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A monomania de Ahab em Moby Dick (1851), de Herman Melville

Ahab’s monomania in Herman Melville’s Moby Dick (1851)

RESUMO

Este artigo, que analisa a loucura/monomania de Ahab, capitão do Pequod e personagem de Herman Melville, divide-se em três partes: na primeira, investigamos o romance de Melville enquanto gênero misto ou plural, que reúne elementos trágicos, épicos, cômicos, líricos; em seguida, além de conceber a relação entre loucura e melancolia, retomamos alguns lugares-comuns que ajudam a compreender melhor o papel desempenhado por Ahab na trama; por fim, buscamos compreender os sentidos implicados na categoria “monomania”, levando-se em consideração o momento histórico no qual Moby Dick foi publicado.

Palavras-chave:
Moby Dick; Monomania; Ahab

ABSTRACT

This article, which analyzes the madness/monomania of Ahab, captain of the Pequod and character by Herman Melville, is divided into three parts: in the first, we investigate Melville’s novel as a mixed or plural genre, which brings together tragic, epic, comic, lyrical elements; then, in addition to associating madness and melancholy, we return to some commonplaces that help to better understand the Ahab’s role in the plot; finally, we seek to understand the meanings implied in the “monomania” category, taking into account the historical moment in which Moby Dick was published.

Keywords:
Moby Dick; Monomania; Ahab

No século XIX, a loucura foi convertida em um dos mais proeminentes topoi literários. Além de integrar a trama e (des)orientar as personagens, também é possível sugerir a existência de uma linguagem da insânia, o que parece um contrassenso, já que se espera do louco, afetado por delírios ou moléstias capazes de suplantar a racionalidade, a incapacidade de recorrer a sistemas complexos de comunicação. Personagens mais ou menos tresloucados passaram a assumir o protagonismo das tramas ficcionais, como é o caso do conhecido embate entre o monomaníaco capitão Ahab e o cachalote branco. Depois de uma série de simplificações ocorridas desde sua publicação, em 1851, a gesta de Moby Dick foi tomada, recorrentemente, como a saga de um herói romântico obscuro e insano contra o mundo burguês, os preceitos cristãos, os domínios da natureza e, de forma mais alegórica e transcendental, contra o mal personificado pela baleia que mutilou sua perna. Na condição de vilão narcisista, foi sugerido que ele não passaria de um líder obstinado e responsável pela ruína do baleeiro Pequod e de sua tripulação, com exceção do sobrevivente/narrador, Ismael. No entanto, a loucura de Ahab não deve ser autonomizada em detrimento do enredo que ela integra, uma vez que as linguagens da loucura (cor)respondem a demandas de seu tempo e fundamentam as engrenagens do romance.

GÊNERO

É recorrente, entre os estudiosos, a máxima “Não há uma síntese suficientemente clara para um livro tão vigoroso” (McGrath, 2007McGRATH, Patrick. Introduction to Moby Dick. In: BLOOM, Harold (Ed.). Herman Melville’s Moby-Dick. Updated Edition . New York: Bloom’s Literary Criticism, 2007, pp. 19-24., p. 23). Isso porque Moby Dick condensa vários repertórios comuns a diferentes gêneros ficcionais, antigos ou modernos, se deslocando do trágico ao cômico, do épico ao lírico. De acordo com Albert Camus (2019CAMUS, Albert. Herman Melville. In: MELVILLE, Herman. Moby Dick, ou A baleia. Tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza. São Paulo: Editora 34, 2019, pp. 11-22. , p. 11), “falar em poucas páginas sobre uma obra que tem a dimensão tumultuosa dos oceanos onde nasceu não é muito mais fácil do que resumir a Bíblia ou condensar Shakespeare”. Não nos parece um despropósito somar aos estudos existentes um comentário sobre a(s) loucura(s) do capitão Ahab. Crazy, mad, lunatic e monomaniac são algumas das categorias adotadas para caracterizá-lo, mas seus desvarios só fazem sentido quando consideramos os expedientes discursivos empregados, muitos deles com o propósito de figurar uma persona que subjuga as convenções para manifestar o gênio, a soberba, o ímpeto desbravador e insano.

Moby Dick promove o encontro entre uma personagem melancólica que assume a posição de testemunha e um capitão experiente e colérico que dissimula um (des)propósito inabalável. O primeiro, que no capítulo inicial pede para ser tratado como Ishmael, busca sanar suas dúvidas filosóficas e encontra no mar um ambiente propício para superar seu abatimento; o segundo procura concretizar sua vingança contra a baleia branca. Como único sobrevivente, Ishmael principia a narrativa reconhecendo seu lugar solitário para, mais tarde, encontrar amparo em meio à tripulação do Pequod, capitaneada por Ahab.

No que diz respeito às baleias, existe uma tensão, ao longo da trama, entre a tentativa de oferecer uma descrição objetiva e fidedigna, especialmente nos capítulos sobre cetologia, e o reconhecimento de sua sublimidade, que torna as representações pouco satisfatórias. Ao esforço de catalogar espécimes e precisar hábitos, fisiologia, elementos mitológicos e históricos, soma-se a imprecisão dos contornos do “Leviatã” e a maneira como eles afrontam a imaginação1 1 Segundo Barbara Glenn, Melville faz uso de quase todas as causas do sublime enumeradas por Edmund Burke, a começar pelo mar, representado como superfície áspera, um infinito aparente em meio à sucessão de ondas, com vasta extensão e profundidade. Em Moby Dick, as representações do mar estão associadas à solidão e contrastam com a terra e as afeições recorrentes em sociedade. Também as baleias se ajustam à categoria, pois vivem solitárias em ambiente inóspito, obscuro, profundo. À suposta impossibilidade descritiva, vários capítulos digressivos buscam aproximar o Leviatã do leitor (Glenn, 1976). . É importante reconhecer que os comentários copiosos e digressivos sobre a baleia não se limitam a prestar informações, tampouco são exteriores à trama: para entender a obstinação de Ahab e a transformação de Ishmael, é preciso que o leitor conheça o cachalote, a forma como era caçado e as dinâmicas que envolviam a tripulação de um baleeiro.

Há uma série de dificuldades quando se busca precisar o gênero de Moby Dick: o leitor se depara com elementos cômicos, como o encontro entre Ishmael e o canibal Queequeg em uma estalagem de New Bedford. Além disso, Melville recorreu a expedientes da epopeia, como a atmosfera beligerante, a associação entre temas ordinários e mitos universais, o itinerário simbólico do herói. Christopher Sten (2007STEN, Christopher. Sounding the Whale: Moby-Dick as Epic Novel. In: BLOOM, Harold (Ed.). Herman Melville’s Moby-Dick. Updated Edition . New York: Infobase Publishing , 2007. pp. 171-198. , pp. 171-198) sugere a existência de duas tradições épicas: uma antiga, à qual pertencem poemas como a Ilíada e Beowulf, e uma moderna, caracterizada por uma gesta espiritual voltada para a ordem transcendente e/ou para o significado da vida humana. Seria o caso da Divina Comédia, de Dante Alighieri, e de Paraíso Perdido, de Milton. Como Melville teria optado por intercalar os dois registros, Ishmael e Ahab acabariam cruzando a linha que os separa, ainda que o capitão do Pequod manifeste e coordene as iniciativas marciais, enquanto o narrador investe no universo da filosofia. Outros autores, como Hughes (1932HUGHES, Raymond G. Melville and Shakespeare. The Shakespeare Association Bulletin, Oxford, v. 7, n. 3, pp. 103-112, 1932., pp. 103-112), aproximaram o romance e o gênero trágico, especialmente as obras de Shakespeare2 2 Convém recordar, com Bakhtin (2014, p. 427), que, diferentemente dos gêneros canônicos, o romance “se formou precisamente no processo de destruição da distância épica, no processo de familiarização cômica do mundo, no abaixamento do objeto da representação artística ao nível de uma realidade atual, inacabada e fluida”. Não por acaso, o autor destaca o aspecto inacabado do gênero romanesco, destituído de normativas rígidas e proveniente de uma estética burguesa que, no século XVIII, decompôs a instituição retórica e enfraqueceu o paradigma imitativo das artes. .

Os estudiosos costumam atribuir a suposta falta de unidade de Moby Dick às diferentes fases de sua composição. É recorrente a ideia de que Melville teria reorientado os rumos da escrita após conhecer Nathaniel Hawthorne3 3 Sobre a relação entre Melville e Hawthorne, conferir Argersinger e Person (2008). . Entretanto, segundo John Bryant (2007BRYANT, John. Moby-Dick as Revolution. In: BLOOM, Harold (Ed.). Herman Melville’s Moby-Dick. Updated Edition . New York: Infobase Publishing , 2007. pp. 199-224., pp. 199-224), tais conjecturas são frágeis, uma vez que o romance se organiza entre a premissa do pensamento transcendental e sua negação; entre a sangrenta caça ao cachalote e o mundo superior do qual a baleia branca seria um símbolo. A multiplicidade de elementos, perceptível em uma “poesia em prosa” que mistura gêneros, na diversidade de vozes, no simbolismo, na psicologia, na dramatização de conflitos etc., estaria a serviço de uma coerência interna.

Levando em consideração o papel desempenhado por Ahab, Burkard Sievers (2013SIEVERS, Burkard. Leadership and Monomania: Herman Melville’s Moby-Dick. In: GOSLING, Jonathan; VILLIERS, Peter (Orgs.). Fictional Leaders: Heroes, Villains and Absent Friends. London: Palgrave MacMillan, 2013. pp. 50-86. , p. 57) sugere a seguinte disposição do romance: prelúdio (capítulos 1-35), no qual a vingança e megalomania de Ahab e o destino trágico do Pequod ficam sugeridos, mas permanecem latentes e ocultos; primeiro ato (capítulos 36-46), quando Ahab revela seus propósitos e arregimenta a tripulação; segundo ato (capítulos 47-132), que define e caracteriza Moby Dick; terceiro ato (capítulos 133-135), com a perseguição à baleia, distribuída em três tentativas que terminam com um naufrágio. Por fim, o epílogo, assinado pelo único sobrevivente. As loucuras de Ahab constituem e atribuem sentido à ficção de Melville, tratando-se de um ingrediente nuclear sem o qual o próprio gênero seria mal compreendido.

A TRAMA DE MOBY DICK

Moby Dick associa a insânia de Ahab e sua viagem pelos oceanos. Antes de prosseguir com a análise da personagem, convém lembrar que o vínculo entre a água e o caos remonta às antigas cosmogonias (ou mitos de criação), redescobertas quando, no século XIX, cuneiformes e hieróglifos foram escavados, traduzidos e estudados. Os deuses mesopotâmicos e egípcios se formaram a partir do caos aquoso e, só então, ordenaram a massa disforme da qual surgiram. Não é de se estranhar que também os israelitas recorreram ao expediente: Yahweh, no princípio, pairava sobre o abismo de águas informes4 4 Conforme Alain Corbin (1989, p. 11), os “[...] relatos da Criação e do dilúvio tingem-se de traços específicos do imaginário coletivo. O Génese impõe a visão do ‘Grande Abismo’”, lugar de mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos de referência, imagem do infinito, do incompreensível, sobre a qual, na aurora da Criação, flutuava o espírito de Deus”. . No segundo dia da criação, Deus distribuiu as águas nas bacias dos mares e na abóbada celeste. Segundo José Sales (2018SALES, José das Candeias. A criação do mundo no Gênesis, na cosmogonia hermopolitana e na teologia menfita. Hélade, v. 4, n. 2, pp. 8-28, 2018., p. 11), ele não poderia ter forjado o caos, pois tal ação “seria uma contradição, na medida em que criar é justamente o oposto do caos: é ordem, é organização, é harmonização. Deus é colocado no cenário da absoluta indistinção primordial para acabar com ela, para nela colocar ordem e diferenciação”.

Na condição de matéria-prima do caos primordial e informe, as águas ameaçavam as naus e causavam naufrágios, impedindo o regresso dos marinheiros e a consumação das homenagens fúnebres. Odisseu, por exemplo, frente ao perigo representado pela tempestade, inveja a morte dos guerreiros que tombaram em Troia (Homero, 2011HOMERO. Odisseia. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011., V, 306-312, p. 205). Esse lamento encontrou ressonância na épica de Camões (2008CAMÕES, L. Os Lusíadas. Porto Alegre: L&PM, 2008. , VI, 83, p. 194), com Vasco da Gama a solicitar amparo providencial. A circularidade dos topoi se justifica pelo caráter imitativo dos gêneros poéticos, que continuaram a emular a tradição enquanto vigorou a Instituição Retórica (ou seja, até a segunda metade do século XVIII).

A associação entre o mar e a loucura foi retratada com frequência, como destacou Jean Delumeau. Isso fica evidente, por exemplo, no símile que William Shakespeare utilizou para sugerir que a demência de Hamlet era “como o mar e o vento quando lutam para ver quem será o mais forte”. Em A tempestade, o diálogo entre Próspero e Ariel reforça a ideia:

Próspero: Diz-me, meu bravo espírito, houve um homem bastante firme, bastante intrépido para que a tormenta não tivesse afetado sua razão?

Ariel: Alma nenhuma que não sentisse a febre dos dementes e não se entregasse a algum ato de desespero (apud Delumeau, 1993DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras , 1993. , p. 64).

A nave dos loucos (La Nef des fous), de Hieronymus Bosch, seria a figuração pictórica dessa associação. Como lembra Michel Foucault (1972FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. Tradução de José Teixeira Coelho Netto . São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. , pp. 16-17), o louco “é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada”. Não por acaso, “[...] a água e a loucura estarão ligadas por muito tempo nos sonhos do homem europeu” (Foucault, 1972FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. Tradução de José Teixeira Coelho Netto . São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. , p. 17). De fato, o pesadelo persevera no século XIX, quando irrompem novas formas de se encarar os perigos no mar e a loucura.

No conto intitulado Uma descida ao Maelström (1841), por exemplo, Edgar Allan Poe afirma que, ao invés de amedrontar um pescador, a atmosfera de terror e os males da intempérie proporcionaram a ele uma calma excepcional. O modo como encarou a perspectiva de morrer em alto-mar inverte a antiga tópica do lamento dos marinheiros:

Não estou querendo me exibir, apenas relatando a mais pura verdade. Comecei a ponderar que morrer daquele jeito deveria ser algo formidável e quão tolo e mesquinho de minha parte era pensar apenas na minha vida, diante de uma manifestação tão espetacular do poder de Deus. Creio ter ruborizado de vergonha quando essa ideia cruzou minha mente. Fui então tomado por uma curiosidade profunda sobre o redemoinho em si. Experimentei um desejo genuíno de explorar suas profundezas, mesmo que para isso tivesse que sacrificar a própria vida. Meu maior desgosto era jamais poder relatar aos meus velhos amigos em terra firme os mistérios que estava prestes a desvendar (Poe, 2018POE, Edgar Allan. Edgar Allan Poe: medo clássico. Vol. 2. Rio de Janeiro: DarkSide, 2018. ).

Diferentemente de Odisseu, Eneias ou Vasco da Gama, que temiam uma morte desprovida de rituais fúnebres, o pescador, prestes a ser tragado pelo redemoinho, deixa sua curiosidade superar o terror. Sendo assim, ele considera a morte um preço justo a se pagar, contanto que pudesse testemunhar aquela espetacular manifestação do poder de Deus. Seu único desgosto seria o de não poder transmitir tal experiência. Esse elemento se afina com o chamado “realismo formal” que, segundo Ian Watt (2010WATT, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras , 2010., pp. 9-36), remete à maneira como o romance se comprometeu com a correspondência entre obra literária e realidade imitada. O apelo à originalidade e à novidade conferia importância à vivência particular e autêntica, com grande investimento na caracterização dos cenários e ambientes. O realismo, no caso, deve ser pensado como uma convenção, um artifício que proporciona a impressão de autenticidade ao destacar traços supostamente fidedignos e extraordinários, muitos deles capazes de suplantar antigos lugares-comuns, como é o caso da lamúria dos nautas.

Para superar a melancolia e a angústia, Ishmael resolveu embarcar em um baleeiro. Um de seus pretextos para partir evoca a atração que o Maelström exerceu sobre o pescador de Poe:

[O] principal dentre esses motivos foi a extraordinária ideia da grande baleia em si mesma. Um monstro tão portentoso e misterioso despertava toda a minha curiosidade. Depois, os mares remotos e selvagens onde se movia a sua massa insular, os perigos indescritíveis e inomináveis da baleia; isso tudo, com todas as maravilhas dos milhares de paisagens e sons da Patagônia, ajudou a influenciar meu desejo. Para outros homens, talvez, coisas assim não servissem de estímulo; mas, para mim, sou atormentado por um desejo permanente de coisas distantes (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 35).

Curiosidade, desejo por coisas distantes: postura comum a Ulisses que, na perspectiva de Dante Alighieri, assumiu uma atitude imprudente ao desistir do regresso (nóstos) para cruzar as colunas de Hércules e singrar o mare tenebrarum. Condenado a vagar como chama ambulante, no oitavo círculo do Inferno, o herói conta a Dante e Virgílio que capitaneou uma nau e abandonou a navegação costeira para avançar pelo Oceano Atlântico. Cinco meses depois, avistou uma montanha coberta de escuridão: tratava-se da montanha do Purgatório, que, na metafísica dantesca, conferia acesso ao Paraíso terrestre. Antes que pudesse baixar âncoras, um turbilhão chocou-se com a proa do navio e causou seu naufrágio.

A associação entre melancolia e a sedução, exercida pela viagem marítima, não foi inventada por Melville: em 1838, Poe publicou A narrativa de Arthur Gordon Pym de Nantucket. Em linhas gerais, o romance apresenta o testemunho fictício de Pym, um jovem de Nantucket que se sentia atraído pelo mar. Seu temperamento “sombrio” não sucumbiu nem mesmo após o incidente que quase resultou em um naufrágio:

Poder-se-ia supor que uma catástrofe tal como a que acabo de relatar efetivamente esfriasse a minha incipiente paixão pelo mar. Pelo contrário; nunca experimentei mais ardentes anseios pelas ásperas aventuras que se prendem à vida dos navegantes do que uma semana depois de nossa miraculosa salvação. Esse curto período mostrou-se bastante prolongado para apagar de minha memória as sombras e fazer surgirem, a uma luz viva, todos os pontos de cor agradavelmente excitantes, todo o pitoresco do último e perigoso acidente (Poe, 2010POE, Edgar Allan. A narrativa de A. Gordon Pym. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Cosac Naify, 2010. , p. 12).

Ele admite que sua atração se voltava para o lado trágico da navegação, como naufrágio, fome, “[...] cativeiro entre hordas bárbaras”, uma “[...] vida arrastada entre lágrimas e tristezas” num “[...] oceano inatingível e incógnito”. Tais visões e desejos, segundo o narrador, são comuns “[...] a toda a numerosa linhagem dos melancólicos” (Poe, 2010POE, Edgar Allan. A narrativa de A. Gordon Pym. Tradução de José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Cosac Naify, 2010. , pp. 12-13). Ishmael e Pym não se identificam apenas pela sobreposição da atrabílis em detrimento dos outros humores, mas também pela forma como o sublime, situado nos oceanos incógnitos, os atraía.

Com a expansão marítima, a relação entre homens e natureza alcançou novo patamar, caracterizado pela acumulação e exploração contínua e predatória dos recursos primários. O conto de Poe e o romance de Melville manifestam, em pleno século XIX, uma intensificação do ímpeto que movera as grandes navegações, partindo da associação entre viagem marítima e melancolia/loucura. Entre os séculos XVII e XVIII, segundo Foucault (1972FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. Tradução de José Teixeira Coelho Netto . São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. , p. 18), “explica-se de bom grado a melancolia inglesa pela influência do clima marinho: o frio, a umidade, a instabilidade do tempo, todas essas finas gotículas de água que penetram os canais e as fibras do corpo humano e lhe fazem perder a firmeza, predispõem à loucura”. Tal perspectiva é tributária da antiga teoria humoral, que remonta a Hipócrates, Galeno e outros pensadores que conceberam a saúde do corpo como sendo fruto do equilíbrio entre os quatro humores que o compõem: melancólico, fleumático, colérico e sanguíneo. Na primeira metade do século XIX, a psiquiatria, com seus métodos terapêuticos, ainda não havia superado, de todo, essa longeva teoria.

Moby Dick, portanto, representa demandas do seu tempo histórico, como a ideia de progresso, a fé na liberdade e no comércio, o avanço técnico e científico, convenções estéticas, questões filosóficas e éticas. De acordo com Bruno Gambarotto (2019GAMBAROTTO, Bruno. Modernidade e tragédia em Moby Dick: uma leitura. In: MELVILLE, Herman. Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019. pp. 623-644., p. 635), o romance se situa “no contexto de uma sociedade para a qual a conversão da natureza em valor se autonomiza em relação às necessidades humanas”. O convés do navio

[...] deixa a periferia do romance para ocupar seu centro à medida que o mar ganha dimensão política e econômica como o espaço indispensável à circulação de mercadorias, à integração entre os centros industriais e consumidores e os centros produtores de matérias-primas - espaço de trânsito e de disputa, portanto, território que se esquadrinha segundo a força dos interesses nacionais (Gambarotto, 2019GAMBAROTTO, Bruno. Modernidade e tragédia em Moby Dick: uma leitura. In: MELVILLE, Herman. Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019. pp. 623-644., p. 627).

Desde o século XVIII, o Oceano Pacífico era “um vasto campo habitado por depósitos de óleo providos de sangue quente e conhecidos pelo nome de cachalotes” (Philbrick, 2000PHILBRICK, Nathaniel. No coração do mar: a história real que inspirou o Moby Dick de Melville. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras , 2000., p. 11). Por volta de 1760, a população local desses mamíferos escasseou, o que exigiu esforços renovados no sentido de buscá-los em locais mais distantes. Para tanto, foi preciso recorrer à instalação de fornos de tijolo nos navios, que permitiam a produção de óleo em alto-mar. A ascensão da caça aumentou o tempo de estadia a bordo dos baleeiros, que levavam de dois a três anos para baixar âncoras. Todas essas mudanças históricas foram elaboradas por Melville em Moby Dick.

No século XIX, o governo dos Estados Unidos investiu em campanhas com o intuito de renovar as cartas náuticas e os conhecimentos cartográficos. A U. S. Exploring Expedition, primeiro grande empreendimento científico norte-americano além-mar, capitaneado por Charles Wilkes, buscou mapear o Pacífico e a costa noroeste da América do Norte. Aprovada pelo Congresso em 1836, a esquadra partiu do estaleiro da Marinha em Norfolk em 1838. Depois de passar pela costa da América do Sul e atracar no Rio de Janeiro, ela atravessou o Cabo Horn, mapeou parte do território antártico e, em seguida, subiu pela costa Oeste do continente, costeou a América do Norte para, logo mais, alcançar a Austrália e as ilhas do Pacífico (Junqueira, 2008JUNQUEIRA, Mary Anne. Charles Wilkes, a U. S. Exploring Expedition e a busca dos Estados Unidos da América por um lugar no mundo (1838-1842). Tempo, v. 13, n. 25, pp. 120-138, 2008.). Ahab, além de sua vasta experiência náutica, dependia das cartas de marear para seguir no encalço de Moby Dick. Sua busca por vingança e o desfecho trágico da empreitada só fazem sentido quando se leva em consideração esse contexto mais amplo, marcado pelo aperfeiçoamento dos mapas e das técnicas de caça à baleia.

Embora seja um romance afinado com as demandas estéticas do Oitocentos, Moby Dick mobiliza vários topoi antigos, como o lamento dos marinheiros:

Oh, vós, cujos mortos jazem enterrados sob a grama verde; que em meio a flores podeis dizer - aqui, aqui jaz o meu amado; vós não sabeis a desolação que habita estes nossos peitos. Que vazio amargo esse dos mármores enegrecidos que não cobrem cinza alguma! Que desespero esse das inscrições irremovíveis! Que vácuo mortífero, que indesejada infidelidade daquelas linhas que parecem minar toda a Fé e recusam a ressurreição a seres que no deslugar pereceram sem ter túmulo (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 62).

Em outro momento, o autor reverte a tópica e amplifica o aspecto sublime de uma morte na vastidão oceânica:

Mas como na ausência de terra reside a suprema verdade, sem praias, indefinida como Deus - assim, é melhor sucumbir no infinito tempestuoso do que ser vergonhosamente levado a sotavento, mesmo que isso represente a salvação! Porque, oh! quem gostaria de rastejar como um verme na terra? Terror do terrível! Será vã toda esta agonia? Coragem, ó Bulkington, coragem! Sê inflexível, semideus! Dos borrifos da tua morte no mar - sempre acima, ergue-se a tua apoteose (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 125).

Isso porque “[...] as coisas mais maravilhosas são sempre as indizíveis” e “[...] as memórias mais profundas não concedem epitáfios” (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 125).

MONOMANIA LITERÁRIA

Por fim, convém investigar os artifícios que Melville empregou para retratar a loucura de Ahab e a forma como esses elementos se amparam em discussões mais ou menos coetâneas sobre as doenças mentais. No capítulo vinte e oito de Moby Dick, o narrador se ocupa em descrever Ahab quando ele comparece, pela primeira vez, diante dos marinheiros:

Não se percebia nele nenhum sinal de enfermidade física comum, e nem de convalescença. Tinha o aspecto de um homem retirado da fogueira, depois de o fogo devastar todos os membros, sem os haver consumido, nem eliminado uma só partícula de sua composição e velha força. Toda a sua figura alta e portentosa parecia feita de um bronze sólido, moldada em uma forma impecável, como o Perseu, de Cellini (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 139).

Alguns autores, como Fred V. Bernard (2007BERNARD, Fred V. The Question of Race in Moby-Dick. In: BLOOM, Harold (Ed.). Herman Melville’s Moby-Dick. Updated Edition. New York: Infobase Publishing, 2007. pp. 51-66. , pp. 51-66), utilizam esse e outros fragmentos para alegar que Ahab não seria um homem branco, mas mulato, o que teria implicações de natureza racial. Embora não seja uma interpretação inverossímil (afinal, questões relativas à raça eram recorrentes e, poucos anos depois, incentivaram a Guerra Civil americana), o trecho pode estar apenas representando um homem experiente cujos traços foram sulcados pelas calmarias e intempéries. Na sequência, Ishmael descreve uma cicatriz que cobre a face do capitão, menciona seu “aspecto tenebroso”, a “bárbara perna branca sobre a qual se apoiava” e, por fim, descreve o efeito que sua aparição surtiu na tripulação:

Havia uma infinidade de firmeza inabalável, uma vontade determinada e indomável na dedicação fixa, intrépida e atrevida daquele olhar. Não disse uma palavra; nem seus oficiais lhe disseram coisa alguma; embora, pela miudeza de seus gestos e expressões, demonstrassem a consciência perturbada, se não dolorosa, de se encontrar sob o incômodo olhar do senhor. E não apenas isso, mas o soturno Ahab estava diante deles com uma crucificação em seu rosto; com toda a dignidade despótica, régia e inominável, de um enorme infortúnio (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 140).

É possível que o porte régio e a desenvoltura despótica tenham inspirado a ideia de que Ahab seria símbolo do absolutismo e, portanto, uma persona avessa aos princípios democráticos. Alguns capítulos depois, quando revelou que seu intento não era o de lucrar com o óleo, mas perseguir um cachalote em particular, Starbuck, o primeiro imediato, afirma que tal gesto não passa de loucura, pois o objeto da vingança era “uma besta que não fala” e que atacou “por um instinto cego”. Ahab, em seguida, revela sua motivação:

Às vezes penso que não existe nada além. Mas basta. Ela é meu dever; ela é meu fardo; eu a vejo em sua força descomunal, fortalecida por uma malícia inescrutável. Essa coisa inescrutável é o que mais odeio; seja a baleia branca o agente, seja a baleia branca o principal, descarregarei meu ódio sobre ela. Não me fales de blasfêmias, homem; eu lutaria contra o sol, se ele me insultasse! (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 178).

O termo “inescrutável” foi utilizado para caracterizar a malícia do grande Leviatã, “única criatura do mundo que deverá permanecer para sempre inexprimível” (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 276). O capitão odeia, em particular, um aspecto da baleia que desafia a imaginação e o entendimento, ou seja, algo que se desdobra do sublime. Para caçá-la, no entanto, nenhum obstáculo ou limite seriam respeitados:

Eu vou persegui-la na Boa Esperança, no Horn, no Maelström da Noruega e nas chamas do inferno antes de desistir. Foi para isso que embarcastes, marinheiros! Para perseguir essa baleia branca nos dois lados da terra, e por todos os lados do globo, até que ela solte um jato de sangue preto e boie com as barbatanas para cima (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 182).

O trecho reverbera o discurso de Ulisses quando buscou convencer os navegantes a cruzarem as colunas de Hércules. As ações do herói grego e de Ahab, movidas, respectivamente, pela soberba e pela insânia, não prescindiram de planejamento e cálculo. A personagem de Melville admite o ímpeto que o move e pondera sobre ele:

Pensam que sou louco - Starbuck pensa; mas sou demoníaco, sou a própria loucura enlouquecida! A loucura varrida, que só se acalma para entender a si mesma! Dizia a profecia que eu seria destroçado; e - é isso! Perdi esta perna. Agora profetizo - mutilarei meu mutilador. E, assim, profeta e executor serão um só. E mais do que vós, grandes deuses, jamais fostes. Faço pouco e rio de vós. [...] Não tenho uma arma comprida para vos alcançar! Vinde, Ahab vos saúda; vinde para ver se podeis me desviar! Desviar-me? Não, não me podeis desviar, a não ser que vos desviais antes! Eis aqui o homem. Desviar-me? O caminho da minha resolução é feito com trilos de ferro, onde minha alma está encarrilhada. Sobre desfiladeiros insondáveis, através dos interiores áridos das montanhas, sob o leito das torrentes, avanço infalivelmente! Nada é obstáculo, nada me detém nessa estrada de ferro! (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., pp. 181-182).

O desafio lançado contra os deuses é um antigo expediente que encontramos, por exemplo, no canto IX da Odisseia, quando o ciclope Polifemo zomba de “Zeus hospitaleiro” e aprisiona Odisseu e seus homens. Também podemos encontrá-lo na soberba vingativa de Atreu, quando coloca em prática um ultraje contra seu irmão, Tiestes:

Ando de par com os astros e os supero todos!

Atinge o alto dos céus a minha fronte altiva!

Obtenho agora o emblema e o trono de meu pai.

Dispenso os deuses; alcancei meus votos todos.

Bravo! É o bastante! Eu mesmo estou já satisfeito.

Mas deveria? Avante, irei fartar o pai

da mortualha dos seus. P’ra tolher-me o pudor,

recuou o dia. Avante, enquanto vaga o céu.

Quem me dera deter os deuses fugitivos

e trazê-los à força, todos, p’ra que vissem

a ceia da vingança. Vê-la o pai já basta (Sêneca, 2018SÊNECA, Lúcio Aneu. Tiestes. Tradução, notas e estudos de José Eduardo S. Lohner. Curitiba: Ed. UFPR, 2018., pp. 91-93).

Tomado pelo furor (cólera, insânia ou falta da prudentia estoica), Atreu concretiza o nefas, o crime propriamente dito, e abala a ordem cósmica. Ele maquinou o desagravo, moveu sua cólera contra o irmão, arquitetou uma emboscada e, depois de cometido o crime, agiu com soberba frente aos deuses e se congratulou pela maneira como o plano foi desempenhado com excelência. Ahab também se deixa mover pela vingança e direciona sua insânia contra Moby Dick, se valendo do cálculo e do furor. Sua cólera foi agravada pelo incidente que mutilou sua perna:

Havia poucos motivos para duvidar de que, desde aquele encontro quase fatal, Ahab nutrisse uma violenta sede de vingança contra a baleia, ainda mais terrível porque, em sua morbidez frenética, atribuíra a ela não apenas todos os seus infortúnios físicos, como também seus sofrimentos intelectuais e espirituais. A baleia branca nadava diante dele como a encarnação monomaníaca de todos os agentes malignos que alguns homens sentem corroendo-lhes o íntimo, até que lhes reste apenas viver com a metade do coração e do pulmão (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 198).

O narrador supõe improvável que a monomania do capitão tenha surgido após o ocorrido:

Naquele momento, atirando-se contra o monstro, faca na mão, ele apenas liberou uma hostilidade corporal, passional e repentina; e, quando recebeu o golpe que o dilacerou, provavelmente sentiu apenas a dor física da laceração, nada mais. Mas quando, depois desse choque, foi obrigado a voltar para casa e, durante longos meses, dias e semanas, Ahab e a angústia estiveram juntos, deitados numa rede, dobrando em pleno inverno aquele assustador e tormentoso cabo da Patagônia; nesse momento, seu corpo dilacerado e sua alma ferida sangraram juntos; e, assim fundidos, enlouqueceram-no. Foi só então, na viagem de volta para casa, depois do encontro, que a monomania definitiva o arrebatou, o que parece certo devido ao fato de que, de tempo em tempo ao longo do trajeto, ele se mostrou completamente ensandecido; muito embora alijado de uma perna, uma força vital ainda se escondia em seu peito egípcio, e de tal modo intensificada em seus delírios que seus pilotos foram forçados a amarrá-lo ali mesmo, seguindo viagem enquanto ele vociferava em sua rede (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., pp. 198-199).

Mesmo quando demonstrava o semblante sereno e melancólico, no seu íntimo, Ahab continuava a delirar:

A loucura humana é quase sempre felina e muito astuta. Quando pensamos ter acabado, pode ser que apenas tenha se transformado em algo mais sutil. A loucura de Ahab não havia cessado, apenas se condensado; como o Hudson constante, quando aquele nobre nortista corre estreito, mas insondável através das gargantas das Terras altas. Mas, em sua monomania de correnteza estreita, nem uma gota da ampla loucura de Ahab havia se perdido; do mesmo modo, em sua ampla loucura, nem uma gota do seu grande intelecto natural havia perecido. Aquilo que outrora fora agente vivo se tornava instrumento vivo. Se um tropo tão exaltado é capaz de se sustentar, sua demência própria atacou sua sensatez geral e a venceu, e a trouxe consigo e voltou sua artilharia concentrada inteira contra o alvo de sua própria loucura; de tal modo que, longe de ter perdido a energia, Ahab tinha agora, para aquela finalidade, uma potência mil vezes mais forte do que jamais teve para um fim sensato, quando em juízo perfeito (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 199).

O símile envolvendo o rio Hudson é agudo: dissimular a loucura foi sua maneira de se resguardar para, posteriormente, efetuar sua vingança contra a baleia branca. Se ela pode ser dissimulada, há algo capaz de ocultá-la: a razão 5 5 A ideia de que a loucura se submete à razão é central para se conceber os sentidos da monomania do século XIX. De acordo com Perbart (1989, p. 54): “Enquanto a Antiguidade grega considerava a mania exterior ao logos, e (talvez por isso) a situava em sua vizinhança e se ‘comunicava’ com ela, o século XIX fez da loucura um momento interior à Razão, contraditório mas ao mesmo tempo submisso a ela: a loucura não é mais vizinha, e sim refém; ao invés de ‘comunicar’ com ela, trata-se de tutelar uma palavra tomada apenas como balbucio”. . Os ilhéus de Nantucket interpretaram no semblante do capitão sinais de tristeza e dor, mas, no seu íntimo, ele alimentava algo intenso, que se manifestou com vivacidade depois de um pesadelo. Nessa ocasião, Ahab vislumbrava, dentro de si, o inferno que Moby Dick teria agravado:

Muitas vezes, arrancado à noite de sua rede por sonhos exaustivos e insuportavelmente reais, os quais, continuando seus intensos pensamentos através do dia, carregavam esses pensamentos numa conflagração de frenesis, e os faziam rodopiar, voltas e mais voltas, em seu cérebro ardente, até que o próprio pulso de seu cerne vital se tornasse insuportável angústia; e quando, como às vezes era o caso, esses espasmos espirituais erguiam-lhe o ser de sua base, e um precipício parecia se abrir dentro dele, do qual disparavam labaredas e raios bifurcados, e demônios amaldiçoados convidavam-no a pular para junto deles; quando este inferno dentro de si escancarava suas bocas embaixo dele, um grito selvagem se ouviria pelo navio; e com os olhos dardejantes Ahab sairia de sua cabine, como se escapasse de um leito em chamas. Mas estes, talvez, em vez de serem os sintomas irreprimíveis de alguma fraqueza latente, ou do medo de seu próprio desenlace, fossem os mais puros indícios de sua intensidade. Pois, nessas ocasiões, o louco Ahab, o ardiloso, irreconciliável e tenaz caçador da baleia branca; esse Ahab que tinha ido para sua rede, não era o agente daquilo que o fazia fugir dali horrorizado mais uma vez. Esse agente era o eterno princípio vital ou alma dentro dele; e no sono, estando por algum tempo dissociado da mente discriminadora, que noutras ocasiões o usava como veículo ou como agente externo, esse princípio buscava escapar espontaneamente da escorchante contiguidade daquela coisa frenética, a qual, naquele momento, não integrava. Mas, como a mente não existe senão atada à alma, portanto deve ter sido essa, no caso de Ahab, quem dirigia todos os seus pensamentos e suas fantasias para seu propósito supremo; este propósito, por mera tenacidade da vontade, impingiu-se contra deuses e demônios numa espécie de ser independente. Assim, podia viver e queimar implacavelmente, enquanto a vitalidade comum à qual estava ligada fugia horrorizada daquele parto arbitrário e ilegítimo. Portanto, aquele espírito atormentado que observava do lado de fora dos olhos do corpo, aquele que parecia ser Ahab saindo de seu quarto, era naquela hora apenas uma coisa vazia, um ser sonâmbulo sem forma, um raio de luz viva, é certo, mas sem objeto para colorir, e, portanto, a própria vacuidade. Que Deus te ajude, velho: teus pensamentos intensos o transformaram num Prometeu; um abutre devora-lhe o coração eternamente; e esse abutre é a própria criatura por ele criada (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., pp. 214-215).

O fragmento é extenso, mas incontornável: Ahab é um Prometeu, e seu mal atua como um abutre a dilacerar, continuamente, seu coração. A associação entre a criatura que o devora por dentro e o inferno interior que escancara suas portas sugere uma catábase, ou seja, uma descida ao “mundo” subterrâneo. Despertar do pesadelo seria um regresso parcial, pois Ahab irrompia como uma “coisa vazia”, como “a própria vacuidade”. Enquanto o Inferno lança suas labaredas e arde no interior do capitão, o cachalote, promontório ambulante, apresenta indícios do poder divino:

Mas no enorme Cachalote essa elevada e pujante dignidade divina, inerente à fronte, é tão imensamente ampliada que, contemplando-a de frente, você sentirá a Divindade e os poderes do horror com mais força do que junto a qualquer outro ser vivo da natureza. Pois você não encontrará nenhum ponto preciso; nenhuma característica diferente é revelada; nem nariz, nem olhos, nem orelhas, nem boca; nem rosto; ele não tem nada que seja propriamente um rosto (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 356).

Um homem inflamado pelos demônios persegue um animal com dignidade divina. Animal que, segundo o padre Marpple, poderia representar também a entrada para o Inferno, cruzada pelo profeta Jonas depois que ele fugiu de suas responsabilidades:

As costelas e os terrores na baleia

Cobriram-me de uma escuridão lúgubre,

Enquanto as ondas iluminadas pelo Senhor

Arrastavam-me para o fundo do abismo.

Eu vi a boca aberta do inferno,

Com as suas dores e pesares infinitos;

Só quem sentiu pode saber -

Oh! Afundei-me no desespero!

(Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 67)

Diferentemente do que ocorreu com Jonas, o incidente com Ahab não admitia a remissão dos pecados. Ao se livrar da divindade e do que ela representava, o capitão do Pequod carregou consigo a “boca aberta do inferno”. O mesmo padre Marpple, no entanto, alega: “Mas, oh! Companheiros! A estibordo de todo infortúnio é certo que existe uma alegria; e o ápice dessa alegria é tanto mais alto quanto mais profundo é o infortúnio”. O argumento é convencional e remete a Homero (2011HOMERO. Odisseia. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011., XV, 398-401, p. 415), Virgílio (2014VIRGÍLIO. Eneida. Tradução de Carlos Alberto Nunes. São Paulo: Editora 34 , 2014., I. 199-203, p. 89), Dante Alighieri (2019ALIGHIERI, D. A Divina Comédia. Tradução de Cristiano Martins. Belo Horizonte: Garnier, 2019. , Inf. V. 121-123, p. 116): depois da tempestade surge a bonança. A experiência de Ahab, no entanto, suplanta a tópica e, com ela, a possibilidade de qualquer quietude. Seus delírios não deixam de ser uma afronta às convenções e uma recusa dos limites outrora guardados, no caso grego, pelas colunas de Hércules.

Existem diferentes interpretações sobre a loucura de Ahab. Alisa von Brentano (1994BRENTANO, Alisa von. Herman Melville and “The Sane Madness of Vital Truth”. In: RIEGER, Branimir M. Dionysus in Literature: Essays on Literary Madness. Bowling Green: Bowling Green State UP, 1994. pp. 149-167., pp. 149-167) a concebe como um “desvio” em relação aos preceitos cristãos. Para a autora, o gesto de reconhecer a própria loucura é um indicativo de sua racionalidade, já que uma mente delirante não seria capaz de identificar seu delírio. Entretanto, a “doença” de Ahab é de natureza moral, e não racional. A monomania, como lembra Foucault (1972FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. Tradução de José Teixeira Coelho Netto . São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. , p. 571), “é inteiramente construída ao redor do escândalo que representa um indivíduo que se mostra louco num ponto, mas permanece razoável em todos os outros”. Sendo assim, ela não retira do capitão os atributos necessários para conduzir o baleeiro e comandar a tripulação. Smith (2007SMITH, Henry Nash. The Madness of Ahab. In: BLOOM, Harold (Ed.). Herman Melville’s Moby-Dick. Updated Edition . New York: Infobase Publishing , 2007. pp. 117-132., pp. 117-132) retoma as reflexões do americano Isaac Ray (1807-1881), contemporâneo de Melville e autor de um importante trabalho, publicado em 1838, que tematiza a ideia de insanidade moral (moral insanity). A monomania, para o autor, envolve uma ação racional: o descontrole provém da incapacidade de reprimir as paixões ou a violência que dirigem a conduta. Tal “loucura”, ao exonerar seu portador da culpa e sugerir um comportamento incontrolado, seria um dos fundamentos do heroísmo trágico de Ahab.

A loucura do capitão do Pequod, segundo Henry Nash Smith, se manifesta em dois estágios: o primeiro, sobre o qual pouco sabemos, fez com que a personagem enfrentasse o cachalote com uma faca de seis polegadas e perdesse a perna; o segundo, pós-mutilação, agrava o quadro e torna Moby Dick a encarnação do mal. O autor considera a ausência de detalhes quanto à sua “exasperação intelectual e espiritual” pré-acidente uma “fraqueza narrativa”, pois dificulta que o leitor se identifique com o herói por ser incapaz de imaginar seus sofrimentos. A loucura de Ahab, portanto, não se ampara na ideia de um universo controlado por forças hostis ao homem, mas na associação entre essas forças e a baleia branca. A “insanidade moral” não compromete, necessariamente, o intelecto, mas se serve dele. Como adverte Perbart (1989PERBART, Peter Pál. Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. , p. 42), uma “[...] desrazão não contraditória à razão é algo que nosso pensamento não está acostumado a conceber”.

É possível que Melville tenha buscado inspiração em Hamlet, já que Shakespeare atribui ao protagonista supostamente louco a mesma condição de raciocínio. Polônio, ao encontrar nas palavras de Hamlet precisão e coerência, cogita: “Achados felizes da loucura; a razão saudável nem sempre é tão brilhante” (Shakespeare, 2019SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 50). O cortesão Guildenstern, por sua vez, afirma: “É uma loucura esperta, com a qual escapa,/Toda vez que o pressionamos/A revelar seu verdadeiro estado” (Shakespeare, 2019SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 64). Ainda assim, é possível encontrar representações da loucura como delírio que desabilita o raciocínio, como nas palavras que Hamlet diz à rainha: “O meu pulso, como o seu, marca o tempo calmamente,/E soa música saudável. Não é loucura/O que eu proferi; é só me pôr à prova/Que repito, palavra por palavra,/Aquilo que a loucura embolaria” (Shakespeare, 2019SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 94). Mais à frente, ele reconhece que a loucura seria um engodo: “eu não estou louco de verdade;/Estou louco somente por astúcia” (Shakespeare, 2019SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 96). Embora não passe de uma simulação com o intuito de flagrar a decadência da corte na Dinamarca, Raymond Hughes (1932HUGHES, Raymond G. Melville and Shakespeare. The Shakespeare Association Bulletin, Oxford, v. 7, n. 3, pp. 103-112, 1932.) encontra em Hamlet o protótipo da loucura em Ahab.

Como lembra Gladys Swain (1981SWAIN, Gladys. Da ideia moral da loucura ao tratamento moral. Análise Psicológica, Lisboa, v. 3, n. 1, 1981. , p. 350), na primeira metade do século XIX, muitos consideravam absurda a existência de um “alienado consciente”, pois tal concepção torna patente reconhecer “a limitação fundamental do poder consciente e do poder moral”. O surgimento da psiquiatria, segundo o autor, atrelava-se a esse reconhecimento e, a partir de então, foi sugerido que consciência e loucura não são componentes que, necessariamente, se excluem. Jean-Étienne Esquirol (1772-1840) ratificou a ideia:

Quem quer aprofundar o estudo da monomania não pode ser alheio aos estudos relativos aos progressos e à marcha do espírito humano; assim, essa doença está em relação direta de frequência com o desenvolvimento das faculdades intelectuais; quanto mais a inteligência é desenvolvida, mais o cérebro é posto em atividade, mais é de se temer a monomania. Não há progresso nas ciências, invenção nas artes, inovação importante que não tenha servido de causas à monomania, ou que não lhe tenham emprestado suas características. O mesmo ocorre com as ideias dominantes, os erros gerais, as convicções universais verdadeiras ou falsas que imprimem um caráter próprio a cada período da vida social [...]. A monomania é essencialmente a doença da sensibilidade, repousa inteiramente em nossas afeições; seu estudo é inseparável do conhecimento das paixões, é no coração do homem que tem sua sede, é ali que é preciso pesquisar para captar todas as suas nuances (apud Starobinski, 2016STAROBINSKI, Jean. A tinta da melancolia: uma história cultural da tristeza. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras , 2016. , p. 71).

Há certo parentesco entre melancolia e monomania, já que ambas, segundo Pinel e Esquirol, se edificam em torno de um núcleo, cuja natureza é mental: “paixão, convicção, julgamento errado. Tudo procede da ideia delirante”. De acordo com Jean Starobinski (2016STAROBINSKI, Jean. A tinta da melancolia: uma história cultural da tristeza. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras , 2016. , p. 73), a escola francesa não se distancia, em definitivo, da teoria dos humores: “O parasitismo da ideia exclusiva é o equivalente intelectual do parasitismo humoral da bile negra”. A ideia fixa ou delírio, que pode partir de um quadro de melancolia ou monomania, caracteriza a condição de Ahab. Seu delírio incorpora as forças centrífugas de seu tempo, as mesmas que foram figuradas na ousada viagem de Ulisses. Ambos, sem reconhecer limites e movidos pelo ímpeto desbravador, desampararam o núcleo familiar6 6 O paralelo foi sugerido em Boitani (2003, p. 443). :

[...] oceanos inteiros distante da esposa-menina com a qual me casei depois dos cinquenta anos; e velejei para o cabo Horn no dia seguinte, deixando apenas um vestígio meu no travesseiro nupcial - esposa? esposa? - antes viúva de um marido vivo! Sim, enviuvei a pobre moça quando a desposei, Starbuck; e depois, a loucura, o frenesi, o sangue fervendo e o rosto queimando, com os quais, em mil descidas, o velho Ahab, espumando, perseguiu furiosamente sua presa (Melville, 2019MELVILLE, Herman . Moby Dick, ou A baleia . Tradução de Irene Hirsch eAlexandre Barbosa de Souza . São Paulo: Editora 34 , 2019., p. 544).

A persona de Ahab é caracterizada por picos da atrabílis, mas nada comparado à predominância do humor colérico: um “misto”, expressão que a crítica emprega, desde o século XIX, para definir o gênero de Moby Dick. Antes de travar seu último combate e sucumbir, o herói trágico contempla nos olhos de Starbuck a imagem de sua família e tenta atribuir sentido aos seus esforços na trilha da baleia branca, mas sem sucesso. No entanto, ele logo se recompõe, já que é homem de ação e avesso a pensamentos profundos. O episódio não passa de um lapso, de um intervalo diminuto ao qual sucede novo delírio.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Segundo Barbara Glenn, Melville faz uso de quase todas as causas do sublime enumeradas por Edmund Burke, a começar pelo mar, representado como superfície áspera, um infinito aparente em meio à sucessão de ondas, com vasta extensão e profundidade. Em Moby Dick, as representações do mar estão associadas à solidão e contrastam com a terra e as afeições recorrentes em sociedade. Também as baleias se ajustam à categoria, pois vivem solitárias em ambiente inóspito, obscuro, profundo. À suposta impossibilidade descritiva, vários capítulos digressivos buscam aproximar o Leviatã do leitor (Glenn, 1976).
  • 2
    Convém recordar, com Bakhtin (2014BAKHTIN, M. Epos e romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Hucitec Editora, 2014, pp. 397-428., p. 427), que, diferentemente dos gêneros canônicos, o romance “se formou precisamente no processo de destruição da distância épica, no processo de familiarização cômica do mundo, no abaixamento do objeto da representação artística ao nível de uma realidade atual, inacabada e fluida”. Não por acaso, o autor destaca o aspecto inacabado do gênero romanesco, destituído de normativas rígidas e proveniente de uma estética burguesa que, no século XVIII, decompôs a instituição retórica e enfraqueceu o paradigma imitativo das artes.
  • 3
    Sobre a relação entre Melville e Hawthorne, conferir Argersinger e Person (2008)ARGERSINGER, Jana L.; PERSON, Leland S. (Eds.). Hawthorne and Melville: Writing a Relationship. Georgia: University of Georgia Press, 2008. .
  • 4
    Conforme Alain Corbin (1989CORBIN, Alain. O território do vazio: a praia e o imaginário ocidental. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., p. 11), os “[...] relatos da Criação e do dilúvio tingem-se de traços específicos do imaginário coletivo. O Génese impõe a visão do ‘Grande Abismo’”, lugar de mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos de referência, imagem do infinito, do incompreensível, sobre a qual, na aurora da Criação, flutuava o espírito de Deus”.
  • 5
    A ideia de que a loucura se submete à razão é central para se conceber os sentidos da monomania do século XIX. De acordo com Perbart (1989PERBART, Peter Pál. Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. , p. 54): “Enquanto a Antiguidade grega considerava a mania exterior ao logos, e (talvez por isso) a situava em sua vizinhança e se ‘comunicava’ com ela, o século XIX fez da loucura um momento interior à Razão, contraditório mas ao mesmo tempo submisso a ela: a loucura não é mais vizinha, e sim refém; ao invés de ‘comunicar’ com ela, trata-se de tutelar uma palavra tomada apenas como balbucio”.
  • 6
    O paralelo foi sugerido em Boitani (2003BOITANI, Piero. Moby-Dante? In: BAROLINI, Teodolinda; STOREY, H. Wayne (Eds.). Dante for the New Milenium. New York: Fordham University Press, 2003. pp. 435-450., p. 443).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2023
  • Aceito
    19 Nov 2023
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