos cansativos. Além da idade, ela afirmou que o tempo de empresa e as condições de saúde são levados em consideração. Apesar disto, este remanejamento nem sempre é possível, considerando o número de garis mais velhos e as vagas disponíveis nas escolas e centros de saúde municipais. Mesmo depois de se aposentar, os garis podem continuar trabalhando na empresa, e neste caso, além do salário, recebem os benefícios (vale-transporte e alimentação) e contribuem para a Previdência.
Dados obtidos nos grupos focais
Novo começo
No primeiro grupo focal, os participantes foram estimulados a se posicionar sobre o que já haviam desenvolvido de atividades no passado e ao que eles imaginavam que poderiam ainda realizar, tendo em vista sua experiência com o mundo digital, associações, o apoio psicológico que tiveram em alguma fase da vida, o tipo de trabalho que gostariam de realizar e se tinham interesse em desenvolver uma segunda carreira na aposentadoria.
Os participantes, de um modo geral, expressaram não estar inseridos no contexto da tecnologia digital, e embora manifestassem interesse, acreditavam que era muito tarde para pensar no assunto, como demonstra Ernesto: "Eu fico pensando... mas a própria idade, eu penso que já não compensa me atualizar." No entanto, o participante Fernando declara: "Possuo computador em casa... faço curso de informática e internet."
Quanto aos cursos de especialização, ressaltaram a importância de estar sempre atualizados e educados, como afirmaram Fernando: "É importante me atualizar e me educar" e José: "Sem estudo, fica lá embaixo." O grupo foi unânime em afirmar que, para terem educação, seria preciso ter boa condição financeira.
A participação desses trabalhadores na comunidade é proativa e todos consideraram importante colaborar com a comunidade ou com o sindicato, como sintetizado por Ernesto: "Eu sou sindicalizado, do sindicato eu participo" e por Maria: "Faço parte da Associação de Moradores do Bairro de Fátima."
Notou-se certa expectativa dos garis em continuar trabalhando na aposentadoria. A exceção foi Gilson, que alegou ter feito seu "pé de meia" e que o dinheiro não era tudo. Eles deixaram claro que não pretendiam trabalhar formalmente como empregados ou com obrigações de um contrato de trabalho formal, mas porque queriam continuar se sentindo participantes da sociedade. Maria e Fernando declararam que, ao se aposentar, continuariam trabalhando, mas por conta própria. Alguns precisavam manter uma renda além da aposentadoria, eoutros não sabiam como enfrentar as dificuldades de se sentirem "inúteis" em casa. Ernesto endossou a afirmativa da assistente social da empresa quanto à possibilidade de continuar trabalhando na própria empresa, após a aposentadoria, quando sustentou que "Vou aposentar e continuar trabalhando. Se quiser, continuo trabalhando lá na empresa."
Apesar de não haver desejo explícito pelo desenvolvimento da criatividade, eles têm outras práticas, como "fazer seus negocinhos" ou realizar artesanato, como observado por Maria: "Faço uns paninhos, sabe... bordado."
No tocante ao aconselhamento psicológico, a maioria se mostrou pouco à vontade com o assunto, não sendo uma prática adotada: "Graças a Deus nunca precisei de psicólogo, nunca fui não" (Gilson). A exceção foi Ernesto, que já havia recorrido a este tipo de ajuda: "Já fui ao psicólogo... A cidade grande deixa qualquer um desorientado."
Relacionamentos sociais, saúde e lazer
A maioria apresentou certo distanciamento no que diz respeito ao convívio com os amigos. De forma geral, os participantes revelaram que esses relacionamentos se resumiam ao ambiente de trabalho, aos protocolos formais de educação (bom dia, boa tarde, boa noite, como vai? Tudo bem?), dentro da família ou relacionada à pratica religiosa, como relatado por José: "Amigo certo mesmo é o nosso Deus" ou de Ernesto:"Confiança em você e procurar respeitar os direitos dos outros."
Grande parte das atividades de lazer era realizada com a família, à exceção das conversas no bar da esquina: "Tomo umas cervejinhas, vejo os amigos, vou para a tendinha bater papo com os camaradas" (Inácio).
As amizades fluíam melhor para a participante do sexo feminino, que ressaltou a importância das amizades nos momentos de necessidade: "Minhas amigas me ajudaram muito, mas a maioria é mulher" (Maria). Para essa mulher, o lazer estava também relacionado à vida doméstica: "Quando estou em casa não dá pra sair, gosto de cuidar da minha casa" (Maria).
O trabalho voluntário foi percebido por quase todos como uma prática religiosa, e tinham um papel na comunidade e na igreja, como pode ser observado nos depoimentos: "Na minha comunidade às vezes a gente ajuda na igreja" (José) ou "Sim, sempre na comunidade quando eles precisam, eu ajudo" (Inácio).
A saúde é percebida como um dos mais importantes fatores para o bem-estar, mas os participantes divergem quando avaliam seu próprio estado de saúde. Uns declararam estar em ótimas condições, outros nem tanto. Eles realizavam consultas médicas periódicas obrigatórias da empresa e pelo plano de saúde, deixando transparecer que a promoção de saúde é de alguma forma sistemática, embora para Inácio a prática seja emergencial: "Às vezes, quando sinto alguma coisa vou ao médico. Tenho o costume de ir ao posto de saúde verificar a pressão."
A maioria estava consciente de que refeições mais saudáveis poderiam trazer consequências positivas na saúde, mas o tipo de trabalho que desenvolviam os obrigava a uma refeição menos leve, como pode ser observado nas falas: "Comer uma saladinha, pouca gordura, mas preciso de algo que dê energia para trabalhar" (Gilson) ou "Salada de verduras cozidas, sem fritura... nada pesado... Mas onde esquentar a marmita?" (Fernando).
Os garis informaram ainda que não tinham tempo para realizar atividades físicas devido à rotina "pesada" e cansativa imposta pelo trabalho. Andavam muito tempo sob o sol ou sob a chuva e ao final do dia de trabalho se encontravam cansados demais para fazerem qualquer exercício.
Investimentos e novas oportunidades de trabalho
O investimento financeiro para a aposentadoria foi o aspecto mais privilegiado na pesquisa como um todo. A equipe, entretanto, ficou surpresa com as declarações dos garis, que afirmaram possuir casa própria, poupança e até diversificavam investimentos para aumentar a renda. Gilson afirma: "Eu tenho poupança e sete casinhas alugadas" ou pelo discurso de Ernesto: "Eu abri uma poupança pra mim desde que entrei na empresa, há 19 anos, por isso é que falei que não pretendo trabalhar, já fiz meu pé de meia."
Independentemente da poupança para a aposentadoria, alguns participantes pretendem continuar trabalhando, como representado nas falas a seguir.
Eu já tenho uma tendinha e vou trabalhar nela quando me aposentar. (Inácio)
Eu vou viver do ordenado que receber e fazer meus negocinhos para ganhar mais. A gente tem um bufê e quando me aposentar daqui, vou trabalhar no bufê com minha mulher.
Hoje, já faço trabalhos de motorista para ela. (Fernando)
A visão de economia destas pessoas pareceu diversificada e, apesar de ganharem pouco, conseguem economizar. Esta visão foi representada por uma gari que, apesar de afirmar não conseguir economizar, contribui para um plano de previdência privada e estava preocupada com o futuro: "Eu não guardo nada... meu dinheiro mal dá pra comer. Eu pago um seguro para receber na aposentadoria. Eu não entendo nada, eu só pago" (Maria).
Um dos participantes, ao abordar o tema, se emocionou e relatou que sua família tinha posses, mas não soube administrar seus bens, tornando-a muito mais difícil para todos. Ainda assim, admitiu que esta lição fez com que aprendesse a economizar: "Minha família tinha dinheiro, mas perdeu tudo. Assim, eu aprendi a juntar para não passar necessidades" (Ernesto).
Relacionamentos familiares
O grupo discutiu aspectos da vida familiar e como estes laços se fortaleceram, mesmo diante das diversidades apresentadas (alcoolismo, desemprego, problemas de saúde, morte de familiares, entre outras) e o que poderiam melhorar para alcançar um relacionamento mais harmonioso.
Parece haver uma atenção especial dos participantes, frente aos relacionamentos com o parceiro e os filhos, visto que todos desejam manter os laços familiares em harmonia. A maioria vive com os filhos na mesma casa ou em casa anexa e avaliam positivamente estes relacionamentos:
Muito bom, tenho dois filhos já casados que moram muito perto de mim e um de 11 anos que ainda estamos criando. (Fernando)
Ótimo, graças a Deus. Tenho um filho de 14 anos que crio junto com minha ex-companheira e os mais velhos já têm família. (Gilson)
Foi possível observar exemplos de superação e resiliência frente aos momentos de sofrimento e dificuldades ao longo da vida.
Consegui tirar meu marido da bebida, graças a Deus... um bocado de anos, eu lutei muito com esse homem. Agora é que ele "tá" sendo o homem que eu queria. (Maria)
Eu tenho uma companheira que atualmente é que me ajuda demais da conta... Quando a minha mulher morreu, minha filha tinha dois anos e oito meses... esta companheira me ajudou nas tarefas... minha menininha hoje já tem 14 anos. (Ernesto)
Qualidade de vida no trabalho e bem-estar na aposentadoria
Os participantes foram estimulados a refletir sobre seu trabalho e o que poderiam fazer para melhorar a qualidade de vida no trabalho, que não foi tão bem avaliada pelo grupo. A situação é ainda mais grave se forem consideradas as condições do ambiente (clima e temperatura) a que se submetem quando trabalham nas ruas, expostos ao calor, frio, vento e chuva, ou quando trabalham na comunidade.
Aqueles que trabalham em escolas ou na praia admitiram que o trabalho era mais leve, como no caso de Maria, que tinha mais qualidade de vida no trabalho, pois atuava dentro de uma escola e estava abrigada do vento, chuva e frio. Além disso, na escola ela recebia mais respeito da sociedade e consideração da chefia. Os garis, contudo, discordavam que esta proteção era uma norma adotada pela empresa, à medida que envelheciam.
Para os garis, determinados locais eram considerados como sendo muito violentos e o trabalho nas ruas dava maior proximidade com esta violência. Nas comunidades, algumas vezes os garis eram obrigados (por marginais) a carregar os corpos de pessoas assassinadas em seus carrinhos ou a transportar marginais escondidos, durante a perseguição com a polícia.
A falta de treinamento e de preparo dos encarregados para comandá-los foram alguns aspectos que influenciavam a qualidade do trabalho. Reclamaram da ausência de um sistema de acesso funcional e de promoção por mérito e a necessidade de que todos os garis mais velhos exercessem tarefas mais leves.
Os garis definiram bem-estar como a possibilidade de cuidar e conviver com a família, ter recursos suficientes para o lazer e para manter a saúde. Eles se mostraram satisfeitos pela oportunidade que a pesquisa ofereceu para refletir sobre a aposentadoria. O grupo ressaltou a importância do planejamento de vida, em especial frente à poupança e à educação, que deveriam ser estimulados desde jovens. Ao final, solicitaram futuros encontros antes e após a aposentadoria e a extensão deste trabalho para todos os garis. Todos estes resultados foram comunicados à assistente social responsável pelos Recursos Humanos da organização.
DISCUSSÃO
A percepção que os garis têm da aposentadoria pode ser traduzida como um possível recomeço, focada nos relacionamentos e nas atividades realizadas com cônjuges, filhos e comunidade. A família tem lugar de destaque nos seus projetos, quer continuem trabalhando ou se aposentem definitivamente. Os resultados confirmam os estudos anteriores sobre a importância das relações familiares para o bem-estar na aposentadoria.5-7,15,27-30
No que se refere à condição de saúde atual e em como esses garis estão se cuidando para a aposentadoria, concluíram que pretendem cuidar mais da saúde e da alimentação, embora as condições insalubres do trabalho que executam provavelmente não irão facilitar tal cuidado, como mencionado no estudo de Santos & Silva.9 Por outro lado, não há onde esquentar a marmita e nem sempre conseguem se alimentar adequadamente. Esta realidade foi apontada há 18 anos por Santos, Schaffer & Donatteli,18 e parece não ter mudado ao longo dos anos, apesar dos tíquetes-refeição e do vale-alimentação. Além disto, os garis não praticavam atividades físicas, quer por conta do horário de trabalho ou pela exaustão da rotina da rua.
O lazer para esses garis estava em segundo plano, diante do pouco tempo e recursos financeiros disponíveis. Alguns argumentaram que esta situação poderia se modificar na aposentadoria, já que tinham poupança e poderiam viajar e se divertir mais. Uma medida para estimular a participação em atividades físicas, educação ou lazer seria a redução da carga horária dois anos antes da aposentadoria. Um diagnóstico de interesses daria elementos para a criação de dinâmicas periódicas para apoiar os garis na construção do novo projeto de vida.5,6
Não houve, por parte dos garis, uma preocupação quanto às eventuais perdas salariais, já que o rendimento na aposentadoria seria semelhante ao que recebiam na "ativa" ou na época da pesquisa. Eles sabiam que a aposentadoria não traria a ascensão para outra classe social, mas pareciam confiantes de que não ficariam mais pobres do que já eram.
Outro fator que surpreendeu foi que, apesar de não terem tido qualquer discussão prévia sobre o tema, estava claro para eles que, para serem bem-sucedidos na aposentadoria, era necessário melhorar o relacionamento familiar e a saúde, intensificar atividades sociais e de lazer e realizar antigos projetos. Tais aspectos foram identificados também nas pesquisas com executivos,5 trabalhadores de cargos não-gerenciais,6 professores universitários,27 policiais federais,28 professores e servidores das universidades.8,29 Na prática dos Programas de Preparação ou de Orientação para a Aposentadoria,5-8,30 estes conteúdos são propostos pelos pré-aposentados, apresentados nas palestras e intensificados nas dinâmicas vivenciais.
Todos ressaltaram que participar da pesquisa foi como estar se preparando para a aposentadoria. Isso ficou mais claro no sexto encontro, quando os participantes declararam estar saindo dali com uma bagagem que os acompanharia por algum tempo.
Apesar de o objetivo deste trabalho não abranger o comportamento resiliente,31 os garis verbalizaram expectativas positivas frente à aposentadoria, embora sofram com o trabalho árduo e as dificuldades e tristezas que tiveram ao longo da vida. Um dos exemplos foi a agente que apoiou seu marido no tratamento contra o alcoolismo, embora, por um período, fosse obrigada a viver apenas com suas filhas, até para evitar possível agressão ou mesmo preservar a imagem do pai. Neste caso, a crença de que seria possível o marido superar o alcoolismo a ajudou na recuperação do próprio marido e de seu casamento. Isto a fez ter perspectivas positivas na vida familiar, que incluem a participação ativa do seu parceiro. Esses resultados corroboram a afirmação clássica de Ekerdt & Bossé,32 de que as dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores podem servir como um antídoto para gerenciar e lidar melhor com a vida na aposentadoria.
Esta pesquisa foi prevista para ser realizada com dez participantes e, por motivos apresentados na seção Método, apenas seis compareceram às seis sessões organizadas. Metodologicamente, a média dos participantes nos grupos focais deve abranger de cinco a 12 pessoas. Antoni et al.33 afirmam que "em um grupo pequeno, em torno de seis, cada um tem mais oportunidade para falar e isto facilita ao moderador o gerenciamento da dinâmica do grupo, o processo de informações e a atenção individualizada para cada participante." Assim, considerando tanto a complexidade do tema, quanto a tipologia do cargo dos garis e sobretudo a dificuldade em garantir a presença dos garis face ao serviço de utilidade pública que prestam, o total de seis participantes foi considerado plenamente aceitável para esta pesquisa. É ainda apropriado frisar que esses garis participaram ativa e interessadamente de todas as sessões, o que propiciou uma oportunidade ímpar para refletirem sobre um tema que ainda não haviam discutido anteriormente.
Apesar disso, uma das limitações desta pesquisa é não podermos generalizar seus resultados, pois é fundamental considerar as diferenças regionais e as diferentes diretrizes e políticas de recursos humanos adotadas por outras empresas de limpeza urbana, junto aos garis, que podem variar mesmo dentro de um mesmo Estado. Assim, a pesquisa sobre a aposentadoria dos garis precisa ser expandida para outras regiões do Brasil e outros métodos poderiam ser utilizados para a coleta de dados.
Outra limitação deste estudo foi o não acompanhamento dos participantes e a ausência de pesquisa complementar comparativa com os garis já aposentados. Quando o relatório desta pesquisa foi entregue à empresa, recomendamos a realização de encontros complementares a este estudo, de forma a que os garis fossem acompanhados no projeto de vida para a aposentadoria. Foi solicitada ainda a expansão da pesquisa com garis já aposentados, mas a empresa não nos retornou.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa evidenciou homogeneidade nas percepções dos garis quanto aos relacionamentos familiares, que é o tema central de suas vidas. Eles apresentaram similaridades também quanto a se manterem ativos na comunidade e a realizar uma atividade laborativa na aposentadoria. Em contrapartida, demonstraram diferenças no que concerne à aquisição de novas tecnologias, à educação e ao aconselhamento psicológico.
A melhoria das condições de clima e do ambiente do trabalho e a redução das rotinas mais árduas, à medida que os trabalhadores envelhecem, podem contribuir para sua saúde agora e no futuro. Os resultados indicam diretrizes a serem adotadas pelos órgãos de recursos humanos que precisam melhorar as condições de trabalho para os garis, tendo em vista a história de vida árdua e os limites da força física e resistência em função da idade, bem como sua segurança física dentro das comunidades. Por outro lado, devem ser priorizadas a redução de carga horária, a atualização e a oferta de programas de preparação para a aposentadoria para aqueles que estejam a, pelo menos, dois anos da transição para a aposentadoria, com ênfase no projeto de vida e o bem-estar no futuro.
Futuras pesquisas longitudinais devem ser realizadas antes, durante e após a transição da aposentadoria em todos os níveis de trabalhadores, gerencial, técnico e operacional, comparando os indicadores de satisfação e bem-estar dos participantes daqueles que passaram ou não por um programa de preparação para a aposentadoria. Tais comparações permitirão confirmar a importância desta preparação e a intensificação dos programas de preparação para a aposentadoria nas organizações, conforme recomenda a legislação brasileira.
Recebido: 23/03/2012
Revisado: 29/06/2012
Aprovado: 08/08/2012
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Fev 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012
Histórico
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Recebido
23 Mar 2012 -
Aceito
08 Ago 2012 -
Revisado
29 Jun 2012