Open-access Associação entre morfologia do ovócito e taxa de fertilização após ICSI

Relationship between oocyte morphology and fertilization rate after ICSI

Resumos

OBJETIVO: verificar a possibilidade de selecionar ovócitos que resultariam em maior taxa de fertilização. MÉTODOS: estudo retrospectivo que analisou a taxa de fertilização após ICSI de 957 ovócitos em metáfase II segundo três parâmetros da morfologia ovocitária: granulações citoplasmáticas, espaço perivitelino e fragmentação do primeiro corpúsculo polar. Os ovócitos foram obtidos de 115 ciclos realizados em 107 mulheres atendidas no CRHC, entre abril e dezembro de 2004. Para a análise estatística das diferenças na taxa de fertilização entre ovócitos "normais" e os que apresentavam cada alteração, utilizou-se o teste de chi2, com nível de confiança de 5 e 10%. RESULTADOS: não se observou diferença significativa na taxa de fertilização segundo as características do corpúsculo polar ou espessura do espaço perivitelino. A taxa de fertilização dos ovócitos com espaço perivitelino apresentando debris foi quase 14 pontos percentuais inferior ao dos ovócitos com espaço "ausente" (p=0,055) e a dos ovócitos com citoplasma granular foi sete pontos percentuais inferior à obtida pelos ovócitos com citoplasma de aspecto normal (p<0,10>0,05). CONCLUSÕES: os parâmetros da morfologia do ovócito atualmente utilizados não permitem distinguir claramente aqueles que serão fertilizados dos que não serão.

Ovócitos; Granulações citoplasmáticas; Espaço perivitelino; Corpúsculo polar; Taxa de fertilização; Fertilização in vitro


PURPOSE: to verify the possibility of identifying oocytes that would result in a higher fertilization rate. METHODS: retrospective analysis of the fertilization rate after ICSI of 957 oocytes in metaphase II according to three morphology parameters: cytoplasm inclusions, thickness of the perivitelline space, and fragmentation of the first polar body. Oocytes were obtained from 115 cycles performed among 107 women attended at the "Centro de Reprodução Humana de Campinas", from April to December of 2004. For the statistical analysis of differences in the fertilization rate between 'normal' oocytes and those presenting each alteration, the chi2 test was used with confidence levels of 5 and 10%. RESULTS: no significant difference in fertilization rate was observed regarding characteristics of the polar body or thickness of the perivitelline space. Fertilization rate among oocytes with perivitelline space with debris was 14 percentage points lower than among oocytes with absent space (p=0.055) and the rate among oocytes with granular cytoplasm was seven percentage points lower than among oocytes with normal cytoplasm (p<0.10>0.05). CONCLUSIONS: the morphological parameters of oocytes currently being evaluated do not allow us to clearly distinguish those that would lead to a higher fertilization rate and could be used in clinical practice.

Oocytes; Cytoplasm inclusions; Perivitelline space; Polar body; Fertilization rate; Fertilization in vitro


ARTIGOS ORIGINAIS

Associação entre morfologia do ovócito e taxa de fertilização após ICSI

Relationship between oocyte morphology and fertilization rate after ICSI

Alexandros AggelisI; Daniel FaúndesII; Alessandra MattosIII; Carlos PettaIV; Paulo Augusto NevesV; Aníbal FaúndesVI

IEmbriólogo Responsável pelo Laboratório, Centro de Reprodução Humana de Campinas (SP), Brasil

IIProfessor Assistente Doutor, Departamento de Tocoginecologia Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP. Médico Associado, Centro de Reprodução Humana de Campinas (SP), Brasil

IIIMédica Assistente, Centro de Reprodução Humana de Campinas (SP), Brasil

IVProfessor Livre Docente, Departamento de Tocoginecologia - Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP. Médico Associado, Centro de Reprodução Humana de Campinas (SP), Brasil

VMédico Associado, Centro de Reprodução Humana de Campinas (SP), Brasil

VIProfessor Titular Colaborador Voluntário, Departamento de Tocoginecologia - Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP, Médico Associado, Centro de Reprodução Humana de Campinas, Pesquisador Sênior, Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Alexandros Aggelis Centro de Reprodução Humana de Campinas Rua Dr. Eduardo Lane, 380 - Guanabara 13075-050 - Campinas – SP Telefone/Fax: (19) 3243-1317 e-mail: alex@reproducaohumana.com.br

RESUMO

OBJETIVO: verificar a possibilidade de selecionar ovócitos que resultariam em maior taxa de fertilização.

MÉTODOS: estudo retrospectivo que analisou a taxa de fertilização após ICSI de 957 ovócitos em metáfase II segundo três parâmetros da morfologia ovocitária: granulações citoplasmáticas, espaço perivitelino e fragmentação do primeiro corpúsculo polar. Os ovócitos foram obtidos de 115 ciclos realizados em 107 mulheres atendidas no CRHC, entre abril e dezembro de 2004. Para a análise estatística das diferenças na taxa de fertilização entre ovócitos "normais" e os que apresentavam cada alteração, utilizou-se o teste de c2, com nível de confiança de 5 e 10%.

RESULTADOS: não se observou diferença significativa na taxa de fertilização segundo as características do corpúsculo polar ou espessura do espaço perivitelino. A taxa de fertilização dos ovócitos com espaço perivitelino apresentando debris foi quase 14 pontos percentuais inferior ao dos ovócitos com espaço "ausente" (p=0,055) e a dos ovócitos com citoplasma granular foi sete pontos percentuais inferior à obtida pelos ovócitos com citoplasma de aspecto normal (p<0,10>0,05).

CONCLUSÕES: os parâmetros da morfologia do ovócito atualmente utilizados não permitem distinguir claramente aqueles que serão fertilizados dos que não serão.

Palavras-chave: Ovócitos; Granulações citoplasmáticas; Espaço perivitelino; Corpúsculo polar; Taxa de fertilização; Fertilização in vitro

ABSTRACT

PURPOSE: to verify the possibility of identifying oocytes that would result in a higher fertilization rate.

METHODS: retrospective analysis of the fertilization rate after ICSI of 957 oocytes in metaphase II according to three morphology parameters: cytoplasm inclusions, thickness of the perivitelline space, and fragmentation of the first polar body. Oocytes were obtained from 115 cycles performed among 107 women attended at the "Centro de Reprodução Humana de Campinas", from April to December of 2004. For the statistical analysis of differences in the fertilization rate between 'normal' oocytes and those presenting each alteration, the c2 test was used with confidence levels of 5 and 10%.

RESULTS: no significant difference in fertilization rate was observed regarding characteristics of the polar body or thickness of the perivitelline space. Fertilization rate among oocytes with perivitelline space with debris was 14 percentage points lower than among oocytes with absent space (p=0.055) and the rate among oocytes with granular cytoplasm was seven percentage points lower than among oocytes with normal cytoplasm (p<0.10>0.05).

CONCLUSIONS: the morphological parameters of oocytes currently being evaluated do not allow us to clearly distinguish those that would lead to a higher fertilization rate and could be used in clinical practice.

Keywords: Oocytes; Cytoplasm inclusions; Perivitelline space; Polar body; Fertilization rate; Fertilization in vitro

Introdução

A tendência mundial dos centros de reprodução assistida é reduzir o número de embriões transferidos ao mínimo, para evitar a gestação múltipla e suas conseqüências para a mãe e para os fetos e recém-nascidos. Além disso, por problemas éticos cada vez mais considerados, tende-se a evitar os embriões excedentes que constituem problema a médio e longo prazo nas clínicas de fertilização assistida. E numa época em que caminhamos para transferência única de embriões, é cada vez mais inapropriado gerar embriões que eventualmente tenham que ser descartados.

O número excessivo de embriões excedentes resulta da fertilização de número maior de ovócitos que o número de embriões desejados. Essa prática se justifica, pois a taxa de fertilização acha-se em torno de 60 a 70 por cento na maioria das clínicas, e ainda, há grande variabilidade individual. O ideal seria fertilizar apenas o número de ovócitos correspondente aos embriões desejados, o que pode reduzir os custos do laboratório1 e aumentar sua eficiência. Mas para isso seria necessário ter certeza razoável de que todos ou quase todos os ovócitos tratados fossem fertilizados. Isto cria a necessidade de escolher quais ovócitos deverão ser injetados, seja por não desejo de congelamento de embriões por parte do casal, seja por existir número grande de ovócitos recuperados.

A introdução da técnica do ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozóides) permitiu obter novas informações sobre as características do ovócito, já que requer a remoção das células do cumulus, o que possibilitou correlacionar a morfologia do ovócito com taxas de fertilização e clivagem e com o desenvolvimento embrionário2. A partir dessas informações, vários autores têm proposto que determinadas características dos ovócitos seriam bons indicadores de melhores possibilidades de sucesso na fertilização ou nas taxas de gravidez pós-ICSI1,3-9. Entretanto, não há ainda consenso se a morfologia do ovócito permite predizer os resultados da fertilização. Enquanto uns acreditam que certas características da morfologia oocitária se associam a melhores ou piores resultados1,3-7, outros sugerem que a morfologia oocitária não afetaria a taxa de fertilização, a qualidade embrionária ou as taxas de gravidez pós-ICSI2,10,11.

Para verificar se é possível selecionar ovócitos que resultariam em maior taxa de fertilização, avaliou-se se havia correlação entre essa taxa e três parâmetros da morfologia oocitária: espessura do espaço perivitelino, fragmentação do primeiro corpúsculo polar de ovócitos metáfase II e presença de granulações citoplasmáticas.

Métodos

Foi realizada análise retrospectiva do resultado da fertilização por ICSI de 957 ovócitos em metáfase II obtidos de 115 ciclos realizados em 107 mulheres, entre abril e dezembro de 2004. Pouco mais da metade das mulheres tinham menos de 35 anos (53%), 27,0% tinham de 35 a 39 e 20,0%, 40 anos ou mais. A média de idade das pacientes foi de 33,4 anos (21-45). O fator masculino era responsável exclusivo em 29,0% dos casos, o fator tubário e endometriose por 12,0% cada um, ESCA por 9,6% e outros fatores por 10,4% dos casos. Em 27,0% havia mais de um fator presente.

Utilizou-se agonista do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH-a) para bloqueio hipofisário (Lupron Depot®, ½ ampola de 3,75 mg; Abbott, Rio de Janeiro, RJ, Brasil) no 21º dia do ciclo anterior. Foi confirmada a supressão ovariana mediante avaliação ultra-sonográfica transvaginal.

A hiperestimulação ovariana foi realizada pela administração de menotropina (hMG: Pergonal®, Serono, São Paulo, SP, Brasil) na dose diária de 150 UI associada a hormônio folículo-estimulante recombinante (FSH: Gonal-F®, Serono) na dose diária de 150 UI, sendo que a dose de ambas as drogas foi ajustada de acordo com a resposta ovariana. Administrou-se a dose de 250 µg de gonadotropina coriônica recombinante (hCG: Ovidrel®, Serono) na presença de pelo menos dois folículos com diâmetro médio acima de 18 mm. A captação dos ovócitos foi realizada entre 35 e 36 horas após a administração do hCG. Os ovócitos foram separados do líquido folicular sob estereoscópio e lavados em meio de cultura HTF modificado com HEPES (Irvine Scientific), suplementado com 10% de soro sintético substitutivo (SSS - Irvine Scientific) antes de serem transferidos em meio de cultura HTF (Irvine Scientific) suplementado com 10% de SSS e incubados na estufa de 37ºC/5% CO2 em ar.

A remoção das células do cumulus oophorus foi realizada com hialuronidase (H-4272, Sigma) na concentração de 80 UI/mL em meio HTF modificado com HEPES suplementado com 10% SSS, usando micropipetas de vidro. Após a limpeza dos ovócitos, eles permaneceram incubados na estufa em meio de cultura HTF suplementado com 10% SSS até a realização da ICSI.

As amostras de sêmen foram colhidas logo após a punção folicular, avaliadas na câmara de Makler e processadas em gradiente coloidal Isolate Lower/Isolate Upper® (Irvine Scientific) seguindo o protocolo do fabricante. Um microlitro dos espermatozóides recuperados foi colocado numa gota de PVP (Irvine Scientific, 99219). A ICSI foi realizada em microgotas de meio HTF modificado com HEPES suplementado com 10% SSS num microscópio invertido (Nikon, Eclipse TE300) equipado com micromanipulador (Narishige). Antes da injeção, os ovócitos foram avaliados e fotografados. Foram avaliados os seguintes parâmetros: espessura do espaço perivitelino, integridade do corpúsculo polar e granulação citoplasmática.

O espaço perivitelino foi caracterizado como "ausente" quando o citoplasma estava em contato com a zona pelúcida na maior parte de seu perímetro (Figura 1) e como "aumentado" quando havia espaço entre a zona pelúcida e o citoplasma em mais de 50% da periferia da zona pelúcida (Figura 1). Apesar de se considerar a ausência de espaço vitelino como "normal", não utilizamos este termo, porque a maior parte dos ovócitos apresentou espaço perivitelino aumentado. O ovócito foi caracterizado como com debris quando se observavam exclusões citoplasmáticas no espaço perivitelino (Figura 1).


O primeiro corpúsculo polar foi caracterizado como "integral" quando se apresentava sem divisões (Figura 2) e como "fragmentado" quando estava dividido em duas ou mais partes (Figura 2).


A qualidade citoplasmática dos ovócitos foi classificada como "granular" se houvesse regiões de citoplasma escuro (Figura 3) e "normal" quando as mesmas não eram observadas (Figura 3).


Após ICSI, os óvulos foram transferidos em gotas de 40 microlitros de meio HTF suplementado com 10% SSS sob óleo mineral (Irvine Scientific, 9305) e foram incubados separadamente até o dia seguinte na estufa. A fertilização foi avaliada 18-20 horas após a ICSI. Apenas os zigotos com dois pró-núcleos distintos foram considerados fertilizados.

Foi avaliada a taxa de fertilização obtida entre os ovócitos que apresentavam cada uma das características descritas acima, comparando-a com a taxa observada entre os ovócitos classificados como "normais" quanto a essa alteração. Os ovócitos foram incluídos na análise, tanto no grupo de "normais" como de com uma alteração específica, independentemente de que esses mesmos ovócitos apresentassem ou não, simultaneamente, outras possíveis alterações. Além disso, foi comparada a taxa de fertilização de ovócitos que não apresentavam nenhuma alteração com ovócitos que apresentavam uma, duas ou as três das alterações estudadas. Caso um ovócito apresentasse alterações em alguma dessas três características diferentes das descritas acima, esse ovócito era excluído da análise.

Para a análise estatística das diferenças na taxa de fertilização entre ovócitos "normais" e os que apresentavam cada alteração, utilizou-se o teste de c2, com níveis de confiança de 5 e 10%.

Resultados

Não se observou diferença significativa na taxa de fertilização segundo as características do espaço perivitelino. Apesar de a taxa de fertilização ter sido ligeiramente inferior nos casos em que o espaço foi classificado como "aumentado" (67,6%) em relação com os casos com espaço "ausente" ou normal (70,4%), essa diferença não apresentou significância estatística (Tabela 1). Apenas o grupo de ovócitos com espaço apresentando "debris" (56,9%) mostrou taxa de fertilização quase 14 pontos percentuais inferior ao dos ovócitos com espaço "ausente", diferença que ficou perto da significância estatística (p=0,055) (Tabela1).

A taxa de fertilização dos ovócitos com corpo polar "fragmentado" (68,1%) foi quase exatamente a mesma e até ligeiramente superior à observada para os ovócitos com corpúsculo polar classificado como "integral" (67,8) (Tabela 2).

A taxa de fertilização dos ovócitos com citoplasma granular (62,6%) foi sete pontos percentuais inferior à obtida pelos ovócitos com citoplasma de aspecto normal (69,7). O valor de p foi < 0,10 > 0,05 (Tabela 3).

Ao comparar a taxa de fertilização segundo o número de alterações, encontraram-se diferenças significativas entre os ovócitos sem alterações (69,9%) e os com uma alteração (59,9%), mas não houve diferenças quando comparados com os ovócitos com duas ou mais alterações (67,6%) (Tabela 4). A diferença entre os sem alterações e o conjunto dos com uma e duas ou mais alterações também foi estatisticamente significativa, com p<0,05.

Discussão

Os resultados desta análise sugerem que é possível que algumas características dos ovócitos possam ter correlação com as taxas de fertilização. Entretanto, a diferença na taxa de fertilização obtida de ovócitos com características de normalidade comparados com aqueles com alterações poderá chegar a ser estatisticamente significativa, mas não permite identificar ovócitos que tenham possibilidades tão elevadas de fertilização que resultem de utilidade para sua utilização na prática clínica. Por outra parte, ovócitos morfologicamente deficientes resultam em taxas de fertilização relativamente elevadas, dentro dos padrões descritos na maior parte das publicações, pelo que resulta difícil recomendar sua não utilização para ICSI.

A ausência de correlação significativa entre as características do espaço perivitelino e taxa de fertilização em nossos casos está de acordo com a literatura. Publicações dos últimos 10 anos encontraram mínima diferença, e estatisticamente não significativa, entre ovócitos com espaço "espesso" e "normal" (Tabela 5). A maior diferença, ainda que não significativa, foi encontrada por De Sutter et al.11, mas com um número relativamente pequeno de casos. Recalculando os dados de Xia4, baseado nos números da Tabela 2 desse trabalho, encontramos resultados muito similares aos nossos, com taxas de fertilização de 73,3% para ovócitos com espaço normal e 67,4% para os com espaço espesso, com diferenças também não significativas. O maior número de casos na literatura foi apresentado por Balaban et al.10, que encontraram mínima diferença na taxa de fertilização segundo características do espaço perivitelino (72,9 e 71,8%). Somando os casos dos três autores citados acima, mais os nossos casos, incluímos perto de 3.000 ovócitos com espaço "normal" e mais de 1.700 com espaço "espesso", obtendo uma diferença ainda pequena (72,6 e 69,3%, respectivamente), mas que atinge significação estatística, com p<0,02. Esta significação estatística, no entanto, não se traduz em significação clínica, já que uma diferença na taxa de fertilização de 69 para 72% não permite utilizar essa característica do ovócito para desprezar os primeiros e praticar ICSI apenas nos segundos. Além disso, somar os casos dos quatro estudos não é totalmente aceitável, visto que o critério para definir o espaço perivitelino como "normal" ou "espesso" é subjetivo, não está explícito em nenhum dos trabalhos revisados e pode ser diferente entre eles. Mostra-se apenas uma fotografia como exemplo, obviamente selecionada entre os casos em que essa característica oferecia menos dúvidas de classificação.

A total ausência de correlação entre as características do primeiro corpúsculo polar (ICP) e taxa de fertilização observada em nossos casos é consistente com os divergentes resultados segundo diversos autores (Tabela 6). Nos dados de Xia4 recalculados por nós, encontramos maior taxa de fertilização nos ovócitos com ICP íntegro (77,2%) que nos ovócitos com ICP fragmentado (71,1%), mas sem atingir significação estatística. Ebner et al.5 encontraram uma grande diferença a favor dos ovócitos com ICP íntegro (87,3%) em comparação com os fragmentados (70,4%), diferença que é significativa, ao passo que Ciotti et al.2 observaram taxa de fertilização um pouco maior em ovócitos com ICP fragmentado (76,8%) que em aqueles com ICP íntegro (74,8), mas sem atingir significação estatística. Entretanto, somando os dados dos quatro estudos, com 1218 ovócitos com ICP íntegro e 894 com ICP fragmentado, as taxas de fertilização resultam significativamente diferentes (75,7 e 70,6%, respectivamente, p<0,005). Contudo, esta diferença não permite recomendar condutas clínicas diferentes com ovócitos de acordo com as características do ICP, pelas mesmas razões apresentadas quanto ao espaço perivitelino.

A aparentemente maior taxa de fertilização dos ovócitos com citoplasma limpo comparados com ovócitos com citoplasma granulado observada em nossos casos, mas com apenas 10% de chances de ser real, foi provavelmente resultado do acaso. Apenas Serhal et al.7 encontraram alguma diferença no mesmo sentido (63,0 e 57,0%), mas também sem significação estatística (Tabela 7). O estudo com maior número de casos, de Balaban et al.10, encontrou taxas praticamente idênticas independente da presença ou não de granulações citoplasmáticas (72,9 e 72,8%). Nem sequer somando todos os casos dos quatro trabalhos, com mais de 3.600 ovócitos no grupo normal e quase 750 no grupo com granulações citoplasmáticas, permite-se encontrar diferenças que sejam estatisticamente significativas: 70,4 vs 67,2%, (p=0,087).

O achado de menor taxa de fertilização em ovócitos com uma anomalia em comparação com os sem anomalias, mas não em relação aos com duas ou mais anomalias parece ser resultado apenas do acaso. Pelo menos outros dois autores tentaram estabelecer correlação entre o número de alterações e os resultados da fertilização5,11. Apesar de que houve uma tendência a menor taxa de fertilização com maior numero de alterações (até dois ou mais), as diferenças não foram significativas, como no conjunto de nossas observações (Tabela 8). Ao reunir os resultados destes autores com os nossos, portanto, com maior número de casos, houve uma diferença significativa de em torno de 10 pontos percentuais na taxa de fertilização entre os ovócitos sem alterações e os com uma e com duas ou mais anomalias morfológicas (76,9 vs 65,4 e 67,7%).

Não encontramos outros autores que descrevessem a associação negativa entre a presença de debris e fertilização encontrada neste estudo, com diferença grande o suficiente para ser marginalmente significativa, apesar do pequeno número de casos apresentando essa alteração. De qualquer forma, justamente pela sua baixa freqüência, não seria um auxiliar importante para a seleção dos ovócitos a serem fertilizados.

Baseados em nossos resultados e nos relatados na literatura, concluímos que os parâmetros da morfologia do ovócito atualmente utilizados parecem ter alguma correlação com a taxa de fertilização, mas as diferenças entre os que apresentam alterações morfológicas e os sem essas anomalias é muito pequena para que seja de utilidade prática. A dificuldade em descartar ovócitos com alterações morfológicas torna-se ainda maior após o relato de um caso de mulher com esterilidade primária em que todos os seis ovócitos aspirados eram anormais, mas foram submetidos a ICSI, quatro fertilizaram e geraram embriões morfologicamente anormais, mas o resultado da transferência foi gravidez única com um recém-nascido normal12.

Diante dessa situação surgiram novas propostas de métodos que investigam a características celulares e moleculares do ovócito. O problema com essas técnicas é que em geral são invasivas e incompatíveis com manter a viabilidade do ovócito. A técnica mais promissória descrita recentemente é a detecção do fuso meiótico (meiotic spindle detection), que pode obter-se utilizando um novo sistema de microscopia óptica computadorizada que utiliza luz polarizada, denominado polscópio (Polscope)13-19. Este método permite observar estruturas subcelulares como os microtúbulos do fuso meiótico sem afetar a viabilidade do ovócito.

No ovócito maduro o fuso deve estar alinhado com o primeiro corpúsculo polar. Desvios deste alinhamento estariam associados a menores taxas de fertilização19, porém as diferenças nas taxas de fertilização entre os com fuso meiótico "normal" e "alterado" não são muito diferentes das encontradas com as técnicas estudadas neste artigo. Portanto, ainda é cedo para saber se esta nova técnica vai permitir selecionar os ovócitos que valem a pena fertilizar dos que devem ser descartados.

Ainda não dispomos de método que permita reduzir significativamente o número de embriões excedentes nos procedimentos de fertilização assistida. O delicado equilíbrio entre oferecer ao casal a máxima probabilidade de sucesso e ao mesmo tempo evitar os embriões excedentes e a gemelaridade continua nas mãos do melhor critério de cada clínica de fertilização assistida, dentro de normas mínimas de segurança. É provável que, com o progresso das pesquisas e melhores métodos, seja possível no futuro separar os ovócitos com possibilidades de fertilização quase perfeitas, mas por enquanto temos que aceitar a necessidade de fertilizar pelo menos três ovócitos para conseguir um ou dois embriões que possam ser transferidos.

Recebido em: 8/2/2006

Aceito com modificações em: 10/4/2006

Centro de Reprodução Humana de Campinas

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  • Correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Recebido
      08 Fev 2006
    • Aceito
      10 Abr 2006
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