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Saberes sobre cosméticos em vernáculo português do século XVIII1 1 Esse texto é fruto da minha pesquisa particular e da tese que defendi na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, com acréscimos e modificações. Agradeço à Revista Brasileira de História pelas leituras e sugestões.

Knowledge About Cosmetics in Vernacular Portuguese of the Eighteenth Century

RESUMO

Este artigo explora os saberes que circularam na língua vernácula por meio dos livros sobre os cosméticos, ou seja, sobre as preparações destinadas ao embelezamento físico de uma pessoa, embora esse tema não esteja explicitamente registrado nas fontes históricas. Verificou-se que os saberes circulavam desde 1704, por meio dos livros e na língua vernácula. Entre 1704 e 1754, foram publicadas várias receitas de cosméticos para o rosto, os lábios, os mamilos, o nariz, os cabelos, as mãos e os dentes. Seus autores colocavam em circulação saberes de origens diversas, inovando técnicas e produtos voltados para o embelezamento, mas também mantendo uma tradição de algumas preparações cosméticas. A existência das fontes históricas identificadas neste artigo destaca os saberes sobre os cosméticos no idioma vernáculo. A utilização da língua portuguesa permitiu comunicar o conhecimento em uma sociedade na qual havia o interesse por esse assunto.

Palavras-chave:
Cosméticos; Império português; Medicamentos; Século XVIII; História da ciência; História cultural

ABSTRACT

This article explores the knowledge that circulated in the vernacular language through books about cosmetics, that is, preparations intended to be applied to the human body for beautifying, despite this topic not being explicitly recorded in historical sources. This research revealed that knowledge circulated from 1704 through books and in the vernacular language. Between 1704 and 1754, various cosmetic recipes for face, lips, nipples, nose, hair, hands and teeth were published. Its authors put the knowledge from diverse origins into circulation, innovating techniques and products for beautification purposes, but also maintaining a tradition of some cosmetic preparations. The existence of the historical sources identified in this article highlights knowledge about cosmetics in the vernacular language. The use of the Portuguese language made it possible to communicate knowledge in a society in which there was an interest in this subject.

Keywords:
Cosmetics; Portuguese Empire; Medication; Eighteenth Century; History of Science; Cultural History

INTRODUÇÃO

Antônio Pereira Ferreira, um boticário bem-sucedido na cidade que era desde 1763 a capital do Brasil, faleceu em 4 de janeiro de 1798. Casado com Anna Maria do Bom Sucesso, com a qual tivera cinco filhos, possuía uma loja na rua Direita - atual rua Primeiro de Março - e, entre os bens avaliados, encontraram-se livros, instrumentos e medicamentos (Cavalcanti, 2004CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.).

Este artigo identifica que entre suas obras havia saberes também acerca dos cosméticos, ou seja, das preparações destinadas ao embelezamento físico de uma pessoa.

A história da cosmética no Brasil não tem sido objeto de estudos acadêmicos e, quando há alguma menção sobre o embelezamento, suas balizas temporais abordam os séculos XIX ou XX. Há alguns estudos voltados para o período anterior ao Oitocentos e que não se aprofundam no tema.

Embora o tema do embelezamento não esteja explicitamente registrado nas fontes históricas, já que saúde e beleza não eram compreendidas separadamente, este artigo explora os saberes que circularam na língua vernácula por meio dos livros sobre os cosméticos. A partir da análise das fontes (Quadros 1 e 2), a hipótese desta pesquisa é a de que o Setecentos já manifestava uma preocupação a respeito dos cuidados com o embelezamento do corpo.

Quadro 1
Síntese das fontes impressas em vernáculo
Quadro 2
Síntese da fonte manuscrita em vernáculo

A conservação da saúde e o aperfeiçoamento da beleza parecem constituir-se como aspectos indissociáveis nas formas de sentir, pensar e dizer o corpo (Barreiros, 2014BARREIROS, Bruno Paulo Fernandes. Concepções do Corpo no Portugal do Século XVIII: Sensibilidade, Higiene e Saúde Pública. 2014. Dissertação (Doutorado em História, Filosofia e Património da Ciência e da Tecnologia) - Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2014.). Todavia, não consta em língua portuguesa do século XVIII uma obra que organizasse os conhecimentos sobre o embelezamento como ocorria em francês, por exemplo, em Toilette de flore, de Pierre-Joseph Buc’hoz. Diante disso, procurou-se estudar o caso português quanto aos saberes sobre o embelezamento.

Na Espanha, encontram-se exemplos de livros e cadernos manuscritos dos séculos XV e XVI, que passavam de geração a geração, de mães a filhas, cujos saberes não eram apenas um saber especializado e profissional, mas um saber feminino comum (Samper, 1997SAMPER, María de Los Ángeles Pérez. Los recetarios de mujeres y para mujeres. Sobre la conservación y transmisión de los saberes domésticos en la época moderna. Cuadernos de Historia Moderna, Madrid, v. 19, pp. 121-154, 1997.). O livro de receitas manuscrito em língua portuguesa de Francisco Borges Henriques, com indicações de diversas datas - 1715, 1725, 1728 e 1729 -, é uma obra composta por receitas de culinária, higiene e beleza, mezinhas e outras (Braga, 2017BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond. O Receituário de Francisco Borges Henriques: Culinária, Cosmética e Botica em Portugal no século XVIII. Revista Diálogos Mediterrânicos, Curitiba, n. 12, pp. 67-88, jun. 2017.), mas não foi o primeiro escrito em língua portuguesa, como é identificado neste artigo.

Com a invenção da imprensa, em meados do século XV, os livros publicados juntaram-se ao processo de circulação do conhecimento, saindo do âmbito doméstico e entrando na esfera pública, tornando-se um verdadeiro fenômeno de massa. Autores e leitores colocavam em circulação saberes para o uso geral2 2 Na América portuguesa, a impressão foi proibida pela Coroa e os livros permaneceram na forma de manuscrito ou foram publicados na Europa até a chegada de um prelo permanente em 1808 (Hallewell, 2017). Havia, contudo, uma importação de livros pela América portuguesa com regularidade e em quantidades relativamente grandes (Abreu, 2001). Uma das rotas incluía o contrabando mantido por ingleses, franceses e holandeses. Alguns livros ainda poderiam ter vindo na bagagem de viajantes quando, por exemplo, retornavam de seus estudos na Europa (Hallewell, 2017). .

A preocupação com a adoção de uma língua própria, em oposição ao latim e ao espanhol, foi uma característica da medicina portuguesa (Braga, 2002BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond. Medicina popular versus medicina universitaria en el Portugal de Juan V (1706-1750). Dynamis: Acta Hispanica ad Medicinae Scientiarumque Historiam Illustrandam, Granada, v. 22, pp. 209-233, 2002.). João Curvo Semedo, médico da família real e autor famoso em seu tempo, defendia o uso do português na escrita da medicina na obra Polianteia medicinal:

Culparás em primeiro lugar [...] escrever eu em língua portuguesa uma arte tão nobre como é a medicina. [...] Respondo que não tens razão, porque o principal intento de quem escreve alguma obra é acreditar-se a si e aproveitar aos outros. [...] E para conseguir estes dois fins, o melhor meio é escrever em língua que todos entenda. [...] só te advirto que para caluniares a mim, estás obrigado a caluniar ao doutor Duarte Madeira, a Ambrósio Nunes, a Aleixo de Abreu, a Francisco Morato, a frei Manuel de Azevedo, a Simão Pinheiro, a Affonso Freyre e a João Ferreira da Rosa, que todos escreveram livros de medicina na língua portuguesa [...] (Semedo, 1697SEMEDO, João Curvo. Polyanthea Medicinal. Noticias Galenicas, E Chymicas, Repartidas em tres Tratados... Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1697.).

Junto com o fluxo de pessoas, circulava o conhecimento. E foi no século XVIII que ocorreu a maior expansão global portuguesa, com a ocupação territorial no interior da América do Sul (Bethencourt; Curto, 2020BETHENCOURT, Francisco; CURTO, Diogo Ramada (Dirs.). Introdução. In: BETHENCOURT, Francisco; CURTO, Diogo Ramada (Dirs.). A expansão marítima portuguesa, 1400-1800. Tradução de Miguel Mata. Lisboa: Edições 70, 2020. pp. 1-18.) - o local que absorve em proporção esmagadora o fluxo emigratório da metrópole e das ilhas adjacentes (Godinho, 2019GODINHO, Vitorino Magalhães. Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa. Lisboa: Edições 70, 2019., Russell-Wood, 1998aRUSSELL-WOOD, A. J. R. A emigração: fluxos e destinos. In: BETHENCOURT, Francisco; CHAUDHURI, Kirti (Orgs.). O Brasil na Balança do Império (1697-1808). Lisboa: Círculo de Leitores, 1998a. pp. 158-168.). A emigração deveria estar situada entre trezentas mil e seiscentas mil pessoas para todo o século XVIII. Para o período compreendido entre 1697 e 1808, o fluxo deve ter envolvido até um sexto da população de Portugal e, durante o auge da busca pelo ouro, pode ter alcançado um quinto (Russell-Wood, 1998bRUSSELL-WOOD, A. J. R. Um mundo em movimento: os portugueses na África, Ásia e América (1415-1808). Tradução de Vanda Anastácio. Algés: Difel, 1998b.).

Foi no Setecentos que ocorreu uma renovação da tipografia europeia, e o que aconteceu em Portugal não foi exceção (Marques, 2004MARQUES, Ana Luísa. Trajectos do livro. O seu renascimento no século XVIII. Arte Teoria: Revista do Mestrado em Teorias da Arte, Lisboa, n. 5, p. 111-125, 2004.). A edição de farmacopeias3 3 Um gênero de escrita que descreve os medicamentos e ensina a arte de prepará-los. atingiu um regime editorial até então nunca conseguido (Pita, 1999PITA, João Rui. Um livro com 200 anos: A Farmacopeia Portuguesa (Edição Oficial). A publicação da primeira farmacopeia oficial: Pharmacopeia Geral (1794). Revista de História das Ideias, Coimbra, v. 20, p. 47-100, 1999.). A Farmacopeia lusitana foi escrita por D. Caetano de Santo Antonio - cónego regular de Santo Agostinho, boticário e professor do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra - e marcou o início das publicações das farmacopeias escritas em língua portuguesa (Lemos, 1899LEMOS, Maximiano. História da medicina em Portugal: doutrinas e instituições. Lisboa: Manoel Gomes, 1899.; Pita; Bell, 2019PITA, João Rui; BELL, Victoria. Da Pharmacopea lusitana à Farmacopeia portuguesa: uma viagem pela história do livro farmacêutico (sécs. XVIII-XXI). In: ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina (Coords.). Do manuscrito ao livro impresso I. Aveiro: UA Editora - Universidade de Aveiro; Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. pp. 279-311.). O autor crúzio mudou-se de Coimbra para Lisboa, vindo a exercer a função de administrador da botica do Real Mosteiro de São Vicente de Fora. Em Lisboa, redigiu as edições de 1711 e 1725. Em 1754, foi publicada uma edição póstuma.

As farmacopeias codificaram também o conhecimento sobre as drogas vegetais americanas, as quais tiveram um impacto relevante na terapêutica europeia: quina, ipecacuanha, guaiaco, salsaparrilha, café, tabaco, cacau etc. (Pita; Pereira, 2012PITA, João Rui; PEREIRA, Ana Leonor. A arte farmacêutica no século XVIII, a farmácia conventual e o inventário da Botica do Convento de Nossa Senhora do Carmo (Aveiro). Ágora: Estudos Clássicos em Debate, Aveiro, n. 14.1, p. 227‐268, 2012.). Nas monografias das drogas da Farmacopeia lusitana, as de origem americana não vêm descritas na primeira edição, embora apareçam preparações com esses insumos, como é o caso, por exemplo, do Xarope de salsaparrilha (Pita; Bell, 2019PITA, João Rui; BELL, Victoria. Da Pharmacopea lusitana à Farmacopeia portuguesa: uma viagem pela história do livro farmacêutico (sécs. XVIII-XXI). In: ANDRADE, António Manuel Lopes; CARRINGTON, Maria Cristina (Coords.). Do manuscrito ao livro impresso I. Aveiro: UA Editora - Universidade de Aveiro; Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. pp. 279-311.).

A Farmacopeia lusitana circulou na cidade do Rio de Janeiro, conforme consta no inventário do boticário Antônio Pereira Ferreira realizado em 1798 (Abreu, 2001ABREU, Márcia. Quem lia no Brasil colonial? In: CONGRESSO BRASILEIRO DA COMUNICAÇÃO, 24, 2001, Campo Grande. Anais... Campo Grande: Intercom, 2001. pp. 1-18.; Cavalcanti, 2004CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.). Foram selecionadas ainda outras obras para a análise da textualidade: o Tesouro apolíneo... e a Farmacopeia ulissiponense..., escritas por João Vigier, um francês expatriado radicado em Lisboa desde o final do século XVII que exerceu a farmácia na corte durante mais de trinta anos com o tio, Pierre Donadieu, boticário da rainha D. Maria Francisca de Saboia; o Erário mineral, de autoria do cirurgião Luis Gomes Ferreyra, natural de São Pedro de Rates e assistente em Minas Gerais por vinte anos; e a Matéria médica..., publicada em prelo londrino e escrita também em vernáculo por Jacob de Castro Sarmento, médico natural da cidade de Bragança que fixou residência em Londres. Para uma comparação, também foi pesquisado o manuscrito em vernáculo Árvore da vida..., de autoria do jesuíta Affonso da Costa, da província de Goa. Ademais, o Vocabulário Português..., do padre oratoriano francês D. Rafael Bluteau, e a versão reformada e aumentada por Antonio de Moraes Silva, o Dicionário da língua portuguesa..., revelaram-se ferramentas importantes para compreender as definições dos vocábulos da época que acompanham o tema.

Este artigo explora as fontes escritas na língua portuguesa e publicadas no século XVIII nas quais foi possível identificar os saberes sobre cosméticos. Foram estudadas as informações de caráter técnico e as receitas nelas contidas, incluindo os materiais que elas requerem para o seu preparo. O estudo dos materiais empregados nos diversos processos de produção de cosméticos, medicamentos ou mezinhas tem sido pouco contemplado pelos historiadores. A proposta da abordagem de materiais e técnicas deveria ser incluída pelos historiadores, a fim de evitar possíveis erros de análise.

Os títulos das fontes históricas, das suas seções e das preparações estão assinalados em itálico, com alterações nas pontuações quando necessário. Nas referências, procurou-se manter a ortografia antiga dos títulos.

SABERES SOBRE OS COSMÉTICOS

É interessante notar que o termo “cosmético” ainda não aparece no Vocabulário Português..., de D. Rafael Bluteau. Mas, nessa obra, já se nota a preocupação estética ao citar as “águas de cheiro para o olfato, águas de açucena, de claras de ovos, de mel etc. para tirar as nódoas e rugas do rosto” (Bluteau, 1712BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico...: autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes, e latinos; e offerecido a El Rey de Portugal D. Joaõ V. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu; Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva, t. I; III, 1712., t. I, p. 171).

O Tesouro apolíneo... traz a definição para “cosméticos”: remédios para aformosear o rosto. Aparecem explicitamente fórmulas cosméticas como, por exemplo, um perfume à base de mirra e vinho branco capaz de fazer um rosto “de setenta e nove anos” parecer um “de quinze” (Vigier, 1714 VIGIER, João. Thesouro apollineo, galenico, chimico, Chirurgico, Pharmaceutico, ou compendio de remedios para ricos, & pobres. Contem a individuaçam dos remedios simplices, compostos, & Chimicos com as suas proporcionadas doses, postos em particulares classes pela distincçaõ de capitulos dos achaques, que costumaõ infestar o corpo humano. Acrescentase huma breve raciocinaçam da Escola moderna sobre as causas efficientes: como, & quando se devem applicar certos remedios. Ultimamente formulas de receitas preciosas para os Magnates, & de menos preço para os Plebéos. Lisboa: Officina Real Deslandesiana, 1714., p. 454). Na Farmacopeia ulissiponense..., de 1716, define-se o termo “cosmética”: “drogas que servem particularmente para aformosentar o rosto” (Vigier, 1716 VIGIER, João. Pharmacopea ulyssiponense, galenica, e chimica, que contem os principios, diffiniçoens, e termos geraes da huma, & outra Pharmacia: e hum Lexicon universal dos termos Pharmaceuticos, com as preparaçoens Chymicas, & composiçoens Galenicas, de que se usa neste Reyno, & virtudes, & dosis dos medicamentos Chimicos. Hum Tratado da eleiçam, descripçaõ, dosis, & virtudes dos purgantes vegetaes, & das drogas modernas de ambas as Indias, & Brasil. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, impressor de S. Magestade, 1716., p. 52). O termo “cosmético” também aparece posteriormente na edição de 1754 da Farmacopeia lusitana: Água cosmética, Lenimento cosmético, Vinagre cosmético. De acordo com o seu Léxicon farmacêutico, entendia-se por “cosmética” os “remédios, ou símplices, que serviam para polir e formosear a cútis: assim como o magistério de bismuto, as pérolas preparadas, e outras” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 470).

Portanto, cosméticos eram considerados medicamentos para o rosto e a pele. E “medicamento” era “aquele que, aplicado a um corpo humano, sara suas enfermidades” ou “aquele instrumento do qual usam os médicos para sararem nossas enfermidades” (Santo Antonio, 1704SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana: methodo pratico de preparar, & compor os medicamentos na forma Galenica com todas as receitas mais uzuais offerecida a sagrada, e sempre observante Congregaçaõ dos Conegos Regulares de Sancto Augustinho do Reyno de Portugal &c. Coimbra: na Impressaõ de Joam Antunes Mercador de livros, 1704., p. 5).

O “medicamento” do século XVIII era classificado em duas espécies: simples e composto. O medicamento simples4 4 Cunha (2010) refere-se também ao adjetivo “símplice” como a forma culta de “simples”. era, como definiria Galeno, “aquele [...] da mesma sorte que a natureza o criou sem mistura alguma” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 1), enquanto o medicamento composto “consta de muitos, e diferentes símplices” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 1). Havia exceção, como, por exemplo, a rosa - um medicamento que se podia chamar de composto, mas pelo fato de ser dotado de duas “virtudes”.

Não somente as “virtudes”, mas também as doses dos medicamentos eram importantes para garantir a segurança do uso5 5 Segundo Simonsen (2005), as medidas de peso eram idênticas no Rio de Janeiro e em Lisboa. Já as medidas de capacidade utilizadas no Rio de Janeiro diferenciavam-se das usadas em Lisboa, apesar de as Ordenações do reino determinarem que todas as medidas portuguesas fossem reguladas pelas de Lisboa. . Para designar as quantidades ou “pesos” dos tais medicamentos eram usados a libra, a onça, a dragma - ou oitava -, o escrópulo e o grão, entre muitas outras unidades. O grão era o menor peso, usado em toda a Europa. O escrópulo tinha 24 grãos; a oitava, três escrópulos; a onça, oito oitavas; a libra6 6 Trata-se aqui da libra medicinal, usada nas boticas da Europa, a qual diferia da libra civil, de dezesseis onças. , doze onças (Santo Antonio, 1704SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana: methodo pratico de preparar, & compor os medicamentos na forma Galenica com todas as receitas mais uzuais offerecida a sagrada, e sempre observante Congregaçaõ dos Conegos Regulares de Sancto Augustinho do Reyno de Portugal &c. Coimbra: na Impressaõ de Joam Antunes Mercador de livros, 1704., 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754.). Para medir a capacidade de líquidos, podia ser empregada a canada, equivalente a quatro libras ou quartilhos (Portugal, 1794PORTUGAL (reino e domínios). Elementos de pharmacia. In: PORTUGAL (reino e domínios). Pharmacopeia geral para o reino, e dominios de Portugal, publicada por ordem da rainha fidelissima D. Maria I. Lisboa: Regia Officina Typografica, 1794.).

A farmácia galênica, “aquela que se contenta da simples mistura” (Vigier, 1716 VIGIER, João. Pharmacopea ulyssiponense, galenica, e chimica, que contem os principios, diffiniçoens, e termos geraes da huma, & outra Pharmacia: e hum Lexicon universal dos termos Pharmaceuticos, com as preparaçoens Chymicas, & composiçoens Galenicas, de que se usa neste Reyno, & virtudes, & dosis dos medicamentos Chimicos. Hum Tratado da eleiçam, descripçaõ, dosis, & virtudes dos purgantes vegetaes, & das drogas modernas de ambas as Indias, & Brasil. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, impressor de S. Magestade, 1716., p. 1), dominou a teoria e a prática farmacêutica no Ocidente desde o século I até o início do século XIX. Recebeu o nome e foi amplamente baseada nos ensinamentos de Galeno. Uma das características mais claras da tradição textual na farmácia galênica é que ela se desenvolveu dentro e ao redor do Mediterrâneo antigo e medieval, sem dúvida auxiliada pela longa história de intensa interação cultural que ocorreu desde o desenvolvimento das primeiras sociedades marítimas ao longo de suas costas. Embora Galeno tenha dado o nome à tradição, seus fundamentos começaram no período clássico e envolveram muitos colaboradores ao longo do tempo. Dioscórides e Mesué destacam-se como dois dos autores mais importantes e fundadores da farmácia galênica, não obstante o seu homônimo (Vos, 2019VOS, Paula de. Pharmacopoeias and the Textual Tradition in Galenic Pharmacy. In: CRAWFORD, Matthew James; GABRIEL, Joseph M. (Eds.). Drugs on the page: Pharmacopoeias and Healing Knowledge in the Early Modern Atlantic World. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2019. pp. 19-44.).

Contudo, ao longo do século XVIII, a farmácia galênica foi acompanhada da “farmácia química”, “aquela que faz a análise dos corpos naturais, para deles fazer a separação das substâncias inúteis e fazer remédios mais exaltados e mais essenciais” (Vigier, 1716 VIGIER, João. Pharmacopea ulyssiponense, galenica, e chimica, que contem os principios, diffiniçoens, e termos geraes da huma, & outra Pharmacia: e hum Lexicon universal dos termos Pharmaceuticos, com as preparaçoens Chymicas, & composiçoens Galenicas, de que se usa neste Reyno, & virtudes, & dosis dos medicamentos Chimicos. Hum Tratado da eleiçam, descripçaõ, dosis, & virtudes dos purgantes vegetaes, & das drogas modernas de ambas as Indias, & Brasil. Lisboa: Officina de Pascoal da Sylva, impressor de S. Magestade, 1716., p. 1). Desde o século XVII, metais, óxidos ou carbonatos de metais leves, sais comuns, álcalis, vitríolos (sulfatos de ferro e cobre) e alúmen (sulfato potássico de alumínio, a pedra-ume) poderiam ser usados diretamente como medicamentos, ou então como intermediários para a obtenção de outros produtos. A destilação rendeu uma infinidade de sais ainda desconhecidos, bem como de ácidos minerais. A proliferação do uso dos ácidos minerais, tais como ácido nítrico, já usado na metalurgia, ácido sulfúrico e ácido muriático (ácido clorídrico), como solventes de metais, sais, álcalis fixos e das poucas substâncias puras obtidas dos reinos vegetal e animal - os álcalis fixos (carbonato de sódio e potássio) e álcalis voláteis (carbonato de amônio) - possibilitou a síntese de um número crescente de compostos químicos, especialmente sais (Klein; Lefèvre, 2007KLEIN, Ursula; LEFÈVRE, Wolfgang. Materials in Eighteenth-Century Science: A Historical Ontology. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 2007.).

Na edição de 1704 da Farmacopeia lusitana não havia indicação de uso de algumas preparações, e os títulos delas não eram precisos, mas foi possível identificar o uso para o embelezamento. A interessante preparação de Óleo de ovos, elaborada a partir de gemas de ovos cozidos, apareceu novamente na edição de 1711 e 1754, acompanhada do seu uso: “abrandar a dureza da cútis, e para tirar as cicatrizes, [...] para encher as covas, que ficam das bexigas e para as rachas dos beiços, e queimaduras” (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., pp. 361-362).

A preocupação com o embelezamento fica também bastante evidente com o aparecimento, desde a primeira edição, de informações a respeito do uso de um conjunto de preparações designadas por Unguento citrino:

é muito detersivo e próprio para tirar nódoas do rosto, sardas, rugas ou cicatrizes que estejam na cútis, estende as rugas da pele de qualquer parte [...] e faz clara e resplandecente a parte a que se aplica, e por isso é conveniente o uso do dito unguento àquelas pessoas que desejam parecer o que não são (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., pp. 415-417).

Esse unguento chamava-se citrino porque o autor o mandava cozer dentro de uma cidra. Posteriormente, foi introduzido incenso branco e novas receitas surgiram com o mesmo título. Cidra também foi incluída como ingrediente em novas receitas.

D. Caetano de Santo Antonio descrevia os unguentos como preparações destinadas a uso externo: “medicamento, que se compõe de óleo, cera, pós, enxúndias, ou de outros quaisquer símplices, [...] em forma mais branda que os emplastros, e que sirva para unturas exteriores” (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 392).

Desde a primeira edição da Farmacopeia lusitana e ao longo do século XVIII, diversas preparações aparecem com o sugestivo título Leite virginal, obtidas a partir de litargírio, vinagre branco, água e sal, ou então, pedra-ume em substituição ao último ingrediente. Em uma das receitas de 1704, consta:

Re. Litargírio sutil três onças, vinagre branco seis onças[;] misture-se muito bem, e depois de se assentar se coe por um pano de lã bem basto, e forte, e esta água se misture com outra tanta água salgada, que se fará com seis onças de água de cisterna, ou da chuva, e não a havendo, com água da fonte, e com uma onça de sal; estas águas juntas ficam da cor de leite, e bom será guardá-las ambas à parte, e quando se houverem mister, se ajuntar à tanto de uma, como da outra, porque assim apartadas se conservam melhor (Santo Antonio, 1704SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana: methodo pratico de preparar, & compor os medicamentos na forma Galenica com todas as receitas mais uzuais offerecida a sagrada, e sempre observante Congregaçaõ dos Conegos Regulares de Sancto Augustinho do Reyno de Portugal &c. Coimbra: na Impressaõ de Joam Antunes Mercador de livros, 1704., p. 82).

O Leite virginal servia para remover sinais ou manchas do rosto, ou de qualquer parte: “aplica-se lavando a parte manchada com ele até que se tire, tem mais algumas virtudes, que por sabidas não digo, porque apenas se achará donzela, que as não saiba” (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 52).

Leite virginal também aparece no Tesouro apolíneo... Segue uma das receitas:

Leite virginal refrigerante para vermelhidões do rosto.

Récipe, vinagre destilado[,] meia canada, fezes de ouro, ou litargírio[,] seis onças, em pó subtil[,] em uma redoma bem revolvido três e quatro vezes por dia, passados alguns dias se guarde o licor claro para misturar pequena porção em água para se lavar; se lhe misturar um pouco de pedra-ume, fará a água mais branca (Vigier, 1714 VIGIER, João. Thesouro apollineo, galenico, chimico, Chirurgico, Pharmaceutico, ou compendio de remedios para ricos, & pobres. Contem a individuaçam dos remedios simplices, compostos, & Chimicos com as suas proporcionadas doses, postos em particulares classes pela distincçaõ de capitulos dos achaques, que costumaõ infestar o corpo humano. Acrescentase huma breve raciocinaçam da Escola moderna sobre as causas efficientes: como, & quando se devem applicar certos remedios. Ultimamente formulas de receitas preciosas para os Magnates, & de menos preço para os Plebéos. Lisboa: Officina Real Deslandesiana, 1714., p. 460).

No Erário mineral, embora também não constasse a palavra “cosmético”, existia uma preocupação em “fazer um rosto formoso”7 7 De bela aparência, bonito. Cunha (2010) relata que o vocábulo “formoso” já ocorria no século XIV. As variantes “fermoso” (século XIV) e “fremoso” (século XIII) predominaram até meados do século XVII sobre a atual variante “formoso”. (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735., passim). Assim, é possível encontrar aqui também uma receita de Leite virginal... que tirava as manchas e as covas das bexigas e fazia “o rosto formoso” (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735., p. 502), preparada a partir de pedra-ume crua, água de cisterna8 8 Reservatório de água das chuvas. , fezes de ouro e vinagre branco (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735., p. 129). A Matéria médica..., publicada em Londres no mesmo ano, descrevia a obtenção do Leite virginal a partir do litargírio e do vinagre, com óleo de tártaro por delíquio, “admirável para lavar as mãos e a cara” (Sarmento, 1735SARMENTO, Jacob de Castro. Materia Medica Physico-Historico-Mechanica, Reyno Mineral. Londres: [s.n.], 1735., p. 36).

Segundo Luis Gomes Ferreyra, o óleo humano, ou “óleo feito de unto do homem” (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735., p. 129), ou, melhor ainda, do rim de alguém que morreu esquartejado, ou sem frio, nem febre, é descrito para ser usado nas covas ou nódoas e resultaria em um aproveitamento melhor - o próprio autor declarava já ter experimentado na sua casa após ter encontrado o óleo em uma botica.

Havia também preparações destinadas aos cabelos e pelos. Na primeira edição da farmacopeia de Caetano de Santo Antonio aparecia a preparação de Óleo de gergelim, o qual era indicado, conforme edição posterior, para tratar a queda de cabelo, desde que não fosse causada pelo envelhecimento ou pelo mal-gálico9 9 Sífilis. (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 361). Outra receita para nascer e crescer os cabelos apareceu na edição de 1711. Com o curioso título Água crinal, ela deveria ser preparada a partir de moscas, mel e leite de cabras, e deveria ser usada para lavar a cabeça, depois de raspada à navalha.

Preocupações estéticas com o cabelo também são observadas no Erário mineral: receita para cair o cabelo, para não nascer cabelo, ou para fazer nascer cabelo e pelos corporais. Em uma das receitas para caírem os cabelos:

Tomem um pouco de carne de vaca, ponham-na aonde apodreça e se encha de bichos, estes bichos se sequem ao fogo até que se possam fazer em pó, mas não se queimem; destes pós fareis umas papas com sumo de agraço pisado, que é o sumo que sai das uvas verdes, e poreis isto no lugar que quiserdes pelar e que fique sem cabelo, e deixai estar este remédio na parte, até que se seque, e então puxareis pelos cabelos e se tirarão sem dor; e, no caso que tenham algum, torne-se a pôr o remédio, que, secando-se na parte, se tirarão sem dor e sem falta para nunca tornarem a nascer (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735., p. 147).

Para não nascer cabelo, o autor recomendava diversas receitas: sangue de rã “de ribeira corrente”; raiz ou cebola do jacinto de flor vermelha; sangue de morcego; sangue de cágado; cal virgem em pó fino misturado com vinagre forte e urina de cabra; ou ainda esterco de gato misturado com “vinagre fortíssimo” (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735., p. 148).

A medicina podia tirar os seus remédios de todos os excrementos, isto é, da “parte impura, que a natureza separa da parte pura” (Bluteau, 1712BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico...: autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes, e latinos; e offerecido a El Rey de Portugal D. Joaõ V. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu; Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva, t. I; III, 1712., t. III, p. 377). As virtudes dos medicamentos extraídos do próprio corpo, como sangue, urina, esterco10 10 As fezes de animais que comem muitas ervas e flores concentrariam as virtudes dessas plantas, daí a expressão “água de mil flores”, obtida do esterco de vaca (Carneiro, 2002). , vinha “da mais longínqua tradição” (Carneiro, 2002CARNEIRO, Henrique S. A farmácia bizarra: cadáveres, sangue e excrementos. In: CARNEIRO, Henrique S. Amores e sonhos da flora: afrodisíacos e alucinógenos na botânica e na farmácia. São Paulo: Xamã, 2002. pp. 41-67., p. 53). Autores latinos já relatavam, por exemplo, o uso de crocodilea - o conteúdo dos intestinos de crocodilo - como um branqueador facial11 11 Curiosamente, Plínio escreve que o crocodilo terrestre (aquele que é pequeno e rasteja no chão) vive de flores de cheiro doce; portanto, o conteúdo de seus intestinos é agradavelmente perfumado (Olson, 2009). (Olson, 2009OLSON, Kelly. Cosmetics in Roman Antiquity: Substance, Remedy, Poison. Classical World, Baltimore, v. 102, n. 3, pp. 291-310, 2009.).

Além de indicações para o rosto e os cabelos, havia a preocupação com a aparência das mãos. Na Farmacopeia lusitana, o Bálsamo para as mãos, de 1711, destinava-se a fazer as mãos alvas e a “cútis muito lisa” (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 391) e era mais útil que algumas pomadas ou pastas. Não apareciam bálsamos na primeira edição. Os bálsamos que necessitavam de preparo e que constavam na farmacopeia eram os bálsamos artificiais, “remédios compostos”, destinados a uso externo. Podiam ter a consistência mais sólida que os unguentos, ou podiam ser líquidos e ter a consistência situada entre a dos linimentos e a dos óleos.

Havia ainda cosméticos para os lábios, nariz e mamilos. O Unguento “pomado” aparece indicado para “as rachas da boca, beiços, narizes, e mãos [...], bicos dos peitos das mulheres; [...] para toda a aspereza da cútis”. Era preparado a partir de lírio florentino, sândalos citrinos, beijoim, estoraque, pau de Rhodes, alfazema, cálamo aromático, cravos-da-índia, unto de porco, sebo de cabrito, maçãs camoesas sem casca, água de rosas e uma “água de flor” (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 410).

Havia também preparações para os dentes. O Cozimento para conservar os dentes “preserva os dentes da corrupção [...] tomando-o morno às bochechas”. Era composto de folhas de oliveira, folhas de murta, folhas de alecrim, cravos-da-índia, rosas vermelhas, sal comum e vinho (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 83). Já “açúcar de pedra-ume” era indicado para limpar os dentes em gargarejos, entre outros usos (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 337).

No Suplemento ao Vocabulário Português..., o termo farmacêutico “dentifrício” significa “remédio, que fortifica os dentes, e alimpando-os, os faz mais brancos, como são a pimpinela, a parietária, as folhas de murta, ou da salva, o alecrim etc. queimados e feitos em pó” (Bluteau, 1727BLUTEAU, Rafael. Supplemento ao Vocabulario portuguez, e latino, que acabou de sahir a’ luz, Anno de 1721. Dividido em oito volumes, dedicados ao magnifico Rey de Portugal D. Joaõ V. Lisboa Occidental: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1727., p. 301). O vocativo “dentifrício” aparecerá na edição de 1754 da Farmacopeia lusitana, para designar os remédios com ação detersiva e adstringente, próprios para limpar os dentes, entre outras ações, como as rosas vermelhas, o coral, o osso de siba, a pedra-pomes, os cremores de tártaro e também os espíritos de vitríolo12 12 Ácido sulfúrico (Klein; Lefèvre, 2007). e de sal que limpam e embranquecem admiravelmente os dentes.

Havia diversos pós dentifrícios: para branquear; para limpar e branquear; e para limpar, branquear e conservar (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754.). Nota-se, nesse último caso, os dois sentidos antigos de cosmético, um relacionado à correção da aparência e o outro à preservação da beleza.

Já um linimento dentifrício conservava os dentes “sempre muito brancos”, devendo ser esfregado junto a eles, que eram depois limpos com pano áspero (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., pp. 440-441). Linimento era todo medicamento tópico mais viscoso que o óleo, porém mais líquido que o unguento. Era uma mistura de óleo, cera, unguento, ou de outro material, que fosse capaz de “untura” (Santo Antonio, 1711SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana reformada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma galenica, & chimica. 2ª Ed. Lisboa: Real Mosteyro de Saõ Vicente de Fóra, 1711., p. 392).

Um conjunto de receitas do Erário mineral empregam diversos materiais para tirar a “negridão dos dentes”. Almécega servia para limpar os dentes, e espírito de vitríolo era empregado na negridão dos dentes e para tirar e quebrar “pedras” que aparecem neles, entre diversos usos. O autor referia que, em 1733, o espírito de vitríolo resolveu o problema da “negridão dos dentes” de Francisco Ribeiro da Costa, morador da cidade do Porto e que sofria de escorbuto (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735.).

Além de preparações para o rosto, os lábios, os mamilos, o nariz, os cabelos, as mãos e os dentes, são descritas ainda como cosméticos por Vigier (1714 VIGIER, João. Thesouro apollineo, galenico, chimico, Chirurgico, Pharmaceutico, ou compendio de remedios para ricos, & pobres. Contem a individuaçam dos remedios simplices, compostos, & Chimicos com as suas proporcionadas doses, postos em particulares classes pela distincçaõ de capitulos dos achaques, que costumaõ infestar o corpo humano. Acrescentase huma breve raciocinaçam da Escola moderna sobre as causas efficientes: como, & quando se devem applicar certos remedios. Ultimamente formulas de receitas preciosas para os Magnates, & de menos preço para os Plebéos. Lisboa: Officina Real Deslandesiana, 1714.) receitas de “perfume”, “sabonete”, “pastilha”13 13 Provavelmente para perfumar uma casa (Bluteau, 1720). , “almofadinha” - para colocar entre as roupas ou carregar junto com elas - e “caçoula” - para perfumar ambientes.

Nas receitas para o embelezamento, estavam representados saberes e práticas culturais de várias partes do mundo. Algumas matérias-primas eram conhecidas e usadas por boticários na Europa e no mundo mediterrâneo desde a antiguidade, enquanto outras eram novas adições às farmacopeias europeias, embora haja uma tradição na qual as farmacopeias foram modeladas em outras que as precederam.

Ao longo dos séculos, boticários, religiosos, médicos, cirurgiões tentaram sistematizar o conhecimento também sobre as drogas que se encontravam além da Europa Ocidental. O processo de circulação dos saberes veiculados nos textos analisados colocou em contato diferentes partes do mundo. Na preparação dos cosméticos, os materiais que não estavam disponíveis localmente poderiam ser adquiridos no comércio a longa distância.

Os portugueses desempenharam um papel ativo na circulação global de mercadorias entre o século XV e o século XVIII, principalmente por rotas marítimas que abraçavam o oceano Atlântico, o golfo da Guiné, o Mediterrâneo, o mar do Norte e o mar Báltico, o mar Arábico, o oceano Índico, o golfo Pérsico, a baía de Bengala e o mar da China, o mar do Japão e o oceano Pacífico, e por redes terrestres e fluviais de distribuição na América portuguesa e, em grau menor, em Angola e na Zambézia. Muito poucas mercadorias que eram descarregadas em Lisboa permaneciam no país, e Portugal tornou-se um parceiro fundamental na rede global de comércio. Alguns dos bens que chegavam a Lisboa eram transferidos para outros destinos europeus, enquanto outros ficavam em solo português para pagar mercadorias importadas, as quais eram, por sua vez, trocadas e comercializadas em outros lugares do mundo. Havia ainda uma circulação de mercadorias entre a África, a Ásia e as Américas que podia não passar por Portugal ou pela Europa (Russell-Wood, 1998bRUSSELL-WOOD, A. J. R. Um mundo em movimento: os portugueses na África, Ásia e América (1415-1808). Tradução de Vanda Anastácio. Algés: Difel, 1998b.).

Nesse sentido, a circulação dos materiais ocorria de forma a confundir a sua origem. Entre os materiais estudados empregados nas receitas de beleza setecentistas encontra-se, por exemplo, o cravo-da-índia, proveniente da Índia Oriental e das Ilhas Molucas. Esse era importado pela América portuguesa durante todo o período colonial e, no século XVII, o Estado do Maranhão e Grão-Pará também exportava cravo colhido na floresta.

TRADIÇÃO E INOVAÇÃO NAS PREPARAÇÕES PARA O EMBELEZAMENTO

Uma das novidades relacionadas ao embelezamento é apresentada no manuscrito Árvore da vida..., o qual trazia a receita de “bálsamo do alecrim” do Brasil, preparado a partir das flores de alecrim. Segundo o manuscrito, entre diversas virtudes, “quem untar o rosto com este bálsamo uma vez cada dia, o conservará sempre fresco e como de mancebo sem jamais se lhe encrespar, nem enrugar” (Costa, [ca. 1720COSTA, Affonso da. Arvore da Vida dilatada em vistosos e salutiferos Ramos ornados de muitas aprasiveis, e saudaveis Folhas, em que se deixaõ ver muitos e singulares remedios assim simplices, como compostos, que a Arte, a experiencia, a industria, e a curiosidade descubrio, para curar com facilidade quasi todas as doenças, e queixas, a que o corpo humano esta sogeito, principalmente em terras destituidas de Medicos e Boticas. Copiados de diversos Authores assim impressos, Como manuscriptos, de varias noticias, e experiencias vistas, e approvadas em diversos Reinos, terras, e regioens de todas as quatro partes do mundo... . London (Wellcome Collection). [ca. 1720].], [n.p.]). Para tirar os sinais das bexigas e restituir “a cor do rosto a seu antigo estado”, Luis Gomes Ferreyra indicava também óleo de alecrim, ou seu bálsamo.

Uma preparação do Erário mineral indicada para retirar os sinais da varíola e fazer o rosto bonito é a Água para tirar os sinais das bexigas e fazer o rosto formoso, a qual empregava sal de chumbo, água da rainha de Hungria e água de flor de favas (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735.). Todavia, essa preparação não era uma novidade: já havia sido publicada na Farmacopeia lusitana14 14 Leite virginal (Santo Antonio, 1704), Leite virginal de Vekherio (Santo Antonio, 1704) e Agoa pera tirar signaes da cara (Santo Antonio, 1711). . Para Wissenbach (2009WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Ares e azares da aventura ultramarina: matéria médica, saberes endógenos e transmissão nos circuitos do Atlântico luso-afro-americano. In: ALGRANTI, Leila Mezan; MEGIANI, Ana Paula (Orgs.). O império por escrito: Formas de transmissão da cultura letrada no mundo ibérico, séculos XVI-XIX. São Paulo: Alameda, 2009. pp. 375-393.), em vários receituários que circulavam na América portuguesa, assim como no Erário mineral, o conhecimento estruturado a partir da experiência e da observação, e cuja origem é de difícil explicitação, veiculava-se na colônia. Porém, aquela receita analisada não representa o “resultado da experiência prática” (Furtado, 2002FURTADO, Júnia Ferreira. Arte e segredo: o Licenciado Luís Gomes Ferreira e seu caleidoscópio de imagens. In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.); FERREIRA, Luís Gomes. Erário mineral. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Centro de Estudos Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. pp. 3-30., p. 6), nem a “experiência acumulada na arte de curar no Brasil” (Figueiredo; Castro, 2011FIGUEIREDO, Betânia G.; CASTRO, Evandro C. G. de. Os cuidados com a saúde dos escravos no Império Português: a aguardente para fins medicinais. In: BASTOS, Cristiana; BARRETO, Renilda (Orgs.). A Circulação do Conhecimento: Medicina, Redes e Impérios. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2011. pp. 93-112., p. 107). Talvez Luis Gomes Ferreyra a conhecia antes da viagem para a América, ou somente após o retorno a Portugal. De qualquer forma, é possível notar a circulação transatlântica de saberes.

Para nascer cabelo, Luis Gomes Ferreyra sugere sebo de homem esquartejado (que também tirava as manchas das bexigas). Os aspectos negativos relacionados à calvície eram percebidos pelo autor ao relatar que uma moça formosa e rica deixava de se casar por ser calva. Untando a cabeça dois meses com o sebo de homem esquartejado, nasceu tanto cabelo, que se casou e “viveu com muito gosto” (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735., p. 148). Raspando-se a cabeça com navalha, quatro ou cinco vezes, e aplicando-se durante um mês com o sebo, ou o seu óleo, fazia-se nascer cabelo. Usando por dois meses, o efeito seria ainda mais eficaz.

Para esse fim, Luis Gomes Ferreyra recomendava também o uso repetido da mistura de mel e pós de moscas. Os tratamentos já constavam no manuscrito Árvore da vida...: untar os lugares calvos com sebo de homem (devendo ser usado sebo de rim de homem que morreu esquartejado) durante vinte ou trinta dias, ou com pó de moscas levemente fervido com um pouco de mel de enxame novo, quatro a cinco vezes por dia, por um mês, fazia nascer cabelo. Ainda de acordo com o escrito do jesuíta, os cabelos nutrem-se dos licores; para que nasçam ou cresçam, é necessário dilatar os seus poros, se demasiadamente estreitos, a fim de receberem os ditos licores (Costa, [ca. 1720COSTA, Affonso da. Arvore da Vida dilatada em vistosos e salutiferos Ramos ornados de muitas aprasiveis, e saudaveis Folhas, em que se deixaõ ver muitos e singulares remedios assim simplices, como compostos, que a Arte, a experiencia, a industria, e a curiosidade descubrio, para curar com facilidade quasi todas as doenças, e queixas, a que o corpo humano esta sogeito, principalmente em terras destituidas de Medicos e Boticas. Copiados de diversos Authores assim impressos, Como manuscriptos, de varias noticias, e experiencias vistas, e approvadas em diversos Reinos, terras, e regioens de todas as quatro partes do mundo... . London (Wellcome Collection). [ca. 1720].]).

Nota-se, mais uma vez, a circulação global de saberes sobre o embelezamento. Uma outra receita do Erário mineral recomenda sangue de morcego para os cabelos não nascerem; em outra receita, esterco de gato misturado com vinagre fortíssimo faz cair os cabelos (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735.) - ambas as receitas presentes no manuscrito Árvore da vida... Para tirar a “negridão dos dentes”, Luis Gomes Ferreyra sugeria pedra-pomes em brasa e vinho branco (Ferreyra, 1735FERREYRA, Luis Gomes. Erario mineral dividido em doze tratados, dedicado, e offerecido a’ purissima, e serenissima Virgem Nossa Senhora da Conceyçaõ. Lisboa Occidental [Lisboa, Portugal]: Officina de Miguel Rodrigues, 1735.), receita parecida com uma outra registrada pelo padre Affonso da Costa. O jesuíta explicava que os dentes pretos, amarelos e de outras cores decorriam dos humores viciosos aderentes aos dentes, ou dos vapores do estômago, da alimentação de muitos doces principalmente de açúcar, dos alimentos cozidos em vaso de cobre ou metal, do uso do azougue15 15 Mercúrio. , ou, ainda, no caso das mulheres, da lavagem do rosto com água de solimão 16 16 Azougue sublimado, antigo cosmético branqueador do rosto em cuja base havia mercúrio. (Costa, [ca. 1720]COSTA, Affonso da. Arvore da Vida dilatada em vistosos e salutiferos Ramos ornados de muitas aprasiveis, e saudaveis Folhas, em que se deixaõ ver muitos e singulares remedios assim simplices, como compostos, que a Arte, a experiencia, a industria, e a curiosidade descubrio, para curar com facilidade quasi todas as doenças, e queixas, a que o corpo humano esta sogeito, principalmente em terras destituidas de Medicos e Boticas. Copiados de diversos Authores assim impressos, Como manuscriptos, de varias noticias, e experiencias vistas, e approvadas em diversos Reinos, terras, e regioens de todas as quatro partes do mundo... . London (Wellcome Collection). [ca. 1720].).

A quarta edição da obra da Caetano de Santo Antonio, que recebe o título de Farmacopeia lusitana aumentada, traz diversas novas preparações cosméticas, incluindo uma formulação de Água cosmética, a qual servia para “adoçar, limpar e embranquecer a cútis, lavando com ela as mãos e o rosto” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 112). De acordo com o Vocabulário Português..., de Rafael Bluteau:

Usa a medicina de águas salutíferas para todas as partes do corpo humano, águas de cheiro para o olfato, águas de açucena, de claras de ovos, de mel etc. para tirar as nódoas, e rugas do rosto; [...] águas cefálicas, [...] águas hepáticas [...], águas oftálmicas [...], águas cardíacas [...], águas torácicas, ou peitorais, [...] águas esplênicas, [...] a estas, e [a] outras águas simples, se poderão acrescentar outras muitas águas compostas, específicas, [...] minerais etc. (Bluteau, 1727BLUTEAU, Rafael. Supplemento ao Vocabulario portuguez, e latino, que acabou de sahir a’ luz, Anno de 1721. Dividido em oito volumes, dedicados ao magnifico Rey de Portugal D. Joaõ V. Lisboa Occidental: Officina de Joseph Antonio da Sylva, 1727., p. 171, negrito nosso).

Assim, águas de açucena, de claras de ovos, de mel eram utilizadas para tirar as nódoas e rugas do rosto. Tratava-se, portanto, de um embelezamento não natural da aparência.

Nessa edição da Farmacopeia lusitana existe ainda uma referência a uma “água cosmética odorífera”, preparada com “óleo de tártaro por delíquio”, “água de córdoba” e “espírito de vinho”, para as mulheres limparem as mãos e o rosto.

O autor comparou ainda a utilidade das águas cosméticas e citou outros autores da época, como Nicolas Lemery. Caetano de Santo Antonio não as transcreveu devido ao seu valor superficial: “sem o uso de semelhantes remédios se pode passar a vida, e viver em serviço de Deus” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., pp. 103-104).

Considerada “o cosmético mais seguro”, a preparação Água de caracóis empregava caracóis vivos com a casca e leite de burras. “Muito nutriente e refrigerante”, seu principal uso era lavar o rosto (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 107). De acordo com a literatura latina antiga, as cinzas de caracóis já eram conhecidas por curar sardas, coceira e feridas leprosas (Olson, 2009OLSON, Kelly. Cosmetics in Roman Antiquity: Substance, Remedy, Poison. Classical World, Baltimore, v. 102, n. 3, pp. 291-310, 2009.).

Apesar de João Vigier ter introduzido conhecimentos da química, a sua obra ainda é marcada pela tradição galênica, e uma receita chamada Água de caracóis já aparecia na Farmacopeia ulissiponense...: “é umectante, refrigerante, idônea para as vermelhidões da pele, serve para alimpar, e formosear o rosto aplicada com panos [...]” (Vigier, 1714 VIGIER, João. Thesouro apollineo, galenico, chimico, Chirurgico, Pharmaceutico, ou compendio de remedios para ricos, & pobres. Contem a individuaçam dos remedios simplices, compostos, & Chimicos com as suas proporcionadas doses, postos em particulares classes pela distincçaõ de capitulos dos achaques, que costumaõ infestar o corpo humano. Acrescentase huma breve raciocinaçam da Escola moderna sobre as causas efficientes: como, & quando se devem applicar certos remedios. Ultimamente formulas de receitas preciosas para os Magnates, & de menos preço para os Plebéos. Lisboa: Officina Real Deslandesiana, 1714., p. 223).

A preocupação com os cabelos continua na edição de 1754 da Farmacopeia lusitana, aparecendo uma formulação de Água capilar, preparada a partir de limadura de prata, água forte, água rosada e caparrosa. Era indicada para “tingir, ou denegrir os cabelos [...] quando é preciso disfarçar os anos, ou desviar do uso das cabeleiras” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 113). Pelo exposto, infere-se que perucas eram usadas para esconder os cabelos brancos. Advertia ainda para que a formulação não chegasse à pele, recomendando o uso de um pente. O efeito dessa tintura nos cabelos duraria quase dois anos.

A mesma formulação, para igualmente tingir de preto os cabelos, havia sido registrada por Affonso da Costa. O autor relatava também que os missionários eram procurados pelos mouros e gentios para tingirem de preta a barba. Quanto mais “azevichada”, ou seja, mais negra, melhor.

O Vinagre cosmético da Farmacopeia lusitana servia para “limpar, e polir a cútis” e era “bom para secar as chagas úmidas, fétidas, e malignas” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 116). Já um “admirável” Lenimento cosmético servia para “dealbar as mãos e fazer resplandecer o rosto” (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 116).

A edição de 1754 traz ainda um ceroto intitulado Ceroto branco, composto de cera branca, óleo de amêndoas amargas, espermacete, alvaiade lavado em água rosada e cânfora, descrito como “medicamento anódino” e “cosmético”. Podia-se “fazer mais brando” adicionando “óleo de sementes de dormideiras tirado por expressão”. Segundo o autor, tirava admiravelmente os sinais das bexigas (Santo Antonio, 1754SANTO ANTONIO, Caetano de. Pharmacopea lusitana augmentada: methodo pratico de preparar os medicamentos na fórma Galenica, e Chimica. 4ª Ed. Lisboa: Mosteiro de São Vicente de Fóra, 1754., p. 464).

O verbete “cosmético” aparecerá no Dicionário da língua portuguesa..., de 1789, e significava “remédio, para amaciar, e aformosear a tez, e pele do rosto” (Bluteau; Silva, 1789BLUTEAU, Rafael; SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1ª Ed. Lisboa: Simão Tadeu Ferreira, 2 t., 1789., t. 1, p. 340). “Remédio” ainda significava “mezinha, medicamento para reparar a saúde” (Bluteau; Silva, 1789BLUTEAU, Rafael; SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1ª Ed. Lisboa: Simão Tadeu Ferreira, 2 t., 1789., t. 2, p. 318). E “aformosear”, “formosear” ainda significava “fazer formoso” ou “fermoso”, isto é, “de boa forma, ou feição, belo” (Bluteau; Silva, 1789BLUTEAU, Rafael; SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro. 1ª Ed. Lisboa: Simão Tadeu Ferreira, 2 t., 1789., t. 2, pp. 33, 37, 609, 628).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo foram reunidas diversas fontes históricas do século XVIII, as quais permitiram identificar saberes a respeito dos cosméticos - ainda que não aparecessem de forma explícita, tal como ocorria em obras escritas em francês, por exemplo - e assim colaborar para uma história da cosmética em Portugal e no Brasil.

É possível considerar o ano de 1714 como a data de primeira ocorrência do vocábulo “cosméticos”, com a publicação do Tesouro apolíneo..., de João Vigier. Antes, porém, em 1704, com a Farmacopeia lusitana, de D. Caetano de Santo Antonio, embora não apareça o uso de algumas preparações e os títulos delas não sejam precisos, foi possível identificar o seu emprego para o embelezamento físico. Nota-se, entre a edição de 1704 e a de 1754, que são publicadas diversas receitas de cosméticos para o rosto, os lábios, os mamilos, o nariz, os cabelos, as mãos, os dentes.

Boticários, religiosos, médicos, cirurgiões, diversos mediadores põem em circulação saberes de origens diversas, inovando técnicas e produtos voltados para o embelezamento, mas também mantendo uma tradição de algumas preparações cosméticas. Entre outros exemplos de receitas de embelezamento setecentistas estudadas, a preparação Água para tirar os sinais das bexigas e fazer o rosto formoso, do Erário mineral, não era uma novidade: já havia sido publicada na Farmacopeia lusitana - o que reforça a ideia de circulação de saberes.

Apesar das alusões à falta de asseio em Portugal e na colônia americana, verifica-se que havia de fato uma preocupação com o embelezamento de diversas partes do corpo. “Formosear a cútis”, “fazer o rosto formoso” são expressões que aparecem nos livros analisados.

Embora não seja a preocupação deste artigo, a partir de algumas receitas destinadas a “alimpar e embranquecer a cútis”, “limpar e embranquecer os dentes”, é possível deduzir até mesmo alguns cânones de beleza da época, que se alinham perfeitamente com outros testemunhos textuais e iconográficos.

A pele branca era muito desejada desde a antiguidade, provavelmente como indicador de uma posição favorável na sociedade: só aqueles que permaneciam em casa apresentavam uma pele clara. Uma tez branca era um componente da mulher atraente (Olson, 2009OLSON, Kelly. Cosmetics in Roman Antiquity: Substance, Remedy, Poison. Classical World, Baltimore, v. 102, n. 3, pp. 291-310, 2009.). O branco parece ter sido o cânone de beleza na Europa por muitos séculos. Com a experiência colonial, os outros povos do mundo foram hierarquizados de acordo com os critérios europeus, estabelecidos segundo a cor da pele (Bethencourt, 2018BETHENCOURT, Francisco. Racismos: Das Cruzadas ao século XX. Tradução de Luís Oliveira Santos e João Quina Edições. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.). A procura por uma cútis branca motivou então o aparecimento das diversas receitas.

As preparações estudadas revelam as preocupações estéticas femininas e - ainda que de modo isolado - até masculinas, evidenciadas, nesse último caso, na descrição feita pelo jesuíta Affonso da Costa, da província de Goa, quanto à tentativa de mouros e gentios de tingirem a barba de preto.

Os cosméticos eram considerados medicamentos de uso externo destinados ao embelezamento de diversas partes do rosto e do corpo, conforme já foi exposto neste artigo. As receitas aparecem nos diversos livros profissionais, os quais muitas vezes tinham custo elevado, com preços acima de mil-réis 17 17 A moeda portuguesa do século XVIII era o real (plural réis) ou $001. A unidade monetária era o mil-réis, 1$000 ou simplesmente 1$ (Hallewell, 2017). . Em 1798, a Farmacopeia lusitana, que fazia parte da coleção de livros do boticário Antônio Pereira Ferreira quando ele faleceu, foi avaliada em 1$280 (Abreu, 2001ABREU, Márcia. Quem lia no Brasil colonial? In: CONGRESSO BRASILEIRO DA COMUNICAÇÃO, 24, 2001, Campo Grande. Anais... Campo Grande: Intercom, 2001. pp. 1-18.; Cavalcanti, 2004CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da Corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.).

A existência das fontes históricas identificadas neste artigo destaca os saberes sobre os cosméticos no idioma vernáculo. A utilização da língua portuguesa permitiu comunicar o conhecimento em uma sociedade na qual havia o interesse por esse assunto.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Esse texto é fruto da minha pesquisa particular e da tese que defendi na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, com acréscimos e modificações. Agradeço à Revista Brasileira de História pelas leituras e sugestões.
  • 2
    Na América portuguesa, a impressão foi proibida pela Coroa e os livros permaneceram na forma de manuscrito ou foram publicados na Europa até a chegada de um prelo permanente em 1808 (Hallewell, 2017HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: Sua História. Tradução de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. 3ª Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.). Havia, contudo, uma importação de livros pela América portuguesa com regularidade e em quantidades relativamente grandes (Abreu, 2001ABREU, Márcia. Quem lia no Brasil colonial? In: CONGRESSO BRASILEIRO DA COMUNICAÇÃO, 24, 2001, Campo Grande. Anais... Campo Grande: Intercom, 2001. pp. 1-18.). Uma das rotas incluía o contrabando mantido por ingleses, franceses e holandeses. Alguns livros ainda poderiam ter vindo na bagagem de viajantes quando, por exemplo, retornavam de seus estudos na Europa (Hallewell, 2017HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: Sua História. Tradução de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. 3ª Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.).
  • 3
    Um gênero de escrita que descreve os medicamentos e ensina a arte de prepará-los.
  • 4
    Cunha (2010)CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4ª Ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010. refere-se também ao adjetivo “símplice” como a forma culta de “simples”.
  • 5
    Segundo Simonsen (2005)SIMONSEN, Roberto C. História Econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005., as medidas de peso eram idênticas no Rio de Janeiro e em Lisboa. Já as medidas de capacidade utilizadas no Rio de Janeiro diferenciavam-se das usadas em Lisboa, apesar de as Ordenações do reino determinarem que todas as medidas portuguesas fossem reguladas pelas de Lisboa.
  • 6
    Trata-se aqui da libra medicinal, usada nas boticas da Europa, a qual diferia da libra civil, de dezesseis onças.
  • 7
    De bela aparência, bonito. Cunha (2010)CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4ª Ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010. relata que o vocábulo “formoso” já ocorria no século XIV. As variantes “fermoso” (século XIV) e “fremoso” (século XIII) predominaram até meados do século XVII sobre a atual variante “formoso”.
  • 8
    Reservatório de água das chuvas.
  • 9
    Sífilis.
  • 10
    As fezes de animais que comem muitas ervas e flores concentrariam as virtudes dessas plantas, daí a expressão “água de mil flores”, obtida do esterco de vaca (Carneiro, 2002CARNEIRO, Henrique S. A farmácia bizarra: cadáveres, sangue e excrementos. In: CARNEIRO, Henrique S. Amores e sonhos da flora: afrodisíacos e alucinógenos na botânica e na farmácia. São Paulo: Xamã, 2002. pp. 41-67.).
  • 11
    Curiosamente, Plínio escreve que o crocodilo terrestre (aquele que é pequeno e rasteja no chão) vive de flores de cheiro doce; portanto, o conteúdo de seus intestinos é agradavelmente perfumado (Olson, 2009OLSON, Kelly. Cosmetics in Roman Antiquity: Substance, Remedy, Poison. Classical World, Baltimore, v. 102, n. 3, pp. 291-310, 2009.).
  • 12
    Ácido sulfúrico (Klein; Lefèvre, 2007KLEIN, Ursula; LEFÈVRE, Wolfgang. Materials in Eighteenth-Century Science: A Historical Ontology. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 2007.).
  • 13
    Provavelmente para perfumar uma casa (Bluteau, 1720BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico...: autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes, e latinos; e offerecido a El Rey de Portugal D. Joaõ V. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu ; Lisboa Occidental: Officina de Pascoal da Sylva , t. VI, 1720.).
  • 14
    Leite virginal (Santo Antonio, 1704), Leite virginal de Vekherio (Santo Antonio, 1704) e Agoa pera tirar signaes da cara (Santo Antonio, 1711).
  • 15
    Mercúrio.
  • 16
    Azougue sublimado, antigo cosmético branqueador do rosto em cuja base havia mercúrio.
  • 17
    A moeda portuguesa do século XVIII era o real (plural réis) ou $001. A unidade monetária era o mil-réis, 1$000 ou simplesmente 1$ (Hallewell, 2017HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: Sua História. Tradução de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza. 3ª Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2023
  • Aceito
    19 Fev 2024
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