Acessibilidade / Reportar erro

As escolhas políticas dos afrobrasileiros nas publicações de extrema-direita no Brasil e em Portugal: primeiras décadas do século XX

The Political Choices of Afro-Brazilians, in Far-Right Publications in Brazil and Portugal: First Decades of the 20th Century

RESUMO

Nas primeiras décadas do século XX, durante a transição do trabalho escravo para o assalariado, descendentes de escravizados levados à marginalização econômica e social criam a Frente Negra Brasileira (FNB). Contradizendo o histórico de insurreições e insubordinações de seus antepassados ao longo da escravidão e nos primeiros anos da instauração da república, a maioria das lideranças e dos formuladores teóricos daquela organização manifestavam um pensamento ultraconservador: defendiam a volta da monarquia e aderiram à Ação Integralista Brasileira (AIB). A documentação estudada evidencia algumas semelhanças entre o integralismo lusitano e o brasileiro, ambos variações nacionais do nazifascismo que, no mesmo período, crescia na Europa. Partindo do estudo do conceito e do papel das “raças” desenvolvidos em ambos os países, e apresentados nos documentos fundantes das duas organizações e nos periódicos de divulgação, este artigo apresenta algumas hipóteses que explicariam aquelas escolhas.

Palavras-chave:
Integralismo; Nazifascismo; Afro-brasileiros; Negros; Século XX

ABSTRACT

In the first decades of the 20th century, descendants of enslaved people, driven to economic and social marginalization in the transition from slave labor to wage labor, created the Brazilian Black Front. Contradicting the history of insurrections and insubordination of their ancestors during slavery and in the first years of the establishment of the republic, most of the leaders and theoretical formulators of that organization expressed ultra-conservative thinking, defended the return of the monarchy and joined the Brazilian Integralist Action. The documentation studied highlights some similarities between Portuguese and Brazilian integralism, both national variations of Nazi fascism that were growing in Europe in the same period. This article, based on the study of the concept and role of “races” developed in both countries, present in the founding documents of their organizations and publicity periodicals, presents some hypotheses that would explain those choices.

Keywords:
Integralism; Nazi fascism; Afro-Brazilians; Black People; 20th Century

1. INTRODUÇÃO

As singularidades dos movimentos de extrema-direita1 1 Originada para definir o lado ocupado pelos conservadores girondinos na Assembleia Nacional Constituinte, no bojo da Revolução Francesa, a palavra “direita”, expressando um posicionamento ideológico, classifica aqueles atores políticos e movimentos posteriores que se contrapunham à “esquerda”, expressão que tem a mesma origem e se refere aos radicais jacobinos. No final do século XIX e início do XX, autores como o francês Charles Maurras (20 abr. 1868-16 nov. 1952) foram ao extremo do pensamento conservador e passaram a reagir contra os ideais iluministas e até mesmo aspectos do pensamento renascentista, sendo classificados como de extrema-direita ou ultraconservadores. Nas primeiras décadas do século XX, aquele pensamento foi materializado em movimentos políticos que se iniciam conservadores, mas evoluem para a reação e o ultraconservadorismo. A abordagem desenvolvida nesse trabalho parte da premissa de que o reacionarismo e o ultraconservadorismo, genericamente classificados como posturas de extrema-direita, representam a maximização e a evolução “natural ” do conservadorismo. no Brasil e em Portugal nas décadas de 1920 e 1930, presentes no integralismo e no monarquismo, permitem considerarmos que esses movimentos possuíam semelhanças entre si e, por outro lado, se diferenciavam das demais correntes fascistas surgidas na Europa.

Este artigo pretende analisar os periódicos da Acção Realista Portuguesa, da Ação Imperial Patrianovista Brasileira e as publicações integralistas nos dois países: Nação Portuguesa e Anauê. A premissa da presente exposição é a de que as semelhanças não fizeram com que esses movimentos fossem idênticos, uma vez que condicionantes demográficas, geográficas, culturais, históricas e políticas do período em que cada um surgiu determinaram que existissem algumas dessemelhanças. Insuficientes, contudo, para caracterizá-los como movimentos díspares, uma vez que a investigação permitiu identificar diversas simetrias, seja na conformação da ideologia norteadora, seja na prática e nas iniciativas políticas.

Considerando que o foco do estudo é compreender a relação dos negros brasileiros com aqueles movimentos, assim como as razões de sua adesão, será analisada ainda A Voz da Raça, publicação oficial da principal organização negra do início do século XX, a Frente Negra Brasileira. Para tanto, se procurará caracterizar o grupo social composto por ex-escravizados e seus descendentes que integraram aqueles movimentos, analisando a transição do trabalho escravo para o assalariado no Brasil, os mecanismos desenvolvidos pelo Estado e pelas oligarquias que levaram à exclusão social e econômica dos afro-brasileiros e as estratégias de inclusão social buscadas por eles.

2. CONSERVADORISMO EM PORTUGAL NAS REVISTAS NAÇÃO PORTUGUESA E ACÇÃO REALISTA

Nesse país, o movimento integralista surge antes do realismo. O primeiro aparece a partir de 1914, quatro anos depois da instauração da República, e o segundo somente se manifesta em 1924. A quase totalidade dos integralistas portugueses eram monarquistas, alguns - como António Sardinha (1887-1925), que deixou vasta obra e foi o principal teórico e líder do movimento - se diziam ex-republicanos desiludidos. O aristocrata Caetano Maria de Abreu Beirão (1892-1968) foi a principal ponte entre os dois movimentos e um dos mais profícuos articulistas da Nação Portuguesa e da Acção Realista. Alguns de seus textos foram reunidos e publicados em 1919, em um livro que virou referência para integralistas e monarquistas (Beirão, 1919BEIRÃO, Caetano. Uma campanha tradicionalista: com um estudo de António Sardinha. Lisboa: Domingos & Franco Editores, 1919.).

A Nação Portuguesa - Revista de Filosofia política, dirigida inicialmente por Alberto Monsaraz, tem, entre seus colaboradores permanentes, Antônio Sardinha, Adriano Xavier Cordeiro, Amadeu de Vasconcelos, Hipólito Raposo, João do Amaral, Adriano Pequito Rebello, Luiz d’Almeida Braga e Simeão Pinto de Mesquita, todos intelectuais e ativistas políticos de destaque. Sua publicação tem início em 08 de abril de 1914, e o editorial explicita que, entre seus principais objetivos, está a oposição à República, a qual acusam de prejudicar a propriedade, a família e a Igreja, como resultado da sua adesão aos “desvarios da Revolução Francesa”. Ademais, saúdam os sebastianistas como sonhadores audazes, condenam as “grandes navegações” e solidarizam-se com o Velho do Restelo2 2 Personagem de “Os Lusíadas”, poema épico de Luiz Vaz de Camões. , que, se tivesse sido ouvido, “as madeiras das naus seriam arados para lavrar a terra fecunda e semear a alegria, abundância e a paz” (Sardinha, p. 1, 1915SARDINHA, António. [Editorial]. A Nação Portuguesa . Coimbra, série I, n. 7, p. 1, jan. 1915.). Na economia, defendem a propriedade e a organização sindical de patrões e empregados. Na política, consideram a família patriarcal célula-mater da Nação e embrião da unidade nacional, seguida da paróquia, do município ou província e da Assembleia Nacional. Consideram que os “aspectos espirituais” do povo devem ser valorizados, com o fortalecimento da arte nacional, do patrimônio cultural, com investimento na educação primária, secundária e superior. De acordo com eles, o Estado deve privilegiar a religião Católica Apostólica Romana e a realeza representa a síntese da Nação.

Os integralistas portugueses preveem que a Portugal está reservado o destino glorioso de inaugurar o levante contra o “tufão maximalista do Oriente”, contrapondo a este o “maximalismo christianismo do mundo ocidental”. Saúdam o líder italiano Benito Mussolini por iniciativas políticas que protagonizou, parabenizam os derrotados insurgentes monarquistas portugueses de janeiro de 1919 e explicitam a xenofobia e o antissemitismo ao denunciarem o aumento do poder político e econômico dos estrangeiros e dos judeus.

O Brasil merece destaque considerável nas diversas edições da revista, assim como manifestações que explicitam a proximidade com as ideias do patrianovismo e do integralismo brasileiros. O centenário da independência em 1922, todavia, é tratado de forma pendular nos números 10 e 11. Por um lado, os autores manifestam ojeriza a Pedro IV (Pedro I do Brasil), por ter protagonizado a separação entre o Brasil e a metrópole, por outro festejam o episódio como “obra do gênio português” (Beirão, p. 1, 1922BEIRÃO, Caetano. A Nação Portuguesa. Coimbra, série II, n. 10, p. 01, jul. 1922.), minimizando a ruptura e interpretando a trajetória do país como continuidade da história de Portugal. A proximidade com os integralistas brasileiros faz com que enviem um representante para dialogar com as lideranças de sua organização congênere, que, em artigo, menciona as coincidências entre os dois movimentos e festeja iniciativas que indicam o “despertar da consciência nacionalista da raça brasileira” (Beirão, 1922BEIRÃO, Caetano. A Nação Portuguesa , Coimbra, série II, n. 11, p. 03, ago. 1922. , p. 3). Apontam a necessidade de se empreender uma marcha contra “às mentiras funestas do 89...” 3 3 Referem-se à instauração da República em 15 nov. 1889. e a “submissão” à Inglaterra. Alteram radicalmente o discurso acerca do “risco” da anexação de Portugal pela Espanha, manifestado em 1914, quando chegam a organizar uma conferência sobre A questão Ibérica4 4 Cujas palestras deram origem a artigos que foram organizados e publicados em formato de livro em 1915, sob o mesmo título. . Em 1922 (Beirão, 1922BEIRÃO, Caetano. O Quinto Império. A Nação Portuguesa , Coimbra. série II, n. 3, p. 5, jan. 1922., p. 5), defendem a união dos ibéricos objetivando a construção do novo “Quinto Império”5 5 Trata-se de uma formulação mítica e religiosa, presente em Camões e nos escritos do Padre Antônio Vieira, que considera Portugal e Espanha como origem de um império que congregaria todo o planeta, sucessor natural dos grandes impérios da história clássica. A essa formulação se soma o mito de Dom Sebastião, que teria sido arrebatado por Deus na batalha de Alcácer-Quibir, e estaria destinado a retornar para implementar o reino de Deus na Terra. . Em demonstração de proximidade com o singular pensamento eugênico dos integralistas brasileiros, que será tratado mais adiante, afirmam que “Ninguém já hoje partilha o conceito antropológico de raça porque se reconheceu que não existe raça antropologicamente pura a não ser como abstração”. Igualmente refutam o indianismo do século XIX, afirmando que “O brasileiro não pode ser o índio, sem o africano, nem o europeu”, sendo resultado “da fusão dessas raças”. Todavia, em elaboração que flerta com os eugenistas mais conservadores, ponderam que graças ao “crescimento cada vez maior da população branca... estas raças inferiores diminuem”.

A Acção RealistaACÇÃO REALISTA, n. 01, 22 maio 1924. Coimbra (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra). 1924. Disponível em: Disponível em: https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/periodicos/accaorealista/accaorealista.htm . Acesso em: 3 jul. 2024.
https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/p...
é uma revista quinzenal que insurge contra a instauração da República, defendendo a monarquia e o nacionalismo, geralmente a partir de argumentos racionais e não religiosos ou míticos, em que pese professar um catolicismo ultraconservador. O seu primeiro número, datado de 22 de maio de 1924, teve grande repercussão, na imprensa, entre a intelectualidade e ativistas políticos, contando com anúncios do Banco Ultramarino, grandes e médias empresas, além de profissionais liberais, intelectuais, militares, operários e estudantes. O esboço do seu programa evidencia a proximidade ideológica com o integralismo. O iluminismo é considerado uma monstruosidade, o liberalismo o mal maior a ser combatido e a “Alta Finança”, a maçonaria, o comunismo e o judaísmo são apresentados como os quatro principais inimigos da Nação. A revista apoia a monarquia antiparlamentar e antiliberal e se posiciona com relação às desavenças internas da família real, as quais levam o país à guerra civil de 1832 a 1834, resultado da disputa pela coroa que opôs os irmãos Miguel e Pedro IV, este último considerado ilegítimo, estrangeiro, maçom, cuja pretensão ao trono seria resultado de uma conspiração de republicanos.

O antissemitismo está presente em diversos artigos, a maioria apoiados nos Protocolos dos Sábios de Sião6 6 Texto apócrifo, em formato de ata de reunião, que atribuía aos judeus uma conspiração em aliança com a maçonaria para o domínio mundial. Denunciado como ilegítimo pelo jornal britânico The Times, em 1921, e admitido como falso em 1931 pelo seu autor, o monarquista russo Anton Idovsky, mesmo assim continuou a ser utilizado como argumento antissemita. A Alemanha nazi valeu-se desse documento para perseguir os judeus e, no Brasil, o golpe de Estado protagonizado por Getúlio Vargas utilizou como argumento a existência do “Plano Cohen”, suposta conspiração entre os comunistas e os judeus para dominar o País. , no qual denuncia-se o “perigo judeu”, povo referido como “raça, maldita de Deus”. No segundo ano da publicação, iniciado em janeiro de 1925, abordam questões econômicas, literárias, internacionais, educacionais, reafirmam o mito da Rainha Santa Isabel e exaltam António Sardinha, falecido no início daquele ano. A partir daí, a revista se mantém com certa irregularidade, sendo que os números 19 e 20 só são publicados em 15 de abril e 1º de maio, sob alegação de uma recusa em se sujeitarem à censura; situação resultante de conflitos com o regime instalado por Manuel Teixeira Gomes (1860-1941), então presidente da República e protagonista de um período de grandes instabilidades políticas7 7 Teixeira Gomes seria substituído, em dezembro daquele ano, por Bernardino Luis Machado Guimarães (1851-1944), que encerrará o primeiro período da república, ao sofrer um golpe militar liderado por José Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa, em 28 de maio de 1926. . Os números subsequentes, todavia, voltam a ser publicados regularmente, e a terceira série se inicia em janeiro de 1926, mantendo-se até março, quando a publicação mais uma vez é suspensa por alguns meses, certamente devido às novas instabilidades pré e pós golpe de 28 de maio. O retorno em outubro, contudo, evidencia que o movimento se encontra fortalecido, pois a revista conta com uma quantidade inédita de anúncios de bancos, empresas de alimentos, de navegação, companhias de seguro, cervejarias e mesmo pequenos comércios, como salões de beleza e livrarias. Ainda assim, o periódico se encerra com esse número, sem aviso prévio.

3. AFRO-BRASILEIROS NO INÍCIO DO SÉCULO XX: INTEGRAÇÃO ABORTADA E ESCOLHAS POSSÍVEIS

A marginalização econômica e social enfrentada pelos negros brasileiros no final do século XIX e início do século XX foi resultante da maneira como se estava operando a transição do modelo escravista para o capitalista. A documentação analisada permite refutar interpretações que atribuem aos negros a responsabilidade por sua exclusão, resultante de uma suposta “forte preferência pelo ócio” (Furtado, 1987FURTADO. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1987., p. 167), e ampliar a análise que entende aquela marginalização como resultado da omissão das elites e do Estado brasileiro. Para além da omissão, houve uma ação deliberada do establishment para excluir os ex-escravizados e seus descendentes, resultado de concepções racistas construídas ao longo da escravidão, e tornadas “ciência” a partir da segunda metade do (século) XIX (Schwarcz, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993., p. 35). As leis de 07 nov. 1831 e 04 set. 1850, que proíbem o tráfico negreiro, procurando atenuar as contínuas revoltas de escravizados, atendiam à pressão inglesa8 8 Especialmente a partir da publicação do Slave Trade Suppression Act (Lei Bill Alberdeen), promulgado em 8 de agosto de 1845, que autorizava os britânicos a aprender qualquer navio suspeito de transportar escravizados no oceano Atlântico. e inseriam-se na nova lógica capitalista baseada na compra do trabalho e não na compra do indivíduo, que poderia ser pouco produtivo, adoecer, morrer ou se evadir, em prejuízo do seu proprietário. Essa legislação, todavia, priorizava o controle demográfico, ao prever a “reexportação” dos indivíduos libertados, e foi leniente naquilo que se propunha, o fim da escravidão.

A Lei de Terras, promulgada em 18 set. 1850, foi responsável por expulsar os pobres em geral (e os negros libertos em particular) do ambiente rural, contribuindo para a formação do exército de reserva operário a ser absorvido pela indústria que florescia e que, ao promover a colonização estrangeira, também focava no controle demográfico de não brancos (Lei n. 601, de 04/09/1850LEI N. 601, de 18 de setembro de 1850. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm . Acesso em: 25 set. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Denominada Rio Branco, a lei n. 2040, de 28 set. 1871, tornava os filhos de mulheres escravizadas legalmente livres. Contudo, ao manter a mãe escravizada, além de promover a desagregação familiar, deu origem a legiões de crianças criadas sem família. A lei n. 3.270, nomeada Saraiva/Cotegipe e promulgada em 28 set. 1886, que prometia libertar os trabalhadores escravizados com mais de 60 anos, apenas libertava os senhores da obrigação de garantir alimentação e moradia a alguém que já havia exaurido todas as suas forças produzindo a riqueza por eles apropriada. O decreto Imperial n. 3.353, de 13 de maio de 1888, foi o coroamento da política de exclusão da população afrodescendente; não teve impacto econômico significativo para os proprietários que, em sua ampla maioria, já não mais dependiam do trabalho escravo (Stein, 1957STEIN. Stanley J. Grandeza e Decadência do Café. São Paulo: Brasiliense, 1957. , p. 318; 220); não indenizou os libertos, tampouco apresentou alternativas para que estes sobrevivessem no novo modelo econômico.

A proibição à escolarização dos escravizados (e por extensão aos negros livres e libertos) foi outro instrumento de exclusão social (Decreto n. 1.331-A, de 1854DECRETO N. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Disponível em: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html . Acesso em: 24 ago. 2020.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
; Decreto n. 7.031 de 1878DECRETO N. 7.031, de 6 de setembro de 1878. Disponível em: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/ . Acesso em: 24 ago. 2020.
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
), assim como parte da legislação dos municípios, que excluía os ex-cativos das cadeias produtivas mais relevantes, dinâmicas e modernas, criava mecanismos para a perpetuação de negros em trabalhos pior remunerados, insalubres, perigosos e menos valorizados socialmente. Houve, ainda, impedimento às formas alternativas de sobrevivência autônoma e ao empreendedorismo, com punição à “vadiagem”9 9 Exemplos: Código Criminal do Império de 1831; Código Penal da República de 1890. , que impunha subordinação a um empregador que - via de regra - se recusava a pagar-lhes salários e contratá-los com direitos equivalentes a trabalhadores brancos.

A cidade do Rio de Janeiro, então capital da Monarquia, e São Paulo, novo epicentro econômico do país, são os exemplos mais significativos da discriminação racial estrutural. Os Códigos de Postura desses municípios explicitam a intenção de marginalizar aquela parcela da população. A principal Postura do Rio de Janeiro, promulgada pela Câmara Municipal em 11 set. 1838, sofreu diversas atualizações e adequações posteriores. Seu conteúdo substancial, todavia, não foi alterado. É evidente, nessa documentação, o objetivo de normatizar aspectos da vida urbana no que se refere à relação do Estado com a base da pirâmide social. O crescente controle dos escravizados e ex-escravizados pelo Estado, à medida que esse vai paulatinamente assumindo essa responsabilidade, até então atribuição dos senhores (Algranti, 1983ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1822). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1983., p. 243), é materializado nesses documentos basilares da transição para outro modelo econômico. O Código de Postura da Cidade de São Paulo de 06 out. 1886CÓDIGO DE POSTURA MUNICIPAL de 6 de outubro de 1886. Coleção: Leis da Província de São Paulo - Posturas Municipais. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - AMSP). 1886., que reedita as posturas de 1850, 1872 e 1875, e foi o mais completo, assim como o texto da capital, cria impedimentos à integração socioeconômica dos negros, ao proibir que escravizados exerçam uma série de ocupações, criando dificuldades para a manutenção de habitações de pobres no perímetro urbano, nas regiões mais valorizadas. Para além da legislação, em acordo com a política de branqueamento da população brasileira, o Estado e grandes proprietários de terra - de maneira individual ou por meio da Sociedade Promotora da Imigração - destinavam uma série de vantagens aos imigrantes europeus (Tschudi, 1980TSCHUDI, Joahann Jakob Von. Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e S. Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1980. , p. 128). A recusa dos empregadores em admitir negros, explicitada nos jornais da época (Anúncios, 1872ANÚNCIOS. Correio Paulistano, São Paulo, 17 abr. 1872. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - APESP). 1872. ; 1887aANÚNCIOS. Diário Popular, São Paulo, 1º nov. 1887. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - APESP). 1887a ; 1887bANÚNCIOS. Diário Popular, São Paulo, 30 nov. 1887. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - APESP). 1887b.), complementava a exclusão e condenava aqueles afro-brasileiros a ocupações nas franjas do mercado de trabalho.

Em que pese todos esses impedimentos, as primeiras gerações de livres e libertos empreenderam gigantescos esforços para sobreviver naquelas condições adversas. Uma diminuta parte conseguiu contorná-las, conquistando incipiente ascensão social, a qual, não obstante, foi obliterada por aquelas ações do Estado e das elites, que fincaram as bases do novo modelo econômico e social que, apesar do discurso igualitário, manteve a sociedade estamental baseada na cor da pele. Aos afrodescendentes que iam conquistando a liberdade total ou parcial ao longo do século XIX restavam duas opções: cooptação pela nova sociedade erigida pelos ex-escravizadores, conformando-se com a inserção subalterna; ou resistência e enfrentamento das novas iniquidades, com as consequências daí resultantes. Todavia, assim como no capitalismo clássico, a sociedade que estava sendo construída previa, como exceção, a inserção e até mesmo certa ascensão social de pequena parcela do proletariado. No caso do Brasil, previa ainda a ascensão de parcela ainda menor de negros. Assim, aquele diminuto contingente das primeiras gerações de libertos aproveitou-se das brechas do sistema para galgar espaços até então proibidos e, ansiando por inclusão social, criou estratégias para integrar a sociedade. A recusa dos empregadores em aceitá-los e a legislação que impedia o exercício de determinadas ocupações eram contornadas ao se estabelecerem como pequenos artesãos, prestadores de serviços, ou ao se submeterem a ocupações penosas, insalubres, perigosas e mal remuneradas. Os impedimentos de acesso à educação tiveram como resposta a criação de escolas autônomas e não estatais (Jacino, 2019JACINO, Ramatis. Desigualdade Racial no Brasil: Causas e Consequências. São Paulo: ÌMÓ, 2019., p. 52); a recusa em recebê-los nos espaços de sociabilidade levou ao surgimento de clubes para negros (Escobar, 2010ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes sociais negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural) - Centro de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, 2010. ). A invisibilidade ou a estigmatização nos meios de comunicação deu origem ao surgimento da chamada “imprensa negra” (Moura, 2002MOURA, Clóvis (estudo crítico). Imprensa Negra. Legendas: Miriam N. Ferrara. Edição fac-similar. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Sindicato dos Jornalistas do Estado de SP, 2002.).

Por outro lado, a histórica resistência e o enfrentamento à sociedade discriminatória persistiam entre a maioria da população negra na prática das religiões de matriz africana, nas comunidades quilombolas, no exercício da capoeira e de outras manifestações culturais, em estratégias de sobrevivência nas franjas da legalidade ou na ilegalidade. Conformaram-se, assim, o grupo de “assimilados”10 10 No Brasil, a hierarquização social a partir de 1888 se deu nos usos e costumes, e tinha como base a maneira como os brancos se referiam aos africanos ao longo do período escravista: “negro ladino” era aquele que havia se aculturado, enquanto era considerado “negro boçal” o escravizado que resistia à cultura europeia. A expressão “assimilados”, tomada de empréstimo da legislação colonial portuguesa, que concedia direitos diferenciados aos habitantes das colônias, me parece adequada para definir aquele grupo social no Brasil. e o grupo da “ralé” (Souza, 2018SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. 3ª Ed., revista e ampliada. São Paulo: Editora Contracorrente, 2018.), que, todavia, não se cristalizaram, uma vez que compor um ou outro grupo dependia das circunstâncias e das oportunidades coletivas ou individuais, ou ainda da falta delas. Portanto, a dicotomia que as duas expressões expõem serve apenas para explicar o comportamento social e as referências culturais adotadas no interior do imenso contingente populacional de negros naquele período.

Aqueles indivíduos viviam um movimento pendular ao longo da vida e de gerações, a depender das suas aptidões profissionais e sociais, da capacidade de organização para resistir ou, pelo contrário, do nível de submissão que se dispunham a suportar. Uma oportunidade inédita poderia alçar um indivíduo beligerante à condição de “assimilado” e este, por sua vez, se sofresse grave revés na sua empregabilidade ou perdesse a moradia por conta de um dos inúmeros projetos de gentrificação das elites, poderia migrar para o campo marginal, ombreando-se com aqueles que promoviam enfrentamentos a sociedade. Marcados pela volatilidade, os “assimilados”, quando conseguiam manter sua efêmera condição econômica alguns milímetros acima dos demais, buscavam obstinadamente a preservação daquelas “conquistas”. A expressão de origem eugênica “mulato”11 11 A expressão eugenia, cunhada pelo inglês Francis Galton (16 fev. 1822-17 jan. 1911), tinha como objetivo identificar os “melhores” membros das comunidades para estimular sua reprodução e, ao mesmo tempo, diagnosticar os “degenerados”, evitando sua multiplicação. A afirmação da expressão “mulato” como decorrência do pensamento eugênico se explica pelo fato de que este previa a melhora das “raças superiores” (os brancos) e a eliminação das “raças inferiores”. Esta se daria por meio da segregação e do impedimento da sua reprodução (eugenia negativa), ou do incentivo à miscigenação, como forma de melhorar a qualidade das novas gerações de não brancos (eugenia positiva). Seus partidários propunham, ainda, que o Estado, tendo como base os estudos e iniciativas para produção de animais, interferisse na demografia humana, de maneira a privilegiar a permanência e o aprimoramento da “raça superior” e a eliminar paulatinamente as “inferiores”. No Brasil, foi utilizado como parâmetro o cruzamento do cavalo com a jumenta (ou do jumento com a égua), que criou um animal híbrido, robusto, com grande força física e resistência, a mula. Esse animal, todavia, em virtude do número irregular de cromossomas, é, na maioria das vezes, estéril, defeito genético que, para os eugenistas, também viria a se manifestar nos humanos miscigenados, pois, ainda que fossem capazes de se reproduzir, na qualidade de “amulatados” herdariam outros defeitos congênitos, de ordem física e moral. Portanto, na hierarquização criada por aqueles pensadores, o “mulato” era um ser que ficava a meio caminho entre a superioridade branca e a inferioridade dos pretos. , mais do que definir um indivíduo miscigenado, se referia ao grupo social que evoluiu do “negro ladino”, parcialmente branqueado pela mistura com o branco, mas, acima de tudo, pela assimilação da sua cultura, valores, submissão à sociedade discriminatória e abandono da transgressão histórica. Essa diminuta parcela que conseguira driblar os inúmeros obstáculos foi seduzida pelas propostas conservadoras, compôs as organizações reacionárias como a Ação Patrianova e a Ação Integralista e deu origem à Frente Negra Brasileira.

4. A SEDUÇÃO PELO CONSERVADORISMO EXTREMO

A Ação Imperial Patrianovista Brasileira esteve na gênese do integralismo, assim como da Frente Negra Brasileira, e apresentava grande proximidade política e ideológica com o realismo, sua congênere portuguesa. Surgiu em 1928, quando católicos fundaram o Centro Monarquista de Cultura Social e Política Pátria Nova, sob a liderança de Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978) (Cazetta, 2013CAZETTA, Felipe A. Deus, pátria, família... monarquia: Ação Imperial Patrionovista e Ação Integralista Brasileira - choque e consonâncias. Boletim do Tempo Presente, n. 4, pp. 1-12, 2013. ). Os periódicos a que tivemos acesso eram publicações esparsas, sem regularidade, episódicas, discrepando da riqueza de documentos disponíveis referentes às inúmeras publicações de negros no período e do alto nível intelectual de suas lideranças12 12 Arlindo Veiga dos Santos, por exemplo, já tinha três obras publicadas quando do lançamento do movimento: Os filhos da cabana (1923), Amar... e amar depois (1923) e O carnaval (1925). , sendo possível que tais publicações não tenham sido preservadas, perdendo-se ao longo do tempo.

As propostas patrianovistas não eram inéditas entre o reduzidíssimo grupo de negros “assimilados”, pois lastreavam-se nas ideias e ações de personagens de gerações anteriores, como José do Patrocínio, que, em 9 de julho de 1888, criou a Guarda da Redentora, para proteger a Princesa Isabel de supostos inimigos republicanos, e André Rebouças, que, em solidariedade à família real, partiu com ela para o exílio após a instauração da República. Ultraconservadores, os patrianovistas propunham um regime político baseado na monarquia tradicional, se opunham à laicidade do Estado, pregavam a obrigatoriedade do catolicismo e chegaram a organizar uma milícia para “combater o comunismo e proteger o Brasil-Cristão” (Domingues, 2006DOMINGUES, Petrônio. O “messias” negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978): “Viva a nova monarquia brasileira; Viva Dom Pedro III!”. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 22, n. 36, pp. 517-536, 2006. , p. 8). Em discurso posteriormente adotado pela Ação Integralista Brasileira (AIB), que, nesse particular, diferenciava-se da defesa da aristocracia sustentada por sua congênere portuguesa, adotaram o discurso meritocrático do liberalismo e focavam no combate às manifestações individuais de racismo, em detrimento do enfrentamento ao racismo sistêmico e estrutural. No número um do boletim Pátria-Nova - suplemento mensal, datado de janeiro-fevereiro de 1933 -, é explicado, em editorial, que o objetivo era trabalhar para a volta da monarquia e da espiritualidade do povo brasileiro, além de defender a “Pátria e a tradição nacional integral”, propagandeando a “doutrina imperial”. O periódico Comando Personalista, cujo primeiro número é datado de dezembro de 1933, informa tratar-se de um boletim pessoal do Chefe-Geral Patrianovista. Apresenta “Um pequeno histórico de Pátria-Nova”, um “Apêlo a luta” e relaciona sete pontos defendidos pelo movimento: obrigatoriedade da religião católica; retorno da monarquia e reconhecimento de Dom Pedro Henrique III como imperador; defesa da Pátria e da raça brasileira e reação contra todas as formas de imperialismo estrangeiro no Brasil; divisão administrativa do País em províncias menores, combate ao espírito regionalista e fortalecimento dos municípios como células da “Pátria Imperial”; organização sindical orientada pela moral religiosa e nacionalista; mudança da capital para o centro do Império; política internacional orientada pela altivez, pelo cristianismo e pelo “entendimento especial ibero-americanista” (Salgado, 1933SALGADO, Plínio. Comando Personalista, São Paulo, p. 7, dez. 1933., p. 7). Assim como a FNB e a AIB, o movimento patrianovista não resistiu ao golpe que criou o Estado Novo, em 1937, e só retornou às atividades públicas a partir de 1945, todavia, bastante fragilizado, sem relevante protagonismo político.

A Ação Integralista Brasileira foi criada por Plínio Salgado (1895-1975) a partir da publicação, em 1932, do Manifesto de Outubro. Desde os primórdios, a AIB, na sua documentação oficial, se posicionou explicitamente contra o racismo e dizia se pautar pelo “desejo de criar, com todos os elementos raciais, segundo os imperativos mesológicos e econômicos, a Nação Brasileira...”, opondo-se às “ideias do racismo biológico, pretensamente científico”. Miguel Reale (1910-2006), outro importante teórico, em Súmula do Integralismo, afirma que o movimento se mantinha “alheio a todo e qualquer preconceito de raça, preferindo julgar o homem, não pelos aspectos exteriores da cor, ou do formato dos crânios, mas pelos valores morais e cívicos”, e que “a tese racista não está, nem nunca esteve, dentro das nossas cogitações” (Reale, 1983 apud Cruz, 2004CRUZ, Natalia dos Reis. O integralismo e a questão racial: a intolerância como princípio. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2004., p. 96). Diferenciando-se dos integralistas lusitanos, que defendiam a aristocracia, no Manifesto são rejeitados os “privilégios de classe e nascimento”, afirmando-se que o homem “Vale pelo estudo, pela inteligência, pela honestidade, pelo progresso nas ciências, nas artes, na capacidade técnica...”. Radicalmente nacionalistas, exaltam o caráter miscigenado da população brasileira e criticam as elites que “Envergonham-se também do caboclo e do negro da nossa terra e vivem a cobri-lo de baldões e de ironias, a amesquinhar as raças de que proviemos” (Manifesto da Ação Integralista..., 1932MANIFESTO DA AÇÃO INTEGRALISTA Brasileira, 07 de Outubro de 1932. Disponível em: Disponível em: https://www.integralismo.org.br/manifesto-de-7-de-outubro-de-1932/ . Acesso em: 13 jun. 2021.
https://www.integralismo.org.br/manifest...
).

A base do pensamento integralista brasileiro se encontra nos primeiros relatos acerca da formação da nação brasileira, elaborados por teóricos do século anterior ao seu surgimento, quando as oligarquias nativas que se assenhoravam do poder político passaram a interpretar o desenvolvimento do País de forma sistemática, a partir do seu ponto de vista e não mais do ponto de vista da Metrópole. As elaborações sociológicas, antropológicas, geográficas e filosóficas, marcadas pelo Romantismo e por sua derivação, o Indianismo, são resultado da disputa do imaginário plasmado nos dois principais mitos fundadores construídos por aquelas oligarquias. Um, da fração nordestina, e outro, dos cafeicultores do Sudeste, que, como todo mito fundador, foram instrumentos para legitimar o poder político e tentar amalgamar o povo que dirigiam. O primeiro apresenta como gênese da Nação a luta contra os “invasores” holandeses, entre 1624 e 1654, que uniu o exército de indígenas, liderados por Clara e Felipe Camarão, de negros, sob a direção de Henrique Dias, e de brancos, comandados por Mathias de Albuquerque, alçados a exemplo da “união harmônica e colaborativa das três raças”. O segundo, centrado no Sudeste, apresenta a união entre o branco João Ramalho e a indígena Bartira como fundante da Nação e, coerente com o projeto branqueador, invisibiliza a presença negra na formação do País.

A Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro de 1922, em São Paulo, rompe com a tradição acadêmica europeia e radicaliza o Indianismo do século XIX. O então jovem escritor Plínio Salgado é influenciado por aquele pensamento. Incorpora o mito do Nordeste açucareiro, refuta a maioria das teses do darwinismo social e adota uma eugenia singular, defensora da miscigenação como forma de “melhorar as raças inferiores”. Outras interpretações do Brasil e dos brasileiros igualmente concorreram para formar a ideologia integralista. Euclides da Cunha (2020CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Pé de Letra, 2020 [1902]. [1902], pp. 58 e 90) entendia a miscigenação como positiva, por criar um tipo físico adaptado para o trabalho nos trópicos. Gilberto Freyre, que publica o seu clássico Casa Grande e Senzala no ano seguinte à fundação da AIB, vaticina que “De semelhante intercurso sexual só podem ter resultado bons animais, ainda que maus cristãos ou mesmo más pessoas” (Freyre, 1987FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Record, 1987., p. 21). Plínio e os demais integralistas vão mais além e defendem a miscigenação como capaz de formar a “nova e genuína raça brasileira”, fundamental para a construção da “Nação integral”. A realidade social no Brasil, todavia, impedia que mesmo entre os negros “assimilados” fossem encontradas origens aristocráticas, de maneira a sustentar a proposta de sociedade estamental, base do integralismo lusitano, que inspirava e era inspirado pelo brasileiro. Assim, não lhes restou outro caminho a não ser abraçar as teses liberais, defensoras do self-made man, portanto, da meritocracia como instrumento de ascensão social. Discurso que, ao refutar o determinismo racial, seduzia o grupo social que ansiava por aceitação e acreditava que a sociedade branca, da maneira como existia até então, lhe apresentava oportunidades de ascensão e integração.

Anauê13 13 A expressão Anauê é explicada em artigo de Câmara Cascudo, no n. 12, como saudação do tupi-guarani, que significaria “você é meu irmão”. foi a revista oficial da Ação Integralista Brasileira, publicada a partir de janeiro de 1935, finalizando com um único número publicado em 1937. Destaca-se por sua qualidade gráfica, seu apelo popular e quantidade de publicidade paga por pequenas e grandes empresas dos mais diversos ramos, inclusive o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.

O nacionalismo e o patriotismo são explicitados como principais bases do movimento, que se apresenta como defensor da família, da religião e da “raça brasileira”. O elogio ao fascismo italiano e ao nazismo alemão é a tônica de diversos artigos, assim como o combate ao comunismo. No n. 15, publicado em maio de 37, afirma-se que a “Intentona comunista”14 14 Tentativa de insurreição, ocorrida entre 23 e 27 de novembro de 1935, liderada por militares de esquerda, com apoio do Partido Comunista, com o objetivo de tirar Vargas do poder. teria sido protagonizada por “Uma multidão de desconhecidos, de vagabundos, de vadios, armados, municiados e sequiosos de saques, de morte e de gosto sexual”, cujo objetivo seria “violar as mulheres, acabar com as famílias e promover a devassidão sexual”. No n. 11, num artigo sem assinatura intitulado “Os dez mandamentos comunistas”, considera-se, dentre outros pontos, que aquela ideologia se pauta por “Odiar o Senhor, vosso Deus”, “Amaldiçoar vosso Deus e Senhor”, “Desprezar o dia do Senhor”, “Desprezar pai e mãe”, “Matar”, “Furtar” e “Mentir” (Salgado, 1937SALGADO, Plínio. Os dez mandamentos comunistas. Anauê, São Paulo , n. 11, p. 01, jan. 1937., p. 1). A defesa da laicidade do Estado não está totalmente explicitada nos diversos números da publicação. No primeiro, informam “não aceitar a exclusividade de uma religião” e negam, em artigo assinado pelo Padre Mello, que os integralistas tenham caráter clerical. Não obstante, em outro artigo publicado nesse mesmo número, tecem elogios a Mussolini por ter determinado a leitura do Novo Testamento em todas as escolas da Itália.

Nessa revista, o posicionamento contrário ao racismo está evidenciado, tanto como em outros documentos oficiais da AIB, em textos de seus líderes que se opõem à discriminação racial e às ideias supremacistas brancas, tão em voga no período. Os articulistas - não obstante negá-las peremptoriamente - se deixam trair, em alguns trechos, por expressões e formulações que indicam adesão às ideias eugênicas: defendem a miscigenação como instrumento de formação de uma nova “raça” brasileira. Contrários à segregação e à defesa da “pureza da raça branca”, adotam uma forma de eugenia diferenciada que, ao invés de defender a segregação (eugenia negativa) ou incentivar a reprodução dos “superiores” (positiva), sustenta que, no caso do Brasil, a miscigenação é boa e desejável. O pensamento oficial do movimento está explicitado no artigo “13 de Maio”, publicado no n. 16 de Anauê, com a afirmação de que “Felizmente nos libertamos daquella mentalidade livresca e rafiné que via no negro um motivo de vergonha nacional e repetia como papagaio a teoria da inferioridade da nossa raça elaborada pelos despeitados Gabineaus de todos os quadrantes” (Salgado, 1937SALGADO, Plínio. 13 de Maio. Anauê, São Paulo, n. 16, [ n.p.], maio 1937., [n.p.]). Denuncia, ainda, a circular 2915 15 Refere-se ao polêmico despacho de Ruy Barbosa, então ministro da Fazenda, publicado em 14 de dezembro de 1890, ordenando a destruição de documentos referentes à escravidão. , de autoria de Ruy Barbosa, como exemplo de iniciativa que teria servido para ocultar a contribuição dos africanos e afrodescendentes na construção da Nação. Um artigo sem assinatura, no n. 19, sob o título de “A confraternização das ‘raças’”, afirma que “Nós somos um povo que começou quando o preconceito deixou de existir, quando as três raças se fundiram irmanadas no exército selvagem de negros, índios e brancos, na aventura guerreira de Camarão, Negreiros e Henrique Dias” (Sem assinatura, 1937SEM ASSINATURA. A confraternização das “raças”. Anauê, São Paulo , n. 19, [n.p.], ago. 1937., [n.p.]). Não obstante, a revista incorpora parte da narrativa paulista ao agregar os bandeirantes como continuadores do processo de amalgamar o povo brasileiro, ao exaltar Raposo Tavares e insistir na caricatura infantilizadora dos indígenas elaborada no século XIX.

Seu antirracismo, contudo, tem um limite, especialmente no que diz respeito à cultura. A revista credita aos europeus e seus descendentes a responsabilidade pelo processo civilizatório, resultado de “extraordinária generosidade do branco”, que “arremessou de si todos os preconceitos para abraçar seus irmãos”. No segundo ano, o nacionalismo e denúncias dos estrangeirismos recrudescem, inclusive com utilização de imagens de Papai Noel sendo expulso do Brasil ou se despindo, deixando à mostra o uniforme integralista por baixo da roupa. Os números publicados ao longo do ano de 1937 são mais politizados e marcados pela campanha de Plínio Salgado à presidência da República e, posteriormente, pelo apoio ao novo regime imposto por Vargas a partir de novembro daquele ano. Nos números 18 e 19 são publicadas fotografias dos dirigentes sendo recebidos no Palácio do Catete. Até a última edição do jornal, de n. 22, os integralistas se mantinham alinhados com Vargas, a quem homenageavam e exaltavam, com ampla divulgação no periódico. Não obstante, em 02 de dezembro de 1937, assim como os demais partidos políticos, foram colocados na ilegalidade e responderam com a tentativa de depor Vargas, no ano seguinte.

A Frente Negra Brasileira, criada pelo mesmo grupo que deu origem ao patrianovismo, emerge entre a “elite negra assimilada”, que interagia no interior daquela sociedade cindida, que os tratava com marcante ambiguidade. Fundada em 16 de setembro de 1931, tinha sede na cidade de São Paulo e seções bastante ativas no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, na Bahia e em Pernambuco. Os fundadores foram os irmãos Arlindo e Isaltino Veiga dos Santos, José Correia Leite, Gervásio de Moraes, Jaime de Aguiar, Raul Joviano do Amaral e Justiniano Costa. Candidato a deputado constituinte em 1933, Arlindo, em sua carta/programa, se propunha a lutar pela “Valorização moral, intelectual, física e econômica das populações negras e mestiças”. Defende a “integralização absoluta, completa, do negro em toda a vida brasileira - política, social, religiosa, econômica, operária, militar e diplomática” (Ação Imperial Patrianovista..., 1933AÇÃO IMPERIAL PATRIANOVISTA Brasileira. Documento avulso. São Paulo (Centro de Documentação e Informação Científica - PUC, CEDIC). 1933.). Rejeita a ideia de um país branco, de origem europeia e, confrontando o pensamento eugenista, afirma “que o Brasil precisa absolutamente cessar de ter vergonha da sua Raça”, acrescentando que “Se o Brasil não tem um tipo racial, tem todavia uma Raça. Esta precisa ser defendida, valorizada, educada, melhorada por si mesma e não por transfusão de outros sangues, apenas teoricamente melhor”. Afirma, ainda, pretender harmonizar a questão do capital e trabalho, “fugindo o Brasil tanto à prepotência capitalista, cuja injustiça vai aniquilando e ‘internacionalizando’ os governos e a Nação, como a tirania comunista que ameaça as nossas tradições, os nossos lares, nossa minguada economia e nossa Terra”. O artigo finaliza com a conclamação:

Queremos o velho Brasil recuperado, poderoso pelo Espírito e pela Raça, dominando pelo seu esplendor toda a América e projetando-se no mundo como a nova maravilha do século... despojado dos preconceitos mesquinhos, alinhando braço a Braço o irmão Negro e o irmão Branco, sem que este explore aquele nem aquele desconfie deste.

Na sua origem, a FNB constituía-se como uma organização assistencial, cultural e recreativa, que se propunha a criar alternativas de sobrevivência e de bem viver para os afrodescendentes (Barbosa, 1998BARBOSA, Márcio. Frente Negra Brasileira: depoimentos. São Paulo: Quilombhoje, 1998. , p. 5). Seus ativistas buscavam conquistar direitos e contornar a discriminação sistêmica e estrutural por meio de mecanismos consentidos e forçando os limites de uma sociedade pautada por uma legislação que os admitia como cidadãos plenos de direitos, mas, na prática, perpetuava a organização estamental herdada de três séculos e meio de escravidão. Na busca por influenciar decisões políticas, promoviam o engajamento eleitoral, mantendo um posto de alistamento na sede, iniciativa que explicita o caráter daquelas lideranças, que abandonaram as revoltas, insurreições e os levantes que marcaram a luta dos negros ao longo do período escravista/monarquista, assim como nos primeiros anos da República, e buscavam o caminho da ação política institucional.

O principal órgão de divulgação foi o jornal A Voz da RaçaA VOZ DA RAÇA. 1933-1937. Disponível em: Disponível em: http://bndigital.bn.br/acervo-digital/voz-raca/845027 . Acesso em: 2 jul. 2023.
http://bndigital.bn.br/acervo-digital/vo...
, editado a partir de 18 de março de 1933, que buscava propagandear a FNB e massificar suas propostas. Há que se ponderar, entretanto, que seu alcance se limitava ao pequeno grupo de “assimilados” letrados, considerando que a população brasileira era composta de mais de 70% de analfabetos e grande número de semianalfabetos (Ferreira; Carvalho, 2018FERREIRA, Ana Emília Cordeiro Souto; CARVALHO, Carlos Henrique de. 2018. Escolarização e analfabetismo no Brasil: Estudos das mensagens dos presidentes dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Norte - 1890-1930. Disponível em: Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://sites.pucgoias.edu.br/pos-graduacao/mestrado-doutorado-educacao/wp-content/uploads/sites/61/2018/05/Ana-Em%C3%ADlia-Cordeiro-Souto-Ferreira_-Carlos-Henrique-de-Carvalho.pdf . Acesso em: 25 jun. 2024.
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcgl...
, pp. 5 e 73) ou indivíduos com baixíssima escolaridade, sem o hábito da leitura. Todos os números da revista estampavam a epígrafe “Deus, Pátria, Raça e Família”, e, em alguns, a frase “Negro, não te envergonhes de ser negro: Alista-se nas fileiras frentenegrinas se é que queres elevar o nível moral e intelectual da Raça”. Frase que implicitamente atribuía o impedimento para a integração social a um suposto baixo nível moral e intelectual dos afrodescendentes, e não a uma sociedade estruturalmente racista.

As posturas ideológicas e política dos frentenegrinos, no entanto, não eram homogêneas. Existia acirrada disputa entre as posições de direita de seu principal dirigente, defensor do nacionalismo, do tradicionalismo, do catolicismo e da monarquia, e seus opositores, Vicente Ferreira e José Correia Leite16 16 Editor do jornal Clarim da Alvorada desde 06 jan. 1924, portanto, bem antes do surgimento da FNB e até mesmo do patrianovismo. . Parte da diretoria buscava manter certa neutralidade, sugerindo uma “política de boa vizinhança tanto com Plínio Salgado como com Prestes”, movendo-se no teatro político nacional com bastante pragmatismo (Barbosa, 1998BARBOSA, Márcio. Frente Negra Brasileira: depoimentos. São Paulo: Quilombhoje, 1998. , p. 44). Não obstante, em 1930, em atitude semelhante à da AIB, a FNB aproxima-se de Vargas, que recebeu sua direção em audiência. Não conseguiram evitar, contudo, dissenções entre os próprios conservadores. Na sublevação das oligarquias paulistas e sua tentativa de depor Vargas, em 1932, a Frente Negra se opôs (Barbosa, 1998BARBOSA, Márcio. Frente Negra Brasileira: depoimentos. São Paulo: Quilombhoje, 1998. , p. 76). Contudo, parte dos ativistas, liderados por Joaquim Guaraná Santana, optou por apoiar os fazendeiros paulistas e organizou a Legião Negra, tropa que agregou em torno de 2.000 combatentes, com amplo apoio das autoridades e das elites do estado (Domingues, 2003DOMINGUES, Petrônio José. Os “pérolas negras”: a participação do negro na Revolução Constitucionalista de 1932. Afro-Ásia, pp. 199-245, n. 29-30, 2003. , p. 34). Em 1936, os integrantes da FNB resolvem transformá-la em um partido político. Contudo, devido ao golpe de Estado perpetrado por Vargas no ano seguinte, que determinou o fim dos partidos, a Frente foi colocada na ilegalidade. A entidade sobreviveu por alguns meses com caráter recreativo, adotando o nome de União Negra Brasileira, mas acabou por se fragmentar em diversos grupos locais e clubes sociais que promoviam entretenimento e ações culturais, sem grande protagonismo social e político.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível depreender, a partir da documentação analisada e da bibliografia consultada, que, no que diz respeito à questão racial, existiram diferenças significativas entre as três principais correntes político-ideológicas de extrema-direita surgidas no início do século XX, que tinham na ideia de raça a sua gênese. O fascismo parte da premissa de que os italianos são herdeiros do Império Romano, portanto, da “raça” que originou a civilização ocidental. O nazismo considera que existiriam raças superiores e inferiores, e a ariana, da qual derivam os germânicos, seria o exemplo máximo daquela superioridade, portanto, destinada a liderar o Planeta. Para os integralistas portugueses, estes descendiam de uma raça europeia diferenciada, originada na Península Ibérica, com ramificações pelo Norte da África e partes da América, e dona de certas singularidades que deveriam ser preservadas e valorizadas no seu território.

Já no Brasil, os integralistas compreendiam que a “raça brasileira” estava em processo de construção, a partir da miscigenação entre brancos, indígenas e negros, sob a hegemonia cultural dos primeiros. Para além das singulares adaptações da eugenia à sua realidade demográfica e aos seus interesses políticos, as duas manifestações integralistas tinham outras semelhanças. Governos autoritários e centralizadores também agradavam o reacionarismo luso e o brasileiro, o que levou ambos a manifestarem simpatia pelo nazifascismo. Em Portugal, apoiaram o governo de Sidónio Pais (1872-1918) e o golpe militar de 28 de maio de 1926. Integralistas dos dois países apoiaram inicialmente os regimes ditatoriais autodenominados Estado Novo, em Portugal, a partir de 1934, liderado por António Salazar, e no Brasil, a partir de 1937, sob comando de Getúlio Vargas. Em Portugal, o Integralismo surge em 1914 e o realismo em 1924, respectivamente, 4 e 14 anos após a instauração da república. Já o patrianovismo brasileiro surge em 1928, a Frente Negra Brasileira em 1931 e a Ação Integralista Brasileira em 1932, bem mais distantes da data de instauração da república, que ocorrera em 1889.

Cronologicamente, é possível afirmar que aqueles movimentos se originaram no país europeu e foram exportados posteriormente para o Brasil. Contudo, considerando a emergência no período de movimentos semelhantes em toda a Europa e em boa parte do mundo, o mais prudente é afirmar que se influenciaram mutuamente. As semelhanças podem ser percebidas na adoção de aspectos do positivismo, em que pese se oporem explicitamente àquela corrente de pensamento. Por outro lado, uma dissemelhança marcante foi a íntima ligação entre monarquistas e integralistas em Portugal, o que não se via no Brasil. Já o catolicismo foi um dos grandes eixos dos dois, e a defesa de um Estado teocrático levou a que considerassem a necessidade do catolicismo como religião oficial, por ser “um dos pilares da união nacional”. A eugenia diferenciada de portugueses e brasileiros que militavam nesses movimentos foi fator fundamental do sucesso daquelas entidades conservadoras. No país europeu, a afirmação da “raça” resgatava a autoestima lusitana, afetada pelas leituras racistas de outros europeus, que os desqualificavam. Os brasileiros foram ainda mais originais e sustentavam que a miscigenação era positiva e capaz de criar a “nova raça brasileira”, que construiria a “sociedade integral”.

Assim, embora a elaboração teórica dos integralistas brasileiros derive da eugenia, não é possível afirmar que sua ideologia era francamente racista. Além do fato de que, em várias ocasiões, se manifestaram de maneira explícita contra a discriminação racial e a supremacia branca. A realidade demográfica no Brasil e o protagonismo dos negros “assimilados” levou, ainda, à adaptação das propostas integralistas e à defesa da meritocracia, adotando parte do pensamento liberal que exaltava a ascensão social individual em detrimento da coletiva.

Estes mesmos “assimilados”, por sua vez, manifestavam desde a “abolição” e da instauração da república um conservadorismo semelhante: defendiam a volta da monarquia e o autoritarismo, eram nacionalistas, católicos, anticomunistas e cultuavam o mito da princesa redentora, desprezando o protagonismo de seus antepassados na luta contra a escravidão. Três anos antes do surgimento da AIB e quatro anos antes do início das atividades da FNB, aqueles negros, que se diferenciavam da massa de desempregados e subempregados que sobreviviam no limiar da legalidade, haviam inaugurado o movimento patrianovista, resultado da busca por ascensão social dentro da ordem estabelecida, a partir dos valores impostos pelas classes dominantes. Classificados genericamente como “mulatos”, aproveitavam-se da gradação cromática (Munanga, 1999MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999., pp. 93-94), base do singular racismo brasileiro, expressão que, para além de explicitar a epiderme, classificava os cidadãos a partir de referências culturais, econômicas e sociais. Em contrapartida, ajudaram a “enegrecer” o fascismo brasileiro e aproximá-lo das camadas populares, estabelecendo importantes pontes de diálogo e alianças com o reacionarismo branco que, na ausência de uma aristocracia negra, naturalmente solidária com a sociedade estamental que defendiam, adotou a meritocracia como fator de distinção, flexibilizando as convicções originais, em favor do pensamento liberal.

Constatou-se, assim, que a adesão daquela “elite negra assimilada” às propostas da extrema-direita não pode ser reduzida à simples cooptação e menos ainda a uma suposta omissão e distanciamento da esquerda frente às demandas dos afro-brasileiros, temas já tratados em artigo anterior (Jacino, 2022JACINO, Ramatis. Frente Negra, Ação Integralista e o conservadorismo como estratégia de enfrentamento ao racismo - 1930-1937. Revista de História, São Paulo, n. 181, pp. 1-29, 2022.). Essas interpretações partem da premissa que considera os negros sujeitos passivos da história e que suas opções ideológicas são resultantes do comportamento de outros grupos sociais e não de decisões endógenas. Confrontada com a literatura que se debruça sobre o tema e o período, a documentação analisada permite concluir que sua adesão às ideologias reacionárias foi resultante de uma escolha consciente e pragmática, consonante à sua condição de “assimilados” - denominação derivada de “negros da casa”, que lhes foi atribuída, ao longo da escravidão, pelos senhores e por seus irmãos que permaneciam no eito.

REFERÊNCIAS

  • AÇÃO IMPERIAL PATRIANOVISTA Brasileira. Documento avulso. São Paulo (Centro de Documentação e Informação Científica - PUC, CEDIC). 1933.
  • ACÇÃO REALISTA, n. 01, 22 maio 1924. Coimbra (Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra). 1924. Disponível em: Disponível em: https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/periodicos/accaorealista/accaorealista.htm Acesso em: 3 jul. 2024.
    » https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/periodicos/accaorealista/accaorealista.htm
  • ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente: estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro (1808-1822). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1983.
  • ANÚNCIOS. Correio Paulistano, São Paulo, 17 abr. 1872. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - APESP). 1872.
  • ANÚNCIOS. Diário Popular, São Paulo, 1º nov. 1887. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - APESP). 1887a
  • ANÚNCIOS. Diário Popular, São Paulo, 30 nov. 1887. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - APESP). 1887b.
  • BARBOSA, Márcio. Frente Negra Brasileira: depoimentos. São Paulo: Quilombhoje, 1998.
  • BEIRÃO, Caetano. Uma campanha tradicionalista: com um estudo de António Sardinha. Lisboa: Domingos & Franco Editores, 1919.
  • BEIRÃO, Caetano. A Nação Portuguesa. Coimbra, série II, n. 10, p. 01, jul. 1922.
  • BEIRÃO, Caetano. A Nação Portuguesa , Coimbra, série II, n. 11, p. 03, ago. 1922.
  • BEIRÃO, Caetano. O Quinto Império. A Nação Portuguesa , Coimbra. série II, n. 3, p. 5, jan. 1922.
  • CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo: Abril, 2010.
  • CAZETTA, Felipe A. Deus, pátria, família... monarquia: Ação Imperial Patrionovista e Ação Integralista Brasileira - choque e consonâncias. Boletim do Tempo Presente, n. 4, pp. 1-12, 2013.
  • CÓDIGO CRIMINAL DO IMPÉRIO DE 1830. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm Acesso em: 25 jun. 2024.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm
  • CÓDIGO DE POSTURA MUNICIPAL de 6 de outubro de 1886. Coleção: Leis da Província de São Paulo - Posturas Municipais. São Paulo (Arquivo Público do Estado de São Paulo - AMSP). 1886.
  • CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DE 1890. Disponível em: Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496205 Acesso em: 25 jun. 2024.
    » http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496205
  • COSTA, Emilia Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo: UNESP, 2006
  • CRUZ, Natalia dos Reis. O integralismo e a questão racial: a intolerância como princípio. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2004.
  • CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Pé de Letra, 2020 [1902].
  • DECRETO N. 1.331-A, de 17 de fevereiro de 1854. Disponível em: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html Acesso em: 24 ago. 2020.
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1331-a-17-fevereiro-1854-590146-publicacaooriginal-115292-pe.html
  • DECRETO N. 7.031, de 6 de setembro de 1878. Disponível em: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/ Acesso em: 24 ago. 2020.
    » https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/
  • DOMINGUES, Petrônio. O “messias” negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978): “Viva a nova monarquia brasileira; Viva Dom Pedro III!”. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 22, n. 36, pp. 517-536, 2006.
  • DOMINGUES, Petrônio José. Os “pérolas negras”: a participação do negro na Revolução Constitucionalista de 1932. Afro-Ásia, pp. 199-245, n. 29-30, 2003.
  • ESTATUTO DOS INDÍGENAS PORTUGUESES das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique (Decreto-Lei n. 39.666, de 20 de Maio de 1954). Disponível em: Disponível em: https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/7523.pdf Acesso em: 20 jun. 2022.
    » https://www.fd.unl.pt/Anexos/Investigacao/7523.pdf
  • ESCOBAR, Giane Vargas. Clubes sociais negros: lugares de memória, resistência negra, patrimônio e potencial. Dissertação (Mestrado em Patrimônio Cultural) - Centro de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, 2010.
  • FERREIRA, Ana Emília Cordeiro Souto; CARVALHO, Carlos Henrique de. 2018. Escolarização e analfabetismo no Brasil: Estudos das mensagens dos presidentes dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Norte - 1890-1930. Disponível em: Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://sites.pucgoias.edu.br/pos-graduacao/mestrado-doutorado-educacao/wp-content/uploads/sites/61/2018/05/Ana-Em%C3%ADlia-Cordeiro-Souto-Ferreira_-Carlos-Henrique-de-Carvalho.pdf Acesso em: 25 jun. 2024.
    » chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://sites.pucgoias.edu.br/pos-graduacao/mestrado-doutorado-educacao/wp-content/uploads/sites/61/2018/05/Ana-Em%C3%ADlia-Cordeiro-Souto-Ferreira_-Carlos-Henrique-de-Carvalho.pdf
  • FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Rio de Janeiro: Record, 1987.
  • FURTADO. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1987.
  • JACINO, Ramatis. Desigualdade Racial no Brasil: Causas e Consequências. São Paulo: ÌMÓ, 2019.
  • JACINO, Ramatis. Frente Negra, Ação Integralista e o conservadorismo como estratégia de enfrentamento ao racismo - 1930-1937. Revista de História, São Paulo, n. 181, pp. 1-29, 2022.
  • LEI N. 601, de 18 de setembro de 1850. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm Acesso em: 25 set. 2022.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0601-1850.htm
  • MANIFESTO DA AÇÃO INTEGRALISTA Brasileira, 07 de Outubro de 1932. Disponível em: Disponível em: https://www.integralismo.org.br/manifesto-de-7-de-outubro-de-1932/ Acesso em: 13 jun. 2021.
    » https://www.integralismo.org.br/manifesto-de-7-de-outubro-de-1932/
  • MOURA, Clóvis (estudo crítico). Imprensa Negra. Legendas: Miriam N. Ferrara. Edição fac-similar. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Sindicato dos Jornalistas do Estado de SP, 2002.
  • MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes, 1999.
  • SALGADO, Plínio. 13 de Maio. Anauê, São Paulo, n. 16, [ n.p.], maio 1937.
  • SALGADO, Plínio. Comando Personalista, São Paulo, p. 7, dez. 1933.
  • SALGADO, Plínio. Os dez mandamentos comunistas. Anauê, São Paulo , n. 11, p. 01, jan. 1937.
  • SARDINHA, António. [Editorial]. A Nação Portuguesa . Coimbra, série I, n. 7, p. 1, jan. 1915.
  • SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
  • SEM ASSINATURA. A confraternização das “raças”. Anauê, São Paulo , n. 19, [n.p.], ago. 1937.
  • SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. 3ª Ed., revista e ampliada. São Paulo: Editora Contracorrente, 2018.
  • STEIN. Stanley J. Grandeza e Decadência do Café. São Paulo: Brasiliense, 1957.
  • TSCHUDI, Joahann Jakob Von. Viagem às Províncias do Rio de Janeiro e S. Paulo. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1980.
  • A VOZ DA RAÇA. 1933-1937. Disponível em: Disponível em: http://bndigital.bn.br/acervo-digital/voz-raca/845027 Acesso em: 2 jul. 2023.
    » http://bndigital.bn.br/acervo-digital/voz-raca/845027
  • 1
    Originada para definir o lado ocupado pelos conservadores girondinos na Assembleia Nacional Constituinte, no bojo da Revolução Francesa, a palavra “direita”, expressando um posicionamento ideológico, classifica aqueles atores políticos e movimentos posteriores que se contrapunham à “esquerda”, expressão que tem a mesma origem e se refere aos radicais jacobinos. No final do século XIX e início do XX, autores como o francês Charles Maurras (20 abr. 1868-16 nov. 1952) foram ao extremo do pensamento conservador e passaram a reagir contra os ideais iluministas e até mesmo aspectos do pensamento renascentista, sendo classificados como de extrema-direita ou ultraconservadores. Nas primeiras décadas do século XX, aquele pensamento foi materializado em movimentos políticos que se iniciam conservadores, mas evoluem para a reação e o ultraconservadorismo. A abordagem desenvolvida nesse trabalho parte da premissa de que o reacionarismo e o ultraconservadorismo, genericamente classificados como posturas de extrema-direita, representam a maximização e a evolução “natural ” do conservadorismo.
  • 2
    Personagem de “Os LusíadasCAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo: Abril, 2010.”, poema épico de Luiz Vaz de Camões.
  • 3
    Referem-se à instauração da República em 15 nov. 1889.
  • 4
    Cujas palestras deram origem a artigos que foram organizados e publicados em formato de livro em 1915, sob o mesmo título.
  • 5
    Trata-se de uma formulação mítica e religiosa, presente em Camões e nos escritos do Padre Antônio Vieira, que considera Portugal e Espanha como origem de um império que congregaria todo o planeta, sucessor natural dos grandes impérios da história clássica. A essa formulação se soma o mito de Dom Sebastião, que teria sido arrebatado por Deus na batalha de Alcácer-Quibir, e estaria destinado a retornar para implementar o reino de Deus na Terra.
  • 6
    Texto apócrifo, em formato de ata de reunião, que atribuía aos judeus uma conspiração em aliança com a maçonaria para o domínio mundial. Denunciado como ilegítimo pelo jornal britânico The Times, em 1921, e admitido como falso em 1931 pelo seu autor, o monarquista russo Anton Idovsky, mesmo assim continuou a ser utilizado como argumento antissemita. A Alemanha nazi valeu-se desse documento para perseguir os judeus e, no Brasil, o golpe de Estado protagonizado por Getúlio Vargas utilizou como argumento a existência do “Plano Cohen”, suposta conspiração entre os comunistas e os judeus para dominar o País.
  • 7
    Teixeira Gomes seria substituído, em dezembro daquele ano, por Bernardino Luis Machado Guimarães (1851-1944), que encerrará o primeiro período da república, ao sofrer um golpe militar liderado por José Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa, em 28 de maio de 1926.
  • 8
    Especialmente a partir da publicação do Slave Trade Suppression Act (Lei Bill Alberdeen), promulgado em 8 de agosto de 1845, que autorizava os britânicos a aprender qualquer navio suspeito de transportar escravizados no oceano Atlântico.
  • 9
    Exemplos: Código Criminal do Império de 1831; Código Penal da República de 1890CÓDIGO PENAL DA REPÚBLICA DE 1890. Disponível em: Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496205 . Acesso em: 25 jun. 2024.
    http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id...
    .
  • 10
    No Brasil, a hierarquização social a partir de 1888 se deu nos usos e costumes, e tinha como base a maneira como os brancos se referiam aos africanos ao longo do período escravista: “negro ladino” era aquele que havia se aculturado, enquanto era considerado “negro boçal” o escravizado que resistia à cultura europeia. A expressão “assimilados”, tomada de empréstimo da legislação colonial portuguesa, que concedia direitos diferenciados aos habitantes das colônias, me parece adequada para definir aquele grupo social no Brasil.
  • 11
    A expressão eugenia, cunhada pelo inglês Francis Galton (16 fev. 1822-17 jan. 1911), tinha como objetivo identificar os “melhores” membros das comunidades para estimular sua reprodução e, ao mesmo tempo, diagnosticar os “degenerados”, evitando sua multiplicação. A afirmação da expressão “mulato” como decorrência do pensamento eugênico se explica pelo fato de que este previa a melhora das “raças superiores” (os brancos) e a eliminação das “raças inferiores”. Esta se daria por meio da segregação e do impedimento da sua reprodução (eugenia negativa), ou do incentivo à miscigenação, como forma de melhorar a qualidade das novas gerações de não brancos (eugenia positiva). Seus partidários propunham, ainda, que o Estado, tendo como base os estudos e iniciativas para produção de animais, interferisse na demografia humana, de maneira a privilegiar a permanência e o aprimoramento da “raça superior” e a eliminar paulatinamente as “inferiores”. No Brasil, foi utilizado como parâmetro o cruzamento do cavalo com a jumenta (ou do jumento com a égua), que criou um animal híbrido, robusto, com grande força física e resistência, a mula. Esse animal, todavia, em virtude do número irregular de cromossomas, é, na maioria das vezes, estéril, defeito genético que, para os eugenistas, também viria a se manifestar nos humanos miscigenados, pois, ainda que fossem capazes de se reproduzir, na qualidade de “amulatados” herdariam outros defeitos congênitos, de ordem física e moral. Portanto, na hierarquização criada por aqueles pensadores, o “mulato” era um ser que ficava a meio caminho entre a superioridade branca e a inferioridade dos pretos.
  • 12
    Arlindo Veiga dos Santos, por exemplo, já tinha três obras publicadas quando do lançamento do movimento: Os filhos da cabana (1923), Amar... e amar depois (1923) e O carnaval (1925).
  • 13
    A expressão Anauê é explicada em artigo de Câmara Cascudo, no n. 12, como saudação do tupi-guarani, que significaria “você é meu irmão”.
  • 14
    Tentativa de insurreição, ocorrida entre 23 e 27 de novembro de 1935, liderada por militares de esquerda, com apoio do Partido Comunista, com o objetivo de tirar Vargas do poder.
  • 15
    Refere-se ao polêmico despacho de Ruy Barbosa, então ministro da Fazenda, publicado em 14 de dezembro de 1890, ordenando a destruição de documentos referentes à escravidão.
  • 16
    Editor do jornal Clarim da Alvorada desde 06 jan. 1924, portanto, bem antes do surgimento da FNB e até mesmo do patrianovismo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2023
  • Aceito
    12 Jun 2024
Associação Nacional de História - ANPUH Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Caixa Postal 8105, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel. / Fax: +55 11 3091-3047 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbh@anpuh.org