Open-access Impacto da capacitação dos profissionais de saúde sobre o rastreamento do câncer do colo do útero em unidades básicas de saúde

Impact of training about cervical cancer screening on health professionals working in basic health care units

Resumos

OBJETIVO:  Avaliar o impacto da capacitação dos profissionais envolvidos no rastreamento do câncer do colo do útero (CCU) em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do município de Goiânia (GO).

MÉTODOS:  Estudo de intervenção cujas variáveis estudadas foram: os dados pessoais da mulher, anamnese, exame clínico e identificação do profissional responsável pela coleta (informações contidas no formulário de requisição do exame citopatológico do colo do útero). A avaliação da capacitação dos profissionais foi realizada por meio da comparação dos formulários referentes ao período de janeiro de 2007 a abril de 2009, antes da capacitação, com os formulários de julho de 2010 a dezembro de 2012, após a capacitação. Para avaliar o resultado da capacitação foi utilizado o teste do χ2 de Pearson, com nível de significância de 5%.

RESULTADOS:  Após a capacitação, houve aumento significativo da frequência de preenchimento da escolaridade, de 67,2 para 92,6% (p<0,001), do telefone, de 78,9 para 98,7% (p<0,001), da inspeção do colo, de 86,8 para 96,6% (p<0,001) e sinais sugestivos de doenças sexualmente transmissíveis (DST), de 80,8 para 93,5% (p<0,001). Houve redução da frequência de realização do exame no intervalo menor que um ano (p<0,001) e de um ano (p<0,001). Houve redução da frequência de realização do exame citopatológico em mulheres com menos de 25 anos de idade, de 22,0 para 17,9% (p<0,001). Houve um aumento significativo da proporção de amostras satisfatórias, de 70,4 para 80,2% (p<0,001). Foi verificada redução da ocorrência de fatores obscurecedores. A frequência de dessecamento foi de 2,9% antes da capacitação e de 2,0% após a capacitação (p<0,001). Houve um aumento da frequência de representação de células endocervicais, de 79,5 para 88,5% (p<0,001).

CONCLUSÃO:  Após a capacitação, houve melhora expressiva no preenchimento do formulário de requisição, na realização do exame citopatológico, conforme a periodicidade e a faixa etária preconizadas pelo Ministério da Saúde, e na adequabilidade da amostra.

Educação continuada; Capacitação em serviço; Capacitação profissional; Capacitação de recursos humanos em saúde; Neoplasias do colo do útero; Neoplasias do colo do útero


PURPOSE:  To evaluate the impact of training professionals involved in the screening for cervical cancer in Basic Health Units in the city of Goiânia (GO).

METHODS:  This was and intervention study in which the following data contained in the cervical cytopathology test form were examined: the woman's personal data, anamnesis, clinical examination and identification of the professional responsible for the collection. Professional training was evaluated by comparing the forms referring to the period from January 2007 to April 2009, before training, with the forms referring to the period from July 2010 to December 2012, after training. The Pearson χ2 test was used to analyze the results of training, with the 5% level of significance.

RESULTS:  After training, there was a significantly increased frequency of recording patient schooling (from 67.2 to 92.6%, p<0.001), telephone number (from 78.9 to 98.7%, p<0.001), cervical inspection (from 86.8 to 96.6%, p<0.001), and signs suggestive of sexually transmitted diseases (from 80.8 to 93.5%, p<0.001). There was a reduction in the frequency of performing the exam within an interval of less than one year (p<0.001) and of one year (p<0.001). There was a reduction in the frequency of Pap smear testing in women under 25 years of age, from 22.0 to 17.9% (p<0.001). There was a significant increase in the proportion of satisfactory samples from 70.4 to 80.2% (p<0.001). A reduction of confounding factors was observed. The desiccation frequency was 2.9% before training and 2.0% after training (p<0.001). There was an increase in the frequency of representation of endocervical cells from 79.5 to 88.5% (p<0.001).

CONCLUSION:  After training, there was a significant improvement in completing the application form, the performance of such tests regarding frequency and the age range recommended by the Ministry of Health, and the adequacy of the sample.

Education, continuing; Inservice training; Professional training; Health human resource training; Uterine cervical neoplasms; Uterine cervical neoplasms


Introdução

O câncer do colo do útero (CCU) é considerado um grave problema de saúde pública no mundo1. Os países em desenvolvimento são os principais responsáveis pelas altas taxas de mortalidade2. A alta incidência de tal neoplasia é resultado da exposição das mulheres aos fatores de risco e da falta de efetividade de um programa de rastreamento3.

A redução da incidência e mortalidade do CCU só é possível por intermédio da detecção das lesões precursoras em mulheres assintomáticas, por meio do exame citopatológico do colo do útero, fundamental para a eficiência de um programa de rastreamento organizado4. É necessário seguir um conjunto de ações programadas, com a população-alvo, faixa etária e a periodicidade entre os exames bem definidas5.

O Ministério da Saúde, em 20106, elaborou propostas para o aperfeiçoamento técnico e operacional do programa nacional de controle do CCU. Essas propostas foram sistematizadas em cinco eixos. O eixo um é caracterizado pelo fortalecimento do rastreamento organizado na atenção primária e da gestão descentralizada do programa de rastreamento6. Neste eixo, recomenda-se fortalecer a formação e qualificação dos profissionais de saúde envolvidos nas ações do rastreamento organizado, ampliar a divulgação das recomendações e condutas para o controle do CCU e aprimorar o Sistema de Informação do Controle do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO)6.

Para garantir o rastreamento organizado é necessário o preenchimento correto do formulário de requisição do exame citopatológico do colo do útero7. A falha no preenchimento pode impedir o cadastramento da mulher no sistema, a busca ativa daquelas com resultados alterados, gerar erros no diagnóstico, dificuldades na entrega do resultado ou até mesmo falta de dados necessários para a realização do exame7.

Outro ponto fundamental para o sucesso do rastreamento é a adequabilidade da amostra8. A qualidade das amostras cervicais pode ser avaliada pela presença de células da região ectocervical, do canal endocervical e da junção escamo-colunar, onde se localiza a maioria dos carcinomas cervicais e lesões precursoras9.

Devido aos erros que podem ocorrer durante a fase pré-analítica, é necessário que os profissionais de saúde8 tenham uma educação permanente, visto que a coleta inadequada levará a erros de diagnóstico, elevando a ocorrência de resultados falsos-negativos8.

A prática do rastreamento do CCU, na maioria das vezes, não segue as recomendações do Ministério da Saúde5, a periodicidade mais adotada pelos profissionais é a anual, e têm sido rastreadas mulheres fora da faixa etária recomendada, que até 2011 era de 25 a 59 anos de idade e, a partir deste ano o recomendado passou a ser 25 a 64 anos de idade10. Além disso, muitas mulheres com resultados citopatológicos alterados não são orientadas e nem encaminhadas adequadamente de acordo com as condutas clínicas preconizadas5 , 11 , 12. Estas diferenças entre a prática vigente e as normas do Ministério da Saúde podem ser um fator de dificuldade para o êxito do rastreamento organizado13.

Diante da necessidade de melhorar a qualidade do exame citopatológico para o rastreamento do CCU, o objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da capacitação dos profissionais de saúde envolvidos no rastreamento do CCU em Unidades Básicas de Saúde (UBSs).

Métodos

Este foi um estudo de intervenção realizado pela Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (FF-UFG) em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade, sob o protocolo nº 022/2012.

A casuística foi constituída a partir das informações contidas nos formulários de requisição dos exames citopatológicos do colo do útero das mulheres atendidas em sete UBSs de Goiânia (GO): Parque Amendoeiras, Recanto das Minas Gerais, Vila Pedroso, Santo Hilário, Jardim Don Fernando II, Deputado João Natal e Setor Leste Universitário.

A escolha dessas UBSs ocorreu devido ao desenvolvimento de estudos anteriores e parceria da FF-UFG nessas regiões do município de Goiânia (GO) no desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Os formulários foram preenchidos nas UBSs pelos médicos e enfermeiros responsáveis pela coleta da amostra. Os exames citopatológicos foram analisados por especialistas no setor de citologia clínica do Centro de Análises Clínicas Rômulo Rocha da FF-UFG.

Foram avaliados 10.672 formulários referentes ao período de janeiro de 2007 a abril de 2009, antes da capacitação, e 10.672, de julho de 2010 a dezembro de 2012, após a capacitação, totalizando 21.344 formulários. Os formulários de requisição referentes ao período de capacitação que ocorreu entre maio de 2009 e junho de 2010 foram excluídos da análise. A capacitação foi realizada pelos pesquisadores da FF-UFG e pelos profissionais da Secretaria Municipal de Saúde.

A metodologia empregada na capacitação foi fundamentada na aprendizagem significativa e educação dialógica, na qual o professor atua como facilitador do processo de ensino-aprendizagem, estimulando o aprendiz a ter postura ativa, crítica e reflexiva durante a construção do conhecimento14 , 15.

O treinamento dos profissionais envolvidos no rastreamento do CCU foi realizado em duas etapas. Na primeira etapa foram capacitados os médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem; na segunda etapa, os agentes comunitários de saúde.

Para o treinamento dos médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem foram abordados os seguintes temas: como funciona o Programa Nacional de Prevenção do Câncer do Colo do Útero no Brasil, a importância do SISCOLO, do preenchimento adequado do formulário de requisição do exame citopatológico, coleta adequada do exame, a faixa etária e a periodicidade recomendadas, conduta clínica e seguimento das mulheres com resultado do exame alterado.

Para o treinamento dos agentes comunitários de saúde foram abordados os seguintes temas sobre o CCU: fatores de risco, prevenção, quem deve fazer, de quanto em quanto tempo, sinais de alerta e como deve ser realizada a busca ativa das mulheres que nunca realizaram o exame, aquelas com intervalo maior que três anos e com resultados citopatológicos alterados.

A avaliação do impacto da capacitação dos profissionais envolvidos no rastreamento do CCU foi realizada por meio da comparação das informações contidas nos formulários de requisição dos exames citopatológicos realizados antes e após a capacitação.

As variáveis utilizadas na pesquisa foram: os dados pessoais da mulher, anamnese, exame clínico, identificação do profissional, periodicidade, faixa etária, adequabilidade da amostra e os resultados dos exames citopatológicos9 , 16.

O banco de dados foi estruturado no Epi Info(r) versão 3.5.1. O programa Stata(r) versão 12.0 foi utilizado para o processamento e análise dos dados17. Para verificar a distribuição das variáveis, foi utilizado o cálculo de frequências absolutas e relativas e para avaliação do impacto da capacitação foi utilizado o teste do χ2 de Pearson, com nível de significância de 5%.

Resultados

Foram analisados 21.344 formulários, que contemplaram os períodos antes e após a capacitação. A média de idade das mulheres antes da capacitação foi de 35,81±13,14 anos e, após a capacitação, foi de 37,94±13,74 anos.

Houve aumento significativo da frequência de preenchimento da escolaridade, de 67,2 para 92,6% (p<0,001), após a capacitação. Houve aumento significativo da frequência de preenchimento do telefone, de 78,9 para 98,7% (p<0,001), após a capacitação. Houve aumento significativo da frequência de preenchimento da identidade, de 75,6 para 98,9% (p<0,001), após a capacitação. Também houve aumento significativo da frequência de preenchimento do endereço, de 99,8 para 99,9% (p<0,005), após a capacitação.

Houve aumento significativo da frequência de preenchimento da inspeção do colo, de 86,8 para 96,6% (p<0,001), e sinais sugestivos de doenças sexualmente transmissíveis (DST), de 80,8 para 93,5% (p<0,001) após a capacitação. Também houve aumento significativo da frequência de preenchimento da identificação do profissional, de 98,5 para 99,4% (p<0,001) (Tabela 1). Outros dados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Frequência de preenchimento das informações no formulário de requisição do exame citopatológico do colo do útero, antes e após a capacitação, em unidades básicas de saúde.

Considerando-se a periodicidade do exame citopatológico, antes e após a capacitação, houve redução da frequência de realização do exame no intervalo menor que um ano (5,3 versus2,8%; p<0,001) e de um ano (40,1 versus 31,4%; p<0,001), respectivamente. Houve um aumento da frequência de realização do exame nos intervalos 2 anos (25,3 versus 29,9%; p<0,001), 3 anos (10,4 versus 15,7%; p<0,001) e maior que 3 anos (10,2 versus 11,6%; p<0,005). Houve redução da frequência de realização do exame citopatológico em mulheres com menos de 25 anos de idade, de 22,0 para 17,9% (p<0,001), após a capacitação. Houve aumento da frequência de realização do exame citopatológico em mulheres de 25 a 59 anos de idade, de 72,4 para 74,6% (p<0,001), e em mulheres com mais de 59 anos de idade, de 5,6 para 7,4% (p<0,001), após a capacitação. Houve um aumento significativo da proporção de amostras satisfatórias, de 70,4 para 80,2% (p<0,001), após a capacitação (Tabela 2).

Tabela 2
Variação da adequabilidade da amostra e do resultado do exame citopatológico do colo do útero, antes e após a capacitação, em unidades básicas de saúde

Foi verificada redução da ocorrência de fatores obscurecedores. A frequência de dessecamento foi de 2,9% antes da capacitação e de 2,0% após a capacitação (p<0,001). Houve um aumento da frequência de representação de células endocervicais, de 79,5 para 88,5% (p<0,001), após a capacitação. Outros dados são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Adequabilidade da amostra satisfatória com fator obscurecedor e representação do epitélio para células endocervicais e metaplásicas, antes e após capacitação, em unidades básicas de saúde

Discussão

Os resultados deste estudo mostraram que, após a capacitação dos profissionais da saúde, houve uma melhora significativa no preenchimento do formulário de requisição dos exames citopatológicos do colo do útero referente aos dados pessoais da mulher, da anamnese e do exame clínico.

Sabe-se que o preenchimento do formulário de requisição do exame citopatológico do colo do útero é um dos elementos da fase pré-analítica fundamentais para a qualidade deste exame, que consequentemente refletirá na qualidade do programa de rastreamento7. A falta de informações para a realização do exame citopatológico pode impedir o cadastramento da mulher no sistema e a identificação das mulheres que fazem parte do grupo de risco para o desenvolvimento de lesões precursoras do CCU10.

O preenchimento correto dessas informações é de extrema importância, pois auxilia o profissional a interpretar os resultados citopatológicos durante a análise dos exames no laboratório, além de possibilitar a identificação dos casos que devem ser revisados de acordo com o recomendado pelo controle interno de qualidade do Ministério da Saúde7.

Nesta pesquisa também foi possível verificar um aumento significativo da identificação do profissional responsável pela coleta, o que, consequentemente, diminuiu a devolução dos exames às UBSs7. A devolução do formulário de requisição devido à falta de preenchimento correto pode provocar atraso na entrega do resultado para a mulher9. Além de causar transtornos na rotina do serviço, gera custos adicionais ao sistema de saúde11.

Neste estudo não foi observado aumento do número de exames das mulheres que informaram realizá-los pela primeira vez, provavelmente devido às deficiências relacionadas a problemas na organização da rede de atenção à saúde primária5. O que justifica o fato de que, no Brasil, o rastreamento ainda é oportunístico e a maioria das mulheres procura os serviços de saúde por razões adversas à prevenção do CCU6 , 7.

Os principais motivos que influenciaram algumas mulheres a nunca ter realizado o exame citopatológico foram: o desconhecimento sobre o CCU e sobre a importância do exame, medo de doer e de se deparar com resultado positivo para câncer, sentimento de vergonha e dificuldades em realizar o exame, como falta de dinheiro para locomoção, acesso ao serviço de saúde e ao emprego18.

A partir da realização deste estudo foi observado que a frequência dos exames citopatológicos realizados nos intervalos menor que um ano e um ano foi significativamente menor após a capacitação. No intervalo de três anos houve um aumento significativo dessa frequência. O Ministério da Saúde preconiza que mulheres que iniciaram o rastreamento, tiveram exames com amostras insatisfatórias e apresentaram alterações devem repetir o exame em intervalo menor ou igual a um ano9. Aquelas que realizaram o exame citopatológico por dois anos consecutivos e apresentaram resultados negativos devem realizar o exame a cada três anos6.

Para os intervalos de dois anos e maior que três anos houve aumento significativo da frequência de exames, fator que pode ser explicado tendo em vista a resistência das mulheres e dos profissionais de saúde em seguir as recomendações do Ministério da Saúde.

Em países que adotaram o rastreamento organizado, com a realização do exame citopatológico a cada 3 anos, as taxas de mortalidade por CCU caíram cerca de 40%. A incidência diminuiu mais de um terço na Austrália e na Nova Zelândia e cerca de um quinto na Inglaterra19.

Em relação à frequência dos exames citopatológicos realizados em mulheres com menos de 25 anos de idade, houve uma redução após a capacitação. O Ministério da Saúde recomenda que o rastreamento do CCU deve ter início aos 25 anos de idade6 , 9, visto que a incidência do CCU em mulheres com até 24 anos é muito baixa. A maioria dos casos é diagnosticada como lesões de baixo grau, consideradas não precursoras e que possuem grande probabilidade de regressão7.

Recomendações semelhantes têm sido adotadas por outros países. Os Estados Unidos da América indicavam o rastreio após o início da atividade sexual; a partir de 2002, o país passou a adotar o prazo de 3 anos, com limite máximo aos 21 anos20. Na Europa, é recomendado que o rastreamento inicie entre 25 e 30 anos de idade21.

A frequência dos exames citopatológicos realizados na faixa etária de 25 a 59 anos e maior que 59 anos aumentou significativamente. A faixa etária de 25 a 59 anos é considerada a de maior risco para o desenvolvimento das lesões precursoras e do CCU, sendo prioridade do Ministério da Saúde principalmente as mulheres que nunca realizaram o exame9. O aumento da frequência dos exames realizados em mulheres com mais de 59 anos pode ser justificado na ação do Ministério da Saúde, que, em 2011, publicou as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento do Câncer do Colo do Útero, preconizando que a população-alvo a ser rastreada deve pertencer à faixa etária de 25 aos 64 anos de idade10.

Sasieni et al.22 mostraram que o rastreamento em mulheres com idade entre 20 e 24 anos teve pequeno ou nenhum impacto sobre as taxas de câncer cervical invasivo. Em contraste, o rastreamento em mulheres idosas obteve uma substancial redução na incidência e mortalidade em decorrência do CCU. Mulheres em torno de 40 anos de idade apresentaram uma redução de 60% dos casos de câncer, aumentando para 80% na faixa etária de 64 anos, parcela na qual o rastreamento foi particularmente eficaz na prevenção do câncer em estágio invasivo.

Foi possível verificar, neste estudo, que as amostras insatisfatórias não apresentaram diferença significativa após a capacitação, mas a frequência foi menor que 3%. Segundo o Instituto Nacional do Câncer, em 2005, apenas seis Estados brasileiros e o Distrito Federal apresentaram taxas de exames insatisfatórios menores que 5%, padrão mínimo de qualidade estabelecido pela Organização Pan-Americana de Saúde2. Por outro lado, foi observado, após a capacitação, um aumento significativo da frequência das amostras satisfatórias e uma redução das amostras com fatores obscurecedores, indicando uma melhora da qualidade da coleta do exame citopatológico do colo do útero.

A coleta adequada do material é muito importante para o êxito do diagnóstico citopatológico. A garantia da presença do material em quantidades suficientes é fundamental para o sucesso da ação7 , 9.

Foi observada, em relação às amostras satisfatórias com algum fator obscurecedor, uma diminuição significativa para todas as causas (dessecamento, purulento, áreas espessas e sangue). Houve, ainda, um aumento da representação das células endocervicais e/ou metaplásicas após a capacitação, o que pode ter ocorrido devido ao melhor entendimento dos profissionais sobre a importância de se realizar uma coleta adequada com representação da junção escamo-colunar.

Esperava-se encontrar diferença significativa para o resultado do exame citopatológico, uma vez que houve redução das amostras satisfatórias com fator obscurecedor e melhor representação das células endocervicais e metaplásicas. Ainda que não tenha sido observada uma maior quantidade significativa de lesões detectadas após a capacitação, para as lesões mais graves houve um discreto aumento.

Tal resultado pode ser atribuído ao fato de não ter aumentado a frequência de exames realizados pela primeira vez, podendo inferir que as mulheres que realizaram os exames citopatológicos eram as mesmas, consequentemente, não apresentou um aumento na detecção das lesões precursoras.

O estudo de Amaral et al.8 mostrou que os principais fatores que limitaram a análise dos exames citopatológicos foram a ausência de células endocervicais, dessecamento, purulento e áreas espessas8. Dias et al.23 mostraram que os principais fatores que prejudicaram a análise dos exames citopatológicos foram dessecamento, presença de sangue e material escasso, enfatizado pelos estudos que isso decorre de problemas na coleta e fixação inadequadas da lâmina.

Diante dos resultados obtidos neste estudo, é possível concluir que, após a capacitação dos profissionais envolvidos na realização do exame citopatológico do colo do útero, houve melhora expressiva no preenchimento do formulário de requisição, na realização do exame, conforme a periodicidade e a faixa etária preconizadas pelo Ministério da Saúde, e na adequabilidade da amostra.

Estes resultados servirão de subsídios para a implementação de capacitações dos profissionais envolvidos no rastreamento do CCU, com o intuito de melhorar a qualidade do exame citopatológico e, consequentemente, reestruturar o programa de rastreamento oportunístico para um programa organizado. Ficou evidente o quanto é importante qualificar e atualizar os profissionais da atenção básica à saúde sobre as normas e condutas adotadas com relação à realização do exame citopatológico para o rastreamento do CCU.

Agradecimentos

Ao Professor Dr. Délio Marques Conde, por suas importantes considerações sobre este estudo, à equipe do laboratório Rômulo Rocha da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2014
  • Aceito
    27 Mar 2014
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