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Tríade iatrogênica em um grupo de mulheres idosas vinculadas a um plano de saúde

Resumo

Objetivo:

Investigar os principais elementos da Tríade Iatrogênica em um grupo de mulheres idosas, com doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e vinculadas a um plano de saúde.

Método:

Estudo epidemiológico, transversal e descritivo, realizado mediante a análise de 3.501 prescrições médicas realizadas à 725 mulheres idosas com ≥65 anos. As medicações foram determinadas como medicamentos potencialmente inapropriados (MPI) segundo quatro instrumentos (AGS Beers 2015; lista PRISCUS; EU(7)-PIM; Consenso Brasileiro de MPI - CBMPI). Além disso, os medicamentos mais prescritos foram estudados segundo as possíveis interações medicamentosas (IM) e classificados quanto ao grau de severidade.

Resultados:

Este estudo revelou que 89,3% do grupo estudado faziam uso de, pelo menos, um elemento da Tríade Iatrogênica, sendo que 44,9% estavam associados ao uso de polifarmácia e MPI. Um total de 48,0% estavam em uso contínuo de pelo menos cinco medicamentos. As principais IM foram entre omeprazol, sinvastatina e levotiroxina, todos de gravidade significativa e com potencial de interação medicamento-alimento. Encontrou-se 35,1% de MPI através dos quatro critérios utilizados, sendo identificado 26,6% pelo CBMPI, 25,8% através do EU(7)-PIM, 24,6% e 6,6% pelo AGS Beers e o PRISCUS, respectivamente.

Conclusão:

Evidenciou-se um alto índice de medicamentos em uso contínuo, MPI e interações medicamentosas potenciais, principalmente de inibidores enzimáticos em um grupo de idosas de risco, devido às suas particularidades clínicas. A idade avançada esteve associada à presença de todos os elementos da tríade iatrogênica. Notou-se ainda que todos os critérios aplicados não apresentaram diferenças significativas, com exceção da lista PRISCUS.

Palavras-chave:
Assistência a Idosos; Uso Excessivo de Medicamentos Prescritos; Lista de Medicamentos Potencialmente Inapropriados; Interações Medicamentosas; Planos de Pré-pagamento em Saúde; Saúde Coletiva

Abstract

Objective:

to study the main elements of the iatrogenic triad in a group of elderly women with a Chronic Non-Communicable Disease (CNCD) contracted to a health plan.

Method:

A cross-sectional and descriptive epidemiological study was carried out by analyzing 3,501 medical prescriptions of 725 elderly women aged ≥65 years. The medications were determined to be Potentially Inappropriate Medications (PIM) based on four instruments (AGS Beers 2015, PRISCUS List, EU(7)-PIM, Brazilian Consensus of PIM - CBPIM). In addition, the most prescribed drugs were assessed for possible Drug Interactions (DI) and classified according to degree of severity.

Results:

the present study revealed that 89.3% of the studied group used at least one element of the iatrogenic triad, and 44.9% of the sample were associated with the use of polypharmacy and PIM. A total of 48.0% were taking at least five continuous use medications. The main DI were omeprazole, simvastatin and levothyroxine, all of which are of significant severity and have potential drug-food interactions. A total of 35.1% of PIM were identified through the four criteria used, 26.6% were identified by the CBPIM, 25.8% by the EU(7)-PIM, and 24.6% and 6.6% by AGS Beers and PRISCUS, respectively.

Conclusion:

a high index of continuous use medications, PIM and potential DI were identified, mainly enzymatic inhibitors in a group of elderly women at risk due to their clinical characteristics. Old age was associated with the presence of all the elements of the iatrogenic triad. It was also noted that there were no significant differences between the criteria applied, except for the PRISCUS list.

Keywords:
Old Age Assistance; Prescription Drug Overuse; Potentially Inappropriate Medication List; Drug Interactions; Prepaid Health Plans; Public Health

INTRODUÇÃO

Os idosos são os maiores consumidores de medicamentos e, ao mesmo tempo, são os mais sensíveis e expostos aos Eventos Adversos Relacionados a Medicamentos (EARM) tais como: prescrição em cascata ou cascata medicamentosa; efeitos tóxicos; Tríade Iatrogênica, caracterizada como a prescrição de pelo menos um medicamento potencialmente inapropriado (MPI) associado ao uso contínuo de polifarmácia e a presença de potenciais interações associadas a medicação, e as reações adversas aos medicamentos (RAM). Estima-se que 30% dos atendimentos de saúde prestados a esse segmento etário estão relacionados a problemas com medicamentos11 Gorzoni ML. Geriatria: medicina do século XXI?. Medicina (Ribeirão Preto). 2017;50(3):144-9.,22 Novaes PH, Cruz DT, Lucchetti ALG, Leite ICG, Lucchetti G. The "iatrogenic triad": polypharmacy, drug-drug interactions, and potentially inappropriate medications in older adults. Int J Clin Pharm. 2017;39(4):818-25..

Uma gama de fármacos comercializados e consumidos por idosos estão associados ao surgimento de diversos tipos de interações medicamentosas (IM), quais sejam: interação medicamento-medicamento, medicamento-doença, medicamento-exames laboratoriais, medicamento-alimento, medicamento-álcool e medicamento-tabaco. Assim, uma resposta farmacológica ou clínica em que os efeitos de uma medicação ficam alterados pela combinação de dois ou mais medicamentos, fitoterápico, alimento, bebida alcoólica ou agente químico ambiental define a presença de IM33 Scrignoli CP, Teixeira VCMC, Leal DCP. Interações medicamentosas entre fármacos mais prescritos em unidade de terapia intensiva adulta. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2016;7(2):26-30..

As RAM são consideradas como uma resposta nociva do organismo e não intencional ao uso de um fármaco cuja posologia é normalmente empregada para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de doenças. Os diuréticos, antilipidêmicos, betabloqueadores, anti-inflamatórios, digitálicos, inibidores (omeprazol, cimetidina e captopril) e indutores enzimáticos (fenitoina e carbamazepina) são alguns dos medicamentos frequentemente causadores de RAM e responsáveis por, aproximadamente, 25% das admissões hospitalares por essa causa, sendo em sua maioria uma reação aguda44 Vera ECBA. Terapia medicamentosa do idoso: fatores de influência [dissertação na Internet]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica; 2017 [acesso 30 ago. 2018]. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/19829/2/Elaine%20Cristina%20Biffi%20Alonso%20Vera.pdf,55 Oliveira HSB, Corradi MLG. Aspectos farmacológicos do idoso: uma revisão integrativa de literatura. Rev Med (São Paulo). 2018;97(2):165-76..

A polifarmácia, considerada como a utilização contínua e simultânea de pelo menos cinco tipos de fármacos diversos, potencializa o risco terapêutico de potenciais IM, prescrição de MPI e de ocasionar RAM. Os MPI são fármacos prescritos por médicos que apresentam um risco de causar efeitos adversos maiores do que os seus benefícios, sendo que existem alternativas eficazes para seu uso. O risco aumentado de reações adversas, o uso de medicações que agravam a doença de base ou a falta de evidencia cientificas acerca da eficácia terapêutica daquela medicação também podem ser consideradas como MPI11 Gorzoni ML. Geriatria: medicina do século XXI?. Medicina (Ribeirão Preto). 2017;50(3):144-9.,44 Vera ECBA. Terapia medicamentosa do idoso: fatores de influência [dissertação na Internet]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica; 2017 [acesso 30 ago. 2018]. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/19829/2/Elaine%20Cristina%20Biffi%20Alonso%20Vera.pdf,55 Oliveira HSB, Corradi MLG. Aspectos farmacológicos do idoso: uma revisão integrativa de literatura. Rev Med (São Paulo). 2018;97(2):165-76.,66 Lutz BH. Inadequação do uso de medicamentos entre idosos na cidade de Pelotas, RS [dissertação na Internet]. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas; 2015 [acesso em 20 ago. 2018]. Disponível em: http://www.epidemio-ufpel.org.br/uploads/teses/dissert%20barbara.pdf.

Diante dessa problemática, grupos de especialistas propuseram instrumentos (critérios) que possibilitam a detecção de fármacos potencialmente iatrogênicos para população geriátrica, considerando-se o grau de evidência para o uso de cada fármaco. Cada instrumento corresponde ao padrão de comercialização e o perfil de prescrição de cada país, incluindo: França, Alemanha, Austrália, Noruega, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra, Coréia do Sul e mais recentemente, o Brasil77 Nam YS, Han JS, Kim JY, Bae WK, Lee K. Prescription of potentially inappropriate medication in Korean older adults based on 2012 Beers Criteria: a cross-sectional population based study. BMC Geriatrics. 2016;16:1-9.. Os instrumentos mais conhecidos são Critérios de Beers88 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46., Screening Tool of Older Person’s Prescriptions - STOPP/Screening Tool to Alert Doctors to Right Treatment - START99 O'Mahony D, O'Sullivan D, Byrne S, O'Connor MN, Ryan C, Gallagher P. STOPP/START criteria for potentially inappropriate prescribing in older people: Version 2. Age Ageing. 2015;44(2):213-8., Fit for the Aged - FORTA1010 Kuhn-Thiel AM, Weib C, Wehling M. Consensus validation of the FORTA (Fit fOR The Aged) List: a clinical tool for increasing the appropriateness of pharmacotherapy in the elderly. Drugs Aging. 2014;31(2):131-40. e List PRISCUS1111 Holt S, Schmiedl S, Thurmann PA. Potentially inappropriate medications in the elderly: The PRISCUS list. Dtsch Arztebl Int. 2010;107(31-32):543-51..

Embora alguns países europeus disponibilizem critérios próprios, em 2015, a união europeia desenvolveu a European List of Potentially Inappropriate Medications - EU(7)-PIM. Trata-se de instrumento atualizado, com elevado rigor de revisão, e que conta com 282 substâncias contraindicadas para uso em idosos. De maneira distinta a outros instrumentos, essa lista disponibiliza alternativas terapêuticas aos clínicos, o que facilita a substituição dos MPI1212 Guiteras AR, Meyer G, Thurmann PA. The EU(7)-PIM list: a list of potentially inappropriate medications for older peolpe consented by experts from seven European countries. Eur J Clin Pharmacol. 2015;71(7):861-75..

Os critérios de Beers foram desenvolvidos e publicados pelo geriatra norte americano Dr. Mark Howard Beers, em 1991, para classificar os principais MPI em uso por idosos que residiam em instituição de longa permanência. Em 1997, o instrumento foi revisado e expandido e em 2003 adaptado para uso em diversos outros serviços geriátricos. A partir de 2012, a American Society of Geriatric (AGS) passou a participar das revisões periódicas, somando avaliações de qualidade em relação às evidências cientificas, força dessas recomendações e auxiliando na disseminação do mesmo. Em sua última revisão, publicada em 2015, foi acrescentado uma lista de potenciais interações associadas, uma relação de fármacos que devem ser evitados e os medicamentos que devem ter as suas dosagens ajustadas com base na sua função renal do indivíduo idoso88 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46..

Com base no conteúdo dos critérios de Beers 2012 e Screening Tool of Older People’s Prescriptions (STOPP) 2006, foi validado e publicado o primeiro Consenso Brasileiro de Medicamentos Potencialmente Inapropriados (CBMPI) para uso em idosos. Esse instrumento foi criado com propósito de melhorar a qualidade e a segurança da prescrição de idosos susceptíveis aos EARM1313 Oliveira MG, Amorim WW, Oliveira CRB, Coqueiro HL, Gusmão LC, Passos LC. Consenso brasileiro de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos. Geriatr Gerontol Aging. 2017;10(4):168-81..

Estudos demonstram que os critérios para verificação de medicamentos inapropriados para uso em idosos, bem como a investigação sistemática de interações medicamentosas, ainda são pouco utilizados no Brasil, principalmente pela classe médica. Além da necessidade de educar e conscientizar os profissionais de saúde que trabalham na atenção à saúde do idoso, a utilização de listas de critérios e de programas para detecção de IM, a maioria destes gratuitos e de fácil acesso, aliadas à colaboração estreita com o profissional farmacêutico, tem se revelado eficientes para diminuir potenciais prejuízos ao paciente idoso1414 Leão DFL, Moura CS, Medeiros DS. Avaliação de interações medicamentosas potenciais em prescrições da atenção primária de Vitória da Conquista (BA), Brasil. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(1):311-8.,1515 Cedraz KN, Santos Junior MC. Identificação e caracterização de interações medicamentosas em prescrições médicas da unidade de terapia intensiva de um hospital público da cidade de Feira de Santana, BA. Rev Soc Bras Clin Med. 2014;12(2):1-7..

Apesar desses esforços, nota-se ainda uma escassez de pesquisas explorando as questões farmacológicas dos idosos no setor suplementar de saúde brasileira. Trata-se de um provável grupo de risco para EARM, por terem rápido e fácil acesso aos mais diversos serviços de saúde. O presente estudo se propôs a investigar a presença dos elementos da Tríade Iatrogênica (prescrição de MPI, uso contínuo de polifarmácia e a presença de potenciais e principais interações associadas a medicação) em um grupo de mulheres idosas participantes de um programa de gerenciamento de doenças vinculado a um plano de saúde do município de São Paulo (SP), Brasil.

MÉTODO

Durante o período de setembro a dezembro de 2015 foi realizado um estudo transversal, descritivo, retrospectivo sobre a utilização de medicamentos por um grupo de mulheres idosas, não institucionalizadas, vinculadas a um plano de saúde suplementar do município de SP, e que fazem parte de um programa de gerenciamento de doenças crônicas (GDC) desenvolvido por uma operadora de planos de saúde (OPS) localizada na referida cidade.

Foram analisadas todas as prescrições feitas a esse grupo de mulheres durante o período do estudo. O grupo de mulheres pesquisado compõem a totalidade de mulheres idosas participantes deste programa, o qual tem como critério de inclusão a idade ≥65 anos, faixa etária estipulada pela operadora de planos de saúde.

Caracterização do programa de GDC

Em 2005, a agência nacional de saúde (ANS), responsável por defender o interesse público no setor de assistência à saúde suplementar, determinou que as OPS oferecessem programas de promoção à saúde e prevenção de doenças em resposta a mudança do padrão de adoecimento da população. Desde então, algumas resoluções vêm sendo editadas no sentindo de estimular a implantação e manutenção desses programas por essas empresas1616 Manso MEG, Câmara R, Souza AS, Maciel TD, Farina DBL. Programa de gerenciamento de doenças crônicas em um plano de saúde, São Paulo, Brasil. Ciênc Cuid Saúde. 2016;15(2):321-27..

Esses programas devem ser implantados para uma população com perfil de risco instituindo ações e coordenação multiprofissional, garantindo-se o acompanhamento, avaliação e monitoramento contínuo dos participantes por meio de indicadores de saúde. Algumas operadoras, em sua maioria internacionais, executam tais programas mediante a metodologia de gerenciamento de doenças (GD) ou GDC1616 Manso MEG, Câmara R, Souza AS, Maciel TD, Farina DBL. Programa de gerenciamento de doenças crônicas em um plano de saúde, São Paulo, Brasil. Ciênc Cuid Saúde. 2016;15(2):321-27..

O programa de GDC é elaborado com objetivo de promoção da saúde e prevenção de doenças crônicas. Para isso, busca aumentar o envolvimento do idoso com sua(s) enfermidade(s), estimulando o autocuidado, prevenindo crises agudas e complicações das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), esperando, assim, interferir de maneira benéfica no curso natural da doença. Este programa possui monitoramento telefônico mensal e visitas domiciliares, cuja frequência depende da complexidade de cada idoso assistido. Ambas as ações são realizadas por enfermeiros treinados e capacitados. A adesão ao programa é espontânea e, caso haja interesse em participar, não existe um limite temporal de permanência1616 Manso MEG, Câmara R, Souza AS, Maciel TD, Farina DBL. Programa de gerenciamento de doenças crônicas em um plano de saúde, São Paulo, Brasil. Ciênc Cuid Saúde. 2016;15(2):321-27..

Todos os participantes deste programa devem ter pelo menos uma DCNT diagnosticada, além de ter ≥65 anos de idade e estar em acompanhamento médico para sua enfermidade e em tratamento. Cabe ressaltar que, os médicos que acompanham esses idosos não têm relação e interação com o programa, sendo que os idosos os escolhem livremente através do serviço prestado pelo próprio plano de saúde.

Critérios de exclusão

Foram excluídas do estudo apenas as idosas que faziam uso de um único medicamento, por não apresentarem risco de interação medicamentosa. Além disso, foram excluídas as prescrições médicas de produtos como cremes hidratantes, colírios, protetores solares, vitaminas, fitoterápicos e medicamentos em fórmulas.

Variáveis estudadas

As variáveis de estudo foram idade; número e tipo de medicamentos prescritos por idosa; potenciais IM e as suas gravidades, além da presença de MPI segundo os seguintes instrumentos: AGS Critérios de Beers 201588 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46., lista PRISCUS1111 Holt S, Schmiedl S, Thurmann PA. Potentially inappropriate medications in the elderly: The PRISCUS list. Dtsch Arztebl Int. 2010;107(31-32):543-51., lista de MPI da União Europeia - EU(7)-PIM1212 Guiteras AR, Meyer G, Thurmann PA. The EU(7)-PIM list: a list of potentially inappropriate medications for older peolpe consented by experts from seven European countries. Eur J Clin Pharmacol. 2015;71(7):861-75. e o Consenso Brasileiro de MPI - CBMPI1313 Oliveira MG, Amorim WW, Oliveira CRB, Coqueiro HL, Gusmão LC, Passos LC. Consenso brasileiro de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos. Geriatr Gerontol Aging. 2017;10(4):168-81.. Desta forma, pode-se analisar a prevalência e concomitância dos elementos que compõem a Tríade Iatrogênica, bem como sua distribuição segundo as faixas etárias (65-69, 70-79 e ≥80 anos).

Desenvolvimento metodológico

Durante as atividades do programa previamente citado, foram coletadas informações sobre as prescrições médicas realizadas a esse grupo e incluídos em um banco de dados eletrônico para compor este estudo. A inclusão de todas as prescrições médicas feitas, por mais de um especialista e utilizadas pelo grupo foram analisadas, em virtude da alta frequência de assistência fragmentada a saúde do idoso. Ademais, algumas prescrições médicas foram realizadas desde 1971, sendo atualizadas com periodicidade quanto a posologia e data da prescrição até o ano da coleta. A análise descritiva compreendeu medidas categóricas e contínuas, estas últimas expressas na forma de medidas de tendência central e medidas de dispersão. Os dados categóricos foram expressos por distribuição de frequência absoluta (n) e relativa (%).

Todos os medicamentos foram analisados segundo a classificação Anatomical Therapeutic Chemical Code (ATC)1717 World Health Organization. Anatomical Therapeutic Chemical. Classification. Index with defined daily doses (DDDs). Oslo: WHO; 2010..

A classificação ATC é reconhecida e recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como padrão internacional para estudos de utilização de medicamentos. Esse sistema de classificação divide as medicações, em diferentes níveis, segundo órgão ou sistema em que atuam (1° nível) e suas propriedades terapêuticas (2º nível), farmacológicas (3º nível) e químicas (4º e 5º nível)1717 World Health Organization. Anatomical Therapeutic Chemical. Classification. Index with defined daily doses (DDDs). Oslo: WHO; 2010..

Todos os medicamentos analisados foram classificados de acordo com ATC e divididos de acordo com o grupo anatômico ou sistema principal em que atuam (1° nível). Para identificar as substâncias a partir dos nomes comerciais, empregou-se o dicionário de especialidade farmacêutica (DEF). Para os medicamentos que não apresentavam um código específico na ATC, a classificação foi realizada até o limite que possibilitou identificar o grupo, a classe ou a ação terapêutica.

As prescrições foram classificadas como polifarmácia com base no número de medicamentos prescritos, contendo no mínimo, cinco ou mais medicamentos em uso contínuo por idosa. Cabe ressaltar que, apesar da presença de diversas definições sobre polifarmácia, desde qualitativas e quantitativas, e a ausência de um consenso, o presente estudo optou pela definição de prevalência na literatura e corriqueiramente empregado na pratica clínica11 Gorzoni ML. Geriatria: medicina do século XXI?. Medicina (Ribeirão Preto). 2017;50(3):144-9.,22 Novaes PH, Cruz DT, Lucchetti ALG, Leite ICG, Lucchetti G. The "iatrogenic triad": polypharmacy, drug-drug interactions, and potentially inappropriate medications in older adults. Int J Clin Pharm. 2017;39(4):818-25.,44 Vera ECBA. Terapia medicamentosa do idoso: fatores de influência [dissertação na Internet]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica; 2017 [acesso 30 ago. 2018]. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/19829/2/Elaine%20Cristina%20Biffi%20Alonso%20Vera.pdf,55 Oliveira HSB, Corradi MLG. Aspectos farmacológicos do idoso: uma revisão integrativa de literatura. Rev Med (São Paulo). 2018;97(2):165-76..

As potenciais interações medicamentosas foram identificadas através de três softwares disponíveis online, inicialmente pelo Medscape ® (Drug Interaction Checker), seguido pela confirmação do Micromedex ® (University of Maryland Medical Center Drug Checker) e Drugs.com ® (Drug Informations Oline). Todas as interações foram validadas de acordo com o potencial de gravidade e confirmadas pelos softwares envolvidos para aumento da acurácia das informações, sendo que os pesquisadores optaram pelo software Medscape ® para analisar o impacto das interações associadas a medicação por ser um programa amplamente utilizado, aceito e considerado como padrão-ouro nesse segmento. Nos casos de discordância entre as bases quanto à classificação de interação, foi adotada a de menor gravidade. A partir das informações disponíveis nas bases de dados consultadas, apenas os medicamentos mais prevalentes foram descritos e classificados quanto à gravidade, podendo ser a IM considerada não significante, significante e muito significante.

Para determinar os MPI independente do diagnóstico e da condição clínica, utilizamos os Critérios de Beers 2015, lista PRISCUS, EU(7)-PIM e o CBMPI. A seleção desses critérios foi baseada na prevalência de utilização pela literatura e por cobrirem diferentes regiões do mundo. Em relação ao rastreio, considerou-se a presença de MPI por qualquer um dos critérios citados acima.

Pressupostos éticos

Todos os participantes deste estudo foram informados da pesquisa, tomando ciência da voluntariedade, do ingresso opcional e do sigilo dos seus dados. Somente após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma equipe de enfermeiros coletou os dados nas residências destes durante a realização das atividades do programa de GDC. O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro Universitário São Camilo, SP, CAAE: 48122015.7.0000.0062.

RESULTADOS

Foram analisadas prescrições feitas à 725 mulheres idosas vinculadas a um plano de saúde do município de SP, cuja média de idade foi de 77,9 (±7,37) anos, variando entre 65 e 101. Observou-se grande longevidade no grupo estudado, sendo que 41,1% tinham 70-79 anos e 40,4% tinham idade ≥80 anos.

Obteve-se um total de 3.501 fármacos prescritos por médicos, com média de medicamentos utilizados por idosas de 5,8 (±2,49), variando de dois a 13 fármacos/idosa e mediana de 6 com interquartil entre 4 e 7. A prevalência de idosas fazendo uso contínuo e concomitante de ≥5 fármacos foi de 48,8% (348). Quando analisado o consumo médio de fármacos versus faixa etária, observou-se uma média máxima de polifarmácia de 6,1 (±2,51) em idosas com idade ≥80 anos, como apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Análise de prescrições médicas segundo número de medicamentos, idade e presença de uso de medicamentos de uso contínuo, grupo de mulheres idosas vinculadas a um plano de saúde do munícipio de São Paulo, Brasil, 2015.

Em relação as principais IM, identificou-se três com maior prevalência e com gravidade significativa, sendo estas sinvastatina versus omeprazol (151; 20,8%); sinvastatina versus levotiroxina (120; 16,5%); omeprazol versus levotiroxina (108; 14,8%). Todos os três fármacos citados, apresentaram risco potencial de interação medicamento-alimento, sendo omeprazol e levotiroxina de gravidade significativa e a sinvastatina de gravidade muito significativa. A distribuição das IM mais prevalente de acordo com a faixa etária, nível de gravidade e as potenciais RAM são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2
Principais interações medicamento-medicamento encontradas em prescrições realizadas a um grupo de mulheres idosas vinculadas a um plano de saúde do munícipio de São Paulo, Brasil, 2015.

Todos os fármacos foram analisados e determinados como apropriado ou potencialmente inadequado. Para isso, utilizou-se quatro instrumentos de rastreio, como citado, sendo todos agrupados como MPI. Identificou-se que, 81,1% (588) das idosas estudadas fazem uso de, pelo menos, um MPI, atingindo uma média de consumo 2,8 (±1,43) MPI/idosa e mediana de 3 [IQ 2-4] MPI/idosa.

Todos os 1.232 (35,1%) MPI identificados pelos quatro critérios foram agrupados, analisados e classificados, segundo a classificação ATC. Encontrou-se uma prevalência de prescrição para o aparelho digestivo e metabolismo (494; 40,0%), seguido pelo sistema nervoso central (351; 28,4%), sistema cardiovascular (128; 10,3%), sistema músculo esquelético (107; 8,6%) e, sangue e órgãos hematopoiéticos (55; 4,4%). Os grupos que apresentaram a menor prevalência foram hormônios de uso sistêmico e produtos antiparasitários (<0,1%). A Tabela 3 apresenta os principais MPI segundo a classificação ATC, de acordo com a faixa etária do grupo estudado.

Tabela 3
Distribuição da Anatomical Therapeutic Chemical Code (ATC) dos principais medicamentos potencialmente inapropriados segundo faixa etária, prescritos a um grupo de mulheres idosas vinculadas a um plano de saúde do munícipio de São Paulo, Brasil, 2015.

Observou-se também, alta prevalência de prescrições de MPI segundos o CBMPI (932; 26,6%), EU(7)-PIM (904; 25,8%) e os Critérios de Beers (864; 24,6%). A lista PRISCUS rastreou apenas 6,6% (233) de MPI (Tabela 4). O número médio de MPI por idosa segundo o CBMPI foi de 2,2 ±1,21 (1-7), EU(7)-PIM igual a 2 (±1,02) (1-5), Critérios de Beers de 1,9 (±1,01) (1-5) e a lista PRISCUS igual a 1,3 (±0,54) (1-3). Os principais MPI prescritos ao grupo foram omeprazol, insulina, furosemida, clonazepam, prometazina e aspirina.

Tabela 4
Principais MPI identificados pelos critérios de Beers 2015, PRISCUS, CBMPI e EU(7)-PIM, grupo de mulheres idosas vinculadas a um plano de saúde do munícipio de São Paulo, Brasil, 2015.

A análise dos elementos da Tríade Iatrogênica revelou que 89,3% (648) preencheram, pelo menos, um elemento dessa tríade, sendo que 44,9% (326) associaram-se ao uso contínuo e simultâneo de polifarmácia e MPI. Dessas, 46,0% (150) correspondem as idosas com ≥80 anos, 38,3% (125) as idosas com 70-79 anos e a minoria com 15,6% (51) as idosas entre 65 e 69 anos.

DISCUSSÃO

Nos últimos anos, um fenômeno demográfico brasileiro vem chamando atenção de pesquisadores: a prevalência do gênero feminino na população geriátrica. Os últimos dados, publicado em 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres são maioria expressiva nesse grupo etário, com 16,9 milhões (56% do grupo), enquanto os homens idosos são 13,3 milhões (44%), sendo que idosas com ≥80 anos chegam a ser duas vezes mais numerosas do que os homens e quatro a cinco vezes maiores entre os idosos centenários1818 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) contínua: número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2018 [acesso em 20 ago 2018]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017. Em relação as características demográficas dos idosos assistidos pelo setor suplementar de saúde brasileira, observa-se que as maiores coberturas se concentram entre idosas do gênero feminino, nas faixas etárias entre 70 e 79 anos e principalmente na região Sudeste do país, dados concordantes com a distribuição encontrada nesta amostra1919 Manso MEG, Osti AV, Borrozino NF, Maresti LTP. Avaliação multidimensional do idoso: resultados em um grupo de indivíduos vinculados a uma operadora de planos de saúde. Rev Kairós. 2018;21(1):191-211..

O gênero feminino permanece como um fator constate de risco para inúmeras condições na idade avançada, como uso contínuo e concomitante de ≥5 medicamentos (polifarmácia), uso de psicotrópicos e de MPI2020 Manso MEG, Oliveira HSB, Biffi ECA. Gênero e polifarmácia: Impacto em um grupo de idosos vinculados a um plano de saúde. In: 20º Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia; 8-11 de junho de 2016; Fortaleza- CE. Fortaleza: SBGG; 2016. Resumos dos trabalhos científicos aprovados. p. 1233.,2121 Martins GA, Acurcio FA, Franceschini SCC, Priore SE, Ribeiro AQ. Medicamentos potencialmente inadequados entre idosos do Município de Viçosa, Minas Gerais, Brasil: um inquérito de base populacional. Cad Saúde Pública. 2015;31(11):2401-12.. De acordo com estudos nacionais conduzidos com idosos desse mesmo segmento, a média geral de consumo diário de medicamento por idoso oscila entre 3,5 e 5,9. Quando explorado o consumo entre mulheres idosas, nota-se média superior ao grupo geral e similar aos dados encontrados neste estudo2222 Muniz ECA, Goulart FC, Lazarini CA, Marin MJS. Analise do uso de medicamentos por idosos usuários de plano de saúde suplementar. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2017;20(3):357-87.,2323 Manso MEG, Biffi ECA, Gerardi TJ. Prescrição inadequada de medicamentos a idosos portadores de doenças crônicas em um plano de saúde no município de São Paulo, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):151-64..

O grupo de mulheres idosas participantes desta pesquisa, como mencionado, fazem parte de um programa para o qual exige, como critério de inclusão, ter diagnóstico de pelo menos uma DCNT, o que determina ao grupo maior vulnerabilidade clínica e terapêutica, evidenciando a importância de evitar o uso irracional de medicamentos, principalmente aqueles considerados potencialmente inapropriados. Com isso, o risco do surgimento de RAM, adoecimento, descompensação da(s) doença(s) de base, quadros confusionais (delirium), dependência, hospitalização e a institucionalização aumentam significativamente55 Oliveira HSB, Corradi MLG. Aspectos farmacológicos do idoso: uma revisão integrativa de literatura. Rev Med (São Paulo). 2018;97(2):165-76.,2323 Manso MEG, Biffi ECA, Gerardi TJ. Prescrição inadequada de medicamentos a idosos portadores de doenças crônicas em um plano de saúde no município de São Paulo, Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(1):151-64..

As principais interações encontradas na população estudada foram entre omeprazol, sinvastatina e levotiroxina, todas classificadas com gravidade moderadas ou significativas. As IM encontradas estão relacionadas à medicamentos indutores ou inibidores enzimáticos, mecanismos estes que favorecem o desenvolvimento de IM e cujas combinações devem ser evitadas por envolverem processos farmacocinéticos de inibição hepática de outras drogas2424 Iamaguchi FM, Crozatti MTL, Bertolini DA, Demarchi IG, Okawa RTP, Teixeira JJV. Frequência de interações potenciais medicamento-medicamento em prescrições médicas na atenção primária em saúde. Rev UNINGÁ. 2017;29(1):54-60.,2525 Ribeiro Neto LM, Costa Junior VL, Crozara MA. Interações medicamentosas potenciais em pacientes ambulatoriais. Mundo Saúde. 2017;41(1):107-15..

A combinação entre omeprazol e sinvastatina esteve presente em 20,8% das prescrições, o que resulta em interação de gravidade significativa. Esses medicamentos são administrados concomitantes na pratica clínica ambulatorial e hospitalar com frequência, principalmente para resultado a longo prazo em pacientes com risco para eventos cardiovasculares. A prescrição única dos inibidores da HMG-coa redutase tem risco associado à miopatia, em especial rabdomiólise, condição patológica que pode estar aumentada quando associado com antimicrobianos (azitromicina, ciprofloxacino, claritromicina e fluconazol). Quando associados, esses fármacos podem levar à inibição competitiva da P-glicoproteína intestinal, da biotransformação pelo CYP4503A4 e/ou do citocromo P450, resultando no aumento de concentrações plasmáticas da sinvastatina, aumentando o risco de efeitos secundários como lesão hepática, degradação do tecido muscular esquelético levando à rambdomiólise e a injuria renal aguda. Durante a avaliação desses pacientes, a inespecificidade clínica do quadro pode levar ao subdiagnóstico e assim, um manejo correto tardio2424 Iamaguchi FM, Crozatti MTL, Bertolini DA, Demarchi IG, Okawa RTP, Teixeira JJV. Frequência de interações potenciais medicamento-medicamento em prescrições médicas na atenção primária em saúde. Rev UNINGÁ. 2017;29(1):54-60.

25 Ribeiro Neto LM, Costa Junior VL, Crozara MA. Interações medicamentosas potenciais em pacientes ambulatoriais. Mundo Saúde. 2017;41(1):107-15.
-2626 Alvim MM, Silva LA, Leite ICG, Silvério MS. Eventos adversos por interações medicamentosas potenciais em unidade de terapia intensiva de um hospital de ensino. Rev Bras Ter Intensiva. 2015;27(4):353-9..

A associação entre sinvastatina ou omeprazol com levotiroxina gera uma diminuição da eficácia terapêutica da levotiroxina. A levotiroxina é a forma sintética do hormônio tiroidiano tiroxina (T4) e é utilizado para reposição hormonal em casos de hipotireoidismo independendo da sua etiologia. A administração desse hormônio sintético deve ser realizada pela manhã em jejum, com intervalo de uma hora pré refeição matinal, devido ao potencial risco de interação medicamento-alimento. A diminuição da eficácia terapêutica da levotiroxina pode levar à efeitos adversos como cansaço, sonolência, constipação, ganho ponderal, sensação de depressão, intolerância a temperatura baixa, xerose cutânea e capilar. A longo prazo, os níveis séricos do colesterol, de homocisteína e da proteína C reativa se elevam. Há ainda, risco de fraturas ósseas e maior rigidez arterial, que se torna um importante fator de risco para doenças cardiovasculares2727 Ward LS. Levotiroxina e o problema da permutabilidade de drogas de estreito intervalo terapêutico. Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55(7):429-34..

Cabe alertar que, a administração de sinvastatina, levotiroxina e omeprazol em períodos próximos da refeição devem ser contraindicados. Esses apresentam também risco significativo de interação medicamento-alimento, pois a diminuição da velocidade de absorção dos fármacos retarda o esvaziamento gástrico, provocando interações que levam a danos no organismo. Portanto, respeitar o intervalo de tempo entre a administração desses medicamentos e a refeição é importante no impacto da biodisponibilidade da medicação2828 Peixoto JS, Salci MA, Radovanovic CAT, Salci TP, Torres MM, Carreira L. Riscos de interação droga-nutriente em idosos de instituição de longa permanência. Rev Gaúcha de Enferm. 2012;33(3):156-64..

Os inibidores de bomba de prótons (IBP), como o omeprazol, são medicamentos corriqueiramente prescritos para tratamento de doença do refluxo gastresofágico, esofagite, gastrite, úlcera péptica, casos de hemorragia digestiva e de proteção gástrica. No entanto, o uso superior a oito semanas é contraindicado e inapropriado, pelo potencial para desenvolvimento de perda de massa óssea levando à osteoporose e fraturas, demência, injuria renal, pneumonia, alteração do pH gástrico favorecendo infecções por Clostridium difficile, distúrbios hidroeletrolíticos (hipomagnesemia, hipocalemia) e até deficiência de vitamina B12 e de ferro por atrofia gástrica e má absorção. O uso prolongado em idosos com infecção por Helicobacter pylori ou com erradicação bem-sucedida associa-se ao risco aumentado para desenvolvimento de neoplasia gástrica. Além disso, o uso de IBP concomitante com outras drogas tem alto risco de IM, devendo esses fármacos serem prescritos com cautela88 American Geriatrics Society. American Geriatrics Society 2015 Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults. J Am Geriatr Soc. 2015;63(11):2227-46.,1212 Guiteras AR, Meyer G, Thurmann PA. The EU(7)-PIM list: a list of potentially inappropriate medications for older peolpe consented by experts from seven European countries. Eur J Clin Pharmacol. 2015;71(7):861-75.,1313 Oliveira MG, Amorim WW, Oliveira CRB, Coqueiro HL, Gusmão LC, Passos LC. Consenso brasileiro de medicamentos potencialmente inapropriados para idosos. Geriatr Gerontol Aging. 2017;10(4):168-81.,2929 Oliveira HSB, Sousa JRP, Donis ACG, Manso MEG. Utilização dos critérios de Beers para avaliação das prescrições em idosos portadores de doenças crônicas vinculadas a um plano de saúde. Rev Bras Ciênc Envelhec Hum. 2017;14(3):242-51.,3030 Novaes PH, Cruz DT, Lucchetti ALG, Leite ICG, Lucchetti G. Comparison of four criteria for potentially inappropriate medications in Brasilian community-dwelling older adults. Geriatr Gerontol Int. 2017;17(10):1628-35..

Interessante ressaltar a alta prevalência de MPI no grupo estudado, semelhante ao descrito na literatura com idosos deste mesmo setor de saúde, oscilando entre 11,7 e 41,9% de MPI2020 Manso MEG, Oliveira HSB, Biffi ECA. Gênero e polifarmácia: Impacto em um grupo de idosos vinculados a um plano de saúde. In: 20º Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia; 8-11 de junho de 2016; Fortaleza- CE. Fortaleza: SBGG; 2016. Resumos dos trabalhos científicos aprovados. p. 1233.,2121 Martins GA, Acurcio FA, Franceschini SCC, Priore SE, Ribeiro AQ. Medicamentos potencialmente inadequados entre idosos do Município de Viçosa, Minas Gerais, Brasil: um inquérito de base populacional. Cad Saúde Pública. 2015;31(11):2401-12.,2727 Ward LS. Levotiroxina e o problema da permutabilidade de drogas de estreito intervalo terapêutico. Arq Bras Endocrinol Metab. 2011;55(7):429-34.. No entanto, quando explorado idosos hospitalizados, institucionalizados ou apenas em acompanhamento ambulatorial, observa-se uma grande variabilidade na prevalência de MPI (2,9% a 91,9%)3030 Novaes PH, Cruz DT, Lucchetti ALG, Leite ICG, Lucchetti G. Comparison of four criteria for potentially inappropriate medications in Brasilian community-dwelling older adults. Geriatr Gerontol Int. 2017;17(10):1628-35.,3131 Santos AHDP, Cusinato CT, Guahyba RS. Medicamentos potencialmente inapropriados (MPIS) para idosos: prevalência em um hospital terciário do Brasil. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde. 2017;8(3):14-8..

Apesar do grande número de critérios para rastreio de MPI disponíveis, poucos tem aplicabilidade em diferentes regiões do mundo e poucos estudos realizaram comparação entre esses critérios para determinar diferenças, aplicabilidade ou capacidade de identificar MPI. O presente estudo aplicou quatro critérios de diferentes regiões do mundo (EUA, União Europeia, Alemanha e Brasil) e encontrou semelhanças na prevalência entre CBMPI, EU(7)-PIM e AGS Beers 2015. A lista PRICUS apresentou baixa prevalência na amostra estudada. Em um estudo realizado por Novaes et al.2828 Peixoto JS, Salci MA, Radovanovic CAT, Salci TP, Torres MM, Carreira L. Riscos de interação droga-nutriente em idosos de instituição de longa permanência. Rev Gaúcha de Enferm. 2012;33(3):156-64., uma alta prevalência de MPI (50% pelo AGS Beers 2015 e 59,5% pelo EU(7)-PIM) foi encontrada em idosos de comunidade brasileira. Esse mesmo estudo, encontrou uma elevada concordância entre os critérios e notou que o critério EU(7)-PIM tinha maior sensibilidade e o Beers um perfil mais equilibrado entre especificidade e sensibilidade. No entanto, mais estudos nacionais devem ser realizados.

A utilização de mais do que um instrumento para rastreio em nosso estudo, proporcionou maior acurácia no rastreio de MPI, visto que cada um dos instrumentos possui falhas para a realidade brasileira. Cabe salientar, a importância de revisões periódicas, a inserção de outras medicações que são amplamente utilizadas pela população geriátrica brasileira e um anexo com alternativas terapêuticas. Ademais, é de suma relevância a participação/parceria da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) nas revisões e divulgações desse instrumento para os profissionais da área.

Quando analisada presença de, pelo menos, um elemento da Tríade Iatrogênica, observou-se que 89,3% destas idosas faziam uso de MPI, polifarmácia ou medicamentos de potencial interação, notando ainda que 44,9% destas utilizavam, diariamente, pelo menos dois elementos da tríade.

Esses dados associados à elevada prevalência de MPI (35,1%) nesse grupo e ao uso excessivo de medicamentos prescritos (48,8%), preocupou os pesquisadores. Esses achados, agregados ainda à idade avançada encontrada e à presença de condições crônicas, tornam o grupo estudado de alta susceptibilidade aos desfechos desfavoráveis dos EARM.

Limitações

Esta pesquisa, ressalta-se, possui algumas limitações. As particularidades sociodemográficas e clínicas de risco no grupo estudado impossibilitam a generalização e comparação dos resultados obtidos. Nesta pesquisa, foram incluídas idosas que faziam uso de dois ou mais medicamentos, por apresentarem risco de interação medicamentosa, levando assim, a superestimar os resultados obtidos por medidas de tendência central em relação ao número de medicamentos prescritos. Em virtude da ausência de análise do tipo e da quantidade de diagnósticos por idosa não foi possível afirmar se os achados foram prejudiciais a esse grupo. Destaca-se ainda, que não foi avaliado a deterioração funcional, presença de automedicação, interação com doença(s) de base, ocorrência de RAM e o desfecho de EARM (institucionalização, hospitalização e mortalidade).

CONCLUSÃO

Este estudo observou um alto índice de Medicamentos Potencialmente Inapropriados, de utilização de medicamentos em uso contínuo - principalmente de inibidores enzimáticos - e de risco significativo para o desenvolvimento de interações medicamentosas em um grupo de mulheres idosas portadoras de doenças crônicas não transmissíveis vinculadas a um plano de saúde do município de São Paulo, SP, Brasil. A idade avançada do grupo e a elevada prevalência dos elementos da Tríade Iatrogênica mostrou-se preocupante. A associação entre as particularidades demográficas e clínicas do grupo investigado predispõe ainda à associação desses achados com deterioração funcional, prescrição em cascata, hospitalização e morbimortalidade.

Em relação aos critérios utilizados neste estudo, não houve diferença na prevalência de medicamentos potencialmente inapropriados, com exceção da lista PRISCUS. Apesar do Consenso Brasileiro de Medicamentos Potencialmente Inapropriados, European List of Potentially Inappropriate Medications e os Critérios de Beers 2015 terem sido eficazes, a aplicação de mais de um instrumento parece ter possibilitado maior acurácia no rastreio.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2018
  • Aceito
    30 Mar 2019
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