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APRESENTAÇÃO

Trazer a público uma discussão acerca das relações entre Ciência e Sociedade constituiu um desafio na medida em que se trata de temática pouco contemplada nas revistas da área de História, apesar da vigorosa e diversificada produção que vem sendo realizada pelos historiadores das ciências.

A resposta rápida, copiosa e diversificada dos autores ao tema proposto indica o acerto da escolha em termos de proporcionar um canal de debate e divulgação desses trabalhos que de hábito são publicados em periódicos das áreas específicas do conhecimento, constituindo assim uma historiografia até certo ponto "invisível" ou de difícil localização. Os artigos aqui reunidos são significativos para a compreensão das relações entre ciência e sociedade em grande abrangência analítica, pois se reportam até o século XVII, não apenas do Brasil, mas do mundo ocidental, com destaque para os estudos voltados para a Inglaterra e a França. A relevância social e científica do tema, revela-se no amplo leque de assuntos abordados em perspectiva de revisão historiográfica, em artigos cujas temáticas interligadas evidenciam o diálogo entre o conhecimento histórico e as demais ciências. Em suma, trata-se de um número especial da revista, de interesse amplo para historiadores e pesquisadores em geral.

Especificamente em relação aos autores da França, ficam registrados os agradecimentos a Laurent Mucchielli, que reuniu os artigos de Claude Blanckaert, Olivier Martin e Pierre-Henri Castel, possibilitando assim um diálogo enriquecedor com a história da sociologia e da temática do transexualismo. A formação de uma tradição durkheimiana na França, a constituição de uma Sociologia acadêmica e os embates institucionais que acompanharam essa trajetória, aqui analisados com o instrumental teórico-metodológico de Bourdieu em perspectiva crítica,possibilitam uma renovação dos estudos das relações entre História e Sociologia e abrem perspectivas inovadoras. O estudo das origens da Sociologia estatística e da Bio-sociologia delineia o percurso institucional e político da constituição da Sociologia e de suas relações com a sociedade francesa, em direção à sua autonomia enquanto disciplina. Completando esta vertente, o tema do transexualismo em perspectiva historiográfica traz importante questionamento acerca desse entrelaçamento, colocando em questão a construção dos conceitos de identidade sexual e de gênero a partir das interpretações psicanalíticas, médicas e sociológicas.

O estudo de Luís Carlos Soares integra a perspectiva analítica voltada para a Europa, com a análise das relações entre Ilustração e academias de ensino no interior da dissidência religiosa inglesa do século XVIII. Abre assim vertente inovadora ao abordar as instituições de ensino mantidas pelos não-conformistas, nas quais o ensino das novas ciências naturais alcançou um espaço privilegiado.

Os estudos sobre o Brasil abrangem os dois últimos séculos e apresentam-se bastante variados e abrangentes em temáticas, perspectivas e problemáticas. Os artigos de Maria Margaret Lopes, Lorelai Kury e Benito Bisso Schmidt colocam em discussão o cientificismo dos séculos XIX e XX, ao realizarem abordagens das missões científicas e da volumosa literatura de viagem por elas produzida, dos museus que foram constituídos para responder a esse interesse e do discurso do movimento operário, igualmente permeado pelas preocupações que estabeleciam algum tipo de nexo entre ciência e progresso, com intuitos civilizadores. Ainda uma vez, a preocupação com o percurso institucional das disciplinas, desta feita na América Latina e especificamente no Brasil, contribui para a compreensão da trajetória da Arqueologia, da Antropologia e da Paleontologia, bem como da difusão das teorias darwinistas, kardecistas e da antropologia criminal, temática também presente na abordagem da Antropotecnia feita por Claude Blanckaert a partir dos estudos de Manouvrier. Teorias raciais e biogeográficas são trazidas à discussão e analisadas em sua dimensão social e política.

Voltados para a Medicina, os artigos de James Roberto Silva e Luiz Antonio Teixeira trazem novas perspectivas. O primeiro deles, ao colocar em questão o olhar médico sobre a doença, e sobretudo sobre o paciente, aborda a constituição de rico documentário fotográfico, ainda pouco explorado pela historiografia, revelando assim um mundo de intencionalidades e subjetividades que se tornaram paradigmáticas de tais registros. O artigo sobre a transmissão da febre amarela recupera os embates sociais que acompanharam o combate à moléstia que tanto afligiu a população no final do século XIX e motivou intensos estudos na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, na qual o médico Luís Pereira Barreto teve atuação destacada.

Comunicação, ciência e tecnologia constitui o tema de dois artigos. O de Laura Antunes Maciel, que aborda a constituição do serviço telegráfico no Brasil, discute questões relevantes sobre cultura e tecnologia, recuperando experiências de modernização técnica e do papel do Estado no campo das telecomunicações. O trabalho de Ana Maria Ribeiro de Andrade e José Leandro Rocha Cardoso analisa a divulgação de ciência e tecnologia em periódicos como Manchete e O Cruzeiro que nos anos 50 constituíam importante veículo de comunicação de massa mediante fotorreportagens que ao idealizarem os construtores da ciência, contribuíram para a divulgação de uma representação estereotipada dos cientistas e para o distanciamento entre ciência e sociedade.

Com este número temático, o Conselho Editorial da Revista Brasileira de História encerra sua gestão, registrando os agradecimentos a todos os autores que enviaram suas contribuições e aos pareceristas que no decorrer desta jornada constituíram o suporte inestimável deste trabalho.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2001
  • Data do Fascículo
    2001
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