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Fatores associados à qualidade de vida de idosos que cuidam de outros idosos

Resumo

Objetivo:

Avaliar a associação entre a vulnerabilidade por ser idoso e ser cuidador e a qualidade de vida avaliada pelos fatores do Control, Autonomy, Self-realization and Pleasure (CASP-19).

Método:

Participaram deste estudo descritivo transversal, 148 idosos cuidadores selecionados por conveniência em serviços de saúde públicos e privados brasileiros - amostra do estudo “Bem-estar psicológico de idosos que cuidam de outros idosos no contexto da família”. Para este estudo, foram selecionadas as variáveis condições de saúde do cuidador, demanda de cuidados, percepção de sobrecarga, avaliação subjetiva da saúde e qualidade de vida. Foram realizadas análises descritivas, testes qui-quadrado, exato de Fisher, Kruskal-Wallis e análises de regressão logística hierárquica multivariada, com critério Stepwise de seleção de variáveis.

Resultados:

Nas análises multivariadas hierárquicas, verificou-se que o número de sintomas e sobrecarga total foi significativamente associado à pior qualidade de vida. Os idosos com maior risco de pior qualidade de vida apresentavam três ou mais sintomas e sobrecarga alta. As variáveis número de doenças, sobrecarga e avaliação subjetiva da saúde comparada com passado foram significativamente associadas à pior qualidade de vida.

Conclusão:

Pode-se concluir que, para o cuidador idoso, aspectos de saúde física (sinais e sintomas, doenças crônicas e percepção de piora da saúde) aliados à sobrecarga são os aspectos que mais influenciam a qualidade de vida desse tipo de cuidador.

Palavras-chave:
Cuidadores; Idoso; Qualidade de Vida; Vulnerabilidade em Saúde

Abstract

Objective

: To evaluate the association between the double vulnerability of being elderly and a caregiver and quality of life assessed by Control, Autonomy, Self-realization and Pleasure factors (CASP-19).

Method

: 148 elderly caregivers participated in the present study. They were selected for convenience from Brazilian public and private health services - a sample from the study “The Psychological Well-Being of Elderly Persons Caring for Other Elderly Persons in a Family Context”. The variables: caregiver’s state of health, care demands, perception of burden, self-rated health, and quality of life were selected. Descriptive analyses, chi-squared tests, Fisher’s exact test, the Kruskal-Wallis test and analysis of multivariate hierarchical logistics were carried out, with theStepwisecriteria applied for selection of variables.

Results

: The hierarchical multivariate analyses found that number of symptoms and total burden were significantly associated with a poorer quality of life. Elderly persons with three or more symptoms and those with a high burden level were at a higher risk of poor quality of life. The variables number of diseases, burden, and self-rated health compared with the past, were significantly associated with a poorer quality of life.

Conclusion

: It can be concluded that for the elderly caregiver, physical aspects (signs and symptoms, chronic diseases and a perception of health deterioration) combined with burden are the aspects that most influence quality of life.

Keywords:
Caregivers; Elderly; Quality of Life; Health Vulnerability

INTRODUÇÃO

A literatura sobre cuidadores informais de idosos é ampla, sendo ressaltada a importância de estudos com cuidadores diante da realidade do envelhecimento populacional11 Moral-Fernández L, Frías-Osuna A, Moreno-Cámara S, Palomino-Moral PA, del-Pino-Casado R. Primeros momentos del cuidado: el proceso de convertirse en cuidador de un familiar mayor dependiente. Aten Primaria. 2018;50(5):282-90.

2 Nunes DP, Brito TRP de, Corona LP, Alexandre T da S, Duarte YA de O. Elderly and caregiver demand: proposal for a care need classification. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 2):844-50.
-33 van Dam PH, Achterberg WP, Caljouw MAA. Care-Related Quality of Life of Informal Caregivers After Geriatric Rehabilitation. J Am Med Dir Assoc. 2017;18(3):259-64.. No entanto, uma das consequências do envelhecimento populacional ainda foi pouco investigada: o crescente número de idosos que são cuidadores de outros idosos. Esse perfil de cuidador merece atenção, pois os idosos são mais vulneráveis devido a sua fragilidade biológica e apresentam maior propensão ao desenvolvimento de doenças crônicas44 Boccolini CS, Camargo AT da SP. Morbimortalidade por doenças crônicas no Brasil: situação atual e futura. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2016.

5 Mino-León D, Reyes-Morales H, Doubova SV, Pérez-Cuevas R, Giraldo-Rodríguez L, Agudelo-Botero M. Multimorbidity Patterns in Older Adults: An Approach to the Complex Interrelationships Among Chronic Diseases. Arch Med Res. 2017;48(1):121-7.
-66 Stenholm S, Westerlund H, Head J, Hyde M, Kawachi I, Pentti J, et al. Comorbidity and Functional Trajectories From Midlife to Old Age: The Health and Retirement Study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2015;70(3):332-8.. Ademais, os cuidadores de idosos, por sua vez, são também vulneráveis à possível sobrecarga de atividades e responsabilidades e ao isolamento social77 Ajay S, Kasthuri A, Kiran P, Malhotra R. Association of impairments of older persons with caregiver burden among family caregivers: Findings from rural South India. Arch Gerontol Geriatr. 2017;68:143-8.

8 Ringer T, Hazzan AA, Agarwal A, Mutsaers A, Papaioannou A. Relationship between family caregiver burden and physical frailty in older adults without dementia: a systematic review. Syst Rev [Internet]. 2017 [cited 2018 Aug 23];6(1). Available from: http://systematicreviewsjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13643-017-0447-1
http://systematicreviewsjournal.biomedce...

9 Moon H, Townsend AL, Whitlatch CJ, Dilworth-Anderson P. Quality of Life for Dementia Caregiving Dyads: Effects of Incongruent Perceptions of Everyday Care and Values. The Gerontologist. 2016;38(1):57-62.
-1010 Alshammari S, Alzahrani A, Alabduljabbar K, Aldaghri A, Alhusainy Y, Khan M, et al. The burden perceived by informal caregivers of the elderly in Saudi Arabia. J Fam Community Med. 2017;24(3):145-50.. O cuidador idoso sofre, portanto, uma dupla vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, em que precisa lidar com as necessidades do cuidado, precisa lidar com as demandas da própria saúde.

Metanálise realizada por Pinquart e Sorensen1111 Pinquart M, Sörensen S. Correlates of physical health of informal caregivers: a meta-analysis. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2007;62(2):126-37. mostrou que cuidadores idosos têm pior saúde física do que os mais jovens. Considerando aspectos psicológicos, no estudo de Borg e Hallberg1212 Borg C, Hallberg I. Life satisfaction among informal caregivers in comparison with non-caregivers. Scand J Caring Sci. 2006; 20: 427-38. com cuidadores de 50 a 89 anos de idade, a satisfação com a vida decresceu conforme o aumento da idade. No entanto, Chow e Ho1313 Chow EO-w, Ho HCY. Caregiver strain, age, and psychological well-being of older spousal caregivers in Hong Kong. J. Soc. Work. 2015; 15(5):479-97. estudaram cônjuges cuidadores a partir de 55 anos e verificaram que cuidadores mais velhos pontuaram significativamente mais baixo em distress emocional e social, sentimentos negativos e depressão. Apesar disso, apresentaram maior bem-estar subjetivo.

Neste contexto, o Control, Autonomy, Self-realization and Pleasure (CASP-19) surgiu pela necessidade de um instrumento que avaliasse a qualidade de vida teoricamente embasada e que fosse específico para pessoas mais velhas. Esse instrumento é constituído de quatro domínios: controle, autonomia, prazer e autorrealização. A escala foi desenvolvida com base na Teoria das necessidades básicas de Maslow que compreende que a qualidade de vida deve ser avaliada como o grau no qual as necessidades humanas são satisfeitas1414 Hyde M, Wiggins RD, Higgs P, Blane DB. A measure of quality of life in early old age: The theory, development and properties of a needs satisfaction model (CASP-19). Aging Ment Health. 2003;7(3):186-94..

Estudo de Di Novi et al.1515 Di Novi C, Jacobs R, Migheli M. The Quality of Life of Female Informal Caregivers: From Scandinavia to the Mediterranean Sea. Eur J Popul. 2015;31(3):309-33. com amostra das duas primeiras ondas do estudo The Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE), realizado em 11 países europeus, utilizou o CASP-19 para comparar cuidadores e não cuidadores com idade a partir de 50 anos. Os autores dividiram a amostra em três grupos (norte da Europa, sul da Europa e Europa continental), de acordo com as despesas públicas de cuidado de longa duração. Os resultados mostraram a complexidade cultural dos cuidados informais, pois houve diferenças entre cuidadores e não cuidadores nos resultados do CASP-19 total e dos fatores. Esses dados mostram que as diferenças socioculturais influenciam a percepção da qualidade de vida dos cuidadores; necessitando, portanto, de um cuidado na comparação de estudos entre diferentes regiões do mundo e adequação dos instrumentos e formas de trabalho.

Rafnsson et al.1616 Rafnsson SB, Shankar A, Steptoe A. Informal caregiving transitions, subjective well-being and depressed mood: Findings from the English Longitudinal Study of Ageing. Aging Ment Health. 2015; 24;1-9. analisaram 6.784 participantes das três primeiras ondas do English Longitudinal Study of Ageing (ELSA) para investigar prospectivamente o impacto das transições no cuidado informal sobre o bem-estar emocional dos idosos. Os resultados mostraram que em comparação com não cuidadores, os cuidadores de cônjuges ou pais tinham menor pontuação no CASP-19 na linha de base e no seguimento. Os participantes que não eram cuidadores na linha de base, mas que cuidaram do cônjuge ou dos seus pais após dois anos, bem como aqueles que continuaram com o status de cuidado apresentaram piora na pontuação do CASP-19.

Neste contexto, o instrumento CASP-19 tem se mostrado eficaz em várias investigações e alguns desses estudos1717 Hyde M, Higgs P, Wiggins RD, Blane D. A decade of research using the CASP scale: key findings and future directions. Aging Ment Health. 2015;19(7):571-5.,1818 Neri AL, Borim SA, Cachioni M, Rabelo DF, Fontes AP, Yassuda MS. Nova validação semântico-cultural e estudo psicométrico da CASP-19 em adultos e idosos brasileiros. Cad. Saúde Pública. 2018; 34(10): e00181417 sugeriram trabalhar com fatores diferentes dos propostos inicialmente. É importante salientar que, embora a escala tenha apresentado boa consistência interna em vários estudos, a relação entre os itens mostrou variabilidade. Isso parece estar relacionado a características específicas de cada população. Essas especificidades precisam ser mais bem exploradas para a compreensão mais detalhada do fenômeno. Em estudo precedente com essa amostra1919 Flesch LD, Batistoni, SST, Neri, AL, Cachioni, M. Idosos que cuidam de idosos: dupla vulnerabilidade e qualidade de vida. Paideia (Ribeirão Preto). No prelo 2019., foi estabelecida uma associação entre a dupla vulnerabilidade e a qualidade de vida avaliada pelo CASP-19.

No presente estudo, tem-se por objetivo avaliar a associação entre a dupla vulnerabilidade (i.e., idosos que cuidam de outros idosos) e a qualidade de vida avaliada pelos fatores do CASP-19. Neste contexto, busca-se compreender melhor essa relação pela avaliação do desmembramento do CASP-19 em fatores. O modelo escolhido foi o desenvolvido por Neri et al.1818 Neri AL, Borim SA, Cachioni M, Rabelo DF, Fontes AP, Yassuda MS. Nova validação semântico-cultural e estudo psicométrico da CASP-19 em adultos e idosos brasileiros. Cad. Saúde Pública. 2018; 34(10): e00181417, que realizaram uma validação semântico-cultural para adultos e idosos brasileiros. Além disso, as autoras realizaram análise fatorial e encontraram dois modelos com três e com dois fatores. A proposta dessa pesquisa é priorizar a semelhança entre amostras e utilizar o modelo com dois fatores (o fator 1 avaliando prazer e autonomia e o fator 2 relacionado a autonomia e controle com conotação negativa), por ser o único estudo que realizou análise fatorial do instrumento com uma amostra brasileira.

MÉTODO

Os dados desta pesquisa foram coletados no período de outubro de 2014 a setembro de 2015 e são provenientes do estudo “Bem-estar psicológico de idosos que cuidam de outros idosos no contexto da família” em desenvolvimento na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. O projeto utilizou o delineamento do tipo descritivo transversal e teve como objetivo analisar os efeitos do prestar cuidados sobre a saúde física e mental do cuidador, fundamentado no modelo de estresse e enfrentamento proposto por Pearlin et al.2020 Pearlin LI, Mullan JT, Semple SJ, Skaff MM. Caregiving and the stress process: an overview of concepts and their measures. The Gerontologist. 1990;30(5):583-94.. Dessa base de dados, foram selecionadas as variáveis sociodemográficas (idade, sexo, data de nascimento, escolaridade, estado conjugal e se possui trabalho remunerado), satisfação das necessidades de qualidade de vida, autoavaliação de saúde, sobrecarga percebida, medidas de saúde física do cuidador e de grau de dependência física e cognitiva do idoso alvo de cuidados para a realização desta pesquisa.

O tamanho da amostra foi estimado com base nas correlações entre as medidas de qualidade de vida e de enfrentamento investigadas no estudo. Foi utilizado o método do coeficiente de correlação de Pearson, com transformação de Fisher, considerando o nível de significância de 1%, poder do teste de 90%, correlação nula de 0,10 e correlação mínima de 0,40, resultando na necessidade de avaliar 140 cuidadores.

A amostra foi constituída por 148 pessoas com idade a partir de 60 anos que cuidam informalmente de outros idosos com algum tipo de comprometimento físico ou cognitivo. Foram recrutados por conveniência em serviços de saúde públicos e privados em cidades do sudeste brasileiro: Jundiaí (38,5%), Indaiatuba (29,1%), Campinas (18,2%) e Vinhedo (14,2%), todas no estado de São Paulo.

Critérios de exclusão: pontuar abaixo da nota de corte do Cognitive Abilities Screening Instrument - Short Form (CASI-S) validado para o Brasil por Damasceno et al.2121 Damasceno A, Delicio AM, Mazo DFC, Zullo JFD, Scherer P, Ng RTY, et al. Validation of the Brazilian version of mini-test CASI-S. Arq Neuropsiquiatr [Internet]. 2005 Jun [cited 2016 Aug 17];63(2b). Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X2005000300010&lng=en&nrm=iso&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. O ponto de corte para deficit cognitivo é de 23 para idosos de 60 a 69 anos e 20 para idosos de 70 anos e mais de idade.

Inicialmente, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (nº parecer: 822.364/2014). Então, os participantes foram convidados a participar da pesquisa no serviço de saúde no qual o idoso alvo de cuidados é atendido. Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi realizada a aplicação do protocolo de pesquisa, que teve duração de aproximadamente uma hora. As entrevistas foram realizadas no local do serviço ou no domicílio, quando não foi possível a permanência do cuidador no serviço. A realização das entrevistas no serviço foi autorizada pelos profissionais responsáveis por meio de documento impresso. Sete entrevistadores treinados realizaram as entrevistas em locais e horários previamente acordados com os participantes.

As entrevistas foram conduzidas em duas partes. A primeira continha perguntas sobre as variáveis socioeconômicas do cuidador e da família, cognição do idoso alvo de cuidados, bem como sobre as condições de saúde dos participantes. A segunda parte consistiu em avaliações das condições físicas, psicológicas e sociais inerentes à prestação de cuidados, da funcionalidade familiar, das condições de saúde e da funcionalidade do alvo de cuidados, avaliação subjetiva da sobrecarga do cuidado, do bem-estar subjetivo, enfrentamento, e autoavaliação de saúde. Foi oferecido aos participantes, após a entrevista, um livreto com instruções que podem facilitar a comunicação com pessoas idosas. Os instrumentos utilizados estão descritos no Quadro 1.

Quadro 1
Variáveis de interesse e instrumentos utilizados no estudo. Campinas, SP, 2015.

Para descrever o perfil da amostra, foi realizada análise descritiva. Foram utilizados os testes qui-quadrado e exato de Fisher para comparação das variáveis categóricas. O teste de Kruskal-Wallis foi realizado para comparar as variáveis numéricas entre três grupos. Após o uso do teste de Kruskal-Wallis, foi usado o teste de comparações múltiplas post-hoc de Dunn, que identifica as diferenças aos pares. Para analisar a associação das variáveis independentes com a qualidade de vida foi utilizada a análise de regressão logística hierárquica multivariada, com critério Stepwise de seleção de variáveis. O nível de significância adotado foi de 5%.

RESULTADOS

Os participantes tinham entre 60 e 86 anos, com média de 69,8 (+7,1) anos, a maioria era mulher (77%) e tinha entre 0 e 4 anos de escolaridade (87%), 51% eram o único cuidador. Com relação ao alvo de cuidados, 62% eram cônjuges, 28% progenitores e 10% outros familiares, a média de idade foi de 81 (+9,8) anos.

Nas tabelas 1 e 2, encontram-se os resultados das comparações das variáveis categóricas e numéricas entre os tercis do escore dos fatores de qualidade de vida e os resultados da análise de regressão logística hierárquica para pior qualidade de vida fator 1 e fator 2. Verificou-se diferença significativa entre os tercis do escore do fator 1 de qualidade de vida e número de sintomas (maior frequência de três ou mais sintomas nos cuidadores com pior qualidade de vida), fragilidade (maior frequência de cuidadores frágeis naqueles com pior qualidade de vida), escore total e fatores de sobrecarga Zarit (maior frequência de maior sobrecarga naqueles com pior qualidade de vida), e avaliação subjetiva de saúde atual e comparada com o passado (maior frequência de pior avaliação subjetiva de saúde atual e comparada com o passado nos cuidadores com pior qualidade de vida).

Tabela 1
Comparação entre as frequências do Casp-19/fator 1 e resultados da análise de regressão logística univariada para pior qualidade de vida/fator 1, saúde física, dependência do alvo de cuidados, sobrecarga e autoavaliação de saúde (N=148). Campinas, SP, 2015.
Tabela 2
Comparação entre as frequências do Casp-19/fator 2 e resultados da análise de regressão logística univariada para pior qualidade de vida/fator 2, saúde física, dependência do alvo de cuidados, sobrecarga e autoavaliação de saúde (N=148). Campinas, SP, 2015.

Também verificou-se diferença significativa entre os tercis do escore do fator 2 de qualidade de vida para: sexo (maior frequência de sexo feminino nos cuidadores com pior qualidade de vida), número de doenças (maior frequência de três ou mais nos cuidadores com pior qualidade de vida), escore total e fatores de sobrecarga Zarit (maior frequência de maior sobrecarga nos cuidadores com pior qualidade de vida), e avaliação subjetiva de saúde (maior frequência de regular com pior qualidade de vida).

Nas análises multivariadas hierárquicas, verificou-se que o número de sintomas e sobrecarga total foram significativamente associados à pior qualidade de vida no escore do fator 1. Os idosos com maior risco de pior qualidade de vida foram: com três ou mais sintomas (risco 3,0 vezes maior), e com sobrecarga alta (risco 5,9 vezes maior). As variáveis número de doenças, sobrecarga fator 2 e avaliação subjetiva da saúde comparada com passado foram significativamente associadas à pior qualidade de vida no escore do fator 2. Os idosos com maior risco de pior qualidade de vida foram: com três ou mais doenças (risco 5,0 vezes maior), com sobrecarga alta no fator 2 (risco 6,0 vezes maior), e com pior avaliação de saúde comparada com passado (risco 4,9 vezes maior).

DISCUSSÃO

Embora com dimensões diferentes, a sobrecarga foi a variável mais importante na determinação da qualidade de vida. Para o fator 1, permaneceu no modelo a sobrecarga total. Com relação ao fator 2, apenas a sobrecarga-fator 2 permaneceu no modelo final.

O fator 1 está mais relacionado a questões referentes a prazer e autorrealização, como a pessoa percebe a sua vida. Essa associação era esperada, pois, embora a sobrecarga percebida tenha sido associada com questões objetivas relacionadas ao cuidado, como grau de dependência do alvo de cuidados e horas dedicadas ao cuidado3434 Fuhrmann AC, Bierhals CCBK, Santos NO dos, Paskulin LMG. Association between the functional capacity of dependant elderly people and the burden of family caregivers. Rev Gaúcha Enferm. 2015;36(1):14-20.,3535 Adelman RD, Tmanova LL, Delgado D, Dion S, Lachs MS. Caregiver Burden: A Clinical Review. JAMA. 2014;311(10):1052., também foi relacionada com variáveis qualidade de vida e bem-estar do cuidador3636 Rodríguez-Pérez M, Abreu-Sánchez A, Rojas-Ocaña MJ, del-Pino-Casado R. Coping strategies and quality of life in caregivers of dependent elderly relatives. Health Qual Life Outcomes [Internet]. 2017 Jan [cited 2018 Aug 23];15(1). Available from: http://hqlo.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12955-017-0634-8
http://hqlo.biomedcentral.com/articles/1...
,3737 IsIk K, Erci B. Life Satisfaction and Care Burden of Caregivers Who Provide Care at Home to Elderly Patients and the Inflfluencing Factors. Turk Klin J Nurs Sci. 2018;10(1):11-7..

O fator 2 está mais relacionado à controle e autonomia, principalmente relacionado a fatores externos. Contador et al.3838 Contador I, Fernández-Calvo B, Palenzuela DL, Miguéis S, Ramos F. Prediction of burden in family caregivers of patients with dementia: A perspective of optimism based on generalized expectancies of control. Aging Ment Health. 2012;16(6):675-82. avaliaram a sobrecarga de cuidadores informais de pacientes com demência e verificaram que aspectos relacionados a controle (autoeficácia e contingência) foram as variáveis que mais explicaram a sobrecarga. Neste estudo, apenas a sobrecarga fator 2, que diz respeito a tensões intrapsíquicas permaneceu no modelo final.

Com relação à saúde do cuidador, ter mais sinais e sintomas foi associado com pior qualidade de vida do fator 1 e as doenças crônicas foram associadas à qualidade de vida do fator 2. Embora os sinais e sintomas estejam diretamente relacionados com a saúde física, estudos mostram que a manifestação dos sintomas não ocorre da mesma forma para todos os sujeitos. A percepção dos sintomas está relacionada com atenção a estados internos, humor, cognição e ambiente3939 Ogden J. Health psychology: a textbook. 5th edition. Maidenhead: Open University Press; 2012..

Assim, apresentar mais sinais e sintomas e perceber maior sobrecarga foi associado com menor qualidade de vida na dimensão prazer e autorrealização; e a presença de mais doenças crônicas, percepção de piora na saúde e mais tensões intrapsíquicas relacionadas ao cuidado estão associadas a menor qualidade de vida na dimensão controle e autonomia.

De um modo geral, a saúde do cuidador (sinais e sintomas, doenças crônicas e percepção de piora da saúde) e a sobrecarga percebida foram os aspectos que foram mais associados à qualidade de vida. No entanto, o grau de dependência física e cognitiva do alvo de cuidados não se mostraram muito importantes nessa associação. Esses dados sugerem que, para o cuidador idoso, a sua saúde e como percebem o ônus do cuidado influenciam mais a qualidade de vida do que as dependências do idoso cuidado.

Embora apresente avanços na teoria sobre idosos que cuidam de outros idosos, este estudo tem limitações. Por não ter usado uma amostra representativa, os resultados não podem ser estendidos para toda a população de idosos cuidadores da população brasileira.

CONCLUSÃO

Considerando os dois fatores, pode-se concluir que, para o cuidador idoso, aspectos de saúde física (sinais e sintomas, doenças crônicas e percepção de piora da saúde) aliados à sobrecarga são os aspectos que mais influenciam a qualidade de vida desse tipo de cuidador.

É importante ressaltar que as condições objetivas de cuidado (grau de dependência física e cognitiva do alvo de cuidados) não se apresentaram como relevantes para a qualidade de vida do cuidador, contrariando outros estudos. Talvez, pelo fato de se tratarem de cuidadores idosos, a saúde do cuidador seja mais importante do que a dependência do alvo de cuidados.

Sugere-se que sejam desenvolvidos mais estudos sobre idosos que cuidam informalmente de outros idosos. É importante que sejam realizadas pesquisas que testem intervenções com esse público específico, a fim de propor melhorias para a qualidade de vida desses cuidadores.

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  • Financiamento:

    Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), por meio de bolsa de doutorado (processo nº 1271787).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2018
  • Aceito
    01 Jun 2019
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