Endometriose é uma afecção ginecológica comum, que atinge de 10 a 15% das mulheres no período reprodutivo e até metade das mulheres com dor pélvica crônica e/ou infertilidade1 , 2. Estima-se que o número de mulheres com endometriose seja de 7 milhões nos Estados Unidos da América e de mais de 70 milhões no mundo. Em países industrializados, essa é uma das principais causas de hospitalização ginecológica3.
Apesar de ser uma das doenças mais estudadas em ginecologia4, alguns aspectos continuam sendo alvo de pesquisa, destacando-se a busca pela sua etiopatogenia5 - 7. Muitos estudos têm sido realizados na tentativa de se identificar as alterações imunológicas, genéticas, ou mesmo as respostas a contaminantes ambientais que podem estar presentes em pacientes com endometriose. Desta forma, seria possível chegar a uma explicação do porquê somente em algumas mulheres, as células endometriais que adentram a cavidade peritoneal, na menstruação retrograda, não são eliminadas.
Na tentativa de se estabelecer um diagnóstico não invasivo e, desta forma, um tratamento mais precoce, cada vez mais estudos têm sido conduzidos para se avaliar possíveis fatores indutores/desencadeadores dessa doença. Desses possíveis fatores desencadeadores da endometriose, estão alguns fatores ambientais. É sabido que a poluição pode desencadear inúmeras doenças, principalmente, as respiratórias. No entanto, cada vez mais tem se observado que os referidos poluentes podem causar outras doenças, ou ainda, funcionarem como fatores concausais.
Muitos desses poluentes ambientais são persistentes, com meias-vidas longas, podendo se acumular no meio ambiente e influenciar negativamente desde o processo gestacional até a vida adulta. Uma análise do Environmental Working Group 8 revelou a presença de 287 agentes químicos diferentes no cordão umbilical humano , e apesar de nem todas as crianças terem sido expostas a todos os poluentes detectados, nenhuma criança não foi exposta a nenhum poluente.
Considerado o poluente ambiental mais tóxico ao homem, o tetrachlorodibenzo-p-dioxina (TCDD)2 , 3 , 7 , 8 tem sido amplamente estudado9. Entretanto, certos bifenilos policlorados (PCBs) apresentam toxicidade biológica similar ao TCDD e, portanto, também podem agir comprometendo a função reprodutiva.
Os PCBs foram amplamente utilizados em transformadores, capacitores e refrigerantes por décadas. Embora sua produção tenha sido proibida, os PCBs persistem no meio ambiente e têm se acumulado no tecido gorduroso de inúmeros animais por todo o planeta. Desta forma, os humanos continuam sendo expostos a eles em consequência do consumo de produtos de origem animal e laticínios10.
Há, aproximadamente duas décadas, a relação entre a exposição humana aos PCBs e o desenvolvimento de doenças hormônio-dependentes tem sido objeto de pesquisa em diversos estudos epidemiológicos. A maioria dos estudos de endometriose se concentra em uma forma de PCB, a dioxina, embora nenhuma associação tenha sido encontrada10.
Tanto o TCDD quanto os PCBs são extremamente resistentes à degradação e se acumulam nos tecidos, devido à sua natureza lipofílica, magnificando sua concentração tecidual na cadeia alimentar10 , 11.
Devido à reconhecida habilidade dos PCBs de alterarem a função endometrial, tanto em animais quanto em humanos, não é surpresa que se tentasse relacionar a atuação desses poluentes na etiopatogenia dessa doença. Entretanto, como a contaminação pode estar inclusive em nossos alimentos, mesmo em um estudo controlado, pode ser difícil excluir completamente outras fontes de exposição pela comida ou pela água12.
A perda da sensibilidade endometrial à progesterona é reconhecidamente um potencial fator causal da endometriose. Durante o ciclo menstrual, conforme os níveis de progesterona diminuem na fase secretória, percebemos um aumento de citocinas e quimiocinas proinflamatórias e de MMPs, preparando o endométrio para o intenso processo inflamatório da menstruação13 , 14.
Além disso, complexos PCBs/TCDD + receptores AhR podem ativar genes proinflamatórios de citocinas e quimiocinas, podendo propiciar um padrão crônico de sinalização pro-inflamatória que ocasionaria em uma interrupção da função endometrial normal. Além disso, a combinação do TCDD ao estradiol pode potencializar ainda mais esse efeito pró-inflamatório, aumentando a capacidade de invasão das células estromais endometriais15.
Além de poluentes ambientais, alguns estudos têm tentado demonstrar a atuação de alguns fatores dietéticos na gênese dessa doença. Hoje em dia, sabemos que algumas doenças são conhecidamente influenciadas pela dieta (resistência insulínica, hipertensão, colecistopatia, doença celíaca, intolerância à lactose, etc)16.
Existem diversas teorias plausíveis relacionando a dieta à endometriose e à dismenorreia. A liberação de prostaglandinas parece ser um fator patogênico tanto da endometriose quanto da dismenorreia. Os ácidos graxos da dieta são precursores das prostaglandinas. Dependendo do alimento consumido, pode-se estimular ou inibir o desencadeamento da dismenorreia e da própria endometriose17.
A ingesta de fibras pode aumentar a excreção de estrogênio18 , 19 e poderia, desta forma, desempenhar um papel inverso no risco de endometriose, assim como a redução na ingesta de gorduras também poderia diminuir os níveis séricos de estrogênio. Dietas vegetarianas poderiam, supostamente, aumentar os níveis séricos de ligantes e proteínas carreadoras de hormônios sexuais, diminuindo, desta forma, a concentração disponível de estrogênio20.
Em uma revisão da Cochrane de 2004, Yap et al.21puderam verificar que o consumo de vitaminas do complexo B, magnésio e a suplementação de ômega 3 podem exercer um papel anti-inflamatório em pacientes com endometriose. Foi proposto que os ácidos graxos ômega 3 e 6, magnésio e vitaminas do complexo B podem melhorar os sintomas álgicos relacionados com a endometriose, modulando a biossíntese e a atividade bioquímica de prostaglandinas relacionadas à dor pélvica. Além disso, uma dieta rica nesses nutrientes acaba diminuindo a ingesta de proteínas animais e, portanto, diminuindo o excesso de gordura corporal e a produção periférica de estrogênio21.
Alguns estudos tentam correlacionar adventos provindos da evolução da tecnologia com doenças humanas. Em 2013, Naziroğlu et al.22, publicaram uma revisão mostrando possíveis o papel das radiações eletromagnéticas (REM) provindas, principalmente, de aparelhos celulares e dispositivos Wi-Fi. No entanto, concluíram que os estudos são falhos em provar qualquer relação das REMs com possíveis doenças do aparelho reprodutor masculino e/ou feminino22.
Condições adversas de vida e nutricionais intraútero e na primeira infância podem influenciar o risco do desenvolvimento de doenças na vida adulta, já que o crescimento fetal parece estar determinado por interações entre o genoma e o meio ambiente. Essas interações podem determinar o risco de doenças pós-natais, além da capacidade de reagir e se adaptar a esse meio ambiente. Já está provado que a exposição fetal massiva a alguns agentes tóxicos pode comprometer os resultados perinatais23. Nosso interesse específico seria a exposição a agentes tóxicos intraútero e o risco de se desenvolver endometriose.
A exposição a microorganismos poderia estimular vias pró-inflamatórias e a resposta imune inata24, sendo, desta forma, o ponta-pé inicial para que a endometriose se instale e desenvolva.
Poluentes ambientais a que estamos expostos, como a dioxina e seus similares (TCDD/PCBs), fatores dietéticos e radiações, poderiam ter papel importante nas mulheres grávidas, ocasionando um desbalanço hormonal, além é claro, da resposta endometrial, levando assim a uma maior chance de desenvolvimento dessa doença23. No entanto, apesar das associações serem teoricamente bastante plausíveis, todos os estudos que tentaram estabelecer tais relações fracassaram.
O mecanismo pelo qual os fatores ambientais e nutricionais atuam na alteração da fisiologia endometrial permanece incerto e ainda é especulativa devido à dificuldade em se avaliar precisamente a exposição aos mesmos durante a vida intrauterina, infância e vida adulta, e suas reais consequências, além das limitações de sua reprodução in vitro.
Novos estudos avaliando exposição, faixa etária e fatores concomitantes devem ser conduzidos em uma tentativa de se determinar como estes patógenos poderiam contribuir para a gênese da endometriose.
Além disso, deve-se entender melhor o mecanismo de ação destes fatores ambientais, não só na saúde reprodutiva, mas na saúde em geral do indivíduo. Desta forma, promovendo, se possível, estratégias de prevenção, incluindo não só a educação populacional mas também o estabelecimento de limites de exposição, técnicas menos poluentes e um melhor aproveitamento dos recursos naturais.
Referências
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Setor de Endometriose, Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Out 2014
Histórico
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Recebido
22 Jul 2014 -
Aceito
25 Ago 2014