Rastreamento da fragilidade em pessoas idosas com hipertensão arterial sistêmica por instrumentos diferentes

Resumo

Objetivo

Comparar o grau de concordância, a correlação e a acurácia entre os instrumentos Edmonton Frail Scale (EFS) e Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 (IVCF-20) em pessoas idosas com hipertensão arterial sistêmica (HAS).

Método

Estudo transversal e domiciliar com pessoas idosas de Montes Claros, MG. Este estudo incluiu somente indivíduos com HAS cujos dados foram coletados no período de novembro de 2016 a fevereiro de 2017. Foram determinados a sensibilidade, especificidade e valores preditivos. A estatística Kappa analisou a concordância e confiabilidade, o coeficiente de Pearson avaliou a correlação entre os instrumentos.

Resultados

281 eram hipertensas e foram incluídas neste estudo. Constatou-se que a prevalência de fragilidade foi 31,3% pela EFS e 22,1% pelo IVCF-20. A estatística Kappa foi 0,604 e coeficiente de correlação de Pearson foi de 0,621 (p<0,001). A acurácia foi de 84,34%.

Conclusão

Os instrumentos EFS e IVCF-20 demonstraram concordância e confiabilidade moderada, forte correlação positiva e boa acurácia. Os resultados ratificam a importância de padronizar o instrumento para verificar a fragilidade de pessoas idosas hipertensas. A adequada avaliação da fragilidade busca ofertar uma assistência pautada na prevenção e promoção que capazes de evitar a piora do estado de saúde e agravos da hipertensão arterial.

Palavras-Chave:
Vulnerabilidade em Saúde; Fragilidade; Idoso Fragilizado; Hipertensão; Saúde do Idoso

Abstract

Objective

To compare the degree of agreement, correlation, and accuracy between the Edmonton Frail Scale (EFS) and the Clinical-Functional Vulnerability Index-20 (IVCF-20) instruments in older adults with systemic arterial hypertension (SAH).

Method

Cross-sectional household study with older adults from Montes Claros, MG. This study included only individuals with SAH whose data were collected from November 2016 to February 2017. Sensitivity, specificity, and predictive values were determined. The Kappa statistic analyzed agreement and reliability, while the Pearson coefficient evaluated the correlation between the instruments.

Results

A total of 281 individuals with hypertension were included in this study. It was found that the prevalence of frailty was 31.3% according to the EFS and 22.1% according to the IVCF-20. The Kappa statistic was 0.604, and the Pearson correlation coefficient was 0.621 (p<0.001). The accuracy was 84.34%.

Conclusion

The EFS and IVCF-20 instruments verified moderate agreement and reliability, strong positive correlation, and good accuracy. The results confirm the importance of standardizing the instrument to assess frailty in older adults with hypertension. The appropriate assessment of frailty aims to provide care focused on prevention and promotion that can prevent worsening health status and complications of arterial hypertension.

Keywords
Health Vulnerability; Frailty; Frail older adult; Hypertension; Older adult Health

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas houve diminuição progressiva dos índices de mortalidade e das taxas de fecundidade, como consequência, aumentou a proporção de pessoas idosas na população mundial¹,². No Brasil, associado ao envelhecimento, também houve a elevação da frequência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)³, destacando-se a hipertensão arterial sistêmica (HAS), pela alta prevalência, baixas taxas de controle e elevada mortalidade⁴.

Outro agravo da população idosa é a síndrome da fragilidade, uma desregulação gradual e fisiológica multissistêmica, em que as alterações biológicas geram falhas clínicas sintomáticas, causando maior risco de incapacidade e morte⁵-⁸. A fragilidade e HAS, muitas vezes, coexistem em pessoas idosas. A associação das duas condições promove impacto negativo à saúde e diminui a qualidade de vida desses indivíduos⁹. Ressalta-se que o desenvolvimento da fragilidade é algo complexo e, muitas vezes, está associado ao processo de envelhecer. O reconhecimento da fragilidade de forma adequada e precoce permite direcionar os cuidados de saúde para intervenções preventivas e restaurativas. Entretanto, é crescente o número de instrumentos que visam avaliar a fragilidade, uma revisão sistemática encontrou e avaliou 51 instrumentos neste cenário¹⁰.

Dentre esses instrumentos, destaca-se um multidimensional para pessoas idosas da comunidade: a Edmonton Frail Scale (EFS)¹¹. Esta foi elaborado por pesquisadores da Universidade de Alberta, na cidade de Edmonton, Canadá, com o uso da Avaliação Geriátrica Abrangente (AGA) para validação. A AGA é a ferramenta mais representativa de avaliação da pessoa idosa, por verificar a complexidade global, não somente a fragilidade, porém sua aplicação é demorada e somente especialistas pode aplicá-la⁶,¹¹. A EFS, por sua vez, pode ser aplicada por profissionais da área da saúde de forma prática¹¹. No Brasil, essa escala foi traduzida, adaptada e validada em 2009¹².

Outro instrumento utilizado para a detecção da fragilidade é o Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 (IVCF-20), desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, também validado a partir da relação da pontuação da AGA. Foi construído de forma interdisciplinar, com a participação de vários profissionais da geriatria e gerontologia, equipes da Atenção Primária à Saúde (APS), equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e gestores da APS¹³.

Destaca-se que dentre os outros instrumentos existentes para pesquisa de fragilidade, alguns deles são impraticáveis para aplicação por profissionais da APS, porque exigem dados clínicos multidimensionais e/ou requerem formação específica¹¹. Para os profissionais que atuam na APS é importante que seja de aplicação rápida e não necessite de treinamento especial, como a EFS¹¹ e o IVCF-20¹³. Essas ferramentas são comparáveis porque ambas foram construídas tendo a AGA como base para validação.

Estudos prévios psicométricos compararam a EFS e o IVCF-20 aplicados em pessoas idosas que residem na comunidade em Belo Horizonte (Minas Gerais)¹⁴ e Montes Claros (Minas Gerais)¹⁵ e verificaram concordância moderada e correlação positiva e significante¹⁴ para o primeiro e concordância moderada e forte correlação positiva¹⁵ para o segundo. Outros estudos utilizaram ferramentas diferentes com pessoas idosas comunitárias. Investigação realizada em Três Lagoas (Mato Grosso do Sul), verificou concordância baixa a moderada entre a Avaliação Subjetiva da Fragilidade (SFA) e o IVCF-20 em pessoas idosas da comunidade¹⁶. Pesquisa realizada em Taguatinga, Brasília (Distrito Federal), utilizou a EFS e o Índice de Fragilidade Física (EFCHS) e constatou associação moderada e elevada sensibilidade¹⁷.

Não foi encontrada na literatura a comparação da EFS e o IVCF-20 aplicados especificamente em pessoas idosas hipertensas comunitárias. Foi encontrado um estudo que avaliou a concordância entre outros instrumentos de triagem da fragilidade, a saber Fenótipo de Fragilidade (mFP), índice FRÁGIL e índice Study of Osteoporotic Fractures (SOF), obtendo concordância de moderada a alta¹⁸. Avaliações como essas são importantes porque a ausência de concordância dos instrumentos de triagem da fragilidade e a inconsistência na mensuração da fragilidade podem gerar percepções inadequadas dos desfechos investigados¹⁶.

Assim, ressalta-se a importância dos profissionais e gestores de saúde refletirem sobre a aplicação e padronização de ferramentas de rastreio da fragilidade na APS, a fim de adequar o projeto terapêutico singular. Portanto, este estudo objetiva comparar o grau de concordância, a correlação e a acurácia entre os instrumentos EFS e IVCF-20 em pessoas idosas com HAS.

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal aninhado a uma coorte de base populacional e domiciliar, recorte de uma pesquisa maior sobre as condições de saúde da população idosa do município de Montes Claros¹⁹. O município que o estudo foi realizado é de porte médio, localizado no Norte de Minas Gerais, Brasil e possui uma população estimada de 417.478 habitantes²⁰.

Foi considerado uma população estimada de 30.790 pessoas idosas (13.127 homens e 17.663 mulheres), residentes na região urbana, segundo dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)²⁰. A partir disso, a fim de estimar a prevalência de cada desfecho em saúde investigado no inquérito epidemiológico, foi calculado o tamanho da amostra na linha de base do estudo, ocorrido entre maio e julho de 2013, considerando nível de confiança de 95%, prevalência conservadora de 50% para os desfechos desconhecidos e erro amostral de 5%. Por tratar-se de amostragem por conglomerados, o número identificado foi multiplicado por um fator de correção e efeito de delineamento (deff) de 1,5%, e acrescido de 15% para eventuais perdas. O número mínimo de pessoas idosas definido pelo cálculo amostral foi de 656 pessoas. O cálculo amostral foi feito para o estudo maior¹⁹ e a população do presente estudo foi extraída dele por meio de um recorte, por isso foi realizado um cálculo amostral baseado em prevalência de desfechos de fragilidade em idosos.

O processo de amostragem na linha de base foi probabilístico, por conglomerados e em dois estágios. No primeiro momento, a unidade amostral foi o setor censitário em que, dos 362 setores urbanos do município, houve seleção aleatória de 42 setores censitários. No segundo, o número de domicílios foi definido de acordo com a densidade populacional de pessoas com idade maior ou igual a 60 anos, ou seja, os setores que possuíam maior número de pessoas idosas foram os que tiveram mais domicílios alocados. Dessa forma, 685 pessoas idosas foram incluídas no estudo. Dentre os 685 indivíduos avaliados na linha de base, recusaram-se participar primeira onda do estudo (92), mudança de endereço (78), não encontrados na residência após três tentativas (67) e falecidos (54). Logo, participaram dessa etapa do estudo 394 idosos e destes, 281 eram hipertensos, formando a amostra deste estudo (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma das etapas da coleta de dados. Montes Claros, MG, 2016-2017.

Os dados da primeira onda do estudo foram coletados entre os meses de novembro de 2016 e fevereiro de 2017 por estudantes de graduação em enfermagem e medicina. Foram elegíveis para esta pesquisa as residências de todas as pessoas idosas entrevistadas na linha de base. Como perdas, consideraram-se as pessoas idosas que estavam indisponíveis nas três visitas agendadas em dias e horários diferentes, além dos que mudaram de endereço e os que faleceram. As pessoas idosas incapacitadas de responder tiveram ajuda de familiares ou acompanhantes com as perguntas do questionário, conforme indicado nos instrumentos de coleta de dados¹¹-¹³.

Para caracterização da amostra, foram utilizadas as variáveis sociais, demográficas, econômicas, bem como características de morbidade e cuidados relacionados à saúde. As variáveis foram categorizadas da seguinte forma: sexo (masculino x feminino), faixa etária (até 79 anos x ≥80 anos), situação conjugal (com companheiro, incluindo casado e união estável x sem companheiro, incluindo solteiros, viúvos e divorciados), arranjo familiar (residir sozinho x residir com outras pessoas), alfabetização (sabe ler x não sabe ler), escolaridade (até quatro anos de estudo x maior que quatro anos de estudo), renda própria (sim x não), renda familiar mensal (até um salário mínimo x maior que um salário mínimo), presença de morbidades crônicas autorreferidas (doença cardíaca, artrite reumatoide e osteoporose. Foram ainda avaliadas: presença de cuidador (sim x não), queda nos últimos 12 meses (sim x não) e internação nos últimos 12 meses (sim x não). Foram realizadas medidas antropométricas solicitadas em itens das escalas de fragilidade para determinação do peso (kg), altura (m), circunferência da panturrilha (cm), circunferência do quadril (cm) e circunferência abdominal (cm).

Para verificar a fragilidade na pessoa idosa, utilizou-se a EFS¹¹,¹² e o IVCF-20¹³. A EFS examina nove domínios (cognição, estado de saúde, independência funcional, suporte social, uso de medicamento, nutrição, humor, continência urinária e desempenho funcional), ordenados em por 11 itens com pontuação de 0 a 17. O resultado de zero a quatro revela que não há presença de fragilidade; cinco e seis, indica vulnerável à fragilidade; sete e oito, com fragilidade leve; nove e 10, com fragilidade moderada; e com 11 ou mais pontos, fragilidade severa¹¹,¹².

Já o IVCF-20 é uma ferramenta multidimensional com 20 itens de avaliação que contém oito condições (idade, autopercepção da saúde, incapacidades funcionais, cognição, humor, mobilidade, comunicação e comorbidades múltiplas) preditoras de declínio clínico-funcional da pessoa idosa¹³. O escore final é de zero a 40, em que de zero a seis pontos revela pessoa idosa com baixo risco de vulnerabilidade clínico-funcional; de sete a 14 pontos, risco moderado; e com 15 ou mais pontos, alto risco, potencialmente frágil¹³.

A fim de investigar a concordância e confiabilidade entre os instrumentos EFS e IVCF-2, foi aplicada a estatística Kappa, considerando a dicotomização da fragilidade (frágil x não frágil). Para a EFS foi considerada como não frágeis indivíduos que apresentaram escore final ≤6, que inclui pessoa idosa “não frágil” e “vulnerável” e frágil ≥7 pontos que abrange fragilidade “leve”, “moderada” e “severa”¹¹,¹². Para o IVCF-20 sem fragilidade escore final <15 (pessoas idosas robustas e risco moderado de fragilização) e com fragilidade ≥15 pontos (alto risco)¹³.

O resultado da estatística Kappa foi interpretado como proposto por Landis e Koch²¹. A correlação entre os instrumentos foi verificada através do coeficiente de Pearson ²², com uso dos escores totais de cada um dos instrumentos. Para análise de normalidade das variáveis foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. A fim de analisar a acurácia do IVCF-20 em função da EFS foram calculados a sensibilidade (S), especificidade (E), valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo negativo (VPN), considerando os casos de falso-positivo, falso-negativo, verdadeiro-negativo e verdadeiro-positivo. A interpretação dos dados se fez considerando a sensibilidade como o percentual de idosos frágeis corretamente identificado e a especificidade foi definida como o percentual de não-frágeis corretamente identificado. Foram considerados valores de sensibilidade e especificidade adequados para aqueles maiores que 50%, sendo que valores de 51% a 69% caracterizaram fraca/limitada acurácia e os valores acima de 70% representaram boa acurácia. O nível de significância final de 0,05 (p<0,05) foi considerado em todas as análises.

Todos os participantes foram informados sobre a pesquisa e apresentaram sua anuência por meio da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros, oficialmente regulamentado, pelo Parecer Consubstanciado de 08 de julho de 2016 sob o nº 1.629.395.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 281 pessoas idosas hipertensas. Dos quais, 196 (69,8%) eram do sexo feminino. Quanto à idade, 213 (75,8%) possuíam até 79 anos. O estado civil prevalente foi dos que não possuíam companheiro (solteiro/separado/viúvo) (n=148; 52,7%). As características da amostra destacam que 241 (85,8%) pessoas idosas não residiam sozinhos; 271 (96,4%) sabiam ler; 221 (78,6%) possuíam até quatro anos de estudo; 250 (89,0%) possuíam renda própria; e 73 (26,0%) renda familiar mensal de até um salário mínimo.

Em relação às patologias associadas e ao estado de saúde, 141 (50,2%) pessoas idosas tinham artrite reumatoide; 109 (38,8%) osteoporose e 92 (32,7%) problemas cardíacos. A maioria dos participantes realizou consulta nos últimos 12 meses (n=261; 92,9%); não sofreram quedas no último ano (n=184; 65,5%) e não possuíam cuidador (n=247; 87,9%).

No que se refere à fragilidade, 88 (31,3%) foram considerados frágeis pela EFS e 62 (22,1%) pelo IVCF-20. A Tabela 1 mostra a distribuição da frequência dos componentes da EFS e a Tabela 2 a distribuição da frequência dos componentes do IVCF-20.

Tabela 1
Distribuição de frequência dos componentes da Edmonton Frail Scale (EFS) em pessoas idosas hipertensas e comunitárias (N=281). Montes Claros, MG, 2016-2017.

Componentes da EFS	n (%)
Cognição (Teste do desenho do relógio)
Aprovado	52 (18,5)
Reprovado com erros mínimos	36 (12,8)
Reprovado com erros significativos	193 (68,7)
Estado geral de saúde (Internação nos últimos 12 meses)
Nenhuma	244 (86,8)
1 a 2	31 (11,0)
Maior que 2	6 (2,1)
Autopercepção de saúde
Excelente / Muito boa / Boa	120 (42,7)
Razoável	138 (49,1)
Ruim	23 (8,2)
Independência funcional (Atividades que precisa de ajuda*)
0-1	187 (66,5)
2-4	90 (32,0)
5-8	4 (1,4)
Suporte social (Quando precisa de ajuda, pode contar com alguém)
Sempre	238 (84,7)
Algumas vezes	39 (13,9)
Nunca	4 (1,4)
Uso de medicamentos (5 ou mais)
Não	185 (65,8)
Sim	96 (34,2)
Esquece de tomar medicamento
Não	180 (64,1)
Sim	101 (35,9)
Nutrição (Perda de peso)
Não	237 (84,3)
Sim	44 (15,7)
Humor (Triste ou deprimido)
Não	206 (73,3)
Sim	75 (26,7)
Incontinência urinária
Não	205 (73,0)
Sim	76 (27,0)
Desempenho Funcional (“Levante e ande” cronometrado)
0-10 segundos	65 (23,1)
11-20 segundos	146 (52,0)
Maior que 20 segundos	70 (24,9)

• Fonte: Coleta de dados, 2017. *As atividades consideradas foram: preparar refeição (cozinhar), transporte (locomoção de um lugar para outro), cuidar da casa (limpar/arrumar casa), fazer compras, usar telefone, lavar roupa, cuidar do dinheiro, tomar remédios.

Tabela 2
Distribuição de frequência dos componentes do Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional (IVCF-20) em pessoas idosas hipertensas e comunitárias (N=281). Montes Claros, MG, 2016-2017.

Componentes do IVCF-20		n (%)
Idade (em anos)
60 a 74		162 (57,7)
75 a 84		89 (31,7)
≥ 85		30 (10,7)
Autopercepção da saúde
Saúde comparada a outras pessoas de sua idade
Excelente / Muito boa / Boa		155 (55,2)
Regular ou Ruim		126 (44,8)
Atividades de Vida Diária (AVD)
AVD (Instrumentais)
Deixou de fazer compras	Sim	72 (25,6)
	Não	209 (74,4)
Deixou de controlar finanças	Sim	57 (20,3)
	Não	224 (79,7)
Deixou de realizar pequenos trabalhos domésticos	Sim	66 (23,5)
	Não	215 (76,5)
AVD (Básicas)
Deixou de tomar banho sozinho	Sim	16 (5,7)
	Não	263 (93,6)
Cognição
Ficando esquecido	Sim	76 (27,0)
	Não	205 (73,0)
Esquecimento piorou nos últimos meses	Sim	52 (18,5)
	Não	229 (81,5)
Esquecimento impede a realização de atividades do cotidiano	Sim	44 (15,7)
	Não	237 (84,3)
Humor
Desânimo, tristeza ou desesperança no último mês	Sim	86 (30,6)
	Não	195 (69,4)
Perda de interesse ou prazer, no último mês, em atividades antes prazerosas	Sim	58 (20,6)
	Não	223 (79,4)
Mobilidade
Alcance, preensão e pinça
Incapaz de elevar os braços acima do ombro	Sim	26 (9,3)
	Não	255 (90,7)
Incapaz de manusear ou segurar pequenos objetos	Sim	34 (12,1)
	Não	247 (87,9)
Capacidade aeróbica e/ou muscular*
Perda de peso não intencional, IMC < 22 Kg/m2,, circunferênciada panturrilha < 31 cm ou velocidade da marcha (4m) ˃ 5 segundos	Sim	45 (16,0)
	Não	236 (84,0)
Marcha
Dificuldade para caminhar capaz de impedir atividades cotidianas	Sim	84 (29,9)
	Não	197 (70,1)
Teve duas ou mais quedas no último ano	Sim	97 (34,5)
	Não	184 (65,5)
Continência esfincteriana
Perde urina ou fezes, sem querer	Sim	91 (32,4)
	Não	190 (67,6)
Comunicação
Visão
Comprometimento da visão capaz de impedir a realização de atividades	Sim	63 (22,4)
	Não	218 (77,6)
Audição
Comprometimento da audição capaz de impedir a realização de atividades	Sim	59 (21,0)
	Não	222 (79,0)
Comorbidades múltiplas
Polipatologia Polifarmácia*
≥ 5 doenças crônicas ≥ 5 medicamentos diários Internação nos últimos 6 meses	Sim	83 (29,5)

• Fonte: Coleta de dados, 2017.*O IVCF-20 considera como “Sim” se pelo menos um item for marcado, logo neste estudo apresenta a maior pontuação encontrada entre os itens.

Ao realizar a estatística Kappa, obteve-se o índice de concordância entre os instrumentos de 0,604 (IC=0,053-10,41), conforme Tabela 3. O coeficiente de correlação de Pearson entre os valores da EFS e do IVCF-20 obteve valor de 0,621 (p<0,001). Os valores de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo são mostrados na tabela 4.

Tabela 3
Análise de concordância e confiabilidade para a classificação de fragilidade, segundo os instrumentos EFS e IVCF-20 em pessoas idosas hipertensas (N=281). Montes Claros, MG, 2016-2017.

Instrumento	Edmonton Frail Scale (EFS)			Kappa
	Sem fragilidade n (%)	Fragilidade n (%)	Total n (%)
IVCF-20
Sem fragilidade n(%)	184 (65,5)	35 (12,4)	219 (77,9)	0,604
Fragilidade n(%)	9 (3,2)	53 (18,9)	62 (22,1)
Total n(%)	193 (68,7)	88 (31,3)	281 (100)

• Fonte: Coleta de dados, 2017.

Tabela 4
Análise acurácia para a classificação de fragilidade, segundo os instrumentos EFS e IVCF-20 em pessoas idosas hipertensas (N=281). Montes Claros, MG, 2016-2017.

Performance	Valor(%)
Sensibilidade	95,33
Especificidade	60,22
Valor Preditivo Positivo (VPP)	84,01
Valor Preditivo Negativo (VPN)	85,48
Acurácia	84,34

• Fonte: Coleta de dados, 2017.

DISCUSSÃO

O presente estudo mostrou que, embora a fragilidade apresente proporções diferentes entre as escalas de triagem, houve concordância moderada e forte correlação positiva entre os instrumentos EFS e IVCF-20. Além disso, há maior prevalência de pessoas idosas frágeis no rastreio da EFS.

Pessoas idosas com escore igual ou maior que 15 no IVCF-20 são considerados frágeis. Esse dado apresenta elevada sensibilidade (superior a 90%) e especificidade superior a 60%. A elevada sensibilidade é desejável uma vez que os instrumentos de triagem devem ser sensíveis para que seja possível identificar a maioria dos indivíduos com a condição de fragilidade (verdadeiro-positivo)¹⁷. O teste de acurácia mostrou que o IVCF-20 apresenta boa acurácia, sendo considerada uma ferramenta adequada para verificar a fragilidade em pessoas idosas com HAS.

Em relação prevalência da fragilidade (31,3% pela EFS e 22,1% pelo IVCF-20), estudo realizado em Pequim, China, demonstra que os idosos com hipertensão apresentaram maior prevalência de fragilidade (15%) se comparado àqueles sem hipertensão (10,3%)²³. Vale ressaltar que, para pessoas idosas em geral, a proporção de fragilidade é menor do que os achados deste estudo. Quanto à prevalência da fragilidade, revisão sistemática e meta-análise realizada com pesquisas da América Latina e no Caribe em 2016, encontrou um total de 29 estudos em 43.083 indivíduos. A prevalência de fragilidade foi de 19,6% (IC 95%: 15,4–24,3%), com variação de 7,7% a 42,6% nos estudos revisados²⁴. No Brasil, Estudo Longitudinal de Saúde do Idoso Brasileiro (ELSI-Brasil) realizado em 2015 a 2016, selecionou 70 municípios nas cinco grandes regiões geográficas do país e obteve que a prevalência de fragilidade foi de 13,5% para pessoas idosas comunitárias²⁵. Para ambos os estudos foi utilizado o fenótipo de fragilidade que é definida com base em cinco características: perda de peso, fraqueza, redução de velocidade de marcha, exaustão e baixo nível de atividade física²⁶.

Estudo realizado em Unidades Básicas de Saúde em Belo Horizonte (Minas Gerais) com pessoas idosas comunitárias, obteve 24% frágeis pela EFS e 12,6% frágeis pelo IVCF-20¹⁴. Pesquisa com a mesma população alvo conduzida em Montes Claros (Minas Gerais) encontrou 28,2% frágeis pela EFS e 19,5% frágeis pelo IVCF-20¹⁵. Dessa forma, sugere-se que a HAS pode contribuir para o desenvolvimento da fragilidade. Estima-se que indivíduos frágeis com doenças cardiovasculares apresentam pior prognóstico, maior incapacidade, quedas e fraturas em relação às pessoas idosas hipertensas não frágeis²⁷,²⁸.

Essas diferenças entre os instrumentos e os percentuais encontrados neste estudo e na literatura consultada, ratificam as suposições de que instrumentos de fragilidade baseados em medidas subjetivas e objetivas capturam diferentes parâmetros relacionados à saúde¹⁸. Por isso, o instrumento utilizado para avaliar a triagem deve contemplar um caráter multidimensional, aumentando a chance de detectar o idoso frágil (maior sensibilidade)¹⁷. Ressalta-se que os instrumentos aplicados neste estudo possuem semelhanças entre os componentes, o que pode justificar a concordância moderada e forte correlação positiva. Entretanto, a forma como são avaliados é diferente, o que presume a divergência nos percentuais de fragilidade encontrados. Na EFS e no IVCF-20 apresentam como componentes semelhantes: Cognição; Autopercepção de saúde; Independência funcional e Humor. Na EFS apresenta “Estado geral de saúde (Internação nos últimos 12 meses)” e “Uso de medicamentos (5 ou mais)” que estão no componente “Comorbidades Múltiplas” no IVCF-20, além de “Incontinência urinária” e “Nutrição” avaliado em “Mobilidade”.

Nos instrumentos apresentam diferentes formas de avaliar a função Cognitiva. No IVCF-20 é avaliada pela memória, na EFS apresenta o teste do desenho do relógio que se verifica a cognição por meio de funções executivas e habilidades visuoespaciais. No teste do desenho do relógio teve um alto nível de erros neste estudo (68,7%), dado que pode contribuir para a ESF ter constatado maior prevalência de fragilidade entre as pessoas idosas com HAS. Pesquisa realizada com pessoas idosas de uma Unidade da Estratégia Saúde da Família de Embu, São Paulo, constatou que alguns dos participantes (18,8%) nem chegaram a responder esse tópico da EFS por desinteresse ou dificuldades para sua compreensão e/ou execução e, dos que responderam ao teste do Relógio, a maioria (69,9%) apresentou pontuação indicativa de deficit cognitivo²³. Como verificado neste estudo, a maioria das pessoas idosas tem baixa escolaridade, o que pode estar associado a esse dado, uma vez que para compreensão e leitura das horas é necessário o conhecimento dos números¹²,²⁹,³⁰

Referente à Autopercepção de saúde, a maioria das pessoas idosas hipertensas deste estudo classificou na EFS como razoável e no IVCF-20 como excelente/ Muito boa/ Boa. Nesse componente, a EFS separa os itens Razoável de Ruim, já no IVCF-20 estão juntos, o que pode influenciar na resposta dos indivíduos e impactar no resultado da avaliação do rastreio de fragilidade, pois apresentam pontuações diferentes. Ressalta-se que a autopercepção da saúde é uma medida global que compreende o bem-estar físico, mental e social do indivíduo²⁹. Quando positiva, pode contribuir para que a pessoas idosa tenha o desejo de manter-se ativo e independente em suas atividades diárias. Quando negativa, pode relacionar-se ao declínio na saúde e qualidade de vida das pessoas idosas²⁷.

No que tange a Independência funcional, na EFS é avaliada com esse título e elenca as atividades que precisa de ajuda sem agrupamentos, já no IFCF-20 são divididas em dois tópicos: as AVD básicas e AVD instrumentais. Ambos os instrumentos tiveram predominância de pessoas idosas independentes. Pessoas idosas com autonomia limitada para a execução das AVD têm sua qualidade de vida comprometida e risco aumentado para dependência, institucionalização e morte prematura²⁸.

Com relação ao Humor, ambos os instrumentos verificaram predominância de sentimentos positivos entre os participantes. Estudos mostram que as condições de pré-fragilidade e fragilidade podem aumentar o número de sintomas depressivos, principalmente entre os frágeis e, com isso, uma pior autopercepção de saúde, pior capacidade de resolução de problemas e no desempenho das funções executivas²⁹,²⁷,³¹. Um estudo realizado na China com pessoas idosas da comunidade com HAS, mostrou que a fragilidade está associada à depressão nesse público²⁸.

As pessoas idosas com HAS deste estudo afirmaram, em sua maioria, que não tiveram Internação nos últimos 12 meses para a EFS e pressupõe que nos últimos seis meses para o IVCF-20, pois o percentual do item “Comorbidade Múltiplas” também foi baixo. Sabe-se que o envelhecimento provoca a perda de força e massa muscular, afetando a amplitude dos movimentos dos membros inferiores e predispondo a quedas ou incapacidade funcional²⁹, o que pode justificar o achado do presente estudo.

A Polifarmácia, avaliada nos dois instrumentos, foi negada pela maioria das pessoas idosas hipertensas. Na EFS inclui a avaliação de esquecer-se de tomar as medicações, também negada pela maioria nesta pesquisa. Contudo, tratando-se de pessoas idosas e com hipertensão arterial, é importante destacar que esse público toma algum tipo de medicamento e que podem apresentar alguma dificuldade de utilizá-lo, embora não relatado²⁹.

Além dos componentes supracitados, como componentes da EFS que não são verificados no IVCF-20 têm o “Suporte social” e “Desempenho Funcional”. Os achados sobre o suporte social demonstraram que a maioria das pessoas idosas não residia sozinha e sempre podia contar com alguém. Esta dimensão pode contribuir para melhores condições de saúde por permitir o enfrentamento de situações de estresse, além das pessoas se sentirem amadas e seguras, o que impacta positivamente na qualidade na saúde mental das pessoas idosas²⁹.

O item “Desempenho Funcional” solicita que a pessoa idosa levante e ande cronometrado. Estudo mostra que a fragilidade está associada à falha no teste de levantar da cadeira e fragilidade física em pessoas idosas da comunidade com hipertensão arterial²⁶. A relação entre pressão arterial e mortalidade em pessoas idosas com HAS varia com a velocidade da caminhada, o que indica que esse item pode ser uma medida eficaz para identificar pessoas idosas em risco de desfechos negativos da hipertensão arterial⁷.

Já no IVCF-20, é incluído como componentes: Idade, Mobilidade, Comunicação, além de em “Comorbidades múltiplas” também avaliar a Multimorbidades em si (≥5 doenças crônicas), que não são incluídos na EFS.

Em relação à idade, a literatura aponta dados próximos ao encontrado neste estudo, prevalência de fragilidade para 60 a 74 anos⁸,¹²,²⁷,²⁸. É importante destacar que a idade afeta o prognóstico de uma pessoa idosa com diagnóstico prolongado de HAS, por possíveis alterações estruturais e funcionais, induzidas pela doença em áreas cerebrais responsáveis pela movimentação corporal, o que pode contribuir para o desenvolvimento da fragilidade¹⁸.

O componente “Mobilidade” do IVCF-20 inclui alcance, preensão e pinça; Capacidade aeróbica e/ou muscular (que apresenta Perda de peso não intencional, IMC <22 Kg/m², circunferência da panturrilha <31 cm ou velocidade da marcha (4m) >5 segundos); Marcha (panturrilha, dificuldade para caminhar capaz de impedir atividades cotidianas, quedas no último ano) e Continência esfincteriana (urina ou fezes). Desses itens, a EFS apresenta de forma isolada Nutrição que se assemelha a Perda de peso não intencional, além de somente incontinência urinária avaliada em continência esfincteriana. Dessa forma, percebe-se que agrupamento das características no IVCF-20 que são avaliadas de forma isolada na EFS pode contribuir para os diferentes escores da fragilidade.

Em “Comorbidades múltiplas”, verificou-se que associadas à HAS, a maioria das pessoas idosas desta pesquisa não apresentava multimorbidade, mas parte delas possuía outras doenças crônicas, destacando-se artrite reumatoide, osteoporose e problemas cardíacos. As DCNT predispõem a pessoa idosa ao aumento da vulnerabilidade clínico-funcional, além de maior possibilidade de evoluir com fragilidade²⁸.

Embora não haja consenso sobre qual instrumento deve ser aplicado para avaliar a fragilidade entre pessoas idosas, de modo especial, as que possuem HAS, é importante que todo profissional de saúde que assiste à pessoa idosa deve conhecer a síndrome de fragilidade e suas consequências³².

Assim, a escolha do instrumento deve considerar os diferentes cenários (hospital, cuidados primários, cuidados continuados), o objetivo da medição, a qualificação (médico, clínico geral, enfermeiro, cuidador) do entrevistador e o tempo disponível¹⁰. Além disso, é importante verificar as normas estratificadas de acordo com o nível educacional, tendo em vista que, segundo dados do IBGE, em 2022 a 5,2 milhões de pessoas idosas brasileiras são analfabetas³³. Revisão sistemática mostra que todos os instrumentos apresentam vantagens e desvantagens na composição da amostra em relação à idade e nacionalidade, e ressalta a importância de comparar os resultados medidos por esses instrumentos entre si¹⁰, como neste estudo.

Este estudo possui limitação que devem quanto a definição do diagnóstico de HAS foi pelo autorrelato da pessoa idosa ou seu cuidador. Entretanto, a forma como foi definida a amostra e sua representatividade, além do uso de ferramentas validadas, são fatores que contribuem para o aprimoramento do conhecimento para profissionais da saúde.

CONCLUSÃO

Constatou-se que mesmo com diferença dos resultados para fragilidade nas pessoas idosas com hipertensão arterial sistêmica, os instrumentos Edmonton Frail Scale e Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 demonstraram concordância moderada e forte correlação positiva. Também foi verificada uma boa acurácia do Índice de Vulnerabilidade Clínico-Funcional-20 em relação a Edmonton Frail Scale para rastreamento correto da fragilidade em pessoas idosas com hipertensão arterial sistêmica. Embora haja concordância moderada e forte correlação positiva, destaca-se a necessidade de padronização do instrumento a ser utilizado em determinado serviço para verificar a fragilidade de pessoas idosas. Recomenda-se que outras pesquisas sejam realizadas com o mesmo público e avaliação de outras variáveis como aferição da pressão arterial e quais medicamentos são utilizados, além de uso de outras análises estatísticas.

Destaca-se que a adequada avaliação da fragilidade permite direcionar os serviços de saúde no âmbito da atenção primária para uma assistência que vise evitar a piora do estado de saúde relacionado à fragilidade e agravos da hipertensão arterial sistêmica por meio da prevenção e promoção à saúde.

• Não houve financiamento para a execução deste trabalho.

• DISPONIBILIDADE DE DADOS

  Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente: Samara Frantheisca Almeida Barbosa.

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Editado por

Editado por: Yan Nogueira Leite de Freitas

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente: Samara Frantheisca Almeida Barbosa.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jul 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  30 Out 2023
• Aceito
  29 Abr 2024