Resumos
Objetivos: analisar, nas gestações de alto risco com diagnóstico de centralização da circulação fetal, os resultados perinatais e a avaliação da vitalidade fetal de acordo com a dopplervelocimetria da artéria umbilical (AU). Métodos: foram estudadas 717 gestantes de alto risco avaliadas pelo Setor de Vitalidade Fetal da Clínica Obstétrica do HC-FMUSP. Todas foram submetidas aos exames em períodos de até 72 horas que antecederam o parto. Foram excluídas as gestações múltiplas e as com diagnóstico de malformações fetais. A centralização foi caracterizada de acordo com o valor do índice de pulsatilidade (IP) da ACM (IP abaixo do 5º percentil para a idade gestacional = fetos com centralização). A dopplervelocimetria da AU foi classificada como alterada quando a relação A/B foi superior ao percentil 95 para a idade gestacional. Resultados: nas gestantes com dopplervelocimetria da AU normal (560 pacientes -- 78,1%), observamos correlação apenas entre a centralização e a cardiotocografia suspeita ou alterada (17,1%). Nas gestantes com dopplervelocimetria da AU alterada (157 pacientes -- 21,9%) as médias dos seguintes parâmetros foram significativamente menores no grupo com centralização (105 casos -- 66,9%): peso do recém-nascido (1810,5±769,3 g), idade gestacional (34,4±3,6 sem) e pH no nascimento (7,20±0,1). Houve também, neste grupo, correlação significativa entre a centralização e alterações na cardiotocografia (57,2%), índice de Apgar de 1º minuto inferior a 7 (43,8%) e 5º minuto inferior a 7 (12,4%). Conclusões: o diagnóstico da centralização da circulação fetal pela dopplervelocimetria da ACM é significativo apenas em gestações que cursam com algum grau de insuficiência placentária, não se relacionando com piora dos resultados perinatais em gestantes com função placentária normal.
Dopplervelocimetria; Morbidade perinatal; Vitalidade fetal
Purpose: to study, in high risk pregnancies with cerebral redistribution of blood flow, the fetal surveillance and perinatal outcome, according to umbilical artery dopplervelocimetry. Methods: a total of 717 high-risk pregnancies attended at the Fetal Surveillance Unit were included. The last examination performed until 72 h prior to delivery was taken into account. Multiple gestations and fetal anomalies were excluded. The redistribution of blood flow was diagnosed if the pulsatility index of middle cerebral artery was below the 5th percentile for gestational age. The umbilical artery dopplervelocimetry was abnormal when A/B ratio was more than the 95th p. Results: in the group with normal umbilical artery dopplervelocimetry (560 cases -- 78.1%), significant correlation was found only between redistribution of blood flow and suspected or abnormal cardiotocography (17.1%). In the group with abnormal umbilical artery dopplervelocimetry (157 cases -- 21.9%) we found significant correlation between redistribution of blood flow (105 cases -- 66.9%) and cardiotocography abnormalities (57.2%), abnormal 1st(43.8%) and 5th (12.4%) minute Apgar scores. In these cases, the mean values of gestational age at delivery (34.4 ± 3.6 weeks), birth weight (1,810.5 ± 769.3 g), and pH at birth (7.20 ± 0.1) were significantly lower. Conclusion: The redistribution of fetal blood flow characterized by means of middle cerebral artery dopplervelocimetry is related to perinatal results when some level of placental insufficiency occurs, and does not present association to perinatal outcome when pregnancy shows normal fetal-placental blood flow.
Dopplervelocimetry; Fetal outcome; Fetal surveillance
Trabalhos Originais
Centralização da Circulação Fetal em Gestações de Alto Risco: Avaliação da Vitalidade Fetal e Resultados Perinatais
Redistribution of Fetal Circulation: Assessment of Fetal Well-Being and Perinatal Outcome in High Risk Pregnancies
Roseli Mieko Yamamoto Nomura, Rossana Pulcineli Vieira Francisco, Kathia Sakamoto Seizo Miyadahira, Marcelo Zugaib
RESUMO
Objetivos: analisar, nas gestações de alto risco com diagnóstico de centralização da circulação fetal, os resultados perinatais e a avaliação da vitalidade fetal de acordo com a dopplervelocimetria da artéria umbilical (AU).
Métodos: foram estudadas 717 gestantes de alto risco avaliadas pelo Setor de Vitalidade Fetal da Clínica Obstétrica do HC-FMUSP. Todas foram submetidas aos exames em períodos de até 72 horas que antecederam o parto. Foram excluídas as gestações múltiplas e as com diagnóstico de malformações fetais. A centralização foi caracterizada de acordo com o valor do índice de pulsatilidade (IP) da ACM (IP abaixo do 5o percentil para a idade gestacional = fetos com centralização). A dopplervelocimetria da AU foi classificada como alterada quando a relação A/B foi superior ao percentil 95 para a idade gestacional.
Resultados: nas gestantes com dopplervelocimetria da AU normal (560 pacientes ¾ 78,1%), observamos correlação apenas entre a centralização e a cardiotocografia suspeita ou alterada (17,1%). Nas gestantes com dopplervelocimetria da AU alterada (157 pacientes ¾ 21,9%) as médias dos seguintes parâmetros foram significativamente menores no grupo com centralização (105 casos ¾ 66,9%): peso do recém-nascido (1810,5±769,3 g), idade gestacional (34,4±3,6 sem) e pH no nascimento (7,20±0,1). Houve também, neste grupo, correlação significativa entre a centralização e alterações na cardiotocografia (57,2%), índice de Apgar de 1o minuto inferior a 7 (43,8%) e 5o minuto inferior a 7 (12,4%).
Conclusões: o diagnóstico da centralização da circulação fetal pela dopplervelocimetria da ACM é significativo apenas em gestações que cursam com algum grau de insuficiência placentária, não se relacionando com piora dos resultados perinatais em gestantes com função placentária normal.
PALAVRAS-CHAVE: Dopplervelocimetria. Morbidade perinatal. Vitalidade fetal.
Introdução
As provas de avaliação da vitalidade fetal são indicadas em diversos estados que implicam riscos na deterioração da oxigenação do produto conceptual. Neste contexto, a dopplervelocimetria tem sido amplamente utilizada em obstetrícia, principalmente no estudo da função placentária, pela análise dos sonogramas do cordão umbilical1,2.
A função placentária deficiente, dificultando as trocas gasosas entre o organismo materno e o fetal, é responsável pelo prejuízo na oxigenação fetal. O mecanismo pelo qual o feto se adapta diante dos distúrbios de sua oxigenação são estudados há longa data. Em trabalhos experimentais foram descritas alterações hemodinâmicas fetais como resposta à hipoxia3,4, que culminam com ocorrência da acidose. Behrman et al.5 demonstraram que, em fetos de primata, após hipoxia, existe distribuição preferencial do fluxo sangüíneo para órgãos nobres como cérebro, coração e adrenais, com diminuição do fluxo para rins e pulmões. Relataram também que a redistribuição do sangue, inicialmente, é decorrente do estímulo de quimiorreceptores situados na aorta fetal, determinando a vasoconstricção periférica, responsável pelo aumento da resistência vascular periférica. No sistema nervoso central, ocorre vasodilatação e aumento da perfusão tecidual.
As alterações hemodinâmicas da circulação fetal podem ser avaliadas por meio da tecnologia da dopplervelocimetria. Tal como demonstrado nos estudos experimentais, os fetos humanos também apresentam alterações na circulação com redistribuição do débito cardíaco durante o processo de hipoxia6-8. Neste fenômeno adaptativo conhecido como centralização da circulação fetal ou "brain-sparing effect", observa-se aumento da velocidade diastólica no fluxo sangüíneo das artérias cerebrais, conseqüente à vasodilatação. Clinicamente este evento corresponde à primeira alteração provocada pela hipoxemia fetal.
Observações realizadas nesta instituição e em outros serviços sugerem que em várias situações clínicas, que podem variar da simples hipotensão materna até a insuficiência placentária, a centralização da circulação fetal é freqüentemente diagnosticada. Este evento relaciona-se à hipoxemia fetal e geralmente precede o desenvolvimento da hipoxia e acidemia nos casos de insuficiência placentária. Estudos longitudinais relatam intervalo médio de duas semanas entre a centralização da circulação fetal e a ocorrência de desacelerações tardias na cardiotocografia (CTG)6.
De acordo com as recomendações do "American College of Obstetricians and Gynecologists"9, a incorporação da dopplervelocimetria da artéria cerebral média (ACM) fetal na prática clínica pode promover intervenções desnecessárias na gestação, devendo portanto ser considerado apenas um exame investigacional dentro da propedêutica fetal. Deste modo, torna-se importante o estudo da centralização da circulação fetal e o prognóstico da gestação, quando se caracteriza esta situação.
Este estudo tem como objetivo analisar, nas gestações de alto risco, a correlação entre o diagnóstico de centralização da circulação fetal pela avaliação da dopplervelocimetria da ACM e os resultados perinatais, e a avaliação da vitalidade fetal, levando em consideração os resultados da dopplervelocimetria da artéria umbilical (AU).
Pacientes e Métodos
Este trabalho foi desenvolvido no Setor de Vitalidade Fetal da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). A população foi selecionada retrospectivamente a partir da consulta do banco de dados do Setor, entre as gestantes atendidas no período compreendido entre janeiro de 1992 e junho de 1998. Foram excluídas as gestações gemelares, as com anomalias fetais e as pacientes cujo parto não foi realizado nesta instituição. Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPEPesq) da Diretoria Clínica do HC-FMUSP.
As características das gestantes em relação à idade, paridade e cor estão demonstradas na Tabela 1. Destacamos o predomínio da cor branca, com média de idade materna e paridade não diferindo significativamente entre os grupos analisados. Em relação aos outros diagnósticos clínicos e/ou obstétricos associados, observamos que as síndromes hipertensivas se destacam como a intercorrência mais freqüente, presente em 43,8% (314 casos). Outras intercorrências associadas incluem o diabete (98 casos ¾ 13,7%), a suspeita de restrição do crescimento fetal (93 casos ¾ 12,9%) e as cardiopatias (91 casos ¾ 12,7%).
Um total de 717 gestantes de alto risco foram submetidas a estudo dopplervelocimétrico das artérias umbilicais e cerebral média no Setor de Vitalidade Fetal, no máximo 72 horas antes do momento do parto. A dopplervelocimetria foi realizada por via transabdominal, utilizando-se dos seguintes equipamentos de ultra-sonografia: ATL Ultramark 9 com Doppler colorido e Diasonics SPA1000 com Doppler pulsátil. Os exames foram realizados com a paciente em posição semi-sentada. Os sonogramas dos vasos foram obtidos durante a inatividade fetal e em períodos de apnéia. Foram utilizados filtros de baixa freqüência (50 hertz) e analisados sonogramas com ondas uniformes.
O sonograma das AU foi obtido por meio da insonação em alça livre de cordão. Quando evidenciadas velocidades diastólicas reduzidas, procurou-se analisar o cordão na porção próxima à inserção placentária. Foi calculada a relação sístole/diástole (A/B) e o resultado foi classificado como alterado quando superior ao percentil 95 da curva de normalidade adotada10 neste Setor.
A dopplervelocimetria da ACM foi realizada em corte transverso do polo cefálico fetal, na altura dos tálamos, com o transdutor deslocado obliquamente em direção à base do crânio. Neste ponto a artéria é facilmente identificada dirigindo-se ântero-lateralmente. Evitou-se a compressão do abdome materno, uma vez que a compressão do polo cefálico fetal pode levar a alterações nos exames realizados nas artérias intracranianas. Para o diagnóstico de centralização da circulação fetal, os resultados foram classificados como alterados (fetos centralizados) quando o valor do índice de pulsatilidade estivesse abaixo do percentil 5 da curva de normalidade de Arduini e Rizzo11, em idade gestacional correspondente. O diagnóstico de centralização fetal não influenciou na conduta clínica, nem foi utilizado como critério para resolução da gestação.
A CTG anteparto de repouso foi realizada por um período mínimo de 15 minutos, com a paciente em posição de semi-Fowler. Utilizaram-se de aparelhos da marca Hewlett Packard, modelos HP 8041A, com velocidade de registro gráfico de um centímetro por minuto. De acordo com o índice cardiotocométrico de Zugaib e Behle12, o feto foi classificado como ativo (vitalidade normal), hipoativo (vitalidade suspeita) ou inativo (vitalidade alterada). Em face de um resultado suspeito ou alterado, realizou-se o teste da estimulação sônica12. O feto foi então classificado como reativo (aceleração da freqüência cardíaca fetal ¾ FCF - de 20 bpm por 3 minutos), hiporreativo (aceleração da FCF inferior a 20 bpm ou a 3 minutos) ou inativo (ausência de aceleração da FCF). A resposta fetal foi classificada também como padrão bifásico ou monofásico, de acordo com a constatação ou não de acelerações transitórias após o término da resposta da FCF à estimulação sônica. De acordo com os critérios adotados neste Setor, a CTG foi classificada como normal, quando o feto foi ativo ou reativo, ou com padrão bifásico; suspeita quando hipoativo e hiporreativo, mantendo padrão monofásico, ou alterada, quando inativo e não-reativo.
O perfil biofísico fetal (PBF) incluiu a análise das atividades biofísicas fetais: a FCF, analisada pela CTG, movimentos respiratórios fetais, movimentos corpóreos fetais, tônus fetal e a avaliação do volume de líquido amniótico. Os parâmetros biofísicos foram avaliados com aparelho de ultra-sonografia da marca Toshiba SAL77B ou Diasonics SPA 1000. Durante o período máximo padronizado para observação das atividades biofísicas (30 minutos), foi caracterizada como normal a ocorrência de no mínimo um episódio de movimento respiratório com duração mínima de 30 segundos. Os movimentos corpóreos fetais foram classificados como normais quando o feto apresentou no mínimo um movimento amplo ou três movimentos lentos durante o período de observação, e o tônus como normal na presença de movimentos corpóreos fetais ou de acordo com os movimentos de abertura e fechamento das mãos. O volume de líquido amniótico foi analisado pela medida do índice de líquido amniótico (ILA), calculado de acordo com a metodologia proposta por Phelan et al.,13, e o oligoidrâmnio foi caracterizado quando ILA£5,0 cm, sendo este limite utilizado na caracterização do volume de líquido amniótico anormal dentro do PBF. Cada parâmetro do PBF recebeu o escore 2 quando normal e o escore 0 quando anormal, sendo classificado de acordo com o seu somatório em: normal (8 ou 10), suspeito (6) ou alterado (4, 2 ou 0).
Foram analisados os seguintes resultados neonatais: idade gestacional no nascimento, índices de Apgar de 1o e 5o minutos, pH da artéria umbilical no nascimento, peso do recém-nascido (RN), adequação do peso do RN à idade gestacional e mortalidade perinatal. Os RN foram classificados como pequeno para a idade gestacional, quando com peso inferior ao percentil 10 para a idade gestacional, de acordo com a curva de normalidade desenvolvida pelo setor de neonatologia deste hospital14.
A idade gestacional foi calculada a partir da data da última menstruação (DUM) quando esta foi compatível com exame ultra-sonográfico realizado até a 20a semana. Quando a paciente não sabia referir a DUM ou na discordância com o exame ultra-sonográfico, a datação da gestação foi realizada com base na primeira ultra-sonografia.
Foram analisadas as freqüências dos resultados dos exames para comparação entre os grupos de estudo. Para as variáveis qualitativas utilizou-se do teste de c2 com correção de Yates para continuidade e, quando pertinente, o teste exato de Fisher. Para as variáveis quantitativas, utilizou-se do teste t de Student. Adotou-se como nível de significância o valor 0,05 (a = 5%). Com isso, níveis descritivos (p) inferiores a esse valor foram considerados significantes (p<0,05).
Resultados
Foram analisadas no presente trabalho setecentos e dezessete gestantes de alto risco; a dop-plervelocimetria das AU mostrou-se normal em 560 casos (78,1%), e neste grupo a centralização da circulação fetal foi caracterizada em 187 (33,4%) casos. O exame dopplervelocimétrico das AU mostrou-se alterado em 157 gestantes (21,9%), e a centralização foi caracterizada em proporção significativamente (p<0,0001) maior de pacientes (105 casos ¾ 66,9%).
A distribuição da população segundo os resultados dos testes de avaliação da vitalidade fetal de acordo com os resultados da dopplervelocimetria está demonstrada na Tabela 2.
Nas gestações com dopplervelocimetria normal das AU, a centralização da circulação fetal correlacionou-se significativamente somente com as alterações na CTG anteparto de repouso. Não foram constatadas diferenças significativas na distribuição dos resultados do PBF de acordo com a ocorrência ou não da centralização fetal. Em relação ao ILA, podemos notar elevada proporção de oligoidrâmnio, porém com distribuição semelhante nos grupos analisados, sem diferenças estatisticamente significativas.
Nos casos com dopplervelocimetria alterada da AU (Tabela 2), a proporção de CTG anormais foi significativamente superior nas gestações com centralização fetal. Do mesmo modo, a ocorrência de PBF inferior a 6 apresentou associação significativa com a centralização fetal. Na análise do ILA, não foi demonstrada correlação estatística entre a redistribuição da circulação fetal e o diagnóstico de oligoidrâmnio.
A análise dos resultados perinatais (Tabela 3) demonstra que, nos casos com resultado normal na dopplervelocimetria da artéria umbilical, não foi constatada nenhuma correlação estatisticamente significativa entre o diagnóstico de centralização da circulação fetal e resultados adversos.
A análise dos casos com dopplervelocimetria alterada das AU demonstrou associação estatisticamente significativa entre a centralização da circulação fetal e os resultados perinatais alterados (Tabela 3). No grupo que apresentou centralização as médias da idade gestacional, do peso dos recém nascidos e do pH da AU no nascimento foram significativamente menores que no grupo com dopplervelocimetria da ACM normal. Apesar de não ter sido realizada a gasometria do cordão umbilical na totalidade dos casos e da diferença observada na média entre os grupos, foi possível constatar que a proporção de acidose no nascimento (pH inferior a 7,20) não foi significativamente maior no grupo com centralização. A ocorrência de casos com índices de Apgar de 1o e 5o minutos inferiores a 7 foi significativamente maior no grupo centralizado, porém, não foram constatadas diferenças significativas na mortalidade perinatal.
Discussão
O diagnóstico precoce das alterações da vitalidade fetal reduz a ocorrência de resultados perinatais adversos porque facilita a ação oportuna do obstetra, permitindo a prevenção de lesões neurológicas decorrentes da hipoxemia e acidemia fetais. Porém, persistem as desvantagens da realização do parto prematuro intempestivo, no qual, ao se interromper uma gestação precocemente objetivando evitar as lesões neurológicas fetais da hipoxia, incorre-se no risco da ocorrência de agravos decorrentes da imaturidade fetal15, além de reduzir as chances de se obter um parto por via vaginal. Assim, o obstetra deve realizar sempre uma análise criteriosa dos resultados obtidos nos exames antenatais, orientando a conduta para proporcionar melhor resultado para o binômio mãe-filho.
Em gestações próximas ao termo, a decisão para a conduta a ser adotada é efetuada com maior facilidade, porém, quando longe do termo, os riscos decorrentes da imaturidade pulmonar influenciam constantemente as medidas a serem adotadas.
As alterações na dopplervelocimetria da AU refletem aumento de resistência ao fluxo sangüíneo no território placentário, característico de anormalidade na circulação feto- placentária16. Nesta situação de falência circulatória há prejuízo nas trocas materno-fetais, culminando com a ocorrência de resultados neonatais adversos17,18. No presente estudo, podemos notar maior incidência de RN com índices de Apgar de 1o e 5o minutos inferior a 7 e maior proporção de óbitos neonatais no grupo com exame anormal da AU, confirmando maior risco para estas gestações.
Podemos observar também que o diagnóstico de insuficiência placentária pela dopplervelocimetria das artérias umbilicais alteradas, quando associado ao diagnóstico de centralização fetal, apresenta pior prognóstico perinatal. Arduini e Rizzo19, estudando 120 casos de restrição do crescimento fetal previamente avaliados pela dopplervelocimetria, observaram que a análise da artéria cerebral média apresenta os melhores valores de predição para resultados perinatais adversos. Evidentemente, a hipoxemia é decorrente do déficit da circulação placentária, proporcionando maior risco a esta gestação. Nestas situações, atualmente, realizamos avaliação rigorosa e minuciosa da circulação fetal, principalmente por meio da dopplervelocimetria do sistema venoso, que permite identificar parâmetros indicativos de risco para a acidose fetal20,21.
Alguns estudos relatam a utilização de relações entre os resultados da dopplervelocimetria da ACM e da AU na predição do comprometimento fetal22,23. Em nosso setor utilizamos, para o diagnóstico de centralização, o valor do índice de pulsatilidade da ACM, comparando o seu resultado com os valores normais para a idade gestacional. A escolha por este tipo de análise fundamenta-se no fato de que, em situações de ausência de fluxo diastólico nas artérias umbilicais (diástole zero), as relações umbílico-cerebrais sempre serão classificadas como alteradas. Porém, temos observado que nem sempre o feto apresenta-se em situação de centralização da circulação, principalmente nas fases iniciais do comprometimento da função placentária. Outro fato importante, constatado nos casos de diástole zero, é que esta anormalidade acomete freqüentemente gestações longe do termo, situação em que a prematuridade é fator limitante na conduta a ser adotada.
Em gestações que cursam com insuficiência placentária, o diagnóstico de centralização realmente alerta quanto à possibilidade do comprometimento da oxigenação fetal, porém o intervalo até a ocorrência deste último fato é variável e deve sempre ser ponderado. Este estudo permitiu demonstrar que em gestações com função placentária normal, isto é, com dopplervelocimetria normal das AU normais, não foram constatadas diferenças nos resultados perinatais. Este fato ocorre porque o tempo entre a centralização fetal e o desenvolvimento de hipoxia fetal pode ser relativamente longo, de tal modo que outros parâmetros de avaliação da vitalidade fetal devem ser utilizados para melhor discriminação dos casos que realmente apresentem maior risco de sofrimento fetal.
Em nosso serviço, consideramos como padrão para o diagnóstico de hipoxia fetal o valor do pH da AU no nascimento inferior a 7,20 (acidemia fetal)24. Observamos que, no presente trabalho, não se constatou correlação entre a centralização fetal e a acidose no nascimento, mesmo em gestações com fluxo alterado nas AU, apesar de a média ter se mostrado significativamente menor no grupo com centralização.
Na análise da distribuição dos resultados dos testes de vitalidade fetal, observamos maior incidência de exames alterados entre os casos com centralização. As anormalidades na CTG anteparto de repouso associam-se precocemente à hipoxemia fetal, podendo justificar a correlação observada com a centralização fetal25.
Na Clínica Obstétrica da FMUSP, a proximidade do Setor de Vitalidade Fetal junto ao pré-natalista especializado no controle de gestantes de alto risco permite aguardar com segurança que a gestação siga avante pelo estudo criterioso da circulação fetal e de seus mecanismos adaptativos, antes de se optar pela resolução prematura da gestação. Assim, ao serem identificados os casos de maior risco de um resultado perinatal desfavorável pela ocorrência da centralização fetal, indicamos a vigilância rigorosa, procurando reconhecer os casos que realmente se beneficiarão da resolução imediata da gestação, por meio da análise de outros parâmetros de vitalidade fetal. Percebe-se, portanto, que há longa data trabalhamos em total concordância com o que prescreveu recentemente o ACOG9.
O presente estudo demonstra a importância da aplicação de uma propedêutica abrangente do bem-estar fetal. O diagnóstico das alterações hemodinâmicas fetais é significativo apenas em gestações que cursam com algum grau de insuficiência placentária (Doppler umbilical alterado). O diagnóstico da centralização da circulação fetal pela dopplervelocimetria da ACM não influi nos resultados perinatais em gestantes com função placentária normal (Doppler umbilical normal).
SUMMARY
Purpose: to study, in high risk pregnancies with cerebral redistribution of blood flow, the fetal surveillance and perinatal outcome, according to umbilical artery dopplervelocimetry.
Methods: a total of 717 high-risk pregnancies attended at the Fetal Surveillance Unit were included. The last examination performed until 72 h prior to delivery was taken into account. Multiple gestations and fetal anomalies were excluded. The redistribution of blood flow was diagnosed if the pulsatility index of middle cerebral artery was below the 5th percentile for gestational age. The umbilical artery dopplervelocimetry was abnormal when A/B ratio was more than the 95th p.
Results: in the group with normal umbilical artery dopplervelocimetry (560 cases ¾ 78.1%), significant correlation was found only between redistribution of blood flow and suspected or abnormal cardiotocography (17.1%). In the group with abnormal umbilical artery dopplervelocimetry (157 cases ¾ 21.9%) we found significant correlation between redistribution of blood flow (105 cases ¾ 66.9%) and cardiotocography abnormalities (57.2%), abnormal 1st(43.8%) and 5th (12.4%) minute Apgar scores. In these cases, the mean values of gestational age at delivery (34.4 ± 3.6 weeks), birth weight (1,810.5 ± 769.3 g), and pH at birth (7.20 ± 0.1) were significantly lower.
Conclusion: The redistribution of fetal blood flow characterized by means of middle cerebral artery dopplervelocimetry is related to perinatal results when some level of placental insufficiency occurs, and does not present association to perinatal outcome when pregnancy shows normal fetal-placental blood flow.
KEY WORDS: Dopplervelocimetry. Fetal outcome. Fetal surveillance.
Referências
Setor de Vitalidade Fetal
Clínica Obstétrica - Hospital das Clínicas
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Correspondência:
Roseli Mieko Yamamoto Nomura
Rua General Canavarro, 280 ¾ Bairro Campestre
09070-440 ¾ Santo André ¾ SP
Tel: (11) 4991-2481/ 4221-8778; FAX: (11) 4221-8752
e-mail: roselinomura@uol.com.br / vitalidade@hcnet.usp.br
Home Page: http://www.hcnet.usp.br/ob/
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Jun 2003 -
Data do Fascículo
Abr 2001