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Custos afundados: a decisão em grupo faz diferença?

Resumo

Objetivo:

Investigar se a tomada de decisão em conjunto é distinta da tomada de decisão individual quando se trata do viés custos afundados.

Metodologia:

Foram aplicados 96 questionários contendo 5 questões adaptadas de Arkes e Blumer (1985) com alunos de graduação. Os indivíduos foram considerados no modo indivídual, em duplas e em trios, totalizando 190 participantes. Para análise dos dados, foi utilizado estatística descritiva, Teste do Qui-quadrado de aderência e Teste do Qui-quadrado de Pearson.

Resultados:

Cinco pessoas individualmente não apresentaram o viés em nenhum dos casos e, por outro lado, apenas um trio conseguiu tomar a decisão sem considerar os gastos incorridos. Ao analisar a situação oposta, cinco duplas e cinco trios apresentaram comportamentos enviesados em todos os cenários, enquanto apenas dois indivíduos tiveram esse mesmo comportamento.

Contribuições:

Os indivíduos, em geral, tomam decisões pouco racionais ao considerar os gastos incorridos no passado para tomar decisões no presente. No entanto, tomar decisões individualmente ou em grupo pode não ser capaz de alterar esse comportamento.

Palavras chaves:
Finanças comportamentais; Custos afundados; Tomada de decisão em grupo

Abstract

Purpose:

Investigate whether joint decision-making is distinct from individual decision-making in the case of biased sunk costs.

Design/methodology/approach:

We applied 96 questionnaires containing 5 questions adapted from Arkes and Blumer (1985) with undergraduate students. Individuals were considered in the individual mode, in pairs and in trios, totaling 190 participants. For data analysis, we used descriptive statistics, Chi-square test of adherence and Pearson's Chi-square test.

Findings:

When analyzing the opposite situation, five doubles and five triples presented biased behavior in all scenarios, whereas only two individuals had this same behavior.

Originality/value:

Individuals generally take little rational decisions when considering the expenses incurred in the past to make decisions in the present. However, making decisions individually or in groups may not be able to change this behavior.

Keywords:
Behavioral finance; Sunk costs; Group decision making

1 Introdução

Segundo a teoria comportamental, os indivíduos possuem racionalidade limitada, pois, ao tomarem suas decisões, incorrem em heurísticas de julgamentos que levam a erros sistemáticos, os chamados vieses cognitivos. Diante disso, dentre os estudos dos vieses, destacam-se os custos afundados, que correspondem a uma tendência dos indivíduos em manter uma posição, uma vez que um investimento em dinheiro, tempo ou esforço já tenha sido realizado (Arkes & Blumer, 1985Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140.).

No entanto, essa tendência a continuar um esforço, uma vez que um investimento em dinheiro, esforço ou tempo foi feito, nem sempre é racional. Apenas os custos e os benefícios do momento deveriam ser levados em consideração na tomada de decisão, sendo que o custo histórico (passado) não deveria influenciar essas escolhas (Thaler, 1980Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of Economic Behavior & Organization, 1(1), 39-60.). As implicações dessa decisão enviesada são diversas. Na vida cotidiana, por exemplo, o pagamento de um buffet livre normalmente leva a pessoa a ingerir uma quantidade de alimento muito maior do que faria normalmente, simplesmente pelo dinheiro investido. No âmbito empresarial, um gestor pode optar por dar continuidade em um projeto que possivelmente não vai gerar o retorno esperado inicialmente, somente porque já dispendeu um valor considerável nele. No mercado de capitais, um investidor pode considerar as perdas incorridas em uma ação no passado para tomar as decisões de investimento no momento, quando na verdade deveria apenas considerar o panorama atual e futuro.

Esses exemplos só ratificam a amplitude e a relevância do tema para todos os âmbitos da sociedade, bem como exibe a diversidade de cenários que já foram investigados. Pouco se sabe, entretanto, sobre a influência da decisão em grupo nos custos afundados, tendo em vista que os estudos dos impactos da decisão em grupo ainda são limitados dentro das finanças e, por esse motivo, ainda não há um consenso se os grupos tomariam melhores ou piores decisões quando comparados a pessoas individualmente (Prates, Costa & Dorow, 2017Prates, W. R., Da Costa Jr, N. C. A., & Dorow, A. (2017). Risk Aversion, the Disposition Effect, and Group Decision Making: An Experimental Analysis. Managerial and Decision Economics, 38(7), 1033-1045. ).

Smith, Tindale e Steiner (1998Smith, C. M., Tindale, R. S., & Steiner, L. (1998). Investment decisions by individuals and groups in sunk cost “situations”: The potential impact of shared representations. Group Processes & Intergroup Relations, 1(2), 175-189.) buscaram responder a essa pergunta e foram uns dos únicos a tratar custos afundados e decisão em grupo simultaneamente. Seus achados indicaram que tanto os indivíduos isolados quanto aqueles em grupos de cinco pessoas incorrem no viés de custos afundados, mas mostraram que decisões em grupo eram mais propensas a erros do que decisões tomadas individualmente. Mesmo de posse desse resultado, ainda há espaço para maiores investigações a respeito do tema, bem como a necessidade de se preencher uma lacuna nesta literatura no sentido de identificar se o tamanho do grupo também alteraria a tomada de decisão.

Dado o exposto, este artigo tem como objetivo investigar se a tomada de decisão em conjunto é distinta da individual quando se trata de custos afundados. Como inovação da pesquisa, destaca-se o estudo simultâneo dos custos afundados e a tomada de decisão em grupo, já que é amplamente aceito que esse viés ocorre de fato em diversos contextos, mas pouco se sabe a respeito dessas decisões em grupo. Destaca-se ainda que há inovação no sentido de não apenas identificar se grupos influenciam na tomada de decisão, mas também se o tamanho do grupo altera as escolhas.

Dessa forma, investigar a tomada de decisão em grupo é importante no sentido de que muitas decisões, tanto pessoais como empresariais, são adotadas em conjunto (Kocher & Sutter, 2005Sutter, M. (2005). Are four heads better than two? An experimental beauty-contest game with teams of different size. Economics letters, 88(1), 41-46.). Assim, se verificado que a decisão em grupo altera as escolhas dos indivíduos em relação aos custos afundados, isso pode contribuir para diversos setores. Em termos gerais, pode ser útil para compreender, por exemplo, a diferença na tomada de decisão de grupos de investimento e de investidores individuais no mercado financeiro, no entendimento das escolhas de gestores de empresas e, ainda, ser um indicativo do comportamento de muitas famílias que incorrem no viés dos custos afundados.

O estudo está subdividido em cinco partes. Além dessa introdução, é composto por um referencial teórico que abarca a discussão a respeito de custos afundados; posteriormente, tem-se o método da pesquisa, seguido pela discussão dos resultados e considerações finais.

2 Referencial teórico

2.1 Custos afundados

O viés dos custos afundados indica que os indivíduos possuem uma tendência, mesmo em situações adversas, de manter um investimento simplesmente por considerarem os custos já incorridos e irrecuperáveis realizados (Mcafee, Mialon & Mialon, 2010Mcafee, R. P., Mialon, H. M., & Mialon, S. H. (2010). Do sunk costs matter? Economic Inquiry, 48(2), 323-336.). No entanto, quando o valor despendido em um período anterior não pode ser recuperado, esse custo não deveria influenciar a decisão atual. Os custos afundados teriam que ser irrelevantes para a tomada de decisão, a qual deveria ser estabelecida a partir dos benefícios atuais e futuros associados às alternativas disponíveis (Bernoulli, 1954Bernoulli, D. (1954). Exploitation of a new theory on the measurement of risk. Econometrica, 22, 22-36.). Mas, como se observa em diversos estudos (Arkes & Blumer, 1985Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140.; Garland, 1991Garland, H. (1991). Throwing good money after bad: The effect of sunk costs on the decision to escalate commitment to an ongoing project. Journal of Applied Psychology, 75(6), 728-731.; Haller & Schwabe, 2014Haller, A., & Schwabe, L. (2014). Sunk costs in the human brain. Neuroimage, 97, 127-133.; Keller & Pastusiak, 2016Keller, J., & Pastusiak, R. (2016). The psychology of investing: Stock market recommendations and their impact on investors’ decisions. Acta Oeconomica, 66(3), 419-437.; Thaler, 1980Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of Economic Behavior & Organization, 1(1), 39-60.), o mais comum é que os agentes econômicos levem em consideração o montante já despendido em suas decisões, tanto de investimentos quanto na vida cotidiana.

Buscando justificativas para essa conduta, Arkes e Blumer (1985Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140.) e Friedman, Pommerenke, Lukose, Milam e Huberman (2007Friedman, D., Pommerenke, K., Lukose, R., Milam. G., & Huberman, B. (2007). Searching for the sunk cost fallacy. Experimental Economics, 10(1), 79-104.) elucidam que, no âmbito psicológico, esse comportamento pode ser mantido por três aspectos: desejo que os indivíduos têm de não sentir que estão desperdiçando recursos; autojustificativa, pois não quererem admitir que tomaram decisões de investimento erradas; e aversão à perda, que faz que as pessoas tendem a alocar mais recursos em um projeto, mesmo com sucessivas perdas, com o intuito de “salvar” o valor já desembolsado. Com o mesmo objetivo, mas com outra abordagem, Richard Thaler (1980Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of Economic Behavior & Organization, 1(1), 39-60.), renomado pesquisador na área de economia comportamental, procurou fundamentar esse comportamento na teoria do prospecto, desenvolvida por Kahneman e Tversky (1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decisions under risk. Econometrica, 47(2), 263-291.) e considerada a base das finanças comportamentais. Assim, inicialmente é necessário compreender essa teoria, representada pela Figura 1.

Figura 1
Função de valor (hipotética) da Teoria do Prospecto

Observando a Figura 1, compreende-se que, diferentemente da teoria da utilidade esperada (em que as decisões são iguais tanto no campo dos ganhos quanto das perdas, pois os indivíduos agem racionalmente), na teoria do prospecto pressupõe-se que os indivíduos são avessos ao risco para ganhos, mas propensos ao risco para perdas, ou seja, o comportamento no campo dos ganhos é distinto do realizado no campo das perdas (Kahneman & Tversky, 1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect theory: An analysis of decisions under risk. Econometrica, 47(2), 263-291.). Com isso, concebe-se que o sentimento de tristeza no âmbito das perdas é muito maior do que a euforia ou felicidade perante os ganhos. Mais recentemente, Tversky e Kahneman (1992), no estudo intitulado Advances in prospect theory: Cumulative representation of uncertainty, observaram que o comportamento de aversão ao risco para ganhos e propensão ao risco para perdas é verdade apenas para altas probabilidades (efeito de certeza). Já considerando baixas probabilidades, o comportamento se inverte, de modo que os indivíduos buscam o risco nos ganhos e são avessos ao risco para perdas (efeito de possibilidade).

Tendo como base essa teoria, Thaler (1980Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of Economic Behavior & Organization, 1(1), 39-60.) desenvolveu dois argumentos. O primeiro utilizou como exemplo duas posições de investimento. A primeira considera um investidor inicial, que ainda não realizou nenhuma compra e que assim se encontra no ponto A da Figura 1. Já a segunda aponta um investidor que já realizou algumas operações e obteve sucessivos resultados infrutíferos, localizando-se assim no ponto B da Figura 1. Na posição do investidor B, perdas adicionais não resultam grande redução de valor, mas ganhos comparáveis geram aumento considerável de valor (pode-se perceber a partir da inclinação da curva) e, por esse motivo, o investidor B tende a aceitar maior risco que o investidor A, considerando a possibilidade de perdas pequenas ou ganhos substanciais. Essa argumentação evidencia que o investidor B, por já ter custos irrecuperáveis, tende a seguir arriscando. Por outro lado, o investidor A, que não incorreu em nenhuma perda, tende a ser mais cauteloso. No entanto, esse comportamento é irracional, pois se percebe que os investidores estão considerando o valor investido e as perdas realizadas para tomada de decisão, quando na verdade deveriam racionalmente analisar apenas as expectativas e condições futuras.

A segunda argumentação de Thaler (1980Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of Economic Behavior & Organization, 1(1), 39-60.), que vincula o comportamento irracional em relação aos custos afundados e a Teoria do Prospecto, é o efeito de certeza. Esse efeito manifesta-se de duas maneiras: os ganhos absolutamente certos são muito sobrevalorizados e as perdas certas são subvalorizadas, tal como na teoria do prospecto. Com isso, sempre que um dilema de custo afundado envolve a escolha de certa perda versus a manutenção de um período mais longo, o efeito certeza favorece a última opção, pela expectava positiva de que o panorama vai se alterar e o custo despendido poderá ser recuperado. Essa pressuposição, mais uma vez, indica que as pessoas, mesmo em condições adversas, agem considerando não apenas a conjuntura do momento e futura e sim, inconscientemente, sobrevalorizam os custos passados (Mcafee et al., 2010Mcafee, R. P., Mialon, H. M., & Mialon, S. H. (2010). Do sunk costs matter? Economic Inquiry, 48(2), 323-336.).

Essas fundamentações deixam claro que pode haver diversas explicações para o comportamento das pessoas em relação aos custos afundados e que, do mesmo modo, há uma infinidade de implicações e circunstâncias em que o viés emerge. Na vida cotidiana, por exemplo, Arkes e Blumer (1985Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140.) citam uma experiência em que um indivíduo ganha um ingresso para um jogo de futebol e convida um amigo, que precisa comprar o ingresso para o mesmo jogo. Enquanto se preparam para ir ao jogo, inicia uma terrível nevasca e o ganhador do ingresso anuncia que não irá mais ao jogo, pois as adversidades climáticas a serem enfrentadas seriam maiores que o prazer de ir ao jogo. Por outro lado, seu amigo, que comprou o ingresso, imediatamente protesta, lembrando que pagou pelo ingresso e que não pode desperdiçar o dinheiro. Esse exemplo deixa claro o comportamento não racional do amigo que comprou o bilhete, pois ele deveria considerar apenas as condições de satisfação momentâneas de ir ou não ao jogo, pois o valor pago não pode ser recuperado e desse modo não poderia influenciar a decisão de ir ou não ao jogo.

No âmbito empresarial, os custos afundados podem influenciar diretamente nas decisões de um projeto. Garland (1991Garland, H. (1991). Throwing good money after bad: The effect of sunk costs on the decision to escalate commitment to an ongoing project. Journal of Applied Psychology, 75(6), 728-731.) relata que, quanto maior o investimento já realizado em um projeto, maior será a probabilidade de os gestores optarem por dar continuidade a ele, mesmo que as perspectivas não sejam as melhores, simplesmente por já terem despendido um valor financeiro. De mesmo modo, no mercado de ações os investidores optam por manter uma carteira de ações que já estão operando, mesmo com uma rentabilidade inferior, em vez de abandoná-la e começar uma nova, pois consideram o valor já investido e não o querem desperdiçar (Keller & Pastusiak, 2016Keller, J., & Pastusiak, R. (2016). The psychology of investing: Stock market recommendations and their impact on investors’ decisions. Acta Oeconomica, 66(3), 419-437.; Thaler, 1980Thaler, R. (1980). Toward a positive theory of consumer choice. Journal of Economic Behavior & Organization, 1(1), 39-60.).

2.2 Tomada de decisão em grupo

Muitas áreas vêm estudando o impacto das decisões em grupo e individuais. No meio das ciências naturais, por exemplo, há diversos estudos que investigam o comportamento dos animais como formigas e abelhas com o intuito de explorar o impacto do grupo para as decisões coletivas (Silva & Matsushita, 2017). Esses estudos estão sendo incorporados lentamente para as finanças, mas ainda não há um consenso se grupos tomariam melhores decisões do que indivíduos isolados (Prates et al., 2017Prates, W. R., Da Costa Jr, N. C. A., & Dorow, A. (2017). Risk Aversion, the Disposition Effect, and Group Decision Making: An Experimental Analysis. Managerial and Decision Economics, 38(7), 1033-1045. ). Alguns estudos apontam que não há evidências concretas para indicar os grupos como melhores decisores (Bone, Hey & Suckling, 1999Bone, J., Hey, J., & Suckling, J. (1999). Are groups more (less) consistent than individuals? Journal of Risk and Uncertainty, 18(1), 63-81.), mas há também aqueles que indicam os indivíduos isolados como os mais eficientes (Le Bon, 1896Le Bon, G. (1896). The crowd: A study of the popular mind. London: Ernest Benn.) e, ainda, os que assinalam os grupos como melhor decisores, sendo essa a perspectiva mais aceita na literatura até o momento (Kugler, Kausel & Kocher, 2012Kugler, T., Kausel, E. E., & Kocher, M. G. (2012). Are groups more rational than individuals? A review of interactive decision making in groups. Wiley Interdisciplinary Reviews: Cognitive Science, 3(4), 471-482.; Prates et al., 2017; Rockenbach, Sadrieh & Mathauschek, 2007Rockenbach, B., Sadrieh, A., & Mathauschek, B. (2007). Teams take the better risks. Journal of Economic Behavior & Organization, 63(3), 412-422.). Há ainda evidências de que os grupos tomam melhores decisões quando suas escolhas não são correlacionadas (King & Cowlishaw, 2007King, A. J., & Cowlishaw, G. (2007) When to use social information: The advantage of large group size in individual decision making, Biology Letters 3 (2), 137-139.; List & Pettit, 2011List, C.; Pettit, P. (2011). Group Agency: the possibility, design, and status of corporate agents. Oxford University Press.; Silva & Matsushita, 2017).

Corroborando a primeira perspectiva, Bone et al. (1999Bone, J., Hey, J., & Suckling, J. (1999). Are groups more (less) consistent than individuals? Journal of Risk and Uncertainty, 18(1), 63-81.), ao buscarem identificar o efeito Common-Ratio (tendência de os investidores escolherem um prospecto mais seguro em detrimento de um que apresente maior risco, mesmo esse proporcionando maior retorno) nas decisões tomadas individualmente e em grupos, verificaram poucas evidências de que os grupos seriam mais consistentes que decisores individuais, não havendo diferença significativa. Shupp e Williams (2008Shupp, S., & Williams, A. W. (2008). Risk preference differentials of small groups and individuals. Economic Journal, 118(525), 258-283.) também não conseguiram estabelecer um resultado concreto a respeito das decisões em grupo ou individuais, pois seus resultados revelaram que em situações de alto risco os grupos tornam-se mais cautelosos, mas em baixo risco os grupos acabam tolerando mais riscos que os indivíduos e, então, agem de maneira menos racional.

Em relação à segunda pressuposição, Le Bon (1896Le Bon, G. (1896). The crowd: A study of the popular mind. London: Ernest Benn.), um dos pioneiros no estudo do comportamento de tomada de decisão das multidões, elucida que as pessoas individualmente conseguem dominar seus impulsos de maneira mais fácil, ao passo que os grupos acabam por ser mais impulsivos, sendo considerados mais irracionais. Whyte (1993Whyte, G. (1993). Escalating commitment in individual and group decision-making: A prospect theory approach. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 54(3), 430-455.) ratifica esses achados, revelando que a interação maior entre os participantes dos grupos os levam a decisões mais arriscadas. Especificamente em relação aos custos afundados, Smith et al. (1998Smith, C. M., Tindale, R. S., & Steiner, L. (1998). Investment decisions by individuals and groups in sunk cost “situations”: The potential impact of shared representations. Group Processes & Intergroup Relations, 1(2), 175-189.) identificaram que tanto as decisões em grupo quanto as individuais apresentam o viés dos custos afundados, mas que, isoladamente, pessoas mais racionais acabam por exibir melhor desempenho do que o grupo como um todo.

Por outro lado, a maior parte dos estudos até o momento tem apontado os grupos como decisores mais eficientes, ratificando a terceira suposição. Neste sentido, Rockenbach, Sadrieh e Mathauschek (2007Rockenbach, B., Sadrieh, A., & Mathauschek, B. (2007). Teams take the better risks. Journal of Economic Behavior & Organization, 63(3), 412-422.) identificaram que os grupos superam os indivíduos em termos de retornos ajustados de portfólios de ações. Segundo os autores, os grupos tiram vantagem ao não se exporem a riscos excessivos. Neste mesmo sentido, Prates et al. (2017Prates, W. R., Da Costa Jr, N. C. A., & Dorow, A. (2017). Risk Aversion, the Disposition Effect, and Group Decision Making: An Experimental Analysis. Managerial and Decision Economics, 38(7), 1033-1045. ) indicam que as decisões em conjunto são mais cautelosas em relação a ativos que sofrem maior depreciação e, com isso, são menos enviesados se considerado o efeito disposição, sendo ainda que os grupos, diferentemente dos indivíduos isolados, não apresentaram o efeito pesquisado pelo autor. Destacam-se ainda os achados de Sutter (2007Sutter, M. (2007). Are teams prone to myopic loss aversion? An experimental study on individual versus team investment behavior. Economics Letters, 97(2), 128-132. ), que ao avaliar a tomada de decisão dos grupos e dos indivíduos em relação à aversão a perda míope evidenciam que as equipes (sob compromisso pequeno) podem atenuar a aversão à perda míope, mas isso não as deixam imunes de apresentar o mesmo viés, mesmo que em menor nível. Semelhantemente, Kugler, Kausel e Kocher (2012Kugler, T., Kausel, E. E., & Kocher, M. G. (2012). Are groups more rational than individuals? A review of interactive decision making in groups. Wiley Interdisciplinary Reviews: Cognitive Science, 3(4), 471-482.) realizaram uma revisão dos últimos 25 anos sobre a tomada de decisão por grupos e concluíram de forma consistente que as decisões coletivas estão mais próximas da suposição de racionalidade do que as individuais.

Por fim, a última possibilidade apresentada abarca a literatura de econofísica, a qual, baseada no teorema de Condorcet e na sabedoria das multidões, argumenta que grupos são melhores decisores quando suas escolhas não são correlacionadas (Silva & Matsushita, 2017). Segundo List e Pettit (2011List, C.; Pettit, P. (2011). Group Agency: the possibility, design, and status of corporate agents. Oxford University Press.), o teorema de Condorcet leva à compreensão de que, se o julgamento dos indivíduos isoladamente está correto, a decisão por parte do grupo seguirá na mesma direção na medida em que ele aumenta. Associado a isso, King e Cowlishaw (2007King, A. J., & Cowlishaw, G. (2007) When to use social information: The advantage of large group size in individual decision making, Biology Letters 3 (2), 137-139.) elucidaram que, quando as informações dos indivíduos direcionam-se mais da metade do tempo ao erro, o melhor é que as decisões em grupos sejam evitadas. A teoria das multidões segue a mesma perspectiva, sendo sintetizada por Silva e Matsushita (2017, p. 119) da seguinte forma: “o grupo decide melhor do que o indivíduo apenas se as escolhas individuais forem independentes (os erros não forem correlacionados) e não enviesadas”.

Tais apontamentos evidenciam que o tamanho do grupo pode influenciar as decisões. Neste sentido, Sutter (2005Sutter, M. (2005). Are four heads better than two? An experimental beauty-contest game with teams of different size. Economics letters, 88(1), 41-46.), investigando a influência do tamanho da equipe na tomada de decisões em uma experiência de concurso de beleza, concluiu que os grupos de quatro integrantes superaram os indivíduos, ao passo que os times de dois integrantes não apresentaram desempenho significativamente diferente. Esse resultado indica que o tamanho da equipe tem, de fato, um efeito sobre a tomada de decisão da equipe. De mesmo modo, mas vinculado aos aspectos de finanças comportamentais, Prates et al. (2017Prates, W. R., Da Costa Jr, N. C. A., & Dorow, A. (2017). Risk Aversion, the Disposition Effect, and Group Decision Making: An Experimental Analysis. Managerial and Decision Economics, 38(7), 1033-1045. ) argumenta que o aumento do número de indivíduos nos grupos ameniza o efeito disposição, revelando que, quanto maior o grupo, menor o erro cognitivo.

Partindo dessas evidenciações, verifica-se que em certas situações são os grupos que se saem melhor, já em outras são os indivíduos isolados e, ainda, há aquelas em que não há diferença na tomada de decisão. Além disso, explora-se que o tamanho do grupo também pode ser um preditor. Com isso, fica evidente que não há um consenso na literatura, merecendo dedicação da academia, para que assim se possa ter uma melhor definição das circunstâncias que tornam a tomada de decisão mais eficiente: em grupo ou isoladamente.

3 Método

Este estudo segue uma abordagem experimental, consistindo na aplicação de um questionário junto a estudantes dos cursos de administração, ciências contábeis e economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O processo de desenvolvimento do experimento se deu em sala de aula. O contato inicial foi realizado com o professor de cada disciplina, a fim de obter a autorização do mesmo. Posteriormente, os pesquisadores foram até as turmas e contataram os alunos, questionando se estes teriam interesse em participar do estudo, tendo total liberdade para não aceitar ou mesmo para desistir ao longo do processo. Além disso, cada aluno respondeu a somente um único questionário, de maneira que as instruções quanto ao preenchimento do mesmo foram dadas sem especificar o assunto da pesquisa, com o objetivo de não influenciar as respostas.

Com isso, os questionários foram aplicados individualmente com 34 alunos, assim como foram aplicados em grupos de dois com 60 alunos e em grupos de três pessoas com 96 alunos. Essa coleta, então, contemplou um total de 96 instrumentos aplicados entre os indivíduos isolados e em grupos, com um total de 190 participantes. A formação desses grupos se deu de maneira livre, tendo os condutores do experimento apenas o cuidado para que a composição deles fosse o mais heterogênea possível em termos de sexo, evitando que essa variável interferisse nos resultados.

O questionário aplicado foi adaptado de Arkes e Blumer (1985Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140.), sendo assim composto por cinco questões referentes ao viés de custos afundados e duas questões explorando o perfil dos respondentes: sexo e idade. Compreende-se que as situações apresentadas no instrumento de coleta de dados são hipotéticas; no entanto, diversos estudos já foram realizados com experimentos reais de forma que as pessoas tomavam uma decisão considerando seu próprio dinheiro, mas os resultados não foram distintos dos auferidos com questionários (Arkes & Blumer, 1985), justificando assim a escolha por esse método.

Para análise dos dados, foi utilizada a estatística descritiva, Teste do Qui-quadrado de aderência e o Teste do Qui-quadrado de Pearson (teste de independência) por meio do software SPSS. Os testes descritivos visaram verificar primeiro o perfil dos respondentes. Subsequente a isso, utilizou-se a estatística descritiva para analisar a frequência e o percentual de resposta nas cinco variáveis específicas de custos afundados.

O Teste do Qui-quadrado de aderência foi utilizado com o intuito de apurar as diferenças significativas existentes entre as possíveis respostas dos indivíduos em cada uma das questões. Esse teste é amplamente utilizado em estudos experimentais para analisar dados com o objetivo de observar frequências em pelo menos duas categorias, verificando se a frequência observada difere significativamente da frequência esperada (Campos, 1976Campos, H. (1976). Estatística experimental não-paramétrica. (2a ed.). Piracicaba: Esalq.). Semelhantemente, o Teste do Qui-quadrado de Pearson também é um teste comum para determinar a significância; no entanto, associa duas variáveis categóricas. A partir desse teste, relacionaram-se os dois pares de questões que contêm cenários semelhantes, de maneira que uma delas considera um investimento inicial e a outra, não. Assim, é possível verificar se as duas variáveis são independentes (hipótese nula) ou dependentes (hipótese alternativa).

4 Análise e discussão dos resultados

A pesquisa compreendeu um total 190 participantes, sendo que 34 responderam o questionário individualmente, 60 indivíduos em dupla e os 96 alunos restantes responderam em trio. A Tabela 1 apresenta o sexo dos participantes de cada grupo.

Tabela 1
Sexo dos respondente s

Com relação aos respondentes individuais, observa-se primeiro que a amostra foi equilibrada entre o sexo masculino (47,1%) e o feminino (52,9%). Em seguida, considerando as duplas, 40% dos grupos foram formados apenas por homens, 30% apenas por mulheres e os 30% restantes consistiram em um participante do sexo masculino e outro do sexo feminino. Além disso, metade dos trios foi composto por participantes de ambos os sexos e a outra metade separada igualmente por sexo masculino (25%) e sexo feminino (25%). Ressalta-se que o cuidado para obter uma amostra heterogênea em termos de sexo se deu com o intuito de evitar que esse fator influenciasse os resultados, já que é recorrente na literatura o fato de as mulheres incorrerem mais facilmente no viés dos custos afundados independente da circunstância (Ngo & Wing-ngar Tsang, 1998Ngo, H. Y., & Wing-ngar Tsang, A. (1998). Employment practices and organizational commitment: Differential effects for men and women?. The International Journal of Organizational Analysis, 6(3), 251-266.; Powell & Ansic, 1997Powell, M., & Ansic, D. (1997). Gender differences in risk behaviour in financial decision-making: An experimental analysis. Journal of economic psychology, 18(6), 605-628.).

Em relação à idade, a média dos respondentes da pesquisa, nos três grupos, foi de 24 anos, o que é justificável pelo fato de que são todos estudantes universitários. Ademais, a idade convergente evita que essa tenha sido uma variável determinante para os resultados em cada um dos grupos, visto que indivíduos mais velhos têm uma menor tendência a apresentar o viés dos custos afundados (Strough, Schlosnagle & Didonato, 2011Strough, J., Schlosnagle, L., & Didonato, L. (2011). Understanding decisions about sunk costs from older and younger adults’ perspectives. Journals of Gerontology Series B: Psychological Sciences and Social Sciences, 66(6), 681-686.).

Após conhecer o perfil dos participantes, partiu-se para a análise descritiva das variáveis de pesquisa, com o intuito de verificar o percentual de resposta dos grupos em cada questão. A Tabela 2 apresenta os resultados.

Tabela 2
Estatística descritiva e teste não paramétrico do Qui-quadrado das variáveis de pesquis a

Ao observar a Tabela 2, é possível perceber que as duas primeiras questões possuem o mesmo cenário; no entanto, a primeira não evidencia o viés dos custos afundados por não apresentar um valor já investido. Além disso, na primeira é afirmado que a viagem para Fortaleza é melhor que a viagem para Natal, fazendo que a escolha entre as duas capitais seja facilitada, ou seja, grande parte dos participantes acaba sendo incentivada a escolher a capital do Ceará como destino de viagem por saber que ela é a melhor opção. Isso é claramente constatado quando os percentuais de escolha são analisados, sendo que 91,20% dos respondentes individuais, 76,70% das duplas e 87,50% dos trios escolheram Fortaleza em vez de Natal. Por outro lado, no momento em que um investimento inicial é declarado, representando os custos afundados, os resultados auferidos são diferentes. Apesar de a proporção de respondentes que escolheram Fortaleza continuar elevada, ela foi menor do que na questão anterior, de forma que os participantes individuais foram os que mais realizaram essa escolha (73,50%), seguidos dos trios (68,80%) e das duplas (63,30%).

Em seguida, as duas próximas questões possuem uma análise semelhante com as duas primeiras, porém inverteu-se a ordem das perguntas. Neste momento, a primeira questão é a que evidencia o investimento inicial, ou seja, aquela em que os indivíduos decidem ou não levar em consideração os custos irrecuperáveis no momento da tomada de decisão. Com isso, percebe-se que os trios (38,7%) e os respondentes individuais (38,2%) foram aqueles que mais concordaram em continuar a assistir um filme, que possuiu R$ 8,00 como investimento inicial, mesmo ele não sendo interessante. Já as duplas ficaram em terceiro lugar, com um percentual de 30,0%. A quarta variável do instrumento continha o mesmo cenário da questão anterior, todavia sem considerar que o filme havia sido pago anteriormente. Assim, é possível observar que o percentual de escolha entre continuar assistindo ao filme ou abandoná-lo acabou se alterando, de forma que nesse momento apenas 8,8% dos respondentes individuais optariam por continuar assistindo ao filme, contra 91,2% que o abandonariam. Semelhantemente, 83,3% das duplas e 78,1% também não continuariam assistindo a um filme entediante caso não houvessem pago por ele.

A quinta questão do instrumento de pesquisa também buscou evidenciar o viés cognitivo sunk costs, porém sem considerar a contrapartida sem investimento inicial. Neste caso, o respondente era indagado sobre despender mais R$ 3 milhões em um projeto que já havia custado R$ 12 milhões. Dessa forma, apenas 3,10% dos trios afirmaram que não investiriam o restante necessário para finalizar o projeto de pesquisa da empresa, ou seja, foram os que mais cometeram o erro de considerar um valor irrecuperável na decisão pelo investimento. O segundo grupo que mais afirmou continuar investindo em um projeto mesmo que outra empresa já esteja fazendo propaganda de um modelo mais moderno que o de sua empresa foram as duplas (90,0%), seguidas dos respondentes individuais (76,5%), fazendo que esses últimos sejam os que menos apresentaram o viés dentre os grupos pesquisados nesta variável.

Após verificar as diferenças de percentuais entre cada uma das categorias, foi realizado o teste não paramétrico do Qui-quadrado entre as respostas para cada um dos grupos. Foi verificado, por exemplo, o grau de associação entre as duas opções de respostas da questão 1.2, sendo que eram “Natal” e “Fortaleza”. Neste caso, para a categoria individual, o grau de significância do teste foi de 0,000, e de 0,034 para os trios. Já para as duplas, o resultado foi de 0,144. Isso indica, portanto, que, para os participantes individuais e para os grupos de três pessoas, existe diferença significativa entre as alternativas, ou seja, apresentam o viés dos custos afundados, diferentemente das duplas, as quais apresentaram uma distribuição semelhante à distribuição esperada.

Em oposição a isso, as respostas dos participantes individuais e dos trios na questão 2.1 foram as que não apresentaram distribuição diferente da esperada (sig. 0,170 e 0,209, respectivamente). As demais variáveis apresentaram diferenças significativas quanto à distribuição das respostas em todas as categorias pesquisadas. Por fim, ao buscar uma relação geral entre todos os resultados do teste do Qui-quadrado, percebe-se que eles não seguem nenhum padrão, indicando que a tomada de decisão individual, em dupla ou em trio não se mostrou como um diferencial para o viés dos custos afundados. Resultados semelhantes foram encontrados por Bone et al. (1999Bone, J., Hey, J., & Suckling, J. (1999). Are groups more (less) consistent than individuals? Journal of Risk and Uncertainty, 18(1), 63-81.), tendo em vista que os autores não encontraram evidências concretas para indicar os grupos como melhores ou piores decisores financeiros.

Com o intuito de facilitar a compreensão a respeito desses resultados, criou-se uma variável categórica, de forma a unir as três questões que buscaram investigar se os indivíduos incorreram ou não no viés estudado, ou seja, aquelas que continham investimentos iniciais. Sendo assim, criaram-se dummies para cada umas das três variáveis, de maneira que “1” representa que os indivíduos incorreram no viés (levando em consideração o gasto inicial) e “0” representa que não se submeteram ao viés (não levando em consideração o gasto inicial). Em seguida, somaram-se as três dummies criadas e chegou-se ao denominado “nível de custos afundados”, onde “0” significa que os participantes não empreenderam em nenhum dos casos o custo afundado, “1” significa que foram enviesados em apenas uma das variáveis, “2” representa que tomaram a decisão considerando o investimento inicial duas vezes e, por fim, “3” significa que os respondentes incorreram no viés dos custos afundados em todos os casos investigados. A Tabela 3 apresenta os resultados.

Tabela 3
Estatística descritiva da variável nível de custos afundado s

Ao analisar os resultados evidenciados na Tabela 3, observa-se primeiro que grande parte dos participantes incorreu com o viés em um ou dois casos investigados, de maneira que ficaram nesses dois escores 79,4% dos respondentes individuais, 76,7% das duplas e 81,3% dos trios. Já os resultados mais diferenciados estão entre aqueles que não incorreram com o viés em nenhuma das questões e aqueles que consideraram os custos afundados em todas elas. Por um lado, cinco pessoas individualmente não apresentaram o viés em nenhum dos casos, bem como duas duplas também não apresentaram os custos afundados em nenhuma das questões; por outro lado, apenas um trio conseguiu tomar a decisão sem considerar os gastos incorridos no passado. Ao analisar a situação oposta, cinco duplas e cinco trios apresentaram comportamentos enviesados em todos os cenários, ao passo que apenas dois indivíduos tiveram esse mesmo comportamento. Esses resultados ratificam mais uma vez que não há um padrão de comportamento em que grupos tomariam melhores decisões que indivíduos isoladamente, corroborando as evidências de Bone et al. (1999Bone, J., Hey, J., & Suckling, J. (1999). Are groups more (less) consistent than individuals? Journal of Risk and Uncertainty, 18(1), 63-81.) e Shupp e Williams (2008Shupp, S., & Williams, A. W. (2008). Risk preference differentials of small groups and individuals. Economic Journal, 118(525), 258-283.).

Em seguida, semelhantemente ao que foi realizado por Arkes e Blumer (1985Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140.), realizou-se o Teste do Qui-Quadrado de Pearson, a fim de se observar se existe uma associação significativa para cada categoria entre os dois pares de variáveis categóricas com os mesmos cenários, ou seja, se as variáveis são independentes (hipótese nula) ou dependentes (hipótese alternativa). Assim, em uma das questões de cada par não era citado nenhum investimento inicial e na outra questão o indivíduo já teria despendido alguma quantia naquele determinado projeto. Dessa forma, de ainda de acordo com os autores, é possível avaliar o impacto do investimento anterior a partir de uma tendência em trocar de opção, evidenciando o viés. A Tabela 4 apresenta os resultados encontrados.

Tabela 4
Teste do Qui-quadrado de Pearson

Em primeiro lugar, é possível verificar que a hipótese nula foi rejeitada para os dois pares de questões em todas as categorias, ou seja, tanto para as respostas individuais quanto para as respostas em conjunto. A partir da significância estatística do teste e dos resultados observados na estatística descritiva anteriormente evidenciada, tem-se que a exposição a um investimento inicial apresentou efeito significativo no comportamento dos participantes da pesquisa, tanto considerando a escolha de destino final de viagem quanto considerando continuar ou não assistindo a um filme pouco interessante. Com base nisso, tem-se que, apesar de não haver razões óbvias para continuar determinado projeto, quando alguma quantia já foi despendida, os indivíduos tendem a continuar investindo, ao contrário de quando nenhum dinheiro ainda foi gasto. De acordo com Arkes e Blumer (1985Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psychology of sunk cost. Organizational behavior and human decision processes, 35(1), 124-140.), o fato de os investidores continuarem desembolsando recursos pode-se dever ao fato de possuírem uma certeza ampliada de que o projeto concluído será um sucesso financeiro ou porque talvez não percebam a situação como uma causa perdida. Por fim, percebe-se que, apesar de todas as relações terem sido significativas, no segundo cenário o nível de significância vai aumentando com o tamanho do grupo, revelando uma possível relação entre o tamanho do grupo e a tomada de decisão em relação aos custos afundados. Mas essa é uma suposição, sendo efetiva apenas a existência do viés dos custos afundados em todos os casos analisados, ratificando que, independente de a decisão ser tomada individualmente ou em grupo (dupla ou trio), existe a incidência dessa violação de racionalidade.

5 Considerações finais

Esse estudo teve como objetivo investigar se a tomada de decisão em conjunto é distinta da individual quando se trata de custos afundados. Nesse sentido, considerando a estatística descritiva de frequência e percentual das variáveis relacionadas aos custos afundados, observou-se que as diferenças notáveis estão entre aqueles que não incorreram com o viés em nenhuma das questões e aqueles que consideraram os custos afundados em todas elas, tendo em vista que cinco pessoas individualmente não apresentaram o viés em nenhum dos casos e, por outro lado, apenas um trio conseguiu tomar a decisão sem considerar os gastos incorridos no passado. Ao analisar a situação oposta, cinco duplas e cinco trios apresentaram comportamentos enviesados em todos os cenários, ao passo que apenas dois indivíduos tiveram esse mesmo comportamento. Além disso, atenta-se para as questões que envolviam sunk costs nos dois últimos cenários. Na questão 2.1, a maioria dos indivíduos não apresentou o viés cognitivo quando deparados com um investimento inicial de R$ 8,00. Na questão 3, no entanto, o valor do investimento inicial muda para R$ 15 milhões, o que resultou na mudança de comportamento dos respondentes. Assim, conjectura-se que o montante investido também pode representar um diferencial na tomada de decisão, além do fato apenas de ter ou não algum investimento anterior.

Considerando os resultados do Teste do Qui-quadrado de Pearson, a exposição a um investimento inicial apresentou efeito significativo no comportamento dos participantes da pesquisa, tanto considerando a escolha de destino final de viagem quanto considerando continuar ou não assistindo a um filme pouco interessante, sendo a significância decrescente no segundo cenário indicativo de que os trios poderiam estar mais predispostos a apresentar essa distorção cognitiva. Tais resultados podem ser um indício de que os indivíduos isoladamente tomam melhores decisões em relação aos custos afundados principalmente quando comparados aos trios. Mas, apesar de algumas evidências, não foram verificadas diferenças significativas capazes de solidificar essas argumentações. Assim, não foi possível concluir que os respondentes individuais e aqueles que tomaram decisão em conjunto tomam decisões diferenciadas com relação a seus investimentos, corroborando alguns estudos já salientados. Além disso, também não foi possível comprovar que o tamanho do grupo influencia na tomada de decisão.

O que se tem de efetivo nos resultados aqui apresentados é que todos os perfis analisados evidenciaram o viés dos custos afundados, ou seja, consideraram o fato de terem investido no passado algum recurso em determinado investimento para tomar as decisões sobre o futuro daquele projeto. Apesar de não ser um resultado novo na literatura, representa um fato preocupante, na medida em que os participantes da pesquisa são jovens estudantes e que por estarem nos cursos listados acima concentrarão suas carreiras em atividades intimamente ligadas à gestão do dinheiro.

Diante disso e tendo em vista a literatura comportamental, os participantes da pesquisa consideraram suas emoções para decidir se continuariam ou não investindo, seja pelo receio em admitir que erraram no passado ao despender recursos naquele projeto ou porque acreditam que no futuro esse cenário poderá se reverter. Esse fato vai de encontro ao exposto por Tversky e Kahneman (1981Tversky, A., & Kahneman, D. (1981). The framing of decisions and the psychology of choice. Science, 211, 453-458.), quando os autores afirmaram que, para que uma escolha seja racional, ela tem que ser consistente e coerente.

Como limitações da pesquisa, em primeiro lugar, destaca-se justamente o cenário de cotidiano das questões escolhidas, no sentido de que caso os cenários fossem diferentes, como uma decisão de investimento financeiro no mercado de capitais ou ainda a resolução de um enigma complexo, a sinergia entre os participantes poderia ter se mostrado diferente. Em seguida, destaca-se uma limitação de amostra em razão de seu tamanho reduzido, o que pode ter influenciado os resultados encontrados. Por fim, outra limitação da pesquisa é o fato de os grupos investigados terem sido compostos por indivíduos que poderiam se conhecer previamente, dado que eram colegas de classe.

Como sugestão para pesquisas futuras, propõe-se a utilização de uma variável de controle, com o intuito, por exemplo, de verificar se nos grupos pesquisados existe algum participante com o perfil de líder, fazendo que o mesmo influencie a resposta dos demais participantes. Semelhantemente, sugere-se o cruzamento de variáveis relacionadas ao viés dos custos afundados com variáveis que avaliem o sistema cognitivo dos indivíduos, como é o caso do CRT. Desse modo, seria possível observar se os grupos com a presença de indivíduos mais racionais são capazes de apresentar melhor desempenho quando comparados aos demais. Por fim, recomenda-se que a amostra de pesquisa seja expandida, a fim de aperfeiçoar o estudo acerca da tomada de decisão individual e em grupo com relação aos custos afundados, bem como seja trabalhada a questão da independência das escolhas dos indivíduos dentro dos grupos, como sugerido pela literatura de econofísica. APÊNDICE - Instrumento de pesquisa

Referências

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  • Editor responsável:

    Prof. Dr. Javier Montoya del Corte
  • Avaliado pelo sistema :

    Double Blind Review

APÊNDICE - Instrumento de pesquisa


Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2017
  • Aceito
    22 Ago 2017
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