RESUMO
A eugenia nasceu no final do século XIX, na Inglaterra, tendo como principal protagonista Francis Galton (1822-1911). Ao Brasil, chegou na passagem do século XIX para o XX, mas ganhou capilaridade a partir do protagonismo de Renato Kehl (1889-1974). Os eugenistas acreditavam na efetivação da prática para eliminar os grupos que apresentavam comportamentos anormais, por meio de políticas de controle de natalidade, eliminação física e outros métodos. O presente artigo tem como finalidade discorrer sobre as práticas eugênicas no Brasil, a partir dos anos 1945, a partir do golpe civil militar de 1964. Além disso, pretende-se demonstrar a permanência da eugenia a partir do comércio de kits de exame de DNA e outras práticas que se traduzem na eugenia positiva. Por fim, procuramos expor como a eugenia se explicitou no Brasil, no contexto da Pandemia da Covid-19.
Palavras-chave: Eugenia; Esterilização; Extermínio; História da Eugenia; Ideologia do Racismo
ABSTRACT
Eugenics was born at the end of the 19th century, in England, with Francis Galton (1822-1911) as its main protagonist; in Brazil, it arrived at the turn of the 19th to the 20th century, but gained capillarity from the role of Renato Kehl (1889-1974). Eugenicists believed in its effectuation to eliminate groups that presented abnormal behavior, through birth control policies, physical elimination and other methods. The purpose of this article is to discuss eugenic practices in Brazil, from the years 1945 onwards, from the civil military coup of 1964; still, it is intended to demonstrate the permanence of eugenics from the trade of DNA test kits and other practices that translate into positive eugenics. Finally, we seek to expose how eugenics was made explicit in Brazil, in the context of the Covid-19 Pandemic.
Keywords: Eugenics; Sterilization; Extermination; History of Eugenics; Ideology of Racism
INTRODUÇÃO
O movimento eugenista emerge para responder as contradições existentes no interior dos países adeptos do capitalismo industrial, em especial nas sociedades europeias do final do século XIX. O acelerado processo de urbanização demandou soluções para as classes dirigentes. Concomitante ao propósito de expandir seus territórios no exterior para além do “velho continente”, as burguesias com aspirações monopolistas forjaram novas disciplinas de conhecimento perspectivando sustentar seus empreendimentos imperialistas (Wallerstein, 2007).
Soma-se a este fator a preocupação com as mobilizações dos movimentos socialistas, a qual obrigou as classes dirigentes a abandonar o compromisso com a “razão” e propor uma forma de explicação das relações sociais por meio de mitos travestidos de ciência (Mayer, 1987; Lukács, 1959). É neste quadro que emerge a eugenia, cujo precursor foi Francis Galton (1822-1911).
Ao se colocar enquanto o principal protagonista em resolver as contradições de classes no seio da sociedade inglesa, Galton atribui natureza biológica ao comportamento humano, funda a ciência eugênica e constrói as bases teóricas para a análise da hereditariedade e a busca por maneiras de promover o “melhoramento” das características do conjunto da população.
A palavra eugenia2 é oriunda do termo inglês eugenics, que deriva da expressão grega eugénes, que significa “bem-nascido”. Etimologicamente, o eugenismo3 (ou eugenia) é a ciência dos bons nascimentos. Fundamentada na matemática e na biologia, tinha como objetivo central identificar os “melhores” membros das comunidades para estimular sua reprodução e, ao mesmo tempo, diagnosticar os “degenerados” e evitar sua multiplicação (Góes, 2021; 2018). Galton (1988) dividia essa ferramenta de análise social em duas esferas: a Eugenia Negativa, que teria como escopo impedir a multiplicação de indivíduos supostamente inferiores, numa perspectiva biológica, psicológica e intelectual; e a Eugenia Positiva, que seria o melhoramento da sociedade por meio da reprodução de seres humanos concebidos como superiores, inclusive com a seleção de reprodutores.
O projeto galtoniano preconiza construir alternativas para a burguesia industrial do seu tempo4. No entendimento do pensador britânico, seria responsabilidade dos próprios trabalhadores a resolução das questões relacionadas aos bairros operários, onde o aglomerado de pessoas favorecia a disseminação de epidemias e endemias resultantes da pobreza. A eugenia, portanto, deveria se tornar o remédio para superar tais contradições. Acreditava aquele pensador que seria necessário criar bancos de dados para registrar as características físicas e intelectuais dos cidadãos5 (Galton, 1988, p. 116).
Ancorando sua teoria na A Origem das Espécies, acreditava Galton que, nas relações humanas, assim como entre os animais estudados por Darwin, os seres mais fortes sobreviveriam em detrimento dos mais fracos. Argumentava, contudo, que a tese do naturalista estaria invertida, pois os “mais fracos” estavam proliferando, surgindo daí a necessidade de alterar tal lógica. Assim, a obra do biólogo britânico torna-se subsídio para sustentar a sua argumentação, que incorpora ainda os preceitos de Herbert Spencer (1820-1903) e sua concepção teleológica de processo evolutivo.
Dessa forma, a eugenia teve grande receptividade na Europa e na América entre os anos de 1860 e 1945, pois, sendo compartilhada nos círculos intelectuais, a produção de biólogos eugenistas era justificada como uma busca de caminhos para coibir a “degenerescência humana” e melhorar a espécie. Com a necessidade de legitimação da hegemonia de classes e do colonialismo/imperialismo, o movimento eugenista ganha proporção internacional a partir da iniciativa de outros teóricos que acreditavam ser este um mecanismo eficiente para resolver as contradições econômicas e sociais de seus países, inclusive naqueles que estavam preocupados em “construir uma nação”. Assim, além da Inglaterra, encampam os preceitos eugenistas na Europa a Alemanha, a Itália, a França, a Suíça, a Suécia e a Bélgica. Na América, os Estados Unidos, a Cuba, o Chile, a Argentina, o Equador e o Brasil. No continente asiático, o Japão6.
O êxito da eugenia se constata não somente pelas iniciativas eugênicas encampadas nos países que aderiram às ideias eugênicas, mas pela realização do Primeiro Congresso Universal das Raças, em Londres, no ano de 1911; em 1912, ocorre o Primeiro Congresso Internacional de Eugenia, em Londres, além do segundo e do terceiro, em Nova York, em 1921 e 1932, respectivamente. Em 1921 se consolida a Federação Internacional de Sociedades Eugênicas. Evidenciando o compromisso da alta intelectualidade europeia com a proposta, o terceiro Congresso teve como diretor Leonard Darwin, representante da Sociedade Eugênica da Inglaterra.
No Brasil, a eugenia emerge na passagem do século XIX para o XX, para responder o “problema da raça” e o do sanitarismo. Porém, foi Renato Kehl (1889-1974) quem difundiu as ideias eugênicas, ao criar a Sociedade Eugênica de São Paulo, em 1918. A sua dedicação propiciou a criação de organizações no Brasil, tais como a Liga Pró-Saneamento do Brasil (LPSB), a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), em 1923, e a articulação da primeira edição do Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, realizado em 1929 na cidade do Rio de Janeiro. Entre os objetivos dos eugenistas brasileiros, o mais ambicioso era fornecer subsídios para a concretização do projeto de “construir um povo” que refletisse os parâmetros das elites, a partir do ideário de branqueamento da nação. No escopo dos eugenistas, era necessário “inundar o país com o sangue europeu” e impulsionar a mistura étnico-racial, para que o país se tornasse branco7.
No primeiro tópico do presente artigo, o nosso intento é demonstrar a permanência da eugenia depois dos anos 1945. De maneira breve, serão abordadas as políticas de esterilização e extermínio como manifestação da eugenia negativa. Após a “redemocratização” do Brasil, expomos as propostas de controle de natalidade no Brasil a partir da 7ª Conferência Nacional de Saúde, em 1980, e a permanência da biologização das relações sociais a partir da iniciativa de pesquisadores da PUCRS e da UFRGS, que tinham como finalidade estudar adolescentes em conflito com a lei a fim de demonstrar que a prática da delinquência teria relação com o fator biológico.
No tópico seguinte, a nossa perspectiva é problematizar se aqui no Brasil está se assistindo às práticas de eugenia positiva, nos moldes dos países europeus e dos EUA. Argumenta-se que a eugenia positiva8 no Brasil tem sido realizada, mas de maneira tímida, ao contrário do que se verifica nos locais mencionados linhas acima. Neste caso, analisamos, brevemente, os relatórios sobre Amostras Seminais para o uso em Reprodução Humana Assistida, de 2017 e 2018, ambos produzidos pela Agência Nacional de Saúde - ANVISA (cf. Agência Nacional de Vigilância..., 2018). Além disso, serão arrolados os dados referentes ao comércio de empresas que têm obtido lucros com kits de exame de DNA. Por fim, no último tópico, dedicamo-nos, à guisa de conclusão, a explicitar como se deu a eugenia no contexto da pandemia, a partir dos anos 2020, no Brasil.
Ressaltamos que neste artigo não se pretende esgotar uma temática complexa como a eugenia, principalmente quando se trata da realidade brasileira, especialmente no pós-1945. Entretanto, pretende- se estimular a produção de pesquisas sobre a eugenia no século XXI, especialmente no campo das Ciências Humanas e Sociais como um todo, considerando que a discussão que ora apresentamos tem sido estudada, de maneira hegemônica, no âmbito da História da Saúde e da Ciência, mas deve ganhar terreno em outras áreas do conhecimento.
A EUGENIA NO BRASIL APÓS 1945: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA
Depois da queda do nazismo, em particular na Europa e nos EUA, as ideias eugenistas guinaram para a esfera da genética9 (Góes, 2021; Diwan, 2020; Martins, 2012; Black, 2003). No caso brasileiro, em relação à eugenia, o seu descrédito se deu a partir da entrada no Brasil na Segunda Guerra, motivo este que obrigou os eugenistas a se “desvincular” dos ideários eugênicos, após Getúlio Vargas declarar apoio aos aliados (Dávila, 2006; Reis, 1994). Além disso, a eugenia não obteve sucesso no Brasil devido à resistência de médicos e legisladores que não abriram espaço para efetivar as políticas de natureza eugênicas (Diwan, 2007).
Outros estudos, ao mergulharem no tema da eugenia, procuram recuperar o movimento, sobretudo na quadra dos anos 30 até os finais dos anos 40 (Mai; Angerami, 2006). Na mesma direção, Teixeira e Silva (2017), constataram que o tema referente à eugenia é pouco estudado no seio da educação e do ensino de biologia, principalmente no âmbito da pós-graduação. Assim, as autoras argumentam que a história da eugenia deveria ser discutida nos cursos das ciências biológicas, para que a experiência do holocausto não fosse repetida. Verifica-se que as pesquisas sobre a temática eugênica têm priorizado a quadra dos anos 1930 a 1950, dando a entender que a eugenia tenha sido um acontecimento no passado brasileiro.
Diante das parcas pesquisas sobre a continuidade da eugenia no Brasil pós nazismo, se faz necessário indagar como a eugenia tem se manifestado na virada do século XX e XXI.
De acordo com a história da eugenia no Brasil, a sua prática se desenvolveu a partir dos anseios das classes burguesas brasileiras, com a finalidade de consolidar um tipo de “povo” que os expressasse (Góes, 2018), e quando se comparam os países europeus e os EUA, verifica-se que aqui não houve leis de esterilização, de segregação racial e etc. Porém, o impedimento de procriação, a segregação (Arbex, 2013), a política de imigração europeia (Ramos, 1995) e outras iniciativas se traduzem em ações eugênicas à brasileira.
A eugenia negativa se comprova, sobretudo, a partir dos anos de 1964, quando se institui o regime militar, logo após a criação da Bemfam10, em 1965, que defendia explicitamente o controle de natalidade. De acordo com Pacheco (1984), a referida entidade foi responsável por promover políticas de controle de natalidade por meio de métodos contraceptivos, ao receber recursos da Fundação Rockefeller e da International Planned Parenthood Federation.
A ânsia pelo controle de natalidade foi tamanha ao ponto de o professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Elsimar Coutinho, declarar “publicamente em programa de televisão em Salvador que recebia anualmente da Organização Mundial de Saúde (OMS) a quantia de US$25.000,00 por mês” para a realização de suas pesquisas (Pacheco, 1984, p. 27). Tais investimentos demonstram porque o Nordeste passou a ser o local privilegiado de propagandas de controle de natalidade, tanto que a OMS doa US$300.000,00 anuais à Universidade Federal da Bahia, transferidos ao pesquisador “Elsimar Coutinho para fazer experiências com novos anticoncepcionais fornecidos do exterior” (Pacheco, 1984, p. 28).
Neste ritmo, dois anos depois, o Brasil participa da VII Conferência Mundial da IPPF, sediada no Chile, sob a representação da Bemfam, e, a partir de 1974, após a publicação do relatório intitulado “implications of worldwide Population Growth for U.S. Security and Overseas Interests”, conhecido como “Relatório Kissinger”11, ampliam-se as políticas de controle de natalidade no Brasil.
Segundo Pacheco (1998), a Bemfam12, alinhavada com as recomendações do referido documento, promoveu trabalhos relacionados às políticas de controle de natalidade, valendo-se do lema “planejamento familiar”, a fim de reduzir o número populacional daquela região, disseminando “anticoncepcionais orais”, DIUs, aperfeiçoando os métodos de prever ovulação, esterilizando homens e mulheres, meios luteolíticos e auto-progesterona, além de realizar métodos não-clínicos: espumas, cremes e preservativos. O documento indica que o alvo central das políticas de esterilização deveria ser as mulheres pobres e negras.
Como se pode observar, ainda que no Brasil não se vivenciassem ações “declaradas” de eugenia, a partir das políticas de controle de natalidade se constata que a eugenia negativa cumpriu uma função primordial para exterminar as mulheres negras, oriundas das regiões pauperizadas.
Os resultados das políticas de controle de natalidade foram denunciados a partir do Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 1993, ao revelar que no país havia, em 1986, 5.900.238 mulheres esterilizadas para evitar filhos, correspondendo um percentual de 15,8% das mulheres brasileiras de 15 a 54 anos. A CPI constatou que tais medidas tornaram o Brasil o país que mais esterilizou mulheres a partir de meados da década de 1960 até os anos de 1980, em comparação a outros países.
No contexto da ditadura de 1964, ao mesmo tempo em que se esterilizam mulheres pobres e negras, no que diz respeito aos homens pobres e negros, o Estado encampou as políticas de extermínio, por meio do Esquadrão da Morte. A prática do extermínio difundiu-se por diversas regiões, para não se dizer em todo o país. A finalidade do Esquadrão estaria em combater a violência popular, como demonstração pública de combate à violência e criminalidade (Bicudo, 1994)13. Desse modo, eram ceifadas pessoas oriundas dos bairros pauperizados e filhos de trabalhadores.
Além disso, os alvos do Esquadrão também seriam os presidiários, os apenados do Presídio de Tiradentes - capital de São Paulo -, os quais eram retirados da unidade e levados para terrenos baldios e “simplesmente fuzilados, às vezes, depois de seções de torturas” (Bicudo, 1994, p. 32). Conforme indica Huggins, “Segundo estimativas conservadoras, apenas entre 1964 e 1974, pelo menos 1.558 brasileiros foram torturados por policiais ou militares durante interrogatórios” (Huggins, 1998, p. 197).
O Esquadrão da Morte perdurou por mais de 20 anos, embora tenha sido alvo de denúncias não apenas pelos órgãos jurídicos, mas por movimentos sociais, especialmente o movimento negro brasileiro. Todavia, muitos daqueles que foram denunciados e punidos devido aos abusos de policiais receberam condenações inexpressivas, além de serem policiais de baixa patente. A impunidade também se estendeu, de certa maneira, ao chefe maior do Esquadrão da Morte paulista, o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que chegou a ser julgado e condenado, foi beneficiado pela Lei Fleury e permaneceu livre até o momento de sua morte (Mattos, 2011).
Dentre os fatores importantes que devem ser destacados, principalmente quando se faz uma relação entre a política de extermínio perpetrada pelo Esquadrão da Morte e a continuidade da eugenia negativa no Brasil, destaca-se que o Esquadrão atuou no período da ditadura militar. Ou seja, não se pode desconsiderar que este grupo de extermínio teve como finalidade combater as práticas subversivas com o propósito de manter a ordem. No entanto, concordamos com Mattos (2011) e Bicudo (1994) quando argumentam que, embora os alvos das práticas de tortura e extermínio tenham sido especialmente as pessoas consideradas marginalizadas e que não tinham o “costume de atuar politicamente”, isso decerto não quer dizer que os assassinatos perpetrados contra a população pobre - a classe trabalhadora em geral - deixem de ser crimes políticos.
Além do mais, é preciso ressaltar que Galton “chega até mesmo a pensar que os cidadãos mais medíocres ou ‘degenerados’ ‘hereditários’ devem ser considerados como ‘inimigos do Estado’” (Japiassu, 1999, p. 254). Assim, o Esquadrão da Morte foi formado para abater o “inimigo” do Estado (Mattos, 2011).
Em nome de garantir os recursos injetados pelos EUA, as classes burguesas brasileiras aceitaram tais políticas a fim de propagandear o “milagre econômico”, fruto dos investimentos que se deram a partir de 1964. Não é por acaso que a economia brasileira aumentou principalmente nos anos de 1973, quando o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu numa taxa de 11,4%, mantendo-se elevado o ritmo de expansão da economia, propiciando que o Estado brasileiro (Governo Federal, estaduais e municipais) investisse milhões em rodovias nas selvas, na construção de viadutos, pontes e noutras obras de infraestrutura que atinavam viabilizar o crescimento da indústria automobilística ou as operações das companhias internacionais instaladas no país.
Neste contexto, as práticas eugênicas não se deram somente em ações de esterilização e letalidade física perpetradas pelo Esquadrão da Morte. Ao contrário, em nome do “milagre” econômico, cerca de 40 milhões de brasileiros, dos quais 12 milhões de crianças, se encontravam desnutridas. Além disso, 46,7%, das famílias não tinham rendimento mínimo necessário à sua manutenção, 38,5% padeciam de desnutrição calórica, 40% da população rural da região sul era subempregada. A desnutrição foi uma das principais causas da mortalidade infantil ou redundava em problemas de saúde, além de a tuberculose ser um dos principais fatores da mortalidade (Bandeira, 1975). Entre os anos de 1963 e 1972, em virtude da insuficiência alimentar, da pauperização, do excesso de trabalho e da dificuldade psicológica, cerca de 40% em cada 100 mil faleceram.
No mesmo ano, pessoas morreram de sarampo, malária e outras doenças transmissíveis. O “milagre” econômico14, “tão celebrado pelo governo e pelas corporações internacionais teve o seu Cristo na classe trabalhadora” (Bandeira, 1975, p. 43), e a eugenia negativa com certeza esteve presente no campo da saúde, na educação, nas precárias condições de moradia, no extermínio e em outras políticas que demonstram as desigualdades sociais.
Outro fator que confirma a existência da eugenia no Brasil no pós-guerra pôde ser constatado na 7ª Conferência Nacional de Saúde, em 1980, realizada em Brasília. Neste evento, está registrada a proposta elaborada pelo Grupo 16, que tratou do subtema 8, intitulado Saúde Mental e Doenças Crônico-Degenerativas e os Serviços Básicos de Saúde. Ao centrar no tema da saúde mental, com enfoque na “personalidade psicopática” e nas “psicoses”, o grupo fez as seguintes sugestões, no âmbito da prevenção e tratamento:
Personalidades Psicopáticas. Prevenção: Tão só aos “desenvolvimentos” psicopáticos, através do saneamento moral da comunidade e das suas distorções socioeconômicas. Tratamento: não há, a ricos, tratamento. Para aqueles psicopatas de alta periculosidade a cirurgia de comportamento é a solução, embora de resultados nem sempre satisfatórios. [...]. Psicoses afetivas. Prevenção: difícil. O aconselhamento, nesses pacientes, para a não procriação seria desejável. .[...]. Psicoses Esquizofrênicas. Prevenção: difícil, à equipe de saúde mental cabe conscientizar a comunidade sobre o caráter heredofamiliar dessa doença. A única medida profilática seria a não procriação dos enfermos esquizofrênicos (Brasil, 1980, pp. 182-1983 [Grifo nosso]).
Tais proposituras nos remetem não somente às práticas eugênicas perpetradas pelos países europeus e norte-americanos. Ao contrário, revelam as sugestões feitas pelos intelectuais brasileiros, principalmente no auge do movimento eugenista no Brasil. As recomendações preconizadas na referida conferência revelam o caráter sinuoso e a continuidade das propostas eugênicas, pois mesmo que não se constate a utilização da esterilização - inclusive compulsória -, termos tais como cirurgia de comportamento e aconselhamento para a não procriação ainda comprovam a presença da crença de que os comportamentos são transmitidos hereditariamente, além de se manter a tese da biologização das relações sociais.
Nesta quadra, outro episódio que confirma as práticas eugênicas no Brasil relaciona-se ao projeto de pesquisa encampado por pesquisadores da PUCRS e a UFRS. O intento de tal pesquisa era estudar as causas da criminalidade e do comportamento agressivo de 50 adolescentes acusados de homicídios e internados na Fundação de Atendimento Socioeducativa (Fase) de Porto Alegre, em 2007. O objetivo estaria em submeter os adolescentes ao uso de aparelho de ressonância magnética previsto para fazer o seu mapeamento cerebral. O mote do estudo era colher informações de carizes genéticos e psicológicos.
Segundo Boarini (2011), este projeto estava sob a responsabilidade de “pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)” (Boarini, 2011, p. 13). A iniciativa destas instituições explicita a crença de pesquisadores e docentes que coadunam com os preceitos de Galton, Lombroso, Nina Rodrigues e de tantos outros intelectuais, que atribuíam fatores biológicos a aspectos decorrentes das contradições sociais.
Não é por acaso que Loricchio (2003) argumenta que “Há possibilidades de uma herança anormal ou patológica decorrente de anomalias genéticas [...]. como também, a discutida e não impossível ‘herança do crime’” (Loricchio, 2003, p. 54). Neste mesmo livro, ao qual o professor da Faculdade de Direito da USP José Carlos De Lucca tece tantos elogios, o autor argumenta que diversas pesquisas desenvolvidas até nossos dias “determinam que vários distúrbios de conduta, dentre eles a criminalidade juvenil e de adultos, a homossexualidade, etc., indicam a presença de um fator genético predisposto” (Loricchio, 2003, p. 54).
Neste sentido, concordamos com Boarini (2011, p. 13) quando afirma que “estes fatos e tantos outros do nosso cotidiano que dão atualidade à questão da eugenia e da higiene mental, travestida, quiçá, de outras denominações”, ou seja, comprovam que a eugenia não ocupa apenas o capítulo da história do Brasil na quadra dos anos 20 até a queda do nazismo. Ao contrário, tem sido uma constante, inclusive depois de 1945, e resistiu à década de 1980. Importa saber como a eugenia tem se configurado no século XXI.
BRASIL: RUMO À EUGENIA POSITIVA?
Clínicas de estética facial vêm aumentando no Brasil, visto que aqueles que estão descontentes com o tamanho das orelhas, a configuração dos dentes e do nariz têm procurado tais estabelecimentos para “corrigir” os traços a fim de melhorar o visual, com o objetivo de assegurar uma “harmonia” facial (cf. UOL, 2021). A fertilização in vitro também tem ganhado vulto no Brasil, principalmente entre aqueles que têm maior poder aquisitivo para encomendar os seus bebês. Personalidades famosas têm publicado o resultado de seus bebês a partir da importação de sêmen, principalmente do banco de dados norte-americano, como por exemplo Thammy Miranda, que escolheu as características do filho por meio da facemask, técnica que permite escolher o nariz, a boca, o rosto, a cor dos olhos, tudo para se parecer com os pais (cf. Purepeople, 2019). A lista de celebridades que têm procurado clínicas de estética facial é expressiva, mas não é necessário tecê-la aqui.
O mesmo se pode afirmar sobre o crescente número de pessoas que têm investido em inseminação in vitro no Brasil. Essas pessoas não estão sozinhas, pois se se analisar o 1º Relatório de Amostras Seminais para o uso em Reprodução Humana Assistida, publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2017, identifica-se que as argumentações acima abrem espaços para tematizações, pois o Brasil é um dos países que têm importado sêmen para a produção de seres humanos.
Segundo o Relatório da Anvisa, nos últimos seis anos foram aprovadas 1.090 amostras seminais. De 2011 a 2016, o aumento de importação foi de 2.625%. Os principais bancos de exportação de sêmen são oriundos dos EUA. Conforme indica o documento, em 2016, dos números de amostras importadas, a Fairfax Cryobank exportou 309, isto é, 73% da maioria dos fornecedores. Em segundo lugar, o Seattle Sperm Bank, 103, e, por fim, o California Cryobank exportou 24. O relatório apresenta a distribuição por região do país, sendo que 79% foram escoadas à região Sudeste, 10% à região Sul, 6% foram encaminhadas à região Nordeste e 5 % à região Centro-Oeste.
É sintomático observar que o estado de São Paulo é o maior importador de amostras seminais da região Sudeste, contabilizando 657, em comparação com 122 do Rio de Janeiro, 73 do Rio Grande do Sul, 40 de Brasília (DF) e 30 de Bahia e Ceará15. Além disso, o documento revela a característica dos doadores, que chegam a 95% de caucasianos, embora haja outros. Por fim, o perfil dos pacientes solicitantes de amostras seminais são, na sua maioria, casais heterossexuais, que em 2016 importaram 178 amostras, seguido por casais homoafetivos (91 amostras). Na terceira posição estão as mulheres solteiras (67 amostras seminais).
O 2º Relatório Dados de Importação de Células e Tecidos Germinativos para o Uso em Reprodução Humana Assistida (2018) aponta a seguinte quantidade de amostras seminais importadas considerando-se o destino, por unidade federada no país: 479 foi enviada a São Paulo, 112 ao Rio de Janeiro e 68 ao Rio Grande do Sul. Já o Estado da Bahia importou 44, ao passo que o Paraná importou 36, e Minas Gerais e o Distrito Federal importaram 31. O mesmo relatório demonstra, no que concerne à ascendência dos doadores das amostras seminais importadas para o Brasil, que 781 foram caucasianas, 39 “multirracial”, 20 latinas, 13 asiáticas e sete de ascendência negra.
Quando se analisa a cor dos olhos dos doadores das amostras seminais importadas no Brasil, 383, isto é, 45%, são azuis, 260 são castanhos (30%), ao passo que 119 (14%) é avelã e 98 (11%), verde. O relatório explicita que o perfil dos pacientes que solicitaram as amostras seminais foram os casais heterossexuais (359), casais homossexuais (328) e as mulheres solteiras (173). Por fim, o relatório indica que as características fenotípicas dos doadores das amostras seminais foram obtidas diretamente dos Bancos de Sêmen Fairfax Cryobank, Seattle Sperm Bank e California CryoBank.
Ainda que os dados apresentados sejam tímidos, em comparação com a taxa de habitantes, tais informações demonstram que existe uma tendência de aumento pela procura de comércio de RHA no Brasil. Assim, mesmo que no Brasil não houvesse a efetivação da eugenia positiva, da maneira que se tem observado nos EUA e na Europa, em virtude da natureza da formação social brasileira e devido à constituição da própria burguesia brasileira que, por sua vez, é incompleta, a eugenia negativa tem preponderado, conforme veremos mais à frente.
Outro elemento que deve ser sublinhado relaciona-se ao crescente comércio de “kits” de exame de DNA, cujo principal pioneiro é o BioGenetics, fundado em 1996, por pesquisadores geneticistas da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Até o momento em que a presente pesquisa foi realizada, contabilizam-se mais de 479 mil tipagens genéticas realizadas com sucesso16. A mesma instituição firmou parcerias com mais de 800 comarcas e 1.200 clínicas conveniadas no território nacional. O Centro de Operações Técnicas está localizado em Uberlândia-MG, e as suas unidades de apoio se encontram em Goiânia (GO) e São Luís (MA).
A referida instituição contempla quatro setores no Brasil. Além da Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícias Federal e Civil, Advogados, Centro de Assistência Jurídica Gratuita em Universidades, e etc.), o setor da saúde também é uma esfera privilegiada, pois, para além de fornecer serviços ao SUS a partir de seus laboratórios, dispõe de exames clínicos, hospitais, consultórios médicos, planos de saúde suplementar, dentre outros serviços. O BioGenetics presta serviços para as Prefeituras Municipais e suas secretarias de Saúde, Desenvolvimento Econômico e Social e para Organizações Não-Governamentais (ONGs), Fundações e outras instituições, inclusive sem fins lucrativos e público em geral17.
A instituição em mira considera o DNA mais do que um código de honra, ética e direitos humanos e, em virtude de se basear na área Forense, a partir de investigações criminais, de vínculo genético - paternidade e/ou maternidade, reconstituição genética e exumação post mortem) -, atua no âmbito da saúde, pesquisando genética, tendo o DNA humano como matéria-prima.
Outra empresa de comércio de exames de DNA que tem encontrado nichos para os seus empreendimentos é a MyHeritage, criada em 2003 pelo CEO Gilad Japhet. Desde uma pequena startup de garagem, a referida empresa hoje atua a nível global, com 104 milhões de utilizadores em todo o mundo. Com 430 funcionários trabalhando em escritórios em Israel, América do Norte e Europa, com a finalidade de oferecer uma experiência ao usuário (em 42 idiomas), a empresa tem por valores a inovação, a compaixão e a diversidade. A empresa realiza iniciativas voluntárias, a partir da experiência e da tecnologia para reunir famílias e preservar a sua herança cultural “única”.
A MyHeritage possui 105 milhões de membros cadastrados na empresa, 3,5 bilhões de perfis, 9,6 bilhões de Registros Históricos, 46 milhões de Árvores de Famílias, além de 1,7 milhões de perfis adicionados diariamente. Dentre os serviços oferecidos pela MyHeritage destaca-se a possibilidade de encontrar perfis correspondentes em árvores genealógicas, permitindo que os membros descubram novos antepassados e parentes e se conectem com outros membros. A empresa oferece serviço de correspondências automáticas entre pessoas e registros históricos e possibilita aos usuários criar árvores genealógicas a partir de um clique.
A referida empresa viabiliza recursos tecnológicos os quais permitem que os membros encontrem seus antepassados ou parentes, além de possibilitar o contato entre eles. Por fim, disponibiliza serviço para os usuários que pretendem identificar doenças a partir do exame de DNA e efetivar “planejamento familiar”, uma vez diagnosticado que o descendente do requerente terá algum tipo de doença.
Outra ação que marca a atuação da MyHeritage18, compondo o conceito de “responsabilidade social”, são os trabalhos realizados em diversos “grupos étnicos” que não têm “relação” com a “civilização”. A entidade estabelece contato com os povos, coleta os dados das famílias e constrói a árvore genealógica das comunidades, sob o argumento de que estão ajudando a preservar a história dos grupos para que seus descendentes possam conhecer e preservar a história de seu grupo étnico. Para a referida empresa de tecnologia de DNA, o resultado tem sido exitoso, visto que tais iniciativas viabilizaram catalogar a história de grupos étnicos do Pacífico, da Sibéria, do México e de outras mais regiões.
Tais empreendimentos revelam que ainda são tímidos os investimentos em tela, em comparação aos EUA e à Europa. É preciso sublinhar a incompletude dos dados concernentes ao Brasil. Ao contrário dos demais locais assinalados, não se tem de forma robusta a procura por exames de DNA, conforme indicam os serviços oferecidos nas empresas acima, embora os valores para efetivar e adquirir os kits para exame de DNA não passem de R$ 250,00 no país19.
A este respeito, o que se pode constatar é que, no caso brasileiro, a prática da eugenia positiva tem sido efetivada de maneira tímida, em comparação com os países europeus e os Estados Unidos da América. Porém, isso não quer dizer que tal empreitada não possa ganhar proporções mais vultuosas; assunto que pode abrir senda para pesquisas vindouras, na medida em que houver dados mais sólidos sobre esta temática.
À GUISA DA CONCLUSÃO: A EUGENIA EXPLICITADA NO CONTEXTO DE PANDEMIA NO BRASIL
Diversos acontecimentos no país têm comprovado a permanência das práticas eugênicas, pois na passagem de 2019 para 2020 o mundo estava sendo surpreendido pela pandemia decorrente da Covid-19 e, como se não bastasse, o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, atuou de maneira contrária à defesa de políticas de prevenção ao contágio do coronavírus, ao propagar a não utilização do uso de máscara, a política do “não isolamento”, bem como o não fechamento de comércios e locais de trabalho, além de propor a “imunidade de rebanho”. O resultado de tais metodologias colocou o Brasil como um dos países em que houve mais óbitos, em virtude da crise sanitária20.
Foi neste contexto que o tema da eugenia passou a fazer parte dos veículos de comunicação, sobretudo a partir de manifestações de estudiosos, pesquisadores, profissionais da saúde e, inclusive, dos movimentos sociais.
A primeira manifestação que veio a lume, procurando demonstrar a “volta” da eugenia no Brasil, foi do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Arnaldo Lichtenstein, num programa jornalístico da TV Cultura de São Paulo21, que afirmou que as políticas empreendidas no governo Bolsonaro seriam uma expressão da eugenia.
Na mesma toada, a psicóloga argumentou que eram diversos os estudos e as reportagens que demonstravam o ocultamento e a manipulação dos dados referentes à “cor/raça” nos formulários de notificação da covid-19, o que, além da retirada do CEP dos registros, servia para esconder uma política eugênica. A psicóloga afirmou, num artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, que no contexto de pandemia quem mais tem sido atingido são os negros, pobres e favelados. Bento destaca que a “mortalidade de crianças e jovens negros, de indígenas, idosos, quilombolas, seja pela ação direta, seja pela omissão do estado, pode representar a política eugenista, na atualidade” (Bento, 2023, p. 2).
Outro trabalho que também procurou demonstrar a relação entre pandemia e eugenia é de autoria de Wergner, Souza e Carvalho (2020), ao argumentarem que a postura do governo federal diante da pandemia, do isolamento, da imunidade de rebanho e de tantas outras práticas que têm impulsionado a morte, sobretudo, de idosos, pobres e negros/as - em suma, de pessoas que vivem em maiores condições de pobreza - expressa a própria forma de expressão do pensamento eugênico.
Outra manifestação que comprova a existência da eugenia no contexto de pandemia tem relação com a afirmação do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, quando, em agosto de 2019, lastimou que há crianças com “um grau de deficiência que é impossível a convivência”, logo, “em vez de simplesmente jogá-los dentro de uma sala de aula, pelo ‘inclusivismo’, nós estamos criando salas especiais para que essas crianças possam receber o tratamento que merecem e precisam” (Alves, 2021).
Assim, não é forçado afirmar que a crise sanitária explicitou não somente as tamanhas desigualdades de classes no interior do Brasil, mas, além disso, evidenciou como a desigualdade de classes se revela no âmbito da saúde. A naturalização das mortes perpetradas pelo presidente não foram poucas, pois, quando o número de mortes registradas pela doença alcançou o número de 1.262, o presidente afirmou lamentar por todos os mortos, mas argumentou que seria o “destino do mundo”. Bolsonaro, em outras ocasiões, mencionou que iriam morrer alguns devido ao vírus, inclusive idosos e pessoas mais vulneráveis. Isto é, “se alguma pessoa tivesse deficiência, não havia outro caminho a não ser lamentar”, disse ao programa do apresentador Ratinho, no SBT, no dia 20 de março de 202022. Após provocar aglomerações em diversas caminhadas com apoiadores em Brasília, o presidente da República chegou a afirmar que “vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia”23.
As mortalidades decorrentes da covid-19 comprovam a existência da tese da seleção natural, segundo a qual, no contexto de pandemia, só serão sucumbidos os mais “fracos”, aqueles que são vulneráveis - tese defendida pelos adeptos do neoliberalismo. Ademais, é no contexto em que o Brasil se torna palco da pandemia que a tese de Hans J. Eysenk, segundo a qual somente os mais capazes e enérgicos “sobreviverão”, se torna cada vez mais presente.
A presença da “seleção natural” e da eugenia negativa pode ser constatada especialmente a partir de uma pesquisa elaborada pelo Instituto Pólis, em 2021, em São Paulo, intitulada Trabalho, território e covid-19 no MSP (2021), que teve como finalidade identificar as possíveis correlações entre trabalho e pandemia no município. Ao pesquisar as atividades ocupacionais das vítimas de covid-19, a pesquisa revelou que os alvos foram os trabalhadores/as, em virtude de estarem mais expostos ao vírus24.
Como se pôde verificar, a crise sanitária decorrente da covid-19 descortina que a epidemia não é “democrática”, pois tal evento tem servido enquanto um meio de legitimar a dominação de classes num contexto de crise estrutural do capital. As mortalidades das quais o Brasil foi palco revelam o descaso do Estado brasileiro referente à classe trabalhadora, ou seja, os trabalhadores e os mais pobres foram sangrados em nome da “economia”; na realidade, em prol de manter a dinâmica da produção e da reprodução do capitalismo, pois a naturalização das condições em que os trabalhadores se encontravam explicita a objetivação da eugenia negativa à brasileira.
Os desastres apontados não vitimaram somente os trabalhadores. Ao contrário, houve outros segmentos que foram prejudicados, como, por exemplo, as populações encarceradas. Este segmento, como se não bastassem as degradações às quais é submetido, recebeu mais uma “pena adicional”, isto é, foi impedido de receber visitas de seus familiares, circunstância esta que propiciou o afastamento entre os presos e seus familiares e contribuiu para o aprofundamento da violência no interior das unidades prisionais.
Além disso, os presos também foram alvos de contaminação da Covid-19. A este respeito, o relatório da Agência Pública (Cicero, 2021), baseado em pedidos pela Lei de Acesso à Informação, demonstrou que 80% dos presídios brasileiros foram atingidos pela pandemia. O levantamento demonstrou que houve estados nos quais todas as unidades prisionais tiveram infecção de covid-19, como, por exemplo, Ceará, Rondônia, Sergipe, Distrito Federal e São Paulo - este teve em 88% das unidades prisionais casos de covid-19.
Sobre este assunto, uma matéria publicada em 17 de maio de 2021 no G1, atinente aos óbitos no sistema prisional por covid-19, constatou que o número de mortos é maior entre os funcionários. A referida reportagem demonstrou que 237 funcionários faleceram devido à doença, ante 200 detentos vítimas do novo coronavírus. Salienta a matéria que ao menos 437 presos e servidores do sistema prisional morreram em decorrência da covid-19, desde o início da pandemia no Brasil (Silva et al., 2021).
Como se não bastasse o aumento de casos no interior das unidades prisionais, a maioria dos magistrados também manifestam implicitamente os preceitos do darwinismo social e da eugenia. Conforme indica o relatório Como os magistrados fecharam os olhos para a pandemia nas prisões, produzido pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), em 2021, a maioria das pessoas presas deveriam ter sido contempladas pela Recomendação n. 6225, com liberdade provisória e outras medidas alternativas à prisão. Contudo, os apenados mantiveram-se encapsulados durante o primeiro ano da pandemia.
No referido relatório consta que, dos 448 presos atendidos por um grupo com 92 advogados e 11 estudantes de Direito, entre abril de 2020 e janeiro de 2021, mesmo as 118 pessoas soltas (26% do total) apenas o foram após 207 pedidos de liberdade negados em instâncias anteriores. Além disso, embora 100% dos pedidos dos advogados tenham sido feitos com base na Recomendação 62, em mais da metade - isto é, em 52,5% das concessões de liberdade - a pandemia sequer foi mencionada pelos juízes. E mais, enquanto 30,6% das pessoas brancas acusadas de crimes sem violência ou grave ameaça obtiveram decisão favorável em seu caso, entre as pessoas negras na mesma situação somente 27,3% obtiveram a decisão favorável, de acordo com o IDDD.
Mesmo que no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19 (2021) a população privada de liberdade estivesse assinalada como grupo prioritário para vacina, segundo a matéria publicada em julho de 2021, somente 6% dos presos de São Paulo foram vacinados contra o coronavírus, isto é, o governo paulista não seguiu as recomendações preconizadas no Plano Nacional de Imunização (Palhares; Damasceno, 2021). De acordo com a Folha de S. Paulo, dos 210 mil presos no estado paulista, somente 13 mil receberam ao menos a primeira dose, segundo as informações fornecidas pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo.
Por fim, outro aspecto que nos permite afirmar a escalada da eugenia negativa à brasileira no contexto de pandemia relaciona-se à denúncia feita na CPI da Pandemia, no dia 26 de agosto de 2021, quando foi aprovado um requerimento para que o diretor-executivo da Prevent Sênior fosse ouvido. Conforme veiculado na matéria do G1, a CPI da Covid recebeu uma denúncia de que a operadora da saúde e o governo federal estabeleceram um acordo, no contexto em que se inicia a pandemia no Brasil, com a finalidade de testar e disseminar as medicações conhecidas como “kit covid”, tais como cloroquina, ivermectina e azitromicina26.
A aposta se deu a partir do desdobramento do acordo entre a Prevent Senior e o governo federal, que realizou uma pesquisa com mais de 600 pacientes para testar a eficiência da hidroxicloroquina contra a covid-19, nos meses de março e abril de 2021. A perspectiva estaria em manipular os resultados para serem favoráveis ao uso da cloroquina contra o coronavírus. Além disso, o acordo entre a Prevent e o governo federal se traduz numa das práticas mais realizadas desde o início do movimento eugenista, que nada mais seria do que usar seres humanos como “cobaias”.
Como se pode observar, os “galtons” e “mengeles” renasceram no contexto em que a pandemia chega ao Brasil, pois muitos médicos, eugenistas e darwinistas sociais - alguns sem saber, mas não inocentes - embarcaram na onda da imunidade de rebanho, se colocaram contrários às medidas preventivas. Por meio de experimentos e em nome da “ciência”, muitas pessoas morreram como cobaias, adultos e principalmente idosos, oriundos das periferias; por sua vez, negros/as, sem saber que estavam sendo alvo de investidas realizadas por empresas da saúde, indústrias farmacêuticas e até mesmo no interior do serviço público, deixaram suas vidas precocemente.
Depois das investigações da CPI da Covid e das denúncias daqueles que não estavam alinhados aos preceitos do governo federal, não há dúvida de que, por detrás das políticas contrárias às medidas preventivas contra o coronavírus, havia um direcionamento perspectivando contemplar os interesses das empresas que fabricam os medicamentos não compatíveis ao combate do vírus da covid-19, sendo o governo federal um dos principais protagonistas para a efetivação de tais práticas. Além do mais, destacam-se os meios encampados pelo governo federal para difundir o combate ao vírus: o Ministério da Saúde veiculou o uso do “kit Covid” em sua página oficial, propiciando, ademais, que os “usuários” tivessem orientações por meio de aplicativos eletrônicos.
As teorias do darwinismo social e da eugenia “vieram” à tona, arrastando todos aqueles que são considerados mais “fracos” e “inaptos”, os quais teriam como destino morrer de fome ou por meio de políticas que têm demonstrado o “renascimento”, em particular, da eugenia, em prol da hegemonia do capital sobre o trabalho, aprofundando o racismo e outras atrocidades que acometem a classe trabalhadora - mazelas que se acentuaram no contexto de pandemia.
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» https://www.youtube.com/watch?v=-Jvx8y-XQu0 -
UOL. Dentes, orelhas e harmonização facial: o “antes e depois” de Lucas Lima. 4 mai. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/ultimas-noticias/2021/05/04/dentes-orelhas-e-harmonizacao-facial-o-antes-e-depois-de-lucas-lima.htm Acesso em: 9 nov. 2023.
» https://www.uol.com.br/esporte/ultimas-noticias/2021/05/04/dentes-orelhas-e-harmonizacao-facial-o-antes-e-depois-de-lucas-lima.htm - WALLERSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo, 2007.
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O presente artigo é uma breve sistematização da tese de doutorado intitulada Segregação e Extermínio: o eugenismo revisitado na capital de São Paulo (2004-2017). Cf. Góes (2021).
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Os conceitos “eugenia” e “eugenismo” serão utilizados aqui na perspectiva de Renato Kehl. Em outra ocasião (Góes, 2018), abordamos tais conceitos de maneira exaustiva, pois em seu livro Lições de Eugenia (1929), para ficarmos apenas nesta obra, Kehl apresenta como os dois termos - eugenia e eugenismo - foram refletidos entre os eugenistas, destacando que “eugenia” passou a ser utilizada como consenso entre os adeptos do projeto a partir dos estudos realizados pelo filólogo João Ribeiro. Ou seja, a eugenia tinha como finalidade a garantia do melhoramento dos “homens” progressivamente, aludindo a uma “boa geração”; a “procriação higiênica”, de modo geral, buscava enobrecer o homem fisicamente (Kehl, 1929). Segundo Kehl, a eugenia preocupa-se em investir, colher dos dados, catalogar, comprovar e coordenar os fatos, e o eugenismo é a aplicação das soluções identificadas. Sugiro aos interessados em se aprofundar na discussão sobre o tema: Góes (2018; 2021).
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Gostaríamos de sublinhar que o nosso objetivo não é fazer uma exegese referente ao edifício teórico de Francis Galton, pois ocuparia um espaço significativo deste breve artigo. Todavia, é preciso registrar que o fundador da eugenia acreditava nela enquanto uma forma de superar as contradições sociais do seu contexto. Não é por acaso que mesmo Galton procurou aprimorar o seu conceito de eugenia. Ademais, o pensador em tela morreu acreditando na eugenia como o único caminho para o melhoramento dos seres humanos. A este respeito, sugiro Góes (2021).
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Não é por acaso que ele foi o inventor do Laboratório Antropométrico em 1864, mesmo ano em que participou de uma exposição Internacional de Saúde.
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O leitor interessado em conhecer as ações encampadas pelo movimento eugenista pode recorrer às seguintes obras: Góes (2018), Stepan (2005) e Black (2003).
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De fato, entre os eugenistas não havia um consenso sobre a miscigenação enquanto um caminho para o branqueamento no Brasil. Porém, quando se analisam as proposituras de Oliveira Vianna, este intelectual acreditava que, por meio da miscigenação, poder-se-iam consolidar “mestiços” eugênicos. Na outra ponta, Kehl (1929; 1923), em suas diversas obras com relação à miscigenação, apresenta oscilações. Isto quer dizer que embora ele, por vezes, acreditasse na miscigenação como branqueamento, em alguns trabalhos procurava se posicionar contra a mistura. Tais crenças também se explicitam em materiais avulsos, nos quais o pensador eugênico propõe a não mistura de “raças” enquanto um caminho para que o Brasil se torne branco por meio da política de imigração. Sobre este assunto, cf. Góes (2018).
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Gostaríamos de sublinhar que não é o nosso objetivo discutir o conceito de “eugenia positiva”, pois tal empreitada foi tratada de maneira exaustiva em outra ocasião (Góes, 2018). Entretanto, se faz necessário argumentar que o conceito de “eugenia positiva” com o qual procuramos trabalhar é aquele reivindicado por Renato Kehl, que seria a garantia de “assegurar a reprodução dos homens, pois, somente por meio dessa prática seria possível garantir a vitória diante dos ‘indesejáveis’ na sociedade brasileira” (Góes, 2018, p. 143). Para uma análise mais detalhada, sugiro apreciar o capítulo terceiro da referida bibliografia, no qual o autor procura discutir o conceito de “eugenia positiva” com enfoque nas obras de Renato Kehl.
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Sobre a relação entre eugenia e genética, o tema foi tratado de maneira exaustiva em Góes (2021).
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Segundo o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito, a BEMFAM - Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil, “foi fundada em 26 de novembro de 1965, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, é uma entidade privava, sem fins lucrativos, filiada à ‘Internacional Planned Parenthood Federation - IPPF’, presente em 134 países e cuja finalidade é a complementação de projetos de planejamento familiar. Tais projetos compreendem treinamento de pessoal médico e paramédico, esterilização, distribuição de contraceptivos, cursos de educação sexual e execução de práticas de contracepção em suas unidades próprias” (Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito, 1993, p. 58). O relatório na íntegra pode ser consultado em Congresso Nacional (1993). Já em outro documento da BEMFAM, datado de 2002, explicita-se que esta entidade é uma instituição filantrópica, de ação social, que tem como missão “Defender os direitos reprodutivos no exercício da cidadania, e promover a educação e assistência em saúde sexual e reprodutiva, em colaboração com órgãos governamentais e setores organizados da sociedade civil”. Cf. Almeida e Costa (2002).
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Para os interessados em apreciar o documento, cf. National Security Study... (1974).
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Segundo Pacheco (1984), a Bemfam - Bem-Estar da Família recebia recursos da Fundação Rockefeller e da Federação Internacional de Planejamento Familiar, com sede em Londres. Outro documento que demonstra as ações da Bemfam, que denuncia as práticas de esterilizações “ilegais” no Brasil, é o Relatório n. 2, de 1993 - Comissão Parlamentar de Inquérito Sobre Esterilização (cf. Congresso Nacional, 1993).
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O depoimento de Bicudo à Comissão de Justiça e Paz de São Paulo sobre as atrocidades praticadas pelo Esquadrão da Morte não nos deixa dúvida sobre as práticas de limpeza social. Cf. Comissão da Verdade... [s.d.].
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Entre os anos 1968 e 1973, em razão do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), da industrialização e da inflação baixa, sob o governo do presidente Emílio Médici (1969-1974), os militares passaram a propagandear o “sucesso” econômico brasileiro. Porém, não mencionavam que o tal êxito se deu em virtude do aumento da exploração da classe trabalhadora e devido ao aprofundamento das desigualdades sociais. Sobre este assunto cf. Bandeira (1975).
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Segundo a ANVISA, o Estado de São Paulo importou a maioria das amostras solicitadas - 657 (65%), seguido pelo Estado do Rio de Janeiro, com 122 importações (12%). A maioria dos BCTG encontra-se no Estado de São Paulo. São 47 Bancos.
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Trata-se da pesquisa de doutorado que o autor estava realizando e que foi defendida em 2021. Neste caso, pode ser que os dados apontados tenham sofrido alterações.
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Sobre os trabalhos desenvolvidos pela BioGenetics, cf. BioGenetics ([s.d.]).
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Embora detenhamos a nossa atenção na MyHeritage, não significa que esta seja a companhia que tem a maior base de DNA. Ao contrário, a Ancrestry é a instituição norte-americana que possui o maior mercado de DNA do mundo. O segundo lugar é a 23andMe, também dos EUA. A opção em priorizar a MyHeritage deve-se à sua atuação no Brasil, pois quando realizamos as pesquisas sobre o mercado de DNA no Brasil, a MyHeritage era a única que possuía um sítio em português, oferecendo testes e serviços de DNA.
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É preciso ressaltar que, no momento em que a presente pesquisa estava sendo elaborada, não estávamos num contexto de pandemia. Depois que o mundo foi surpreendido pela crise sanitária decorrente da covid-19, devido ao aumento de testes para a identificação do vírus e à procura pelos kits de DNA, o Brasil passou a ter grande adesão por parte daqueles que possuem maior poder aquisitivo.
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Não é preciso tecer os dados sobre a mortalidade decorrente da covid-19. Os interessados podem consultar as páginas do Ministério da Saúde, bem como outros órgãos que têm se preocupado em registrar as mortalidades perpetradas pela pandemia no Brasil.
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Cf. Jornalismo TV Cultura (2020). Na mesma direção, procurando combater a metodologia defendida por Jair Bolsonaro, a “imunidade de rebanho”, o programa Greg News também defendeu que as medidas bolsonaristas não passavam de uma prática atual de eugenia (cf. HBO Brasil, 2020). Outro programa que procurou fazer uma relação entre “pandemia e eugenia” encontra-se no canal “Meteoro Brasil” (cf. Meteoro Brasil, 2020).
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A naturalização bolsonarista é bem sistematizada num artigo publicado pelo colunista da UOL Sakamoto (2020).
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Sobre comentário em mira, cf. Taja (2020).
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A pesquisa na íntegra pode ser consultada em Instituto Pólis (2021). Outra pesquisa que merece destaque no que concerne às desigualdades étnico-raciais no contexto de pandemia é de autoria da Agência Pública, e foi publicada em março de 2021. A partir dos dados de 8,5 milhões de pessoas que receberam a primeira dose das vacinas contra a covid-19, as pessoas brancas foram as mais vacinadas, em comparação com as pessoas negras, em todo o país. As análises sobre a referida pesquisa encontram-se em Góes (2021).
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Trata-se das medidas preventivas recomendadas pelo Conselho Nacional de Justiça, que, por meio da recomendação, sugere que, a fim de prevenção e disseminação da Covid-19, os presos poderiam obter a liberdade provisória, considerando a natureza da pena.
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Sobre a referida denúncia, cf. Balza, Globonews e G1 SP (2021); TV Senado (2021).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
18 Dez 2023 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2023
Histórico
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Recebido
10 Abr 2023 -
Aceito
15 Ago 2023