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Climatério e sexualidade

Climacteric and sexuality

EDITORIAL

Climatério e sexualidade

Climacteric and sexuality

Aarão Mendes Pinto NetoI; Ana Lúcia Ribeiro ValadaresII; Lúcia Costa-PaivaIII

IDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IIPrograma de Pós-Doutorado do Departamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

IIIDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil

Correspondência Correspondência: Aarão Mendes Pinto Neto Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP Rua Alexander Fleming, 101 - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" - Barão Geraldo CEP: 13083-881. Campinas (SP), Brasil

A função sexual feminina é multifacetada, é o resultado de uma complexa interação entre fatores fisiológicos, psicológicos e sociais. Esse complexo cruzamento de domínios sociais, psicológicos e biológicos pode ser entendido como a interação de pelo menos quatro fenômenos: desejo, crenças, valores e motivação. O primeiro é devido parcialmente a mecanismos biológicos, neuroendócrinos que estimulam o interesse sexual espontâneo, endógeno. Crenças e valores são consequências de experiências sociais que promovem as expectativas e a idealização da atividade sexual, que, por sua vez, participam no disparo de fenômenos fisiológicos, ligados ao interesse sexual. Por seu lado, a motivação depende tanto de fatores emocionais, quanto interpessoais1.

A compreensão da função sexual feminina desenvolveu-se significativamente a partir das investigações de Masters e Johnson, em 1966, dentro dos modelos tradicionais, lineares, biologicamente determinados da resposta sexual humana. Sua abordagem dividia a resposta sexual em quatro fases distintas: excitação, platô, orgasmo e resolução2. Cerca de uma década mais tarde, Kaplan3 incorporou o desejo no seu modelo. A maior compreensão da função sexual feminina levou à proposição de representações não lineares, que enfatizam a importância de fatores não biológicos, tendo Basson4,5 apontado para a importância da associação entre intimidade emocional e satisfação no relacionamento e a função sexual. Ela sugeriu que as mulheres têm muitas razões para se envolverem nas atividades sexuais que não sejam o desejo sexual, como os modelos tradicionais sugerem. O desejo espontâneo e interesse aparecem mais frequentemente no início de um relacionamento, ou após uma longa separação de um parceiro, por exemplo, e não é frequente em relacionamentos de longa duração. Nesse último caso, sugere Basson4,5, a maior proximidade emocional e intimidade podem predispor as mulheres a se envolverem na atividade sexual. A partir de um ponto de neutralidade sexual, ocorre a excitação e o desejo sexual é ativado. A excitação, portanto, pode preceder o desejo e acioná-lo, permitindo que a relação sexual ocorra de forma prazerosa. No entanto, para cada mulher, individualmente, haverá uma definição específica do que é uma função sexual normal, com base na sua cultura, na sua história de vida, nas suas experiências sexuais anteriores e na sua própria estrutura biológica. Neste sentido, a função sexual de uma mulher deve ser vista como os outros aspectos individuais de sua forma de ser6. Os problemas sexuais devem ser avaliados com sensibilidade no que diz respeito a diferenças individuais na atividade e interesse sexual7.

Com o aumento da expectativa de vida, os estudos sobre sexualidade e suas diversas formas de expressão têm se tornado relevantes, uma vez que a função sexual influencia a qualidade de vida dentro do processo de envelhecimento8. A disfunção sexual de curta duração pode provocar frustração e angústia. Quando crônica, pode levar à ansiedade e depressão, prejudicando relacionamentos, ou criando problemas em diferentes áreas da vida da mulher9,10. As queixas sexuais são prevalentes durante toda a vida reprodutiva, mas durante o climatério as mulheres podem ficar mais vulneráveis à disfunção sexual feminina (DSF) devido à interação de vários fatores10. Durante a transição menopausal e menopausa, além dos fatores físicos, psicológicos, sociais e relativos ao parceiro sexual, que influenciam a função sexual aparecem alterações hormonais que provocam diferentes efeitos nos órgãos genitais e no sistema nervoso central. Esse fato é compreensível, uma vez que os hormônios podem influenciar direta ou indiretamente a função sexual feminina11. Os estrogênios são particularmente importantes na manutenção do tecido genital saudável, e a atrofia vulvovaginal, causada pela deficiência de estrogênio na pós-menopausa, leva ao afinamento do epitélio vaginal, perda de elasticidade, aumento do pH vaginal, redução da lubrificação e alterações na sensação genital, ressecamento vaginal e dispareunia, sintomas muito comuns nessa fase12. A atrofia vaginal tem impacto significativo sobre o funcionamento sexual e pode afetar todos os domínios da função sexual, incluindo o desejo sexual13. Além disso, durante a peri- ou pós-menopausa, os efeitos sistêmicos da deficiência estrogênica, tais como sintomas vasomotores, insônia, alterações do humor e sentimentos negativos que são frequentes podem piorar a função sexual nas mulheres14,15, o que foi evidenciado utilizando-se o questionário Short Personal Experiences Questionnaire (SPEQ), adaptado no Brasil16.

Embora não haja compreensão precisa do seu papel na sexualidade feminina, os andrógenos, produzidos na glândula adrenal e ovários, parecem ter importância no desejo e na excitação sexual17. O nível de andrógenos circulantes declina gradualmente com a idade, devido a uma redução da produção adrenal: os níveis de andrógenos circulantes em uma mulher de 40 anos correspondem à metade do que é encontrado aos 2018.

A redução da produção hormonal, que afeta os receptores em vários sistemas do corpo, provoca, portanto, consequências na função sexual que variam de efeitos na função cognitiva à resposta genital local. Quando há diminuição abrupta da produção desses hormônios, como na menopausa cirúrgica ou quimioterapia, o efeito adverso sobre a função sexual, especialmente no desejo sexual é ainda mais significativo19.

O desejo sexual hipoativo (DSH) foi o problema sexual mais prevalente identificado em estudo populacional em mulheres brasileiras de meia-idade, seguido pela disfunção da excitação e orgasmo. O estudo identificou o DSH em aproximadamente 60% dessas mulheres20. Estudos conduzidos em outros contextos divulgaram resultados similares, indicando o DSH como a alteração sexual feminina mais comum no Egito (66,4%)21, Índia (73,2%)22 e Turquia (60,6%)23. Existem evidências de que fatores psicossociais, incluindo a qualidade do relacionamento interpessoal, suporte social, bem-estar emocional, doenças crônicas e depressão influenciam a função sexual24, assim como a ausência de parceiro ou parceiro com problemas de saúde25. No entanto, entre todos os fatores que afetam o desejo sexual feminino, o envelhecimento parece ser o mais significativo26. Além disso, as doenças crônicas, que aparecem com o envelhecimento e os tratamentos relacionados, podem afetar direta ou indiretamente a função sexual feminina, pela diminuição dos níveis dos esteroides sexuais, inervação e perfusão sanguínea dos órgãos genitais femininos27. Para as mulheres de meia-idade, sentir-se bem/excelente foi fator protetor para a ocorrência de disfunção sexual e associou-se à melhoria da função sexual em diversos domínios da função sexual20. Essa melhor autopercepção pode estar associada a ter propósito de vida, o que foi evidenciado em estudo que verificou a associação entre maior satisfação sexual e um sentido maior de propósito de vida28.

Em relação ao parceiro sexual, estudos indicam associação entre grau de intimidade emocional com o parceiro e satisfação sexual. No entanto, a maior duração do relacionamento teve efeitos adversos na sexualidade em estudo realizado com mulheres brasileiras de meia-idade29. Algumas possíveis explicações incluem a habituação, rotina, papéis de gênero, assim como polarização de interesses, e outros problemas como conflitos e dificuldades de comunicação30. Nesse mesmo estudo, a sexualidade foi influenciada positivamente pela presença de relações sexuais com penetração29, que foi confirmado também em outros estudos31. No entanto, constatou-se que no decorrer do envelhecimento, a atividade sexual parece mudar e consiste predominantemente de beijos, abraços e toque sexual, como foi documentado em pesquisas com casais com 65 anos ou mais32. Além da mudança na forma de expressão da sexualidade, estudos mostram também uma diminuição da frequência da atividade sexual com o envelhecimento, mas a satisfação sexual permanece para a maioria das que continuam sexualmente ativas33. A presença de atividade sexual, nesse processo de envelhecimento, apesar de menos frequente, pode tornar-se cada vez mais importante, não somente como ato sexual físico, mas como preservação de relacionamento íntimo que ajuda diminuir os sentimentos de solidão e isolamento, uma vez que, no processo de envelhecimento, existe um estreitamento na rede de relacionamentos sociais e o papel social dos indivíduos se restringe. Além disso, a atividade sexual pode ser uma força básica para conectar as pessoas com o significado de suas próprias vidas34. Como a sexualidade envolve a percepção e controle do corpo e como a vida é movimento, é importante adequar este movimento do corpo no decorrer do climatério e envelhecimento, assumir limitações impostas pelas mudanças corporais, cientes de que elas são parte da evolução natural dos indivíduos e ferramentas usadas para o amadurecimento e crescimento dos seres humanos35.

Todos esses dados confirmam a complexidade da resposta sexual e a importância do entendimento dos fatores que podem influenciar os diversos domínios da função sexual no climatério, assim como a compreensão das mudanças que ocorrem no decorrer do processo de envelhecimento para um melhor atendimento dessas mulheres pelo ginecologista.

Recebido 21/09/2012

Aceito com modificações 01/10/2012

Trabalho realizado no Departamento de Tocoginecologia, Faculdade da Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Campinas (SP), Brasil.

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  • Correspondência:

    Aarão Mendes Pinto Neto
    Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP
    Rua Alexander Fleming, 101 - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" - Barão Geraldo
    CEP: 13083-881. Campinas (SP), Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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