Open-access Sovereignty, State Powers and Provincial Autonomy at the Time of the 1823 Constituent Assembly: “Liberal-moderate” Conceptions in Miguel do Sacramento Lopes and José Bernardino Batista Pereira d’Almeida

rbh Revista Brasileira de História Rev. Bras. Hist. 0102-0188 1806-9347 Associação Nacional de História - ANPUH ABSTRACT This article evaluates conceptions of the State presented between 1822 and 1823, with characteristics which, later on, after the political reopening of 1826, acquired visibility as those of the so-called “liberal-moderates”. Blurred at the time of the Constituent Assembly by the antagonism between the positions deemed to be “liberal-radical” and “aulic”, their recovery contributes to the reconstitution of the mosaic of positions presented from then on for the construction of the national State. In order to do so, I comparatively approach the conceptions developed in the periodical O Conciliador Nacional, by Miguel do Sacramento Lopes, from Pernambuco, and in the books of José Bernardino Batista Pereira d’Almeida, from Espírito Santo. Nos debates apresentados na imprensa da Independência sobre as concepções de Estado-nação desenvolvidas à medida que se consubstanciava o processo de separação do Brasil de Portugal, adquiriram grande visibilidade, como se sabe, as formulações apresentadas, de um lado, pelos próceres considerados liberal-radicais, e, de outro, pelos chamados áulicos. Sumariamente, no que se refere à organização do Estado, os primeiros centravam-se na exaltação do poder legislativo, na instituição da nação por parte do povo, que estaria nesse poder representado, e na radicalização da autonomia provincial. De modo contrário, os áulicos privilegiavam o poder executivo, concebiam a instituição da nação por parte do monarca e não davam espaço à autonomia provincial (Basile, 2011). No espectro geográfico desse debate, estavam o atual Nordeste, em que havia hegemonia da imprensa liberal-radical, com grande destaque para Pernambuco, e o Rio de Janeiro, onde se desenvolviam jornais de ambas as filiações (Lustosa, 2000; Oliveira, 1999; Nascimento, 1969; Sodré, 1966). Contudo, embora sem a mesma visibilidade, apresentavam-se outros matizes de posicionamento. Dessa forma, em Pernambuco, Miguel do Sacramento Lopes, nas páginas do seu periódico Conciliador Nacional, publicado entre meados de 1822 e fins de 1823, contrapunha-se às concepções liberal-radicais hegemônicas na imprensa daquela província, assumindo, porém, concepções que se contrapunham também aos posicionamentos áulicos de parte das suas elites. Por sua vez, fora do espectro da imprensa regular, o capixaba José Bernardino Batista Pereira de Almeida, em livros publicados entre fins de 1822 e início de 1823, expunha formulações em que articulava as concepções unitárias à valorização do Legislativo e da autonomia provincial. Sob ângulos diferentes, mas complementares, os posicionamentos apresentados por Miguel Lopes e José Bernardino convergiam no sentido de uma mesma concepção de Estado-nação, que também se apresentava nos debates constituintes. Mas, embora tenham adquirido muita visibilidade na imprensa e na Câmara dos Deputados a partir da reabertura parlamentar de 1826 e do abrandamento da censura (Pereira, 2010; Armitage, 1981), esses posicionamentos - que podem ser identificados como liberal-moderados - ficaram, naquele momento, ofuscados pela forte contraposição entre áulicos e liberais-radicais. Com vistas a recuperar a diversidade dos projetos de Estado que se apresentavam no momento da Independência, as concepções desses próceres - após uma breve exposição das suas inserções sociopolíticas - serão analisadas com vistas a temáticas fundamentais para a construção do Estado-nação brasileiro, no quadro da instituição do então moderno Estado liberal: a soberania do poder central, a relação entre os poderes de Estado - sobretudo, entre Legislativo e Executivo - e a questão da autonomia provincial. FREI MIGUEL: UMA VOZ MODERADA NO PERNAMBUCO CONSTITUCIONAL Nascido no Recife em 29 de setembro de 1791, Miguel do Sacramento Lopes Gama ordenou-se beneditino em 1805 e, em 1817, tornou-se lente de Retórica do Seminário de Olinda, fundado em fins do século XVIII e notabilizado por sua orientação de teor iluminista. Ao se ordenar, excluiu o sobrenome Gama, só retomado quando se secularizou, em 1834 (Feldman, 2012, p. 25)1. Considerado “uma das figuras mais lúcidas da época” (Sodré, 1966, p. 84)2, Frei Miguel fundou no Recife, em quatro de julho de 1822, o seu jornal, o Conciliador Nacional, que perdurou até outubro de 1823. Num contexto hegemonizado, no plano da imprensa periódica, pelos liberais radicais, em oposição ao centro de poder que se construía no Rio de Janeiro3, Frei Miguel apresentou suas concepções unitárias, propondo, ao contrário, a aproximação com o Governo Central4. Como bem ressaltou Feldman (2012, pp. 32ss), o campo unitário pernambucano, durante a Independência e o Primeiro Reinado, foi, com exceção de alguns autores - como Evaldo Cabral de Mello e Marcus Carvalho -, pouco adensado por uma historiografia crítica, que deu grande visibilidade aos posicionamentos que se opunham ao Rio de Janeiro, em contraponto à historiografia tradicional, que narrara a história do período sob a ótica do que se passara na Corte. Por sua vez, como também mostrou esse autor, os trabalhos específicos sobre Lopes Gama pouco trataram das suas concepções políticas e, assim mesmo, apenas a partir das Regências, obliterando-se os períodos anteriores5. Pertencente, pelo lado materno, ao clã familiar dos Gama, de longa tradição em Pernambuco - e que, no momento da separação, atuou localmente no sentido da centralização áulica -, Miguel Lopes não participara da Revolução de 1817, embora condenasse enfaticamente a sua repressão. Foi, em linhas gerais, favorável (Mello, 2004, p. 110; Feldman, 2012, p. 66) à Junta de Governo que substituiu o governo revolucionário de Gervásio Pires Ferreira, em setembro de 1822, e condenou a Confederação do Equador, de 1824, movimento, como se sabe, de caráter separatista e republicano; comportamentos políticos esses que provavelmente contaminaram o modo como foi referido o seu jornal, considerado, em obras de história da imprensa, como alinhado aos conservadores (Sodré, 1966, p. 84), ou “reacionário” (Nascimento, 1969, p. 33). Em sentido semelhante se posicionou Evaldo Cabral de Mello, ao analisar a atuação de Miguel Lopes no “governo dos matutos”, como foi designada a junta favorável ao Rio de Janeiro, que substituiu aquela comandada por Gervásio Pires (2004, pp. 113-162)6. Por sua vez, Feldman, autor de trabalho seminal sobre a trajetória política do beneditino (2012), não levou em conta, ao avaliar os posicionamentos do Conciliador Nacional, as diferenças entre os projetos de construção do Estado “unitário” que se apresentavam no Pernambuco da Independência e do início do Primeiro Reinado. Dessa forma, considerou que, ao se contrapor Frei Miguel ao modo como os chamados liberais-radicais defendiam a autonomia provincial - que intitulavam de “federativa” -, teria ele se alinhado às concepções unitárias dos áulicos pernambucanos (Feldman, 2014, p. 14). Observe-se que, de um modo geral, os áulicos defendiam ser “o Imperador o verdadeiro Pai da Pátria” (Basile, 2011, p. 178), seguindo [...] a linha do liberalismo conservador, à maneira de Edmund Burke; assim, incorporavam postulados liberais básicos (constitucionalismo, divisão de poderes, representação política, direitos de cidadania), mas não abriam mão de um Estado forte (centralizado), reticente a reformas políticas e sociais, calcado em valores aristocráticos... (Basile, 2011, p. 174). Contudo, a avaliação das concepções expostas no Conciliador indica outra visão política, fundamental de ser recuperada, na matização do espectro dos projetos apresentados naqueles anos da Independência. Tratava-se da formulação, já naquele momento, de concepções unitárias passíveis de se avaliar como liberal-moderadas, com relevância para as temáticas da soberania, da ordem, dos poderes de Estado e da instituição militar7. No primeiro número do seu jornal - editado, sintomaticamente, um mês após a convocação da Assembleia Constituinte e Geral das Províncias do Brasil, pelo ainda regente Pedro -, Miguel Lopes expôs amplamente as bases do seu pensamento liberal. No quadro da disputa então travada, a configuração da soberania constituiu uma das suas preocupações centrais. Tema que ocupou sobremaneira o debate constitucional de 1823, opunham-se as formulações sobre originar-se ela, primordialmente, da figura imperial, ou do povo-nação (Slemian, 2006, pp. 80ss). O beneditino compartilhou claramente, nessa dimensão, os mesmos posicionamentos dos liberais-radicais: defendia que as “bases” da Constituição a ser elaborada deveriam ser construídas sobre o direito natural que, por sua vez, tinha por “axiomas políticos fundamentais” residir a soberania da Nação “essencialmente” nela mesma, instituindo-se por intermédio do “povo”, sendo “todo cidadão livre”. Colocou-se claramente contra a ideia de base “patriarcal” das Monarquias, afirmando ser “evidente que não são os Reis que fazem as Nações, mas sim que o consenso das nações é que faz os Reis (O Conciliador Nacional, n. 1, 1822) - formulação que levava à clássica concepção liberal da representação: Não sendo possível, que todos os homens convenham em a mesma coisa, sendo impraticável, que todos se reúnam num mesmo lugar, e nem podendo a sociedade ser governada por todos, pois seria o mesmo, que não ser governada por nenhum; a razão ensina que, para dar-se vontade geral, bastam os votos da maior parte da Nação, representada por seus Deputados, ou Procuradores, em os quais coletivamente existe por delegação a Soberania do Povo (O Conciliador Nacional, n. 1, 1822). A supremacia do poder legislativo estaria, porém, submetida à soberania popular. Assim como os liberais-radicais, Frei Miguel considerava a possibilidade do não cumprimento das decisões do Legislativo, ou o rompimento do pacto nele representado, se contrariada essa vontade soberana. Em formulações dirigidas inicialmente ao “Congresso” reunido em Lisboa, observa-se a radicalidade liberal de Frei Miguel, ao centrar na “Soberania do Povo”, independentemente da forma monárquica do Estado, o seu conceito de pacto que, realizado pela representação dos deputados ou procuradores, poderia ser desfeito se o Legislativo deixasse de corresponder aos desígnios que o informaram. Por sua vez, nada indica que semelhante concepção tenha se alterado em relação à “Assembleia Brasílica”. Em fins de maio de 1823, o publicista se dirigia aos “Deputados”, como representantes da “Soberania Brasiliense”, constituída pelos “Povos, que vos constituíram em Procuradores...” (O Conciliador Nacional, n. 18, 1823). No que se refere à instituição soberana da nação, o que diferenciava Miguel Lopes dos liberais-radicais era o seu conceito de ordem, que, por sua vez, implicava em diferenças a respeito da soberania do próprio Legislativo. Na sua visão, as formulações compactuadas entre ele e seus opositores8 teriam levado a interpretações a seu ver extremamente equivocadas a respeito da liberdade política dos indivíduos e grupos em sociedade. Ter-se-ia assim concebido que a soberania popular justificava ações abruptas visando “mudar o sistema atual, dissolver os Governos, apear as Autoridades, distribuir ao seu sabor empregos, e ofícios, e fazer, e desfazer-se sem outra razão, ou lei, que o seu capricho, pelo simples fato da Soberania” (O Conciliador Nacional, n. 18, 1823). Para o beneditino, por esse caminho não poderia “haver sistema permanente, e a máquina política seria a toda hora desmontada”. Considerava que, num momento crucial em que o Estado constitucional se fazia sobre as cinzas do absolutismo, a recusa a essa construção levaria ao avesso da medalha absolutista: “se o antigo Governo flagelava pelo despotismo de certo número de Áulicos, e seus aderentes; o novo (entendido daquela maneira) arrastaria os Povos aos horrores da anarquia, que é o despotismo de todos” (O Conciliador Nacional, n. 18, 1823). Observe-se, porém, que essa forma de defesa da ordem se dava nos termos clássicos do liberalismo, em que não se inscreveu a insurreição como direito ordinário (Locke, 1947)9. Concepções semelhantes às expostas pelo beneditino foram também expressas em diversos pontos dos Artigos Federalistas, tratando da instabilidade governamental, associada à rebelião e à anarquia (Madison; Hamilton; Jay, 1987, por exemplo, as pp. 348-350, 393-395, 399-402). O próprio Frei Caneca discorria sobre os benefícios sociopolíticos trazidos pela monarquia constitucional em relação ao “governo democrático”, pois “estanca os furores de um povo indiscreto e volúvel” (Mello, 2001, p. 117). De acordo com o conceito de ordem que esposava, para Frei Miguel a autoridade legislativa também não poderia ser irresponsavelmente desobedecida. Em julho de 1822 - quando ainda não se consumara a Independência, embora com a Constituinte brasileira já convocada pelo regente -, afirmava ele: “apesar de que o Povo coletivamente considerado, tenha, como fica dito, a Soberania; é da boa ordem para a sua mesma felicidade, que guarde todo o respeito, e obediência razoável ao Supremo Congresso, que foi escolha da sua livre vontade” (Mello, 2001, p. 117). A disputa entre O Conciliador e os periódicos a ele oponentes adquiriu um matiz de grande importância no que se refere ao modo de se conceberem as atribuições parlamentares. Não se tratava apenas, como de um modo geral se atribui aos liberais-radicais, da valorização do Legislativo em face do Executivo, mas dos poderes que o primeiro teria para se impor à nação que então se constituía, num Estado soberano no qual ele teria um papel fundamental. O beneditino contrapôs-se à argumentação que conferia aos poderes regionais e locais uma soberania praticamente absoluta, ao afirmar que não se podia “admitir Soberania em uma só Província, [...] Cidade, ou Vila” (Mello, 2001, p. 117). Uma vez constituído, era do Congresso que deveria emanar a organização social de uma nação. Dele dependeriam não apenas as leis civis e criminais, mas também a constituição do “emprego publico”, bem como a organização das províncias. Outorgava-se assim, à soberania nacional - “Soberania do Povo” -, representada no Legislativo, o poder de se construir o novo Estado, por sobre as diferentes partes que o compunham. Observa-se, desse modo, que no cerne do projeto liberal de Miguel Gama questionava-se a absolutização da autonomia provincial, e não a soberania popular ou a primazia do Legislativo na distribuição entre os poderes do Estado liberal; temática que se reapresenta nas suas concepções sobre a organização militar do Estado. Ele condenava a existência de Força Armada própria às províncias e defendia a formação de um exército regular subordinado ao Executivo, mas, ao mesmo tempo, batia-se pela redução dos seus efetivos, cujo controle deveria se subordinar ao Legislativo, e previa a criação de “Guardas-Cívicas” nas províncias (O Conciliador Nacional, n. 36, 1823). Supunha que, assim que a Independência fosse garantida, o “Soberano Congresso” deveria cuidar da redução do “Exercito Braziliense” (O Conciliador Nacional, n. 36, 1823). Na sua análise, enfatizava ainda o mal produzido pelos recrutamentos militares, que traziam, sobretudo, prejuízo à agricultura, e recriminava o incremento das despesas militares numa situação financeira precária, tal qual se encontrava o Brasil. Anteriormente, contra a introdução de mercenários, criticara a decisão de D. Pedro I de criar “Tropas Estrangeiras” junto ao Exército brasileiro (O Conciliador Nacional, n. 18, 1823)10. Também é interessante observar a condenação que, como outros próceres da Independência, Miguel Lopes fazia da “aristocracia”, propondo, de modo semelhante a Cipriano Barata, a instituição de um “governo misto”, que “equilibrasse todas as classes, sem tornar nenhuma privilegiada” (O Conciliador Nacional, n. 18, 1823). Em oposição aos “áulicos”, Miguel Lopes era contra a adoção da Constituição inglesa e revoltava-se por ser ela invocada como modelo para o Brasil. Avaliava a diferença da história entre os dois países, a existência da aristocracia na Inglaterra, e “felizmente” a sua ausência no Brasil. Defendia energicamente a liberdade de imprensa, como “[...] poderosíssimo baluarte contra o despotismo”, que permitia ao povo “ilustrar-se e transformar-se”. Instruía os deputados que “a Liberdade de Imprensa fosse uma das vossas primeiras leis, pois sem ela a melhor Constituição é letra morta, e o despotismo engenhoso [...]” (O Conciliador Nacional, n. 18, 1823). Embora privilegiando os poderes legislativos na divisão de poderes do Estado, cuja soberania instituía-se pelo povo-nação, e minimizando a força do Exército, o fato de Frei Miguel ter colocado os poderes congressuais acima dos provinciais, e de ter-se manifestado a favor do monopólio da violência pelo poder central, provocou forte resposta por parte dos liberais-radicais, o que acabou levando à referida avaliação historiográfica de ter ele se alinhado aos áulicos - avaliação essa em que se assumiu de modo acrítico o termo federação, contrapondo-o, com base em argumentos pautados na polaridade, à centralização áulica. No Pernambuco da época da Independência, porém, o “áulico” desembargador Bernardo José da Gama11 - conforme Mello (2004, pp. 96ss), um dos principais articuladores unitários/centralistas da Província - apresentava concepções de Estado com sentido bastante diverso do que o beneditino defendia. Em livro escrito no Rio de Janeiro em julho de 1823, esse expoente político do clã dos Gama, primo de Miguel Lopes, defendia, como que situados em polos opostos, os “Cooperadores de uma só Monarquia Brasílica”, em contraposição aos “dissidentes”, designados como aqueles que haviam defendido a junta de Gervásio Pires. Sua defesa do unitarismo se dava em torno da figura do Imperador, indicando as “vantagens de um sistema geral Brasílico consolidado na Pessoa de um só Príncipe”, como ocorrera no transcorrer de 1822 (Gama, 1823, p. 107). Salientava a importância de se ter uma Constituição no Brasil, mas não enaltecia a Constituinte, o processo legislativo em si. Pelo contrário, considerava o “Poder Executivo” como “Chefe da Nação” (Gama, 1823, p. 113) e alertava contra aqueles que, no seu entender, apenas aparentemente haviam aderido à “Causa” unitária, designando-os como “reincidentes”, posto que ligados aos rançosos princípios de Rousseau e sua sedutora teoria, entregam a grande empresa de fazer Leis a uma só Corporação isolada, e até desconhecem não só as diferenças dos Órgãos, que devem colaborar nessa empresa de Monarquias moderadas, mas também as correlações práticas da força moral, que deve coadjuvar ao seu Executor (Gama, 1823, pp. 106-107). Nesse diapasão, criticava diretamente o número 17 do Conciliador Nacional12, dada a defesa da doutrina de “igualar-se o Monarca ao Chefe do Executivo de uma República” (Gama, 1823, p. 107). Bernardo José da Gama defendia a adoção no Brasil do modelo da Constituição inglesa e colocava fortes limites à liberdade de imprensa. Em pleno meado de 1823, quando a repressão à imprensa fluminense corria solta13, considerava haver-se estabelecido, na “presente” “Monarquia Constitucional”, uma “justa liberdade de imprensa” (Gama, 1823, p. 106). Confirmando essas “acusações” do seu primo Bernardo, Miguel Lopes, no início de 1823, defendera a legitimidade do reconhecimento da eleição do padre Venâncio Henriques de Resende - representante “liberal-radical” pernambucano na Constituinte -, cuja validade era questionada pela Câmara de Olinda, devido ao que se consideravam posicionamentos “republicanos” do sacerdote. Referindo-se a Rousseau, ponderou o beneditino que a “República é qualquer Estado, ou associação Civil regido por leis, que tenham por objeto o bem público [...] a Monarquia mesmo, quando ela é assim, é República, e que todo Governo legítimo é Republicano” (O Conciliador Nacional, n. 9, 1823). Observa-se, desse modo, que Bernardo Gama e Miguel Lopes expunham diferentes concepções do Estado unitário. Se o primeiro apresentava ideias em consonância com as formulações áulicas, o segundo expunha concepções que iam se delineando em outras partes do país em formação, sem, contudo, ainda se caracterizarem como uma específica corrente política. PEREIRA D’ALMEIDA E A FORMULAÇÃO LIBERAL-MODERADA NO SUDESTE CONSTITUCIONAL Nascido em 20 de maio de 1783 em Campos dos Goytacazes - vila então pertencente à capitania do Espírito Santo -, José Bernardino Batista Pereira D’Almeida era “oriundo de família nobre e aristocrática”, tendo “nascido em rico berço” (Macedo, 1876, p. 79). Formou-se em leis em Coimbra e, entre 1815 e 1821, atuou no Brasil na magistratura, tendo sido, em 1820, condecorado com o hábito da Ordem Cristo, da qual chegou, posteriormente, a comendador. Eleito suplente pela província do Espírito Santo para as Cortes de Lisboa, escreveu, com vistas a subsidiar o seu representante efetivo, um livro intitulado Esboço sobre os obstaculos, que se tem opposto à prosperidade da Villa de Campos - trabalho publicado, porém, apenas em 1823, quase simultaneamente à publicação das suas Reflexões historico-politicas, um pouco antes da reunião da Constituinte, em 3 de maio daquele ano. Observe-se que ambos os trabalhos foram publicados pela tipografia de Silva Porto, importante livreiro e editor no Brasil da Independência (Ipanema; Ipanema, 2007). Se, no primeiro trabalho, abordara temas mais pontuais - criticando, entre outros fatores, a concessão de sesmarias, a monocultura e a forma como se davam os recrutamentos -, no segundo livro, imbuído de concepções iluministas14, apresentou, após uma breve exposição a respeito da história do Brasil, um importante roteiro do que considerava fundamental para o estabelecimento de um Estado liberal no Brasil. Na avaliação das suas propostas, identificam-se posicionamentos posteriormente considerados liberal-moderados que, naquele momento ainda sem alarde, alcançariam depois alta expressividade15. Numa definição clássica de princípios, José Bernardino considerava que o primeiro cuidado... do Congresso... a instalar-se... será sem dúvida a Constituição, e nela marcar as raias dos poderes, de sorte que a um não se possa atribuir as funções de outro, e que marchando todos em justo equilíbrio sem conflitos de jurisdição, sempre danosos, todos concorram para a salvação da Nau Política (D’Almeida, 1823b, pp. 38-39). Sem explicitar formulações a respeito da soberania, e expondo de modo aparentemente neutro o equilíbrio dos poderes de Estado, Batista Pereira valorizava pragmaticamente o Legislativo. Dessa forma, ao apreciar o papel do Ministério, evidenciava seu temor quanto a uma possível exacerbação do poder executivo, afirmando nada parecer-lhe “tão espinhoso como o Ministério”, cujo exercício, “revestido de grandes atributos”, implicava em muitos “perigos”. Defendia a responsabilidade dos Ministros, do que “dependerá a felicidade permanente, ou desgraça do Brasil... Leis sem execução é um esqueleto, que só mete medo às crianças... (D’Almeida, 1823b, pp. 39-40). Em relação ao Executivo, de acordo com sua visão unitária, Batista Pereira advogava pela legitimidade dos monopólios fiscal e da violência, ponderando, contudo, sobre a necessidade de redução das taxas cobradas e dos recrutamentos. Assim, reconhecia que “nenhuma nação pode infelizmente deixar de ter soldados, quer sejam temporários, quer permanentes” (D’Almeida, 1823a, p. 27), o que legitimava, portanto, a existência de um exército regular sob o comando do Executivo. Mas condenava o modo como se faziam os recrutamentos, que ocorriam no momento em que o jovem estaria em idade de se instruir, prejudicando a sua formação. Assim como Frei Miguel, criticava o prejuízo que os recrutamentos traziam à agricultura, devendo, portanto, serem reduzidos ao mínimo necessário (D’Almeida, 1823a, pp. 28s). Por sua vez, ele advogava o estabelecimento de uma administração fiscal justa e racional. No contexto da Independência e do início do Primeiro Reinado, a condenação dos abusos coloniais e absolutistas em relação à fiscalidade fez com que parte dos liberais-radicais negasse ao poder central a legitimidade em obter fontes de rendas regulares, ao mesmo tempo em que os áulicos exacerbavam as necessidades fiscais do Executivo. Com base na concepção unitária, Batista Pereira antecipou as propostas que se tornaram depois características dos liberais-moderados. Com um capítulo inteiro dedicado ao assunto, articulou, nas Reflexões, a instituição fiscal unitária, o exercício da cidadania e o clamor contra o abuso financeiro por parte do Executivo. Afirmando que “a nação quer, e é obrigada a concorrer para as despesas públicas”, estabelecia como princípio geral que “todo cidadão proprietário [...] concorrerá proporcionalmente às suas rendas, para os gastos da nação; é uma dívida que satisfaz pelas despesas e cuidado da sua segurança pessoal e bens” (D’Almeida, 1823b, pp. 84-86). Devia-se, contudo, “estabelecer o “modo” adequado para esse procedimento” (D’Almeida, 1823b, p. 84). Criticava severamente a administração fiscal, que atuava de modo dispersivo e perdulário, sendo “tantos os impostos” e, simultaneamente, “tanta míngua de dinheiro no Tesouro” (D’Almeida, 1823b, p. 84). Seria necessário, assim, “economizar as despesas, destruindo todos os cargos, e empregos inúteis, ou onerosos, e simplificar os necessários” (D’Almeida, 1823b, p. 84), o que traria proveito à “nação”, com pouco ônus aos contribuintes. A questão fundamental, na sua ótica unitária não-áulica, residia nos procedimentos a serem adotados para a racionalização e a transparência na forma de se realizar essa cobrança. E é também nesta dimensão importantíssima para a organização do Estado que a visão moderada desse autor se apresenta. Em vez da centralização executiva, ele privilegiava o poder legislativo e o concurso provincial. Desse modo, a criação dos impostos e o seu sistema de cobrança deveriam ser rigorosamente estabelecidos entre Congresso, Juntas Provinciais e Câmaras Municipais. Invocando concepções de Adam Smith sobre a temática, considerava que o lócus de cobrança dos impostos estaria na cidade ou vila, o que garantiria ao “cidadão concorrer para os gastos públicos”, com controle dos procedimentos fiscais adotados. As formulações de Batista Pereira sobre a fiscalidade remetem, dessa maneira, para a concepção de autonomia provincial entre os “unitários”. Diferentemente dos áulicos, que, como referido, não lhe davam espaço, tal questão se apresentava nos seus escritos, uma vez assegurada a soberania do poder central. No momento em que José Bernardino escrevia, um pouco anterior à reunião da Constituinte, as distinções no campo unitário quanto à autonomia provincial não haviam obtido visibilidade, o que marca a originalidade das suas propostas. Das 89 páginas do seu livro, José Bernardino dedicou 16 para tratar do tema, adiantando formulações específicas para pensar o “modo regulamentar de conservar as Províncias, e fazê-las prosperar livres do despotismo [...]” (D’Almeida, 1823b, p. 67). É fundamental observar que, na visão desse autor, as províncias precisariam ser “conquistadas” para a União. Tratava-se de uma construção que, no seu pensamento, seria possível mediante a articulação de uma via de mão dupla. De um lado, por parte da União, haveria o respeito aos interesses provinciais, assegurando os seus direitos; de outro, por parte das províncias, haveria a compreensão de que somente por meio da união seria possível a melhor realização desses mesmos interesses. Desse modo, devendo as províncias se sentirem “cheias daquele respeito necessário, de sorte que seguras dos seus direitos, e da atenção a elas prestada, jamais se afastarão do verdadeiro caminho da obediência, e união com o centro” (D’Almeida, 1823b, p. 71). Pragmaticamente, o magistrado levantou vários meios para a realização desse movimento centrífugo em relação ao poder central, realçando, entre outros fatores, a organização político-administrativa. Deu grande importância ao que denominava “Poderes Provinciais”, tratando em detalhes dos procedimentos institucionais a serem, para tanto, adotados, envolvendo também os municípios. Incorporou, desse modo, no seu projeto de Estado, um significativo nível de autonomia para as províncias, em que o poder político-administrativo deveria se exercer “o mais aproximadamente possível à vontade, e opinião recebida; sempre que estas não se encontrarem com a essência, e natureza das instituições fundamentais, é rigorosa justiça condescender com os povos (D’Almeida, 1823b, p. 81). Assim como Frei Miguel, Batista Pereira muito valorizava a liberdade de imprensa. Em sentido moderno, considerava a opinião pública como “um dos pontos de apoio à estabilidade dos governos...”, e dignificou o papel da imprensa para o seu exercício, pois ela permitia o debate e a correção dos rumos governamentais (D’Almeida, 1823b, p. 75). Lembre-se terem sido essas temáticas caras aos liberais-radicais, e não enfatizadas pelos áulicos. Importa observar que, embora oriundos de famílias da elite das suas respectivas províncias, as inserções sociopolíticas de Miguel Lopes e Batista Pereira diferenciavam-se em aspectos importantes, possivelmente decorrentes das diferenças entre as dinâmicas pelas quais passavam a região Nordeste - de formação bem mais antiga, aristocratizada, mas que havia perdido a sua primazia econômica colonial - e a Sudeste, com desenvolvimento recente, baseado na produção para o mercado interno (Oliveira, 1999, pp. 61-105). Dessa forma, Miguel Lopes, embora partícipe de um clã com intensa atuação política16, não tinha nem por isso situação econômica invejável, pois, tendo se tornado o “último arrimo da sua família” (Costa, 1882, p. 724), secularizou-se em 1834 para prover o sustento da família de sua irmã mais velha, que o criara (Feldman, 2012, p. 25). Ao contrário, Batista Pereira faleceu como rico fazendeiro, mas, pelo que se conhece a respeito da sua família, embora seus irmãos tivessem obtido cargos importantes na burocracia governamental, apenas ele se ocupou diretamente da vida política (Mello, 1888, p. 327). Essas diferenças de inserção socioeconômica não impediram, porém, a convergência dos posicionamentos políticos desses publicistas, indicando o delineamento, em diferentes partes do Brasil, de propostas com teor semelhante, embora não organicamente articuladas e independentes de uma estrita relação, linear, entre situação de classe e posicionamento político17. CONSTRUINDO O ESTADO LIBERAL NO BRASIL DA INDEPENDÊNCIA De acordo com importante vertente da atual historiografia, o Estado aos poucos organizado no Brasil a partir da Independência - num momento em que ainda não existia uma nação e uma nacionalidade brasileiras constituídas e quando sequer eram claros seus contornos - constituiu-se em moldes predominantemente liberais, e não de Antigo Regime. Tal análise se baseia, entre outros fatores, na distribuição e no funcionamento dos poderes de Estado então ocorridos, em consonância com o plano europeu (Pimenta, 2009; Lynch, 2007; Dolhnikoff, 2005). Ressalte-se, por sua vez, que, juntamente à distinção e distribuição dos poderes legislativos, executivos e judiciários, o novo tipo de Estado demandou necessariamente uma nova elaboração a respeito dos monopólios fiscal e da violência, e não a sua extinção. Já a questão da autonomia provincial perpassou diferentes configurações, entre os extremos da centralização francesa e a federação estadunidense. Temática frequentemente obliterada ao se tratar da luta liberal na superação do Antigo Regime, o estabelecimento dos monopólios fiscal e da violência como partes integrantes da formação do Estado liberal foi teoricamente enfatizado, entre outros, por Norbert Elias (1993, pp. 193-225) e pelos autores dos Artigos Federalistas - obra essa que, por ser um referencial teórico fundamental para a instituição do Estado liberal em seu modo federativo, torna-se de grande valia para a avaliação dos projetos de Estado no Brasil independente, dada a relevância que a questão da autonomia provincial neles assumiu. A instituição dos monopólios fiscal e da violência foi amplamente defendida nos Artigos Federalistas, entre as várias temáticas desenvolvidas no debate que objetivou a aprovação da constituição estadunidense de 1787 - constituição essa, como se sabe, em que se diferenciaram os poderes de Estado entre Legislativo, Executivo e Judiciário, e em que se estabeleceu a soberania do governo central, concebida como um poder acima dos estados que constituíam ou viriam a constituir a federação estadunidense. Disputou-se, assim, arduamente, a legitimidade da instituição de um exército regular sob as ordens do Executivo e o controle parcial das milícias pelo governo central (artigos VI, IX, XXIV ao XXIX), bem como a necessidade de obtenção de uma fonte regular de recursos financeiros para esse mesmo governo (artigos XXX ao XXXVI). Contrapuseram-se, assim, os autores dos Artigos Federalistas ao estabelecido nos Artigos da Confederação, vigentes desde 1776, que se limitavam a legitimar as milícias dos Estados, dos quais proviriam os recursos a serem reunidos pelo governo central, em caso de necessidade, para um enfrentamento externo. Ou seja, o governo central não tivera até então direito a recursos armados próprios; tampouco poderia obter recursos financeiros regulares. Na superação do Antigo Regime, a diferença fundamental em relação aos monopólios fiscal e da violência na formação do novo Estado residia no papel atribuído nos Artigos ao Legislativo, como regulador do exercício dos mesmos pelo Executivo, envolvendo a aprovação orçamentária e o contingente armado. Por sua vez, embora regular, o Exército deveria ser de tamanho reduzido e, ainda que sob o controle parcial do governo central, as milícias estaduais permaneciam. Quanto às finanças, estabeleciam-se, no espírito federativo, os princípios da divisão dos recursos fiscais entre o governo central e os estados, que deveriam superar a existência de muitos impostos e as altas taxas até então vigentes. Ao se considerarem as concepções de Frei Miguel Nascimento Lopes e de Batista Pereira no contexto dos projetos políticos da Independência, observa-se que elas se coadunavam com as concepções acima expostas. Como unitários, ambos defendiam a existência de forças armadas sob a tutela do Executivo, mas de pequeno porte, e condenavam o modo pelo qual se faziam os recrutamentos. Por sua vez, Miguel Lopes defendia a criação de milícias nas províncias. No que se refere às finanças, Batista Pereira deixava clara a legitimidade central na obtenção regular de recursos financeiros, mas propunha a sua racionalidade, no sentido de poucos impostos; conclamava contra taxas consideradas abusivas e propunha uma organização administrativa equilibrada entre províncias e governo central, por intermédio do Legislativo. Quanto a Miguel Lopes, não foram encontradas, nos números de O Conciliador Nacional que resistiram ao tempo, referências à temática financeira. Contudo, quando o beneditino voltou à lide política18, em fins do Primeiro Reinado, colocava-se, nas suas matérias jornalísticas, de modo semelhante ao expressado por Batista Pereira em 1823. Criticava os impostos abusivos e destacava a necessidade de consentimento da Assembleia em “matéria de impostos”, tendo ela ainda o direito de “vigiar” sobre o seu “emprego” (O Popular, 1830). Em relação à autonomia provincial, claramente exposta na sua importância e nos seus limites por Batista Pereira, pode-se inferir a sua relativa valorização por Frei Miguel, dadas as colocações dos números disponíveis de O Conciliador sobre as “Guardas-Cívicas” e o poder do Legislativo, em vez do Executivo, em dispor sobre a organização provincial. Ivo Coser mostrou como, na Constituinte, num posicionamento que intitulou de “federalismo mitigado”, delineava-se a defesa de uma relativa autonomia das províncias, que deveria ocorrer “sem que isso implicasse a perda ou ameaça da unidade nacional” (2011, p. 193). Essa formulação se explicitou nos posicionamentos do deputado por São Paulo Nicolau Pereira dos Campos Vergueiro - como se sabe, futuro “liberal-moderado” e um dos líderes paulistas da Revolução Liberal de 1842 -, para quem “o arranjo constitucional deveria conceder liberdade às províncias, sem, contudo, considerá-las como soberanas” (Coser, 2008, p. 45). Na avaliação desse autor, Vergueiro transitou “bem próximo às inovações realizadas pelos federalistas norte-americanos, no entanto sem demonstrar que conhecesse tais inovações” (Coser, 2008, p. 45). As formulações desenvolvidas pelos publicistas avaliados no presente artigo indicam terem eles compartilhado, direta ou indiretamente19, desse “federalismo mitigado”. Por sua vez, incorporando as concepções sobre os monopólios fiscal e da violência por eles expostas, em comparação com o apresentado nos Artigos Federalistas, pode-se considerar que esposavam uma concepção unitária de teor federativo, ainda que se tratasse de uma monarquia em que o presidente da província era indicado pelo governo central, e não eleito, como nos estados dos Estados Unidos. Comparativamente aos Artigos Federalistas, observa-se, desse modo, a inadequação de se considerarem como “federativos” os posicionamentos dos chamados “liberal-radicais”, assumindo-se, sem a devida crítica conteudística, o modo como os mesmos se autodefiniam (Mello, 2004; Feldman, 2014). Pois Frei Caneca e Cipriano Barata - que melhor teorizaram a respeito das concepções liberal-radicais dos próceres nordestinos - negavam enfaticamente ao governo que se constituía no Rio de Janeiro a legitimidade dos monopólios fiscal e da violência. Nos dizeres de Frei Caneca, as províncias deveriam contribuir com o governo central apenas nas “ocasiões” em que tivessem de retribuir, de acordo com “a sua quota-parte proporcionalmente às suas finanças”, com os “gastos, que faz o Rio de Janeiro, os quais se dirigem ao benefício e segurança de toda a nação” (Mello, 2001, pp. 199s). Por sua vez, a contribuição deveria ser dada apenas pelas províncias que “percebem o benefício”. Ademais, ele condenava firmemente a existência de um exército no Rio de Janeiro. Nessa dimensão, Cipriano Barata aconselhava Pedro I “a se desarmarem as forças militares sediadas na capital [...] ficando só as Milícias e Guerrilhas, por que são os corpos da confiança do povo [...]”; em caso contrário, “[...] ficará perdida a confiança que as províncias tem no Congresso” (Sentinella da Liberdade, 1823). Assumiam, assim, esses líderes políticos, sob a alcunha de “federativas”, concepções confederativas, absolutizando a autonomia provincial, diferentemente da efetiva formulação federativa estadunidense, que a concebia nos limites da soberania central20. Observe-se que a utilização de um mesmo termo para referir diferentes concepções de Estado era possível porque, na época - não apenas no Brasil, mas em toda a ex-América Ibérica - havia sinonímia entre os termos federativo e confederativo para a designação de modelos político-institucionais diferentes (Curiel, 2009). Isto leva à necessidade de se procurar distinguir, a cada momento, qual o conceito efetivamente esposado sob o emprego de um mesmo termo. Uma vez que, entre outras plataformas liberais abraçadas - como a liberdade de imprensa -, Miguel Lopes e Batista Pereira defendiam a imposição do Legislativo sobre o Executivo, a diferença efetiva entre os chamados liberal-radicais e os publicistas ora analisados residia na questão provincial, a qual, entre outros fatores, articulava-se às concepções sobre a soberania fiscal e militar. Torna-se, assim, fundamental, para uma melhor compreensão da diversidade de posicionamentos apresentados em tempos da Constituinte de 1823, substituir a aparente polarização entre a simples defesa ou não da autonomia provincial pela avaliação do nível de autonomia proposto, se de tipo confederativo, como advogavam os liberais-radicais, ou federativo, como exposto nos posicionamentos de Batista Pereira e Frei Miguel, anunciando concepções posteriormente alinhadas como liberal-moderadas. Contrapondo-se ao entendimento da moderação enquanto um meio termo, uma mediação, entre projetos definidos que se contrapunham, Aurelien Craiutu (2012) mostrou como os moderados franceses, em circunstâncias políticas tão diferenciadas como as ocorridas entre meados do século XVIII e a Revolução de Julho de 1830, construíram concepções próprias a respeito da organização do Estado, que os diferenciavam das demais correntes com que se debatiam, mediante propostas e projetos específicos. Na linha desse raciocínio, para se aprofundar a compreensão do debate político sobre a organização do Estado imperial brasileiro, evidencia-se a importância de se recuperarem as propostas liberal-moderadas apresentadas já no momento da Independência, situadas entre o radicalismo liberal confederativo e as concepções centralizadoras áulicas. Não como um meio-termo, mas como um projeto consistente de organização do Estado, na dimensão de uma monarquia unitária, no entanto, articulada em um importante nível de autonomia provincial21. REFERÊNCIAS D’ALMEIDA, Joze Bernardino Baptista Pereira (1783-1861). Esboço sobre os obstaculos, que se tem opposto à prosperidade da Villa de Campos. Rio de Janeiro: Typographia de Silva Porto, 1823a. 59p. D’ALMEIDA Joze Bernardino Baptista Pereira 1783-1861 Esboço sobre os obstaculos, que se tem opposto à prosperidade da Villa de Campos Rio de Janeiro Typographia de Silva Porto 1823 59p D’ALMEIDA, Jozé Bernardino Baptista Pereira. 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SODRÉ Nelson Werneck História da imprensa no Brasil Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1966 583p 1 Por esse motivo, recorre-se, no presente texto, às designações de “Frei Miguel”, ou de “Miguel Lopes”, uma vez que se trata do período em que ele assim se designava. 2 Miguel do Sacramento Lopes Gama destacou-se na vida cultural e política pernambucana durante o Primeiro Império e as Regências. Foi deputado da primeira Assembleia Provincial de Pernambuco, para a qual se reelegeu seguidamente e, no Segundo Reinado, foi por duas vezes deputado da Assembleia Geral. Ainda no Primeiro Reinado foi nomeado pregador da Imperial Capela, bem como comendador da Ordem de Cristo. Mas, apesar de certa projeção nacional, manteve-se politicamente como uma figura de atuação eminentemente provincial/regional. Entre outras atividades de caráter educacional e cultural, editou no Recife o periódico O Carapuceiro (1832-1842), foi professor e diretor da Faculdade e Direito de Olinda e autor de livros variados, entre outros temas, sobre retórica. Faleceu em 1852, aos 61 anos de idade (Feldman, 2012, pp. 23ss; Costa, 1882, pp. 723ss). 3 Dentre esses periódicos, destacaram-se O Marimbondo e a Gazeta Pernambucana, vindos de 1822, e a Sentinella da Liberdade na Guarita de Pernambuco, de Cipriano Barata, fundada em 1823. Também são desse período as Cartas de Pítia a Damão, de Frei Caneca. Já quando o último fundou o Typhis Pernambucano, no Natal de 1823, havia se encerrado a edição do Conciliador (Nascimento, 1969). 4 O periódico tinha formato pequeno, com quatro páginas, e periodicidade indefinida. Circulou continuamente até 11 de outubro de 1823, perfazendo um total de 37 números em 15 meses, numa média de 2 a 3 edições mensais. Após a Confederação do Equador, houve uma segunda fase da sua edição, brevemente encerrada. 5 Boa parte dos trabalhos específicos sobre o beneditino focou-se apenas na crítica de costumes a que se dedicava o seu periódico O Carapuceiro (1832-1842), sem aquilatar o seu teor político (Feldman, 2012, pp. 17ss). 6 As elites liberais pernambucanas disputaram intensamente a direção da junta de governo provincial formada em consequência da Revolução Liberal do Porto, ocorrida em agosto de 1820: expulsaram o antigo governador geral que, num primeiro momento, buscou dela se apropriar, e instalaram uma junta considerada liberal-radical, dirigida pelo comerciante Gervásio Pires Ferreira. Embora a favor da Independência, essa junta resistia ao Rio de Janeiro, entre outros fatores, delongando a eleição de representantes da Constituinte, convocada pelo ainda regente Pedro. Por sua vez, em dezembro de 1823, a junta dos “matutos” também foi deposta, endurecendo-se então a repressão política (Bernardes, 2006; Mello, 2004). 7 Com perspectivas diferentes, essas temáticas também foram analisadas em Feldman (2014) e Leme (2008), artigos cujas formulações foram parcialmente incorporadas ao presente texto. Infelizmente, menos de um terço dos 36 números do jornal encontra-se disponível, entre o Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (números 1 e 36) e a Biblioteca Nacional (números 4, 5, 7 e 8 de 1822; 9, 10, 14 e 18, de 1823). É bastante provável que temas de relevância para o presente texto tenham sido tratados nos números desaparecidos. 8 Importa registrar que os liberais radicais diferenciavam Frei Miguel, a quem muito respeitavam, do restante dos Gama, a quem criticavam acerbamente. 9 Para tanto, vejam-se, especialmente, os capítulos IX e XIX do segundo tratado, em que se avaliam, respectivamente, os objetivos da sociedade política e do governo, e a dissolução do mesmo. 10 Dada a retirada das tropas portuguesas do Rio de Janeiro, mediante a negativa do ainda Regente a voltar para Portugal, e a dificuldade de se preencherem as fileiras do Exército por intermédio dos recrutamentos, a contratação de mercenários para comporem as tropas regulares de 1ª Linha ocorreu logo no início do governo de D. Pedro I, em janeiro de 1823. Procedimento esse que, mantido durante o Primeiro Reinado, foi tenazmente combatido pelos liberais-moderados, no que obtiveram êxito no final do período (Leme, 2020, pp. 313ss). 11 Bernardo José da Gama (Recife, 03/08/1782-20/08/1854). Formado em leis em Coimbra em 1805, atuou, desde 1808, em diversos cargos da magistratura, percorrendo diferentes capitanias/províncias do Brasil. Em fins de 1822, foi nomeado presidente do Tribunal de Relação de Pernambuco. Um dos representantes dessa província à Constituinte, continuou ligado ao Imperador após a dissolução do conclave e obteve, posteriormente, o título de Visconde de Goiana. Foi Ministro dos Negócios do Império no gabinete de 20 de março de 1831, que antecedeu a Abdicação. No início das Regências, ocupou, por um curto período de tempo, a presidência da província do Pará, em razão de nomeação anteriormente feita por D. Pedro I. Eleito em 1834 para a Câmara dos Deputados pelo Pará, não conseguiu depois reeleger-se; apenas em 1846 voltou à Câmara, e ainda assim na qualidade de suplente. Nesse período, foi nomeado inspetor da caixa de amortização e, já quase no final da sua vida, diretor da Faculdade de Direito de Olinda. Observa-se, dessa maneira, o declínio de sua projeção política nacional, entre as Regências e o Segundo Reinado. Publicou vários livros, parte sobre a situação política de Pernambuco, parte sobre as condições sociogeográficas dos lugares em que atuou como magistrado (Costa, 1882, vol. 1, pp. 222ss). 12 Número que não resistiu à passagem do tempo. Contudo, o número seguinte, o 18, é de 31 mai. 1823, o que indica tratar-se de um momento em que a Constituinte já se achava reunida. 13 Embora o fim da censura à imprensa tenha se instituído no Brasil a partir da Revolução do Porto, em outubro de 1822 desencadeou-se, no Rio de Janeiro, uma violenta repressão aos periódicos de oposição ao Governo (Lustosa, 2000, pp. 257-272), diferentemente do que ocorreu em Pernambuco, onde houve relativa liberdade de imprensa, até por volta de setembro/outubro de 1823. 14 Uma avaliação geral desse livro está em Leme (2017), artigo do qual se recuperam parcialmente as formulações sobre os poderes de Estado, fiscalidade e autonomia provincial. Para uma avaliação da trajetória desse personagem no 1º Reinado, ver Reis (2019). Especificamente para a autonomia provincial, ver Lemos (2018). 15 Posteriormente, Batista Pereira foi o único representante da sua Província na primeira e na segunda legislatura da Câmara dos Deputados, exercendo os cargos de Ministro da Fazenda, de 18 de junho a 25 de setembro de 1828, e de interino da Justiça, de 25 de setembro a 22 de novembro de 1828. Não se reelegendo para a terceira legislatura da Câmara dos Deputados, recuou para o âmbito político provincial, tendo sido deputado da primeira e da segunda legislaturas da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro, província a que a vila de Campos dos Goitacazes passara a pertencer. Ao terminar a segunda legislatura provincial (1837-1838), retirou-se da vida política, estabelecendo-se na sua fazenda em Itaboraí (RJ), onde, como “rico fazendeiro”, dedicou-se ao estudo e à prática da agricultura e ao estudo da homeopatia, tendo publicado obra sobre o assunto. Em 1847, tornou-se dignitário da Imperial Ordem da Rosa. Faleceu em 1861, aos 77 anos de idade (Macedo, 1876, pp. 79ss; Mello, 1888). 16 Além do primo Bernardo José da Gama (ver nota 11), seu irmão, o magistrado Caetano Maria Lopes Gama, teve importante carreira política no Império, como parlamentar e Ministro (Costa, 1882, pp. 239ss). 17 Para a relativa autonomia entre concepções políticas, espaços geográficos e situação de classe, ver, entre outros, Gramsci (1982) e Rémond (1996). 18 Retirando-se da vida pública após o fim da Confederação do Equador, Frei Miguel voltou à cena pública com o abrandamento da censura ocorrido em Pernambuco a partir de fins de 1828. Foi colunista dos periódicos Diário do Governo de Pernambuco (já vindo de fins de 1825) e de O Constitucional: jornal politico, e litterario (surgido em 1829). Em 1830, fundou o seu próprio jornal, O Popular. 19 Pelos conhecimentos obtidos, não foi possível saber o alcance da circulação, quer de O Conciliador Nacional, quer dos livros de Batista Pereira, e tampouco saber da relação desses publicistas com próceres como Vergueiro. 20 Para uma ampla exposição das concepções confederativas desses publicistas, ver Leme (2020). 21 Para a configuração dessa articulação a partir das Regências, ver Dolhnikoff (2005). Para a valorização dos projetos liberal-moderados entre o Primeiro Reinado e as Regências, ver Silva (2009) e Lenharo (1979).
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