Open-access Os malês segundo ‘Abd Al-Raḥmān Al-Baghdādī, um imã otomano no Brasil oitocentista1

The Malês According to ‘Abd Al-Raḥmān Al-Baghdādī, an Ottoman Imam in Nineteenth-Century Brazil

RESUMO

Uso o relato de ‘Abd al-Raḥmān al-Baghdādī, imã otomano que visitou o Brasil (1866-69), como guia para discutir sua pregação a comunidades afro-muçulmanas no país. Esse relato, conhecido há quase três décadas pela historiografia especializada, proporciona uma visão interna da comunidade africana adepta do Islã no Brasil oitocentista, com detalhes só superados pelos documentos da Revolta dos Malês em 1835. Além de repassar o que o imã percebeu da vida devocional dos malês nas três cidades por ele visitadas (Rio de Janeiro, Salvador e Recife), o artigo mobiliza outras fontes e bibliografia para dissentir ou discutir algumas de suas informações e interpretações da situação do Islã e de seus adeptos no Brasil oitocentista. Assim, interessam não apenas as tensões envolvidas na relação entre o imã e seus discípulos, mas também entre estes e a sociedade ao redor, tal como definidas pelo viajante.

Palavras-chave: Al-Baghdādī; Islã; malês; escravidão; século XIX

ABSTRACT

We use the account of ‘Abd al-Raḥmān al-Baghdādī, an Ottoman imam who visited Brazil (1866-69), as a guide to discuss his preaching to Afro-Muslim communities in the country. This account, known for nearly three decades by specialized historiography, provides an insider’s view of the African Muslim community in nineteenth-century Brazil, with details only surpassed by documents of the Malê Revolt in 1835. In addition to reviewing what the Imam perceived of the devotional life of the Malês in the three cities he visited (Rio de Janeiro, Salvador, and Recife), the article mobilizes other sources and bibliography to dissent or discuss some of his information and interpretations of the situation of Islam and its adherents in 19th century Brazil. Thus, we are interested not only in the tensions involved in the relationship between the imam and his disciples but also between the latter and the surrounding society, as defined by the traveler.

Keywords:  Al-Baghdādī; Islam; Malê; Slavery; Nineteenth century

O CONVITE

ʿAbd al-Raḥmān b. ʿAbdallāh al-Baghdādī é autor do único relato de viagem conhecido que foi escrito por um muçulmano sobre comunidades de africanos islamizados no Brasil oitocentista. Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso ganhou tradução, anotações e introdução de Paulo Farah (Al-Baghdādī, 2007)2. Esse documento já fora noticiado por Rosemarie Quiring-Zoche (1995), em artigo baseado no manuscrito pertencente à Biblioteca Pública de Berlim. Dois anos depois, uma versão em português desse artigo, revisto e ampliado, saiu na revista Afro-Ásia (Quiring-Zoche, 1997). Posteriormente, a mesma Quiring-Zoche (2000) publicaria fac-símile do manuscrito na íntegra, acompanhado de uma tradução para o alemão, com anotações, além de um esclarecedor estudo introdutório3.

Quem era o autor do Deleite do estrangeiro? Não se sabe muito sobre ele. Filho de uma família próspera de Bagdá, no Iraque, onde nasceu, al-Baghdādī seguiu ainda criança para Damasco, na Síria, aqui cresceu e foi educado num período agitado da região. Estudou direito islâmico, línguas árabe e persa e teologia, uma educação refinada segundos os padrões do mundo árabe-muçulmano de então. Al-Baghdādī tornou-se imã na Marinha turca e foi nessa capacidade que ele chegou ao Rio de Janeiro, em 1866. Era, portanto, funcionário do império Otomano, e num momento em que este atravessava um período crucial de sua história, conhecido como Tanzimat (1839-1876), quando uma série de reformas econômicas, administrativas, educacionais e religiosas tiveram lugar, visando à modernização e a secularização da sociedade otomana em moldes europeus, mas não mera imitação. As reformas culminariam na primeira constituição turca, proclamada em 1876, que, no entanto, preservava expressamente a unidade do império, o Islã como sua religião oficial (com tolerância às demais) e o sultão turco como seu Supremo Califa e Protetor (Quiring-Zoche, 2000, pp. 202-204; Marín Guzmán, 2011, cap. IV; Davidson, 1963; Constituição Otomana de 1876, art. 3, 4 e 11).

Entronado em 1861, o sultão Abdülaziz, entusiasta da Tanzimat, governava o grande império quando al-Baghdādī esteve no Brasil. Abdülaziz foi bajulado em estilo hiperbólico pelo viajante, na abertura de suas memórias brasileiras: “sultão dos sultões [...], o Sol do céu destes tempos, a Lua Cheia do astro desta era, o mais grandioso e vitorioso sultão” etc. (Al-Baghdādī, 2007, p. 64). Ele tinha boas razões para a deferência, pois fora empregado como imã na moderna Marinha otomana, protegido por seu comandante, apesar de ter sido preso em Damasco por suspeita de participar em conflitos políticos, dentre os quais talvez o massacre aos cristãos de 1860.

Al-Baghdādī virou funcionário civil com foro de oficial da Marinha, força que se tornaria a menina dos olhos do sultão. Como resposta ao medíocre desempenho naval na Guerra da Crimeia (1853-1856), quando subiu ao trono Abdülaziz implementou importante reforma, com construção de um grande arsenal, reestruturação da carreira naval, criação de ministério específico, entre outras medidas. Ao final do seu reinado, a Marinha de guerra otomana havia se tornado a terceira mais poderosa do mundo. A formação de uma nova frota, em grande parte encomendada no estrangeiro (Inglaterra e França principalmente), teve seu período mais acelerado exatamente nos cinco anos que antecederam a viagem de al-Baghdādī. O imã pode ter atuado apenas a bordo de navios, mas é possível que tivesse também ensinado no Colégio Naval, onde a formação religiosa, inclusive o método de leitura do Alcorão, fazia parte do currículo. De toda sorte, quando embarcou para o Brasil ele fazia parte de uma instituição icônica de um momento crucial na história do império otomano (Davidson, 1963, pp. 266, 280-281; Panzac, 2012, cap. 8; Dal, 2015, passim)4.

Em setembro de 1865, a corveta Bursa, com al-Baghdādī a bordo, zarpou de Istambul na companhia de outra corveta, Izmir, ambas batizadas com nomes de importantes cidades-portos no mar Egeu. Viajavam com destino a Basra - hoje no Iraque, então ponto extremo e base naval do império otomano no golfo Pérsico -, pela única rota marítima então disponível, contornando o continente africano (o canal de Suez seria inaugurado no final de 1869). Contudo, segundo al-Baghdādī, levadas por fortes ventos, ambas as corvetas foram dar no Rio de Janeiro, após passarem alguns meses entre Cádiz e Tenerife. Conforme o Correio Mercantil, a Bursa ancorou no Rio de Janeiro em 20 de junho de 1866, um dia após a chegada da Izmir. Tratava-se de corvetas a vapor - ou uma combinação de vapor e vela, como era comum aos navios da Marinha otomana naquela altura, construídos território otomano ou em estaleiros europeus5.

A presença de dois navios de guerra otomanos no Rio de Janeiro, fato então inédito, causou sensação entre seus habitantes, até no imperador6. No dia seguinte, alguns tripulantes, inclusive o imã, desembarcaram. Tendo al-Baghdādī saltado em trajes religiosos - que incluíam túnica e turbante -, foi identificado como autoridade religiosa por africanos muçulmanos que se encontravam nas imediações, e a ele se apresentaram. De início o sacerdote duvidou de que fossem adeptos autênticos do Islã, mas terminou convencido de que sim. O grupo não demorou a solicitar do religioso que pregasse para ele. O imã cederia aos apelos para que passasse alguns dias nessa função, e foram todos se instalar num imóvel afastado do centro da cidade. “Nós estávamos em uma casa muito grande, com um pátio espaçoso”, escreveu al-Baghdādī, “que estava afastada do restante da população, próximo às planícies, e que haviam colocado à disposição para essas práticas por um preço justo” (Al-Baghdādī, 2007, p. 71). Naquele refúgio distante da cidade dos brancos, então tornado mesquita, aconteceram as primeiras prédicas do imã em terras brasileiras.

Os africanos apreciaram tanto as palestras do imã que desejaram mais, solicitando que ele prolongasse sua estadia no Brasil. Após alguma hesitação, al-Baghdādī abraçaria a proposta, sob a condição de ter licença do seu superior, o comandante do Bursa. O oficial discordou da ideia, pois temia um incidente diplomático, uma vez que ouvira de ingleses ser a prática do Islã por africanos proibida no Brasil. Apesar de a constituição do país garantir a liberdade religiosa - desde que limitada “ao culto doméstico [...] sem forma alguma exterior de Templo” (Constituição Política do Império..., art. 4, 1824, p. 5) -, os afro-muçulmanos eram bem vigiados e amiúde perseguidos nas grandes cidades do Império do Brasil, sobretudo Salvador e Rio de Janeiro, por permanecer na memória das autoridades a inspiração islâmica da Revolta dos Malês, acontecida na Bahia em 1835 (Reis, 2003).

Não obstante, levados a bordo pelo imã, os africanos, fazendo-se acompanhar de um intérprete, insistiram junto ao comandante turco (que ouviu suas palavras em inglês): “nós apenas queremos aulas nesta correta religião”. Para eles, o próprio encontro com os turcos já seria uma lição esclarecedora sobre o Islã, pois até então acreditavam que “todos os brancos pertenciam às comunidades cristãs”. Naquele instante aprenderam que “o reino do Criador é vasto, e que o mundo não é uma terra desolada, mas repleta de muçulmanos” - e assim al-Baghdādī celebrou a primeira revelação operada por sua presença naquele porto (Al-Baghdādī, 2007, pp. 75-76). Diante da pressão combinada dos muçulmanos e do imã, o comandante cedeu, em especial quando o sacerdote pretextou sobre o dever que tinham de divulgar a religião do Profeta e de “corrigir esta comunidade, uma vez que eles contam conosco” (Al-Baghdādī, 2007, p. 75). E uma inusitada campanha missionária ali nascia.

Ficou combinado que as atividades do religioso seriam cumpridas na clandestinidade. As autoridades brasileiras foram oficialmente informadas de que ele permaneceria no país na condição de turista estrangeiro, como tantos outros que visitaram o país na época. E foi assim que al-Baghdādī residiu no Brasil durante cerca de três anos, circulando entre grupos de africanos muçulmanos no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. A missão do religioso não seria desprovida de interesse pessoal, pois, em decorrência dela, ele “calculava a recompensa [da visão] do semblante do Senhor do Universo”, quando fizesse a passagem para Jannah, o desejado paraíso de sua religião (Al-Baghdādī, 2007, p. 65)7.

O relato de ‘Abd al-Raḥmān al-Baghdādī proporciona uma visão interna esclarecedora da comunidade africana adepta do Islã no Brasil oitocentista, com detalhes só superados pelos documentos relacionados à Revolta dos Malês. Meu objetivo neste artigo é muito simples: lanço mão das palavras do imã para perceber a vida devocional dos afro-muçulmanos nas três cidades por ele visitadas (Rio de Janeiro, Salvador e Recife). Mas não será uma reprodução passiva daquele relato. Faço-o dialogar com outras fontes, checando informações e interpretações suas, muitas vezes equivocadas, da situação do Islã e de seus adeptos africanos no Brasil do período. Interessam-me, em particular, as tensões envolvidas nas relações, nem sempre convergentes, entre o mestre e seus discípulos. Não me interessa, contudo, “traduzir” os aspectos específicos dos desvios apontados pelo sacerdote (ver para isso Quiring-Zoche, 2000; Farah, 2007; e Marín Guzmán, 2011, entre outros).

DIÁSPORA E REVOLTA DOS MALÊS

Aparentemente, al-Baghdādī não sabia que visitara no Brasil a mais numerosa rede de comunidades muçulmanas da diáspora africana nas Américas naquela altura. Tal circunstância resultava da direção do tráfico transatlântico de africanos ao longo da primeira metade do Oitocentos. No início do século XIX começaram a chegar ao Brasil, em especial à Bahia, africanos aprisionados durante conflitos político-religiosos no interior do golfo do Benim, litoral mais conhecido na era do tráfico negreiro como Costa da Mina. Entre 1800 e 1850, cerca de 73% dos cativos que saltaram na Bahia tinham sido embarcados em portos ali localizados - Uidá, Porto Novo, Badagri, Onim (Lagos) etc. Eram cerca de 307 mil os africanos então tragados pelo tráfico baiano daquela região, dos quais cerca de 15% islamizados em vários níveis de fluência doutrinária. Inicialmente, os mais numerosos eram haussás, cujos muçulmanos se chamavam musulmis, com a variante muçurumin no Brasil. Em menor número, vieram cativos de Gurma, Borgu, Borno, Nupe e outros reinos islamizados, vizinhos dos haussás. Somem-se os iorubás (ou nagôs) islamizados, conhecidos por malês na Bahia, que apesar de minoria no seio da nação nagô, contribuíram para chegarmos aos 15% de afro-muçulmanos que acabo de propor, e até ultrapassá-los. No final do século XIX, Nina Rodrigues chegou a escrever que “pelo menos um bom terço dos velhos africanos sobreviventes na Bahia é mussulmi ou malê, e mantém o culto perfeitamente organizado” (Rodrigues, 1935, pp. 99-100). Creio ter exagerado, mas se Nina calculou direito essa proporção valeria pelo menos para os embarcados na Costa da Mina em 1800-18508.

Um episódio esteve na origem da escravização de afro-muçulmanos nesse período. Em 1804, no país haussá, teve início o jihād encabeçado por Usuman dan Fodio, um pregador fulani, grupo étnico de proverbial devoção islâmica. Embora os fulanis representassem em território haussá uma minoria estimada em cerca de 20%, sua presença estava consolidada o suficiente para formar um poderoso movimento de reforma muçulmana contra o relaxamento doutrinário e o sincretismo do Islã com religiões pagãs locais, que eram tolerados pelos chefes políticos da região. Dan Fodio os acusava de apóstatas, corruptos e opressores, inclusive do grande crime de escravizar e traficar muçulmanos. Por seu combate à elite local, o jihād também ganhou apoio da massa camponesa haussá, que se encaixava na definição de muçulmanos relapsos ou eram pagãos, estes, chamados maguzawas e adeptos do Bori, uma religião de possessão espiritual (sobre Bori: Barkow, 1973; Greenberg, 1946; Besmer, 1983; Monfouga-Nicolas, 1972)9. O conflito foi demorado, e cinco anos depois levaria à criação do Califado de Sokoto, abrangendo todo o território haussá e outros ao redor (Johnston, 1967; Last, 1967, 1974, 1992; Hiskett, 1973; Sanneh, 2016, cap. 12; Brenner, 1992).

Os prisioneiros feitos nas frentes de batalha e nas comunidades no seu entorno foram, quer destinados à escravização interna, quer vendidos ao tráfico transaariano e ao transatlântico. Os encaminhados a este último destino desciam do interior em caravanas até os portos da Costa da Mina, principalmente, de onde eram deportados para as Américas, a maioria para a Bahia. Os baianos já frequentavam aquele litoral desde finais do século XVII, onde compravam gente usando como moeda de troca o ali mui apreciado fumo baiano de segunda qualidade (Verger, 2021; Nardi, 1996)10.

A primeira grande onda de cativos muçulmanos a chegar ao Brasil no século XIX foi formada por haussás pertencentes a ambos os lados da guerra santa. Embora os haussás nunca tivessem, daí por diante, desaparecido dos tumbeiros baianos, com o arrefecimento das lutas o seu número declinaria. Na Bahia, onde estavam concentrados, os haussás foram responsáveis por revoltas e conspirações que aconteceram entre 1807 e 1816, sendo na sequência substituídos na cena rebelde pelos nagôs, muçulmanos ou não (Reis, 2003, 2010, 2014, 2021).

Mapa 1
Região de origem dos muçulmanos no Brasil no século XIX, com destaque para o Califado de Sokoto, formado pelos líderes do jihād declarado em 1804 em território predominantemente haussá. Ao sul do califado estava o reino de Oyó, que embora fosse de maioria devota dos orixás, também reunia a maior parte dos muçulmanos iorubás (malês). Haussás e iorubás constituíram a maioria dos afro-muçulmanos o Brasil, que estavam mais concentrados na Bahia.

Os muçulmanos de origem iorubá vinham sobretudo do reino de Oyó, que fazia fronteira, ao norte, com o país haussá. Oyó havia se transformado, ao longo do século XVIII, em poderoso império, com ramificações por todo o território iorubá e alguns de seus vizinhos a leste e oeste, onde chegou a reduzir a Estado tributário o também poderoso reino do Daomé. Na virada do século XIX, Oyó já apresentava sinais de declínio, resultado, sobretudo, de conflitos com o Daomé e de uma revolta interna capitaneada por Afonjá, o comandante-em-chefe do exército provincial de Oyó e chefe político da cidade de Ilorin. Afonjá não se conformara com ser preterido na sucessão ao trono de Oyó no final do Setecentos.

Afonjá manteve-se em pé de guerra contra o alafin (rei) de Oyó ao longo de duas décadas, pelo menos. Em 1817, em cartada decisiva, ele incitou um levante de haussás escravizados em Oyó, liderados por um pregador muçulmano de origem fulani, conhecido por Alimi. Em decorrência dessa revolta, muçulmanos haussás, iorubás, além de fulanis vindos do Norte, migraram para Ilorin, onde se juntaram aos guerreiros pagãos de Afonjá contra Oyó. As forças reunidas em torno desse líder estavam então divididas entre muçulmanos de diversas etnias e os iorubás devotos dos orixás - a religião local, abraçada, aliás, pelo próprio Afonjá. Afonjá terminou assassinado pelos fulanis, em aliança com os haussás. Os muçulmanos iorubás, em específico, se mantiveram neutros, mas foram, em seguida, alvos, eles próprios, dos algozes de Afonjá. Tratava-se, agora, de um conflito entre muçulmanos de origens étnicas diferentes: fulanis e haussás contra iorubás, mussulmis X malês. Os primeiros, mais uma vez, venceram, transformando Ilorin num emirado fulani frouxamente vinculado ao Califado de Sokoto (Law, 1977).

Os muçulmanos iorubás, que já vinham sendo vítimas dos conflitos com Oyó, agora seriam aprisionados às centenas por seus antigos aliados haussás e fulanis. E como qualquer prisioneiro de guerra naquele ambiente, os malês foram vendidos a traficantes que os fizeram chegar aos portos negreiros da Costa da Mina, um percurso de cerca de dez dias, feito, provavelmente, através de território Ijebu, também iorubá. A maioria foi embarcada em Onim/Lagos, e daí levada para a Bahia, onde, em meados da década de 1830, viriam a formar, quando incluídos novos conversos, o núcleo muçulmano mais numeroso da diáspora africana ali representada. Na Bahia encontraram velhas gerações de mussulmis, com as quais não parecem ter desenvolvido relações sempre amistosas11.

Os malês foram os principais arquitetos da famosa revolta de 1835 na Bahia. Em 25 de janeiro daquele ano, cerca de 600 africanos escravizados e libertos de Salvador, com a ajuda de alguns vindos dos engenhos e vilas do Recôncavo açucareiro, sobretudo da região de Santo Amaro, lutaram durante cerca de quatro horas nas ruas da capital baiana. Mais de setenta rebeldes morreriam no confronto. A enorme maioria dos envolvidos, inclusive seus líderes, era nagô. Dos 31 haussás presos, apenas um confirmaria sua participação no levante, os demais foram absolvidos por falta de provas: eram, na sua quase totalidade, libertos detidos pelas autoridades policiais por terem fama de letrados no idioma do Alcorão e pelo passado rebelde dessa nação na Bahia. Não tinham culpa em 1835, um movimento feito à sua revelia.

A Revolta dos Malês aconteceu em meio a um forte movimento de conversão ao islamismo entre os nagôs. Esta era, naquela altura, a nação mais numerosa da população africana em Salvador, representando cerca de 30% dos escravizados nascidos na África. A grande maioria, porém, não era islamizada. O levante fora planejado pelos mestres malês, chamados alufás entre os nagôs, para ter início no final do Ramadã, o mês do jejum muçulmano, possivelmente depois da festa de Laylat al-Qadr. Essa festa celebra a revelação do Alcorão ao profeta Maomé e se inspira na sura corânica al-Qadr (“Noite da Glória” ou “Noite do Destino”). Uma cópia dessa sura foi encontrada entre os papéis confiscados aos rebeldes. Eles lutaram vestidos com abadás brancos, roupa típica dos malês, e carregavam amuletos protetores que reproduziam passagens do Alcorão, rezas fortes, desenhos mágicos, enfim, elementos da cultura mística (e letrada) afro-muçulmana (Monteil, 1967; Reichert, 1970; Dobronravin, 2004, 2016; Müller, 2020, entre outros).

Figura 1
A sura al-Qadr, “O Destino”, confiscada aos malês em 1835. Ela assegura: “Esta noite é de paz, até o romper do dia.”

Muitos dos que se levantaram em 1835 não eram muçulmanos e representavam a maioria nagô na Bahia. Assim, o movimento teve um sotaque étnico inconfundível. Foi um levante sobretudo nagô, segundo a maioria dos depoimentos da época. “Viva nagô” foi o grito de guerra naquela noite. Não quer isso dizer que faltasse a dimensão religiosa, mas esta se fundia com a étnica. O termo malê, como eram conhecidos os muçulmanos que fizeram a revolta, vem de ìmàle, que significa muçulmano em iorubá. Assim, sublinho, Revolta dos Malês significa revolta de muçulmanos nagôs (iorubás), especificamente. Os muçulmanos haussás sentir-se-iam ofendidos de serem chamados malês, pois se definiam como mussulmis. Um informante haussá do conde de Castelnau chegou a definir os malês como “infiéis”, acusação gravíssima de um muçulmano para outro, mas dentro do espírito de intolerância que caracterizou o núcleo central do movimento encabeçado por Usuman dan Fodio (Castelmau, 1851, p. 12). Essa atitude de superioridade frente aos malês teria sido uma das razões por que os haussás estiveram ausentes do movimento, embora representassem um dos grupos étnicos mais numerosos entre os identificados com a religião de Alá na Bahia.

A repressão que se seguiu à derrota dos malês abateu e dispersou a comunidade afro-muçulmana local. Quatro africanos foram executados, cumprindo a legislação que assim punia os cabeças de insurreição escrava, embora nenhum fosse de fato líder. Era punição exemplar para difundir o medo entre potenciais rebeldes. Centenas de africanos receberam penas de açoite e prisão. Numerosos libertos inocentes foram deportados de volta à África, e muitos escravizados vendidos para outras províncias, inclusive o Rio de Janeiro (Cunha, 2012; Reis, 2003, pp. 421-543; Reis, 2019; Brito, 2016). Um clima pesado de perseguição fez com que centenas de africanos forros - sobretudo, mas não só muçulmanos - abandonassem a Bahia para reconstruir suas vidas na África. Entre os passaportes emitidos para 245 deles no ano da revolta, 186 tiveram suas nações identificadas, e desses, 72,6% pertenciam àquelas com alto índice de muçulmanos: haussás (66), nagôs (40), bornos (13), tapas (12), baribas, fulanis, modumbis (4)12.

Dos africanos libertos que decidiram deixar a Bahia, mas permanecer no Brasil, a maior parte se dirigiu ao Rio de Janeiro, cidade comercialmente dinâmica, amplo mercado de trabalho, com numerosa população africana em meio à qual os malês poderiam se reagrupar com discrição. Outros malês foram ter em Porto Alegre e distintas cidades do Rio Grande do Sul ou, na direção inversa, se estabeleceram no Recife. Em todas essas cidades existiam grupos afro-muçulmanos organizados em escolas corânicas, sob a direção de alufás. Estes também atuavam fora do meio muçulmano, como curandeiros, adivinhos, fabricantes de amuletos, serviços oferecidos a uma clientela variada de não muçulmanos.

O ISLÃ APÓS A REVOLTA

A Revolta dos Malês criou uma sombra densa e duradoura sobre a história posterior dos afro-muçulmanos em todo o Brasil, máxime na Bahia. A conspiração de 1807 e o levante de 1814, dois episódios ainda da era colonial em que a mão de Alá se manifestou claramente, não tiveram impacto tão forte e delongado. Com base nos recentes códigos criminal e processual do Império, o movimento de 1835 foi zelosamente investigado pelas autoridades, que colheram centenas de depoimentos de testemunhas e de suspeitos. Mais do que em movimentos anteriores, fora estabelecido, além de qualquer dúvida, o papel central do Islã na revolta, que se descobriu ter sido concebida em células dirigidas por alufás. Sobretudo, foi confiscado pelas autoridades policiais um enorme volume de manuscritos devocionais, amuletos, livros (manuscritos) de orações, exercícios de escrita, entre outros documentos típicos do ambiente letrado em que viviam tanto os muçulmanos rebeldes como os que não se levantaram. A partir de 1835, a religião do Profeta seria criminalizada e como tal perseguida, embora algum espaço de respiração continuasse aberto aqui e ali.

A repressão à revolta de 1835 foi a principal causa da diáspora dos malês Brasil afora, assim como do retorno “espontâneo” de um grande número deles para a África. Os muçulmanos de origem iorubá, os propriamente malês, que desceram da Bahia para o Rio de Janeiro - vendidos, se escravizados, migrantes, se libertos - decerto representavam a maior parte daqueles que al-Baghdādī encontrou ao desembarcar naquela cidade, em meados da década de 1860. Os malês faziam parte da “diáspora baiana” no Rio de Janeiro, como escreveu Alberto da Costa e Silva (2003, p. 184). O relato do filho de Bagdá o confirma. O termo que os muçulmanos usavam para definir sua liderança religiosa era alufá, tal como os nagôs o faziam; os haussás, por exemplo, utilizavam o termo equivalente malami ou malām, que não foi jamais mencionado pelo imã. É verdade que, a certa altura de seu relato, al-Baghdādī dirá que “alguns” muçulmanos do Brasil se referiam a seu líder como “imã”, e estes talvez fossem haussás ou seus vizinhos na África. De todo modo, imã seria título dado a alguém num patamar superior da hierarquia religiosa, acima, portanto, de malamis e alufás, e ao qual estes devessem reverência, senão obediência. Mas não é certo que o cargo de imã de fato existisse em qualquer das comunidades visitadas por al-Baghdādī, ou ele, que era imã, o teria noticiado claramente.

Outro indício de que os malês representavam maioria entre os afro-muçulmanos do Rio está na perplexidade que demonstraram ao descobrir, na pessoa do religioso, que gente branca - ou morena, vá lá - também pudesse ser filha de Alá, algo que para haussás e fulanis não seria estranho, uma vez que, na África de onde vinham, estavam acostumados ao contato com mercadores árabes que os visitavam com frequência no vaivém do comércio transaariano. Talvez um ou outro dos haussás escravizados no Brasil tivesse algum dia acompanhado uma caravana comercial através do Saara, até o norte da África ou mesmo até o Oriente Médio, onde constatariam existir numerosa população de pele mais clara que também abraçava a religião de Maomé13.

O Islã praticado pelos muçulmanos encontrados por al-Baghdādī no Brasil era heterodoxo, mais próprio dos nagôs do que dos haussás ou dos fulanis, estes mais próximos da rigidez religiosa dos jihadistas. Digo isso embora considere que um grande número de haussás também teria relaxado na doutrina por conta da longa estadia no Brasil, ou trazido esse costume de suas próprias terras na África, onde compunham a ala heterodoxa que dan Fodio buscou extirpar de sua religião. Se tal acontecia com gente tão mais islamizada, que dizer da minoria muçulmana entre os iorubás de lá?

O testemunho do imã confirma-o. Ele ficaria chocado com o que reputou fraco conhecimento tanto da doutrina como dos rituais mais elementares do Islã por parte dos malês (Quiring-Zoche, 2000; Marín Guzman, 2011, pp. 149-150). E se esforçou para corrigi-los. Ensinou-lhes desde a evitar tirar seus chapéus e gorros em sinal de respeito, como se fazia no Brasil, até a ordem considerada correta de recitação das suras do Alcorão, o número de preces diárias, o momento exato da genuflexão durante as preces e o calendário do jejum. Para melhor se fazer entender, aprendeu a falar a língua do Brasil, dispensando os serviços de um intérprete judeu, que vivera no Marrocos, de cujas traduções (e intenções) disse desconfiar com uma convicção de adversário figadal. Al-Baghdādī chegou a acusá-lo de ensinar aos malês sua própria religião disfarçada de Islã (Al-Baghdādī, 2007, pp. 77-78).

Todavia, o mestre tinha objetivo mais ambicioso: “Se eu me dedicasse deveras apenas a ensinar para aquelas pessoas os modos da ablução, da oração e do jejum, perderia a oportunidade de instruí-las na maior obrigação - aquela que está acima de todas as outras, ou seja, o conhecimento do propósito da existência e da precedência”, escreveu (Al-Baghdādī, 2007, pp. 172). Em suma, preocupava-se com transmitir o ponto de vista doutrinário, pouco presente na vida dos malês, e por isso fez sermões expondo o conhecimento e as qualidades do Criador e de seu Profeta. Al-Baghdādī chegou a compilar um tratado bilíngue, escrito em árabe e traduzido por ele mesmo para o português, com a finalidade de registrar para seus discípulos no Brasil “os elevados atributos de Deus, o Altíssimo”, e de seus profetas, além dos rituais rotineiros e celebrações obrigatórias da folhinha muçulmana (Al-Baghdādī, 2007, p. 79). Esse tratado talvez ainda exista em algum arquivo no Brasil, na Turquia ou alhures.

O professor fez uma jogada ainda mais ousada em sua delicada missão brasileira: providenciou a compra de exemplares do Alcorão junto a um livreiro do Rio de Janeiro, pagando-lhe adiantado para que os fizesse vir da França. De onde vinham os fundos para tal operação - como de resto para seus outros gastos -, é algo a ser investigado. Recebidos os livros, revendeu-os aos malês e recuperou seu investimento. Al-Baghdādī anotou que o preço do livro era uma libra francesa (ou franco), valor muito baixo, menos de 500 réis, considerando as taxas de câmbio publicadas em alguns jornais cariocas. Enquanto isso, a Bíblia mais barata, importada de Portugal, custava 1.500 réis. Já os valores registrados para o Alcorão em 1869 pelo conde Arthur de Gobineau - o teórico do arianismo então representante da França na corte imperial - seriam exagerados, entre 15 e 25 mil-réis, segundo ele equivalentes a entre 36 e 40 francos, preços da livraria francesa Fauchon e Dupon. Gobineau não explicou a variação nos preços, talvez decorrente do tipo de encadernação. Aqueles livreiros, ainda segundo o conde, vendiam o livro a crédito aos negros muçulmanos, e numa quantidade impressionante, “cerca de uma centena de exemplares [...] anualmente” (Raeders, 1988, p. 202)14. É provável que Gobineau tivesse visitado a mesma livraria francesa onde, poucos anos antes, al-Baghdādī encomendara exemplares do Alcorão, e que as cifras dadas pelos livreiros ao diplomata se referissem, pelo menos em parte, à mesma fornada de livros pedidos pelo imã. O testemunho do conde confirmaria o sucesso do religioso em difundir, senão a leitura, pelo menos a posse do Alcorão pelos afro-muçulmanos do Rio de Janeiro.

Além de sua leitura, sobre os usos do Livro Sagrado muçulmano Alberto da Costa e Silva sugere que - e eu o acompanho nessa hipótese - “talvez muitos dos compradores do Alcorão não fossem capazes de o ler, mas queriam possuí-lo como o repositório da palavra de Deus, como um objeto de prestígio, como uma fonte de poder sobrenatural ou como um símbolo material da fé” (Silva, 2003, p. 178, que também noticia o relato de Gobineau). Esse uso mais alargado do livro, até como amuleto protetor, poderia explicar a sua difusão entre os malês não apenas no Rio, mas em todo o Brasil, e a ele talvez pudéssemos acrescentar as “gramáticas árabes redigidas em francês”, que, segundo Gobineau, seriam compradas junto com exemplares do Alcorão. Qual o uso dessas gramáticas por africanos que, decerto, na sua grande maioria, desconheciam a língua francesa? Seriam elas mais um objeto de prestígio, outro símbolo de pertencimento a uma cultura letrada?

Al-Baghdādī afirmou que o Alcorão em árabe por ele encontrado na livraria fora publicado na França, mas ele possivelmente estava errado. Devia ter sido exportado da França, mas editado alhures. Não se conhece uma tal edição feita naquele país, em meados do século XIX, apenas traduções (ou sentidos, versões, transliterações) para o francês (Larzul, 2009). E traduções não serviam ao objetivo do imã de instruir seus discípulos na língua do Islã. É quase certo que a edição adquirida por al-Baghdādī fosse aquela publicada em Leipzig, na Alemanha, pois consta ser a única em árabe então disponível para comercialização na Europa, na década de 1860. Trata-se, nesse caso, da edição de Gustav Flügel, que veio a lume pela primeira vez em 1834, seguida de outras edições, inclusive em 1858 e em 1867, esta última em versão um pouco revista por Gustav Moritz Redslob. A edição que al-Baghdādī descobriu na livraria carioca pode ter sido a de 1858, mas os exemplares que lhe chegaram por encomenda seriam, é provável, oriundos daquela recém-publicada de 1867. Lembro que o imã desembarcou no Rio em meados de 1866, e tendo ali residido um ano e meio, houve tempo suficiente para ele receber esta última edição do Alcorão (Coranus Arabice, 1867; Yakubovych, 2016).

Um exemplar dessa edição foi preservado pelos descendentes de seu provável primeiro dono na Bahia, o alufá Salu, um nagô liberto que envergava o nome cristão de José Maria dos Santos Silva (Oliveira, 1986; Müller, 2023). Al-Baghdādī pode ter encontrado em pessoa esse homem, que teria adquirido o livro de suas mãos quando o imã visitou Salvador, quiçá parte dos exemplares que encomendara ao livreiro carioca.

Os resultados positivos de seus ensinamentos no Rio animaram Al-Baghdādī. Pelo menos seus discípulos estavam aprendendo a melhor ler e recitar o Alcorão e a executar com correção os rituais. Mais difícil seria fazê-los abandonar suas ideias de como o mundo funcionava e como deviam desfrutá-lo e enfrentá-lo. Depois de tentar, com pouco sucesso, pregar o que considerava o Bem, o imã dirigiu sua doutrinação para o combate ao que considerava o Mal. Repreendeu repetidas vezes seus discípulos por se dedicarem à adivinhação e outras “superstições” - como o uso dos escritos sagrados a título de amuletos -, coibiu-lhes o uso muito difundido de bebida alcoólica, tentou convencer as mulheres a seguirem regras de comportamento condizentes com o Islã e pregou sobre como os homens deviam contratar e desfrutar do casamento ou encaminhar sua dissolução.

Figura 2
Frontispício do alcorão do alufá Salu e suas anotações ao texto.

Al-Baghdādī não encontrou no Brasil apenas “desvios” de origem africana, mas também adaptações que as comunidades malês tinham introduzido a partir de suas vivências brasileiras. Alguns usos foram adotados pelos malês por imposição do Estado e da Igreja. Este o caso do batismo, com adoção de nomes cristãos, e dos ritos matrimoniais e fúnebres, que deviam ser observados segundo as regras católicas para terem validade jurídica e respeitabilidade social. Eram ajustes que faziam sentido, uma vez que os malês não viviam em país muçulmano, e deviam seguir os códigos que valessem para cidadãos e residentes do Império do Brasil, um Estado que tinha no catolicismo a religião oficial. Contudo, havia razões práticas importantíssimas para que os malês aderissem a costumes católicos, pois, conforme ensinaram ao imã, se um filho não tivesse seu nome registrado no livro de batismo como pessoa livre, ele poderia ser “levado às autoridades imediatamente como um escravo, e ele não consegue se livrar dessa dificuldade durante toda sua vida” (Al-Baghdādī, 2007, pp. 88-89). Al-Baghdādī dava seu testemunho da precária liberdade dos negros não escravizados no Brasil imperial (Chalhoub, 2012).

A escravidão mesma explicaria esta e outras mudanças operadas nas vidas dos muçulmanos uma vez instalados no Brasil. Enquanto pessoas escravizadas não podiam, por exemplo, suspender o trabalho cinco vezes ao dia para rezar conforme os dogmas da fé, e nem investir muito tempo no esforço para aprender a língua do Alcorão, lê-lo e recitá-lo. A economia ritual a que tinham se acostumado quando escravizados fora em grande parte mantida pelos que haviam logrado se alforriar, e provavelmente eram forros, na sua maioria, os muçulmanos encontrados por al-Baghdādī durante sua estadia no Brasil.

Algumas mudanças nas obrigações muçulmanas, por motivos que desconheço, se tinham operado após a Revolta dos Malês. O imã relatou, por exemplo, que trinta anos depois daquele evento os malês observavam o jejum de forma bastante severa, mas num período errado, durante o mês anterior ao Ramadã, o Shaʿbān. Porém, na altura de 1835, eles cumpriam o jejum no período prescrito pelo calendário canônico muçulmano, tendo inclusive marcado o início do levante para o final daquele mês (Reis, 2003, pp. 261-263). Como, quando, por que mudaram?

Segundo ouviu deles al-Baghdādī, muitos africanos, que eram muçulmanos na África, teriam abandonado a religião durante o cativeiro no Brasil, só a retomando após reconquistarem a liberdade através da alforria. É interessante que, mesmo tendo insistido para receber os ensinamentos de al-Baghdādī, mesmo empenhados em mudar seu comportamento em conformidade com a doutrina muçulmana mais estrita, os malês resistiram a algumas correções de rumo que o religioso tentou introduzir em suas comunidades. Muitos homens rejeitaram renunciar ao consumo de álcool, por exemplo. Refutaram também abandonar a adivinhação e outras práticas ditas supersticiosas pelo imã, prometendo “que queriam largar [...] e aparentemente era somente para me agradar”, lamentou o mestre com um quê de condescendência (Al-Baghdādī, 2007, p. 87). E, ainda mais grave, os malês continuaram a se unir a mulheres que não professavam o Islã.

As mulheres demonstraram ser o elemento de maior resistência às mudanças que al-Baghdādī quis introduzir entre os malês. Elas se recusavam a jejuar durante o Ramadã e não cobriam suas cabeças com o ḥijāb quando saíam às ruas. Ao contrário dos homens, uma parte delas não desistiu do costume de cumprimentar as autoridades comunitárias do jeito iorubá/nagô, ou seja, prostrando-se de corpo inteiro no chão diante delas, inclusive o rosto, em sinal de respeito e submissão - no candomblé chama-se “bater a cabeça.” Muitas daquelas autoridades seriam mães e pais de terreiro, e neste caso as mulheres estariam claramente destoando e mesmo desafiando a religião de seus parceiros.

Também resistiram a aceitar a regra islâmica de herança, porque eram menos vantajosas para elas do que as leis brasileiras. Segundo o direito corânico, a esposa herdava apenas um quarto dos bens do marido, e as filhas metade do que recebiam os filhos. Já no Brasil, como al-Baghdādī percebeu, a viúva ficaria com metade da herança, e a outra metade era dividida entre filhos e a terça do finado, que servia para pagar despesas do inventário, dívidas pendentes, legados a instituições ou indivíduos, alforria de escravos etc. O que sobrava era distribuído igualmente entre os herdeiros. Al-Baghdādī considerou esse sistema um “problema” para que as mulheres o acatassem neste aspecto da legislação islâmica15.

As mulheres dos malês, nem todas devotas apenas de Alá, quando o eram, tinham uma autonomia que al-Baghdādī estranhou, deveras. “Elas fazem o que querem”, queixou-se, mas evitou pressionar em demasia os homens a corrigi-las, por temer que bulhas entre casais revelassem aos brancos da terra a religião que os muçulmanos praticavam em segredo (Al-Baghdādī, 2007, p. 85). As tentativas de maridos e herdeiros imporem regras islâmicas de herança poderiam, inclusive, ser contestadas por viúvas e filhas junto à Justiça brasileira. Era tudo muito complicado, ponderou o pregador.

PERSEGUIÇÃO E PERMISSÃO

Um tema recorrente no relato de al-Baghdādī é o receio que tinham os malês de serem descobertos e punidos por praticarem sua religião. Isso o impressionou muito. Conforme tenho insistido, ele pregou para os malês nas sombras, longe das vistas das autoridades brasileiras e dos brancos em geral, arriscando a sua própria segurança e, mais ainda, a de seus pupilos, além da possibilidade de provocar um incidente diplomático. O imã quis saber a razão da perseguição, pois a sua informação, antes de conhecer os malês, era de que a liberdade religiosa estava garantida pelas leis do país. Seus discípulos explicaram que a razão era a Revolta dos Malês. Eles relataram a revolta, talvez mais de uma vez, e ao fazê-lo trouxeram alguns esclarecimentos importantes. Fica ali claro, conforme já apontou Quiring-Zoche (1997), que a revolta não foi definida pelos malês como jihād, mas como harb, uma guerra de natureza política, e que africanos não muçulmanos participaram, embora fosse dos malês a direção. “E foram eles [os malês] que decidiram uns pelos outros [os não malês] nessa questão [a revolta] porque tinham religiões diferentes”, escreveu o imã. O parco conhecimento da doutrina islâmica convencional detectado por al-Baghdādī sugere que dificilmente eles teriam condições de acionar o protocolo doutrinário adequado para declararem um jihād16.

As autoridades brasileiras não tinham a mínima ideia sobre essas questões. Em 1835, chegaram a se referir à escrita dos malês como hieróglifos! Para elas importava que a religião cercou aquele movimento e a evidência material mais robusta disso seriam os escritos que ninguém entendia. Daí por diante, a descoberta destes, sobretudo quando associados a reuniões de africanos, sempre acendia uma luz vermelha. Foi por esse “delito” que muitos africanos terminaram presos e alguns expulsos do país anos, até décadas depois de acontecida a revolta (Graden, 2006). O vice-cônsul inglês em Salvador, James Wetherell (1860, p. 138), descreveu o clima na cidade em 1856, vinte anos após aquele levante:

Diversos pretos aqui são, acredito eu, maometanos, e alguns deles escrevem muito elegantemente o que presumo ser árabe. Tal fato, contudo, fazem às vezes que seus autores se vejam em apuros, pois os brasileiros, como todos os demais povos ignorantes, temem o que não podem entender. Um preto poderá às vezes mandar uma mensagem a um outro, ou escrever suas orações, e no momento em que a polícia encontra o homem em posse de tais escritos, gritam conspiração e assassinatos, levante escravo e assassínios; e os pobres dos pretos serão presos e talvez banidos do país, sendo o maior crime a eles imputado aqueles de caráter místico. Tenho em meu poder um livro de orações que me foi dado por um dos meus próprios criados: é cuidadosamente escrito em letras pretas e vermelhas, estas últimas formando aparentemente o início das frases.

Não fora sempre assim. Antes de 1835, os muçulmanos pareciam desfrutar de alguma liberdade religiosa em Salvador, o que se constata por uma leitura atenta da devassa instaurada para investigar e punir os rebeldes. Numerosas testemunhas depuseram sobre terem visto os muçulmanos reunidos em suas casas e mesmo na via pública, escrevendo, rezando com seus tessubás (o rosário malê), fazendo lições do idioma árabe, amiúde vestidos com seus abadás brancos. O comércio de amuletos era intenso naquela Bahia, e sabia-se quem os confeccionava para vendê-los no interior da comunidade africana mais ampla, onde eram considerados poderosas barreiras de proteção (Reis, 2003, caps. 5-9). Mas depois da revolta tudo mudou, para ficar da maneira descrita por Wetherell e pelos próprios africanos entrevistados por Al-Baghdādī.

No Rio de Janeiro também, pelo menos nos anos logo após o levante, a perseguição não foi pequena. Os negros minas, assim chamados porque embarcados na Costa da Mina, entre os quais se incluíam os malês e outros muçulmanos, passariam a ser atentamente vigiados pelas autoridades, temerosas de que o movimento baiano se repetisse na Corte. Ao longo do ano de 1835, vários escritos malês foram confiscados, investigados, traduzidos e interpretados em busca de pistas para estabelecer a periculosidade de seus donos. No final de 1835, foram detectadas “reuniões de pretos Minas, a título de escola de ler e escrever”, espécie de madraçal. Mas não apenas muçulmanos entrariam na mira da polícia no Rio de Janeiro, até irmandades católicas foram vigiadas. Toda a década de 1830 seria pontuada por denúncias de conspirata muçulmana, mas nada aconteceu (Soares; Gomes, 2001).

Apesar da perseguição que continuava quando da visita de Al-Baghdādī ao Brasil, os malês surpreenderam-no com a declaração de “que este país tornou-se uma pátria acolhedora” (Al-Baghdādī, 2007, p. 76). Se o imã otomano captou com acerto o sentimento paradoxal dos malês, essas palavras podiam dizer algo sobre o que eles tinham guardado da situação caótica e insegura em que se encontravam suas Áfricas quando dali partiram. Palavras que também sugerem que a perseguição por eles sofrida no Brasil não era incontornável.

Com o passar do tempo, mesmo na vigiadíssima capital do Império, as autoridades policiais baixariam a guarda. Em dezembro de 1849, o chefe de polícia da Corte informou que vinha recebendo denúncias de reuniões de africanos que se comunicavam entre si por meio de “escripturas”. Constou-lhe que eles também se comunicavam por escrito com a Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Casas suspeitas foram invadidas, seus moradores presos, “apreendendo-se uma infinidade de papéis escritos, alguns livros também manuscritos.” Numa investigação que duraria menos de uma semana, a autoridade chamou “peritos” para traduzirem e interpretarem o material, e eles constataram tratar-se de “orações em grande parte retiradas do Koran, em árabe espúrio e enxertadas de palavras de línguas Minas e Malês”, referindo-se ao ajami, o uso do alfabeto árabe para escrever idiomas africanos. Confiram a íntegra das palavras do chefe de polícia sobre o caso:

Interroguei os presos e de suas respostas vim no conhecimento de que com efeito as suas práticas e associações se referiam a coisas religiosas. Em consequência, pois, sem que lhes restituísse os papéis e livros que lhes foram achados, mandei-os pôr hoje em liberdade, porque como autoridade criminal não achei matéria para tê-los em prisão e processá-los. Entretanto entendo que tais pretos devem continuar a serem vigiados pela polícia; eles são indubitavelmente suspeitos, porque embora o fim ostensivo de suas práticas, associações, ritos etc. seja o simples exercício de uma religião, que lei nenhuma proíbe sendo praticada particularmente; todavia é muito natural que o espírito de associação religiosa os leve mais adiante e que os prosélitos que ela for fazendo, fanatizados por seus princípios, aproveitem dessa religião para fazer valer, e mediar as ideias contra a escravização, pois que vejo, por tudo quanto foi encontrado agora nas buscas que se deram, foi justamente o que também na Bahia se encontrou quando houve a insurreição dos escravos em 183517.

Não por acaso, o desembargador Antonio Simões da Silva, que assinou esse despacho em 1849, servira como chefe de polícia interino da Bahia logo após a Revolta dos Malês e presidira com mão de ferro o julgamento dos rebeldes em 1835. Ele conhecia bem seus inimigos. Mas agora, como chefe de polícia da Corte, reconhecia que os malês tinham o direito constitucional ao exercício de sua religião, daí não poder processar e punir, só vigiá-los para que não viessem a tentar um golpe semelhante ao acontecido na Bahia.

É provável que os malês tivessem carregado nas tintas a respeito do grau de repressão que enfrentavam em meados da década de 1860. Teriam informado a Al-Baghdādī, por exemplo, que podiam ser exilados, condenados à prisão perpétua ou mesmo mortos por praticarem aquela religião18. É provável que o imã não os tivesse entendido, apesar das repetidas vezes que disse ter tratado do assunto com eles. Uma razão para o exagero dos malês seria obter a estima do mestre ao se apresentarem como mártires, um papel valorizado pelo Islã e por outras religiões proféticas. Sem dúvida, a religião era perseguida e seus adeptos tinham que se precaver. O uso de roupas europeias seria um dos disfarces de al-Baghdādī durante sua missão sigilosa no país, e assim ele se moldava às restrições a que seus correligionários estavam submetidos. O religioso às vezes sentia falta de suas vestes sacerdotais e chegou a querer circular com elas pelas ruas do Rio de Janeiro, mas foi dissuadido pelos discípulos: “Se você usar seus trajes, nós não poderemos [mais] ir a sua casa, e sua utilidade se esvairá, pois, se os cristãos souberem que você é muçulmano, hão de imaginar o mesmo de nós” (Al-Baghdādī, 2007, pp. 89, 90-94).

Não duvidemos que os malês fossem suspeitos de subversão, mas, a depender do lugar, da autoridade no cargo e do clima político prevalecente, quando encontrados a praticar sua religião não foram sentenciados à prisão e muito menos executados. Terminamos de ler a história contada pelo chefe de polícia Simões. Os malês eram amiúde expulsos do país, isto sim. Em meados de julho de 1839, em Salvador, um negro foi casualmente visto a enterrar uma folha de papel que, apreendida e examinada, descobriu-se tratar de um escrito malê. Imediatamente correram rumores de nova insurreição, mas as investigações não levariam a lugar algum. Ainda assim, o chefe de polícia, decerto para acalmar os brancos e assustar os negros, prendeu alguns africanos libertos e os deportou. Considere-se, porém, que a revolta malê tinha acontecido havia apenas quatro anos (Correio Mercantil, BA, 27 de agosto de 1839, p. 2).

Contudo, nem na Bahia o arrocho era completo. Na década de 1840, alguns devotos de Alá, na sua maioria haussás, foram entrevistados pelo cônsul francês em Salvador, Francis de Castelnau, e muitos declaram sua fé abertamente, se identificando, inclusive, por seus nomes muçulmanos. Um deles, Mahammad, haussá na faixa dos 80 anos de idade, letrado em árabe, se disse malam muçulmano, como tinha sido seu pai, o que lhe daria direito a usar turbante verde. Fora vítima dos primeiros anos do jihād em sua terra, tendo sido aprisionado pelos fulanis em uma batalha e vendido a tratantes baianos em Onim/Lagos. Outro entrevistado, o carpinteiro Mohamad-Abdullah, um raro fulani em terras baianas - cerca de 70 anos, lia árabe e português, malam na África e peregrino em Meca - não se furtou a desafiar com veemência os valores cristãos do interlocutor europeu, e tentou convencê-lo da superioridade de sua religião. Ele fora aprisionado pelos haussás, contra os quais fizera jihād e aos quais desprezava no exílio baiano, para onde fora embarcado também em Onim/Lagos. Castelnau o definiu como “très intolérant, très fanatique”, talvez a mesma opinião que tinha o africano sobre o francês. Castelnau termina assim a pequena biografia que dele escreveu: “Os negros haussás que vivem em minha casa parecem ter muita veneração por este homem e, a seu exemplo, se põem a resmungar cantando versos do Corão” (Castelnau, 1851, pp. 39, 46-48). Não me parece comportamento de adeptos de uma religião silenciada, sobretudo se os haussás viviam na casa de um “cão cristão”, conforme Mohamad-Abdullah definiu Castelnau. Ora, se o francês sabia da existência desses muçulmanos em Salvador, as autoridades policiais também os conheciam e, no entanto, os deixavam soltos.

Em 1844, também em Salvador, um muçulmano de nação tapa, o liberto Francisco Lisboa, seria denunciado como conspirador por uma ex-namorada. Foram encontrados entre seus pertences um manuscrito em caracteres árabes. Ele seria preso para averiguações, mas logo solto, pois se descobriu que a denúncia de que seria um perigoso rebelde partira de uma mulher magoada em busca de vingança. Não consta que o liberto fosse deportado pela posse do misterioso papel, aliás um inocente bilhete de um aluno a seu mestre. Por via das dúvidas, Lisboa decidiu tomar o barco de volta à África dois anos depois, acompanhado de sua esposa, que por certo não seria a mesma mulher que o denunciara (Reis, 2003, pp. 222-224; Polícia, 1845-47).

Dois anos depois, de novo correram boatos de conspiração malê, dessa feita com pelo menos um lance mirabolante, também acontecido em Salvador. O incidente fora protagonizado por uma pomba juriti que errou o endereço de entrega de uma correspondência malê a ela confiada. No dia 26 de outubro de 1846, a ave entrou pela janela de um escritório na Cidade Baixa, onde foi capturada por dois caixeiros. Segundo a notícia publicada no Correio Mercantil, “lhe encontraram nos pés atadas duas bolsinhas, cada uma em cada um, dentro das quais se acharam dois escritos em caracteres arábicos, que não puderam decifrar, e que imediatamente entregaram ao subdelegado do distrito.” Outro jornal confirmaria a história, acrescentando que, além dos papéis malês, fora encontrado dentro das suspeitas bolsinhas um pó de folhas maceradas. A descrição se assemelha à de amuletos apreendidos por ocasião da Revolta dos Malês onze anos antes. A investigação policial deu em nada, mas o incidente serve como mais uma evidência de que os baianos continuavam a temer o retorno à ativa dos muçulmanos de 1835. O jornal previu que “horrorosas combinações” pudessem estar sendo carregadas pela juriti malê, e pedia ao governo que combatesse o tráfico clandestino de africanos com o objetivo de sustar “o aumento da escravatura entre nós, quando a moral pública, o progresso da civilização, e a segurança do país a isto se opõe”. Terminava de modo dramático, instando o chefe de polícia a “desenrolar esse fio terrível até chegar ao extremo onde a ponta se acha atada.” Outro jornal exigiu que as autoridades prevenissem “uma catástrofe, [pois] que a insolência dos africanos nestes últimos tempos tem se tornado notável.”19. Apesar do barulho da imprensa, não consta que a polícia tivesse dado muita importância ao incidente.

Em 1853, um liberto haussá encontrado com papéis semelhantes foi engaiolado e deportado. Sua prisão teve lugar em momento de fortes boatos de conspiração africana em Salvador. Ademais, o africano Cipriano José Pinto, este o seu nome cristão, além de ter sido encontrado num candomblé - quiçá da linha do Bori - que ele dirigia no Recôncavo, já tinha sido processado por estelionato, no ano anterior, em Salvador. Ou seja, sua folha corrida não o recomendava. Aliás, que fique claro: tanto muçulmanos como candomblecistas, se fossem africanos libertos, eram passíveis de banimento para a África, e muitos de ambos os grupos o foram de fato, sobretudo os segundos. Mas não era sempre que isso acontecia. Além disso, africanos não eram deportados apenas por desvios religiosos, podiam sê-lo pelos mais diversos delitos (Reis, 2008, cap. 4).

Mas, naquele ano de 1853, um fato mais sério tinha vindo à tona: a polícia encontrara indícios do funcionamento de uma escola malê, “com seus emblemas, ídolos e escrituras arábicas”, segundo um correspondente na Bahia do Jornal do Commercio carioca. Noutro local, teria sido encontrado grande número de barretes vermelhos, no formato que se sabia próprio de malê20. Apesar da pressão, os malês, vejam só, ousaram reivindicar, junto às autoridades policiais, o direito ao exercício de sua religião. Ainda segundo o correspondente daquele jornal,

os tais africanos socorrem-se agora às garantias constitucionais, e requereram ao chefe de polícia para os não perturbar no exercício de sua seita, dizendo que a constituição consagra a tolerância religiosa, da qual se querem servir para exercer as suas práticas e observar o culto que seguem. Vi um desses requerimentos assinado por alguns 20 africanos libertos, sob os nomes que tinham em sua terra ou adotaram, mas que não são os do batismo, ou que estão dados na polícia; notando-se que dois ou três dão-se o nome heroico de Abd-el-Kader.

O herói Abd el-Kader (a ortografia varia) que o correspondente tinha em mente era decerto o famoso emir que lutara contra a conquista francesa da Argélia, em meados do século XIX. O conflito, a derrota, prisão e posterior soltura e exílio de el-Kader foram amplamente cobertos pela imprensa brasileira. Mas o argelino talvez não fosse o inspirador dos nomes dos malês, mas ʿAbd­ al-Qādir al-Jīlānī, que fundou no século XII uma linhagem sufi do Islã, popular na África dos malês. Estranha, aliás, que al-Baghdādī se calasse sobre este aspecto da vida mística de seus alunos, a não ser que a relação destes com o sufismo fosse tão frouxa que lhe passara despercebida21.

Desconheço o que foi feito da petição dos malês pedindo liberdade de culto, mas deve ter sido ignorada pelo chefe de polícia da Bahia. Porém, ela evidencia que os malês nem sempre viviam na clandestinidade, vieram às claras se posicionar, ao contrário do que transparece o relato de al-Baghdādī alguns anos depois desses eventos, em data ainda mais distante da Revolta dos Malês. Em um trecho de suas memórias brasileiras, o imã escreveu que, “quando reza o homem [muçulmano] fecha a porta, esconde-se de seus amigos e companheiros e reza sozinho com medo de que os cristãos o descubram.” Acrescentando: “Durante o dia, no horário da oração do meio-dia e da tarde, ele vai para casa a fim de cumprir o que Deus, o Altíssimo, determinou como obrigação” (Al-Baghdādī, 2007, p. 83). Ou seja, os malês não arriscavam rezar em público, um direito apenas dos que professavam a religião oficial do Império.

No Recife, uma das cidades visitadas por Al-Baghdādī, encontramos Rufino José Maria, em 1853. Ele era malê de Oyó, coração da terra nagô, se dizia alufá e defendeu com grande orgulho e convicção a sua fé perante o subdelegado que o inquiriu. Após revirarem sua vida, traduzirem seus papéis e descobrirem que só tratavam de assuntos devocionais, as autoridades pernambucanas, como as cariocas quatro anos antes, o deixariam em paz. Mais sobre esse malê adiante.

Os resultados discrepantes de todos esses incidentes apontam para a ambiguidade das autoridades diante da prática religiosa muçulmana no Brasil oitocentista, a mesma atitude, aliás, que guardavam em relação ao candomblé. Se decidissem pôr em prática uma política de terra arrasada contra os malês, o governo imperial e os diversos governos provinciais teriam esmagado o Islã em terras brasileiras. O próprio trabalho doutrinário que al-Baghdādī desenvolveu em diversos pontos do país, durante cerca de três anos, sem ser incomodado, sugere que, àquela altura do século, já prevalecia alguma tolerância, apesar dos receios de perseguição que tinham os malês. Receios, sobretudo, de serem deportados. Como explicar, porém, que al-Baghdādī tivesse passado cerca de um ano entre africanos na vigilante Bahia, a “ensinar os muçulmanos e retificar sua conduta” (Al-Baghdādī, 2007, p. 107), sem ter sido detectado pelas autoridades locais? A missão do imã no Brasil, um branco (talvez moreno...) a pregar com regularidade para negros, não passaria despercebida, apesar dos cuidados tomados tanto por ele como por seus estudantes.

O ISLÃ DOS MALÊS

Foi através da brecha aberta pela atitude dúbia dos que detinham o poder de reprimir que o Islã negro ganhou sobrevida no Brasil após a Revolta dos Malês. Daí ter al-Baghdādī encontrado no país comunidades muçulmanas estruturadas no Rio de Janeiro, em Salvador e no Recife. E poderia tê-las encontrado noutras cidades, como Porto Alegre. Aqui, no ano de 1838, um “club mina” foi atacado pela polícia, após denúncia de “uma casa que servia aos pretos como de escola onde aprendiam a ler e escrever”. Foram confiscados escritos malês, entre os quais um livro contendo passagens do Alcorão e outras rezas, além de trechos de um poema devocional do século XIII muito popular no mundo islâmico, o Qaṣīdat al-Burda (Ode ao Manto), escrito em louvor a Maomé. Tudo a indicar que existisse em Porto Alegre pelo menos um núcleo ativo de afro-muçulmanos intelectualmente sofisticados. O incidente não esmagou o Islã local. O confisco de um Alcorão pela polícia, em 1879, num contexto ritual, indica a sobrevivência organizada do Islã em Porto Alegre em data avançada do Oitocentos (Reis; Gomes; Carvalho, 2010, pp. 54-59; Dobronravin, 2004, 2016; Moreira, 2019).

No Rio de Janeiro, al-Baghdādī chegou a pregar todos os dias para uma pequena multidão de “não menos do que quinhentas pessoas”, escreveu ele. Com entusiasmo talvez excessivo - ou para impressionar seus empregadores e outros leitores - o sacerdote afirmou que dezenove mil negros teriam sido por ele convertidos ao seu Islã na capital do Império do Brasil (Al-Baghdādī, 2007, pp. 78, 82) Esse número equivaleria a cerca de 7% da população carioca, uma cifra improvável22. Quando ali chegara, haveria cinco mil muçulmanos que professavam uma religião bastante corrompida, segundo a opinião do mestre. Al-Baghdādī explicou que os africanos adeptos de “crenças enganosas” - devotos de inquices, voduns, orixás e santos católicos - invejavam a coesão da comunidade muçulmana e por isso se converteram em grande número. Para o imã, o movimento de conversão não fora antes maior porque os alufás costumavam cobrar taxas proibitivas de adesão, as quais ele mandou imediatamente suspender, em nome de Alá (Al-Baghdādī, 2007, pp. 82-83).

Os malês do Rio de Janeiro se reuniam em grupos que al-Baghdādī chamou de clãs, cada um sob a liderança de um alufá23. Havia muita concorrência entre os alufás: “Cada um deles deseja que o outro seja do seu partido”, percebeu. Segundo o imã, os alufás, em geral africanos mais velhos, sabiam recitar uma parte do Alcorão, não todo ele, e o faziam com um sotaque “muito pesado” do árabe. O mais grave era se dedicarem à “geomancia e a magia”, decerto para vender serviços divinatórios e terapêuticos a uma clientela que incluía gente de fora dos círculos muçulmanos. A competência demonstrada pelos alufás nesses misteres, segundo ele, os ajudava a atrair clientes, conversos e discípulos, aspecto que al-Baghdādī preferiu ignorar ou omitir de seu relato. “Quantas vezes eu [...] lhes expliquei que se proibia a prática dessas mentiras!”, escreveu desolado; e jogou a toalha: “Esse modo de ser não é possível extirpar” (Al-Baghdādī, 2007, p. 87).

O relato de al-Baghdādī confirma a existência, apontada por outras fontes, de uma comunidade afro-muçulmana articulada nacionalmente. Marín Guzmán toma isso como prova de boa organização, esforço educacional e empenho em manter vivas as tradições do Islã (Marín Guzmán, 2011, pp. 164-165). Está certo, mas acrescente-se que tratassem de negócios, de família e outros assuntos seculares (como o faziam outros africanos, além cuidarem de outras religiões, como do candomblé e do afro-catolicismo). A boa comunicação entre os muçulmanos de diferentes regiões do Brasil - conversas já detectadas pela polícia carioca em 1849, lembrem-se - fez com que se espalhasse pelo país a notícia da presença do imã no Rio. Disso resultou que os malês residentes na Bahia enviassem à Corte uma delegação para convidar al-Baghdādī a ir pregar em Salvador, convite prontamente aceito. Na cidade que o missionário definiu como “pequena em retidão, grande na extensão e intensa no calorão”, ele residiu durante cerca de um ano. Chegara em pleno verão, na segunda quinzena de dezembro de 1867, pois, entre os dias 28 daquele mês e 25 de janeiro do ano seguinte, ali jejuou e rezou durante o Ramadã na companhia dos malês (Al-Baghdādī, 2007, pp. 105, 107). Achou-se ele no seio da mais numerosa comunidade muçulmana que visitaria no Brasil, contudo, menos dedicada que a do Rio ao aprendizado de suas diretrizes doutrinárias e rituais (Al-Baghdādī, 2007, p. 68).

Al-Baghdādī não se referiu a como os malês baianos estavam organizados, mas é possível que, ao contrário do Rio, existisse na Bahia uma autoridade máxima, espécie de imã a quem chamavam pelo termo limano, do iorubá lemomo, mesmo que almami, conforme anotado por Nina Rodrigues no final do século XIX (Rodrigues, 1935, p. 99). O padre Etienne Brazil foi mais longe ao afirmar que o limano da Bahia seria o “Grande Imã”, com jurisdição em todo o território brasileiro. Seria ele quem, por exemplo, nomeava os imãs de outras comunidades, como as do Rio de Janeiro e de Pernambuco, e estabelecia o calendário das festas religiosas. Essas informações de Brazil ainda precisam ser confirmadas por outras fontes (Brazil, 1909, pp. 103-104).

É provável que em Salvador al-Baghdādī tivesse encontrado maior dificuldade para exercer seu ministério devido à presença de alufás mais experimentados e autoconfiantes, embora para o imã eles tivessem só “ignorância [...] idêntica à dos companheiros da primeira cidade [Rio de Janeiro]” (Al-Baghdādī, 2007, p. 106). Admitia, porém, que diferiam em alguns aspectos na maneira de serem desviantes. Por exemplo, a união conjugal malê na Bahia incluía um escandaloso sistema de experiência pré-nupcial estranho à doutrina do Alcorão e à jurisprudência muçulmana. Se é que o imã entendeu o que ali se passava - eu mesmo creio que não -, o homem “experimentava” a mulher durante algum tempo e, caso ela o servisse bem, casavam-se, senão era devolvida à sua família, junto com os filhos, se já os tivesse gerado, ou seja, a “experiência” podia durar anos. Horrorizado, al-Baghdādī explicou-lhes que, para resolver casos de incompatibilidade entre casais, existiam regras islâmicas bem definidas de divórcio. A reforma dessas e de outras “degenerescências” familiares teria sido a primeira tarefa desempenhada pelo religioso entre os malês baianos (Al-Baghdādī, 2007, pp. 106-107).

Ainda no capítulo dos problemas familiares, ele observou que os muçulmanos da Bahia perdiam seus filhos para o catolicismo. Esta religião - fica implícito em sua narrativa - seria aquela adotada por suas mães, as mesmas que ele insistia junto a seus maridos que fossem respeitadas segundo as regras muçulmanas. Mas, como no Rio, o imã acusava as mulheres de serem as maiores culpadas pelos desvios dos homens da casa, pois não davam o bom exemplo: descobriam a cabeça em público, enterravam seus mortos ao modo católico, inclusive pagavam padres para presidir funerais24. Ele achou por bem reunir-se em separado com elas para persuadi-las, “de forma gentil”, a se corrigirem, e saiu da Bahia crente de que vencera a batalha. O imã parece não ter sido informado de que o registro de óbito católico era o primeiro passo para se proceder à abertura de testamento, caso existisse um, e/ou dar início ao inventário dos bens do falecido. Os africanos libertos, muçulmanos ou não, que tinham algum bem para legar ou receber, eram muito cuidadosos com esses trâmites, como é sabido25.

No entanto, al-Baghdādī atribuiu a conduta dos filhos menos à má orientação materna do que aos apelos da religião nacional, repleta como era de festas, procissões, suas “músicas e a beleza dos movimentos”, que o imã não deixou de apreciar, embora acrescentasse que representavam “o caminho da corrupção e da libertinagem”, religião sobretudo idólatra, conforme demonstrou numa aula prática ministrada aos malês na catedral do Rio, onde assistiram a uma missa na Sexta-Feira da Paixão, seguida da procissão do Senhor Morto (Al-Baghdādī, 2007, pp. 102-104, 107). Os filhos dos malês, em suma, optavam por uma devoção barroca cheia de estímulos aos sentidos, menos sisuda do que a de seus pais, menos inclinada a interditos quanto à alimentação e à conduta, à excessiva disciplina intelectual e aos repetidos rituais diários. Nesse conjunto de exigências residia uma das razões mais consideráveis para que o Islã negro no Brasil não prosperasse para além de seus seguidores africanos. O religioso aconselhou os pais a manterem seus filhos sob corda curta, proibindo-lhes o convívio com os católicos, presos em casa “até a maturidade”. Segundo Quiring-Zoche (2000, pp. 239-240), o imã tentava assim prevenir a extinção de sua religião no Brasil, no que falhou redondamente26.

Também convidado pelos muçulmanos locais, al-Baghdādī visitou o Recife, na próxima etapa de seu périplo brasileiro. Deve ter ali desembarcado entre dezembro de 1868 e janeiro de 1869, talvez em pleno Ramadã, e lá permaneceria seis meses, a mais curta das visitas por ele feitas a cidades brasileiras. Numa comunidade mais reduzida do que as antecedentes, no Recife ele gostou de encontrar “muçulmanos [...] mais atentos e espertos do que na primeira região”, talvez querendo referir-se não apenas ao Rio, mas também à Bahia. Logo em seguida, revelaria que a liderança se encontrava dividida entre dois alufás, os únicos malês de quem o imã, após ter conhecido tantos outros, afinal se dispôs a registrar nomes, José e Salomão. O primeiro, mais jovem, ele louvou com o epíteto de “sagaz”; o segundo, mais velho, censurou por não aceitar a revisão do período do Ramadã, que, como no Rio, era observado no mês anterior (outra evidência de que os malês combinavam sua vida ritual em escala nacional). Os seguidores do velho alufá continuariam, então, a acompanhá-lo neste e noutros erros denunciados pelo imã27.

Os malês de Pernambuco tinham deficiências de conduta e doutrina semelhantes às encontradas nas demais comunidades visitadas por al-Baghdādī; porém, lhe chamou a atenção a dedicação excessiva deles aos exercícios divinatórios. Eis seu diagnóstico:

O comportamento deles na oração e no jejum é como a situação daqueles mencionados anteriormente. E possuem uma forte inclinação para os quadrados mágicos, a geomancia, a numerologia e o sentido místico das letras árabes. Por causa disso, escondem-se menos do que nas primeiras cidades, pois os cristãos confiam muito neles e acreditam no que eles demonstram de suas intenções. Assim, oferecem-lhes dinheiro e atendem suas vontades em todas as situações, embora não conheçam do que evocam nada, a não ser a denominação. Às vezes, porém, o decreto do destino coincide com [o que dizem] eles, e atribuem isso a suas obras (Al-Baghdādī, 2007, p. 114)28.

Com essas palavras, al-Baghdādī explicou a alguma tolerância religiosa que existia em relação aos malês. A tolerância, segundo ele, seria maior no Recife precisamente porque seus alufás haviam conseguido, através de um amplo leque de serviços rituais, sobretudo divinatórios, atrair muitos clientes de fora das hostes muçulmanas. Com isso não apenas ganhavam seu sustento diário, mas também a proteção de pessoas da boa sociedade, brancos e mestiços que, em muitos aspectos, tinham uma percepção sobre o funcionamento do mundo semelhante à dos malês. Esses clientes eram decerto católicos, aos quais, sempre que podia, o imã gostava de situar no campo da superstição ou da contrafação. Mal sabia ele que os malês do Recife, além de batizarem os próprios filhos na igreja católica, costumavam batizar os filhos de outros africanos, cultivando dessa forma significativas relações de compadrio fora da comunidade muçulmana. O mesmo, aliás, acontecia em Salvador e noutras cidades onde os malês residiam (Costa, 2018, p. 52; Castillo, 2015, pp. 216-217, 2018, pp. 39-50 e 51-75).

Figura 3
“Quadrado mágico” na forma de um amuleto confiscado na Bahia em 1835.

O relato de al-Baghdādī confirmaria o que, pouco mais de dez anos antes, revelara o alufá Rufino José Maria, aqui já apresentado brevemente. Rufino representava o muçulmano desejoso de aprender para melhorar o desempenho na fé, e nisso se assemelhava a numerosos filhos de Alá que al-Baghdādī encontrou no Brasil. Quando, em fins de 1841, o navio negreiro no qual trabalhava como cozinheiro fora apresado na costa angolana pelos ingleses e levado para Serra Leoa, Rufino aproveitou os cinco meses que esteve ali detido para frequentar uma escola muçulmana, enquanto aguardava o julgamento do navio por tráfico ilegal de cativos. Mais tarde, retornaria à colônia inglesa para servir de testemunha no processo indenizatório movido contra os ingleses pelos donos do navio e de sua carga (inclusive a dele), ocasião que aproveitou para completar seus estudos durante quase dois anos. Seu treinamento na leitura, na cópia, na memorização e na recitação de textos sagrados foi feito em paralelo ao aprendizado de técnicas de adivinhação e métodos de cura. No Recife, além de discípulos malês, ele tinha uma clientela social e racialmente eclética, que o buscava para a solução de problemas financeiros, amorosos e de saúde (Reis; Gomes; Carvalho, 2010, cap. 21).

Apesar de al-Baghdādī ter encontrado alufás como Rufino, que não o agradaram, o imã fez um balanço positivo de sua missão no Recife. Sobre os malês pernambucanos, escreveu: “Quando aperfeiçoaram suas questões no período de seis meses, mostrou-se entre eles uma aptidão melhor do que a daqueles que não se separaram de mim durante toda a minha estada [no Brasil]” (Al-Baghdādī, 2007, p. 114). Esse trecho do relato sugere que ele percorreu o Brasil escoltado por malês que conhecera no Rio de Janeiro. Mais um dado sobre a circulação desenvolta desses muçulmanos através do Brasil.

A passagem de al-Baghdādī pelo Recife talvez esteja refletida numa polêmica que se desenrolou nas páginas do Diário de Pernambuco em 1877. Um grupo de africanos adeptos do Xangô, o candomblé pernambucano, protestou naquele jornal contra um caso recente de repressão policial, alegando direito constitucional à liberdade religiosa. Mas declararam ser devotos do Islã e não do Xangô. Alguns dias depois, os malês “legítimos” replicaram, no mesmo periódico, afirmando serem eles os verdadeiros representantes da religião de Maomé no Recife, sendo falsos “mahometanos” aqueles outros. Os malês lembraram que eles eram sequer alvo de perseguição policial porque, desde 1873, haviam obtido licença para se reunirem em paz. Essa licença seria o coroamento da liberdade religiosa testemunhada no Recife por al-Baghdādī poucos anos antes. Numa outra missiva ao jornal, os muçulmanos deram uma pequena aula de história e de algumas regras de sua religião que poderiam, porventura, terem aprendido com o imã de Bagdá (Reis; Gomes; Carvalho, 2010, cap. 24).

OS MALÊS VISTOS DE CIMA

A narrativa de al-Baghdādī merece ser também comentada pelo que silencia. Não o interessou a vida econômica e social do país, sua organização política, os acontecimentos marcantes do momento, nenhuma palavra sobre a Guerra da Tríplice Aliança, apesar de ser ele um capelão militar. Seu foco nos aspectos religiosos não nos permite vislumbrar outras dimensões das próprias comunidades afro-muçulmanas, senão de maneira periférica, ou apenas quando relevantes para a sua catequese. Nada disse sobre os meios de subsistência dos membros dessas comunidades, exceto quando mencionou a cobrança de uma taxa pelos alufás no Rio para aceitarem novos conversos e a venda de serviços divinatórios pelos alufás do Recife. Mas apenas os alufás podiam lançar mão de expedientes desse tipo para obterem uma renda, os demais malês, não.

Quais as ocupações “seculares” exercidas pelos malês? Qual o peso relativo, entre eles, dos libertos, livres e escravizados, e o tipo de inserção que tinham na sociedade malê e na sociedade mais ampla? Sabemos que nem todos os malês eram pobres, pois tiveram recursos para pagar aluguéis, comprar Alcorões e alguns para viajar pelo Brasil com o imã entre uma cidade e outra. Talvez estes fossem negociantes, e com certeza libertos. Decerto existiam níveis variados de riqueza (e pobreza) entre os malês. Alguns seriam senhores de escravos, como era comum entre libertos mais prósperos. Testemunhara o imã alguma diferença no tratamento de seus escravos em comparação com senhores não muçulmanos? E como al-Baghdādī avaliou a escravização de muçulmanos por senhores católicos? Ou por outros muçulmanos? Nada consta.

Outro aspecto das comunidades afro-muçulmanas apagado pela exposição do imã diz respeito à sua composição étnica. Como já disse, as evidências apontam para uma predominância nagô, mas havia muçulmanos de outras nações africanas no Brasil que deviam participar desses grupos ou se reuniam noutros. Haveria mistura de nações entre eles? Me refiro, particularmente, aos haussás, uma nação composta por grande número de muçulmanos. Ao fechar seus olhos para essas diferenças, al-Baghdādī negligenciou características das agremiações muçulmanas que poderiam ajudá-lo a melhor entender as nuances doutrinárias e comportamentais de seus membros.

É deveras decepcionante que al-Baghdādī se interessasse tão pouco pela vida extra religiosa de seus discípulos, e menos ainda de outros africanos - e negros em geral - com quem entrou em contato ou apenas vira circular nas ruas das cidades onde morou, todas elas repletas de faces negras. A exceção seria um escravo que vivera entre indígenas e com eles aprendera a arte de curar (al-Baghdādī, 2007, pp. 100-101). Viajantes de plagas mais ocidentais que visitaram o Brasil no Oitocentos, entre eles sacerdotes de outras religiões, como o anglicano Robert Walsh e o metodista Daniel P. Kidder, deixaram relatos bem mais ricos sobre a vida dos africanos escravizados e libertos (Walsh, 1830; Kidder, 1845).

O valor do relato de al-Baghdādī reside noutros aspectos, tornados óbvios ao longo deste artigo. O estudo dos afro-muçulmanos no Brasil tem sido feito sobretudo a partir de fontes depositadas em diversos arquivos do país, sobretudo na Bahia e no Rio de Janeiro, além de notícias esparsas na imprensa e nos relatos de viajantes. À exceção dos textos devocionais escritos em árabe, essas fontes foram produzidas por autoridades políticas, policiais e judiciais, por periodistas e visitantes estrangeiros, todos armados de uma visão externa e preconceituosa em relação aos malês. A contribuição do imã é a única escrita desde uma perspectiva muçulmana, e escrita por alguém que conviveu com os malês durante um período prolongado, compartilhando de sua intimidade e cumplicidade. Por esta razão, se revelam nele muitos aspectos da religiosidade praticada pelo grupo no Brasil difíceis de se perceber noutras fontes.

Contudo, o relato de al-Baghdādī é uma narrativa preconceituosa, no sentido de que, apoiado em sua formação erudita, cultivada no estudo metódico e sistemático do Islã, ele se atribuiu o papel de agente civilizador, com viés paternalista, diante de muçulmanos que considerava inferiores a ele, atrasados e desviados do caminho correto quanto à doutrina e a ritualística de sua religião. Não se perca de vista que o imã era súdito do Estado muçulmano mais poderoso de sua época, e a essa condição com frequência se referiu em suas memórias da experiência brasileira, explícita ou sutilmente. Um dos obstáculos às reformas do Tanzimat, que previa igualdade civil aos adeptos de outras religiões que não o Islã, teria sido “o orgulho inato, a convicção de superioridade, que os muçulmanos turcos possuíam” (Davidson, 1963, p. 65). Assim era o imã entre os malês. Contudo, acostumado à convivência com muçulmanos de diferentes origens que compunham o Império Otomano, al-Baghdādī não expressou preconceito racial em relação aos malês, ao contrário de eruditos brasileiros vinculados a outras formas de pensamento.

Nina Rodrigues, por exemplo, abraçava uma interpretação racializada dos afro-muçulmanos e de sua religião. Ele considerava tanto o islamismo como o cristianismo “muito superiores à capacidade religiosa” dos negros enquanto “raça”; a feitiçaria os “domina e subjuga”, proclamou o professor de medicina adepto do racismo científico que vigorava em seu tempo (Rodrigues, 1935, pp. 98-99, 108). Ou seja, tanto o africano como o negro brasileiro, por sua inteligência limitada, se adaptavam melhor às religiões que o cientista chamava de “fetichistas”. Quanto a al-Baghdādī, sua autodeclarada supremacia sobre os malês não decorria de um dado da biologia, nem buscava ele uma explicação racialista para o Islã “deturpado” por eles praticado. Pelo contrário, o imã acreditou no potencial dos malês para alcançarem um entendimento que ele julgava mais elevado da religião. Não obstante, era um colonizador de mentes, as quais buscou ocupar em benefício da salvação eterna de seus discípulos e de si próprio. Al-Baghdādī deixaria claro para seus discípulos que não havia salvação fora de sua lei. Nesse aspecto, não obstante as muitas concessões que admitiu fazer, não se pode dizer que fosse um doutrinador tolerante; talvez se equilibrasse entre intolerância (Karam, 2015, p. 57) e solidariedade (Kulez, 2021), ambas necessárias ao cumprimento de sua missão catequética. Ou, mais ao ponto, como sugere Kulez (2021, p. 212): “o que que provoca solidariedade é, no final, o que limita suas dimensões”29.

Malgrado seus esforços, al-Baghdādī se deparou com africanos experimentados na arte da negociação cultural, aprendida na arena das relações com traficantes, senhores, autoridades civis e eclesiásticas, os brancos em seu conjunto, além de outros africanos. Homem inteligente, o sacerdote otomano deu a entender, em diversos momentos de seu relato, que sabia ser vítima das táticas de embromação dos malês. Estes o fizeram de mestre, obedeceram a muitos de seus comandos, adotaram maneiras novas de ritualizar sua devoção e, também, de compreender Alá e o Profeta; aprenderam a melhor ler, escrever e pronunciar as palavras do Alcorão, mas, ao mesmo tempo, resistiram a mudar comportamentos que consideravam inegociáveis, costumes trazidos de suas Áfricas ou aqui adaptados para melhor combaterem os males da escravidão e da discriminação. Embora o relato de al-Baghdādī amiúde adquira um tom triunfalista, a sua sinceridade básica aponta as dificuldades da missão que assumiu diante de homens e mulheres orgulhosos, resolutos e ciosos de sua autonomia espiritual e comportamental. Com isso, o imã nos permite perceber os pontos de tensão gerados por sua pregação e, desse modo, melhor compreender os afro-muçulmanos do Brasil oitocentista.

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  • 1
    Agradeço aos pareceristas e à revisora da RBH, e sobretudo a Juliane Müller e Lisa E. Castillo, pelos comentários; e a Bruno Véras pela indicação de referências bibliográficas.
  • 2
    Publiquei naquele volume um curto comentário (Reis, 2007, pp. 27-30), resumo de um texto bem maior preparado para a ocasião, que serviu como embrião do presente artigo. Para um estudo abrangente sobre o contexto do relato, do mundo islâmico e do otomano no século XIX, da religiosidade do viajante, de seus embates doutrinários com os malês, mas carente de novos dados sobre o Islã no Brasil oitocentista, ver Quiring-Zoche (2000); Farah (2007); Marín Guzmán (2011); e Kulez (2021). Agradeço a Bruno Véras pelas duas últimas referências.
  • 3
    Cópia digitalizada do manuscrito de al-Baghdādī se encontra no site da Staatsbibliothek zu Berlin, Ms. or. 4522 (ʽAbdarraḥmān Ibn ʽAbdallāh, s.d.). Em 2001, uma tradução para o inglês do manuscrito, feita por Yacine Daddi Addoun e Renée Soulodre-La France, foi publicada online pelo Harriet Tubman Institute (York University, Canadá). Essa é a tradução que usei amplamente em Reis (2003, pp. 191, 232, 243, 280-282, 548, por exemplo), e em Reis, Gomes e Carvalho (2010, cap. 24), assim como a usou Soares (2004). Após a edição de Farah, que também inclui uma tradução em espanhol, outra nesta mesma língua foi feita por Malika Kettani (2012).
  • 4
    Segundo Dal (2015, p. 111), “Os funcionários civis [da Marinha] incluíam médicos, cirurgiões, imãs, escrivães, secretários e farmacêuticos que eram empregados como uma equipe auxiliar de acordo com as necessidades do pessoal naval”. Sinal da secularização do Estado otomano na época, os médicos-cirurgiões navais tinham soldo 7,5 vezes maior do que os imãs, segundo Panzac (2012, p. 345).
  • 5
    A chegada das duas corvetas turcas ao Rio, em dias subsequentes, foi registrada nas páginas do Correio Mercantil de 20 e 21 jun. 1866. Primeiramente, ali se lê, na seção “Notícias Marítimas”: “de Cadiz por Teneriff e S. Vicente - 38 dias (24 dias do último), corveta a vapor turca ‘Ottomana Zemir’, comandante M. Brey (segue para a Índia)”. “Brey” talvez fosse mesmo “Bey”, um título honorífico turco comumente dado também a capitães de navio. Ver Dal (2015, pp. 127-129 e passim). No dia seguinte, 21, na mesma seção do jornal: “entrou mais um vapor de guerra turco”, que seria, decerto, o “Bursa”.
  • 6
    D. Pedro II visitou a Izmir na ilha das Cobras, onde fundeara para conserto no Arsenal Naval. Na mesma ocasião e local ele visitou outros navios estrangeiros (Correio Mercantil, 28 jun. 1866).
  • 7
    Um engenheiro da “Bursa”, Mühendis Faik, deu um testemunho destoante daquele de al-Baghdādī: que este havia desertado e queria ficar no Brasil por interesse financeiro (Qual? Ele não diz). Ver Kulez (2021, p. 204), que usa o relato de Faik para recontar outros detalhes da viagem.
  • 8
    Em Reis (2003, p. 327), estimei em 14,1% os representantes, na Bahia, de nações densamente islamizadas do Sudão Central, sem contar os adeptos do Islã de origem iorubá (os malês), fossem os que já desembarcavam muçulmanos ou os que se converteram no Brasil. Recentemente, um grupo de historiadores propôs calcular a distribuição dos muçulmanos vítimas do tráfico entre 1808 e 1848, a partir dos nomes daqueles resgatados por navios ingleses. Segundo esse critério, a Bahia teria recebido em torno de 14% dos muçulmanos traficados nesse período, proporção parecida à que calculei, sem incluir os nagôs, e bem modesta se comparada aos incríveis 49% que teriam sido enviados a Cuba. Porém, é no mínimo curioso que, em Cuba, não tenham até hoje sido documentadas práticas devocionais daquela época, ou a formação de comunidades muçulmanas organizadas, ao contrário do ocorrido em Salvador e noutras cidades do Brasil. É como se os muçulmanos tivessem ali desembarcado para imediatamente abandonarem sua fé, o que não era próprio de muçulmanos ou de devotos de outras religiões africanas. Os autores tentam, em vão, explicar este e outros paradoxos embutidos nos números que juntaram. Não obstante, sugerem uma ou outra pista interessante para futuras pesquisas. Ver Silva et al. (2017).
  • 9
    Um dos objetivos religiosos do jihād de 1804 era exatamente expurgar do Islã as crenças haussás tradicionais. Ver, entre outros, Martin (1976, cap. 1) e El Masri (1978, pp. 9ss.).
  • 10
    Já na primeira metade do século XVIII, os africanos embarcados na Costa da Mina formavam maioria entre os cativos baianos, mas vinham de zonas mais próximas do litoral. Ver Souza (2010) e Soares, Domingues e Silva Jr. (2016, cap. 1 e p. 80).
  • 11
    Este e os próximos parágrafos decorrem de dados e interpretações encontrados ao longo de Reis (2003, esp. cap. 10). A conta de dez dias de Ilorin até Eko/Onim, como era conhecida Lagos, é indicada por um africano entrevistado na Bahia por Castelnau (1851, pp. 26-27).
  • 12
    Ver Polícia, 1831-1837. Entre os trabalhos sobre o movimento de retorno à África, ver Castillo (2011, 2016); Souza (2008); Moreira (2018). Sobre o estabelecimento da comunidade agudá na costa da África, ver, entre muitos títulos, Verger (2021, cap. 16); Cunha (2012); e Guran (2000).
  • 13
    Sobre a presença de árabes entre os haussás e outros povos do Sudão Central, ver o relato do major britânico Dixon Denham (1826); e o testemunho dos próprios africanos entrevistados na Bahia por Castelnau (1851, pp. 10-11, 21, 32, 33, 37).
  • 14
    O preço da Bíblia variava de 1,5 mil-réis a 3,5 mil-réis, segundo o Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 7 de agosto de 1866. Para comparação, no mesmo ano, um exemplar do Almanak saía por 7 mil-réis, quase o preço de uma sensacional “máquina de lavar e expremer” manual, feita de madeira, vendida a 8 mil-réis. Outros preços: 1 libra de rapé, 3 a 3,5 mil-réis; um frasco de loção anticaspa, 3 mil-réis, valor de duas bíblias ordinárias (Jornal Commercio, 10 de janeiro de 1866); uma edição francesa em dois volumes da Crítica da razão pura, de Kant, 7 mil-réis; As primaveras, de Casimiro de Abreu, encadernado, 2 mil-réis, em brochura, 1.600 réis; uma arroba de café para exportação, 6 mil-réis (Correio Mercantil, 19 e 20 de janeiro de 1866); uma arroba da carne seca a grosso, 400 a 800 réis em junho de 1866, as mais caras importadas do Rio da Prata (Almanak... 1867, Supplemento, p. 171).
  • 15
    Marín Guzmán (2011, pp. 184-200) expõe longamente as regras muçulmanas do matrimônio, da família e do divórcio, que enfatizam a subordinação da mulher a seu marido, indicando que seriam nessa direção as prédicas brasileiras do imã otomano. Sobre as regras brasileiras, ver Junia Furtado (2009).
  • 16
    A interpretação de que o levante de 1835 teria sido um jihād tem vida longa, iniciada na virada do século XX com Rodrigues (1935, pp. 85-98). Ver também, para intervenções mais recentes, entre outros, Cairus (2002) e Silva (2002). Meu debate com esses e outros autores, e minha própria interpretação multicausal, está em Reis (2003, esp. cap. 8). Ver também Reis (1988) e Reis e Farias (1989).
  • 17
    Diario do Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1849, p. 2. Esse documento foi também discutido por Soares e Gomes (2001, pp. 30-31).
  • 18
    Mais adiante em seu relato (p. 93), o viajante também afirmou que os crimes de roubo, estupro, homicídio e ferimento eram punidos no Brasil com a pena de morte ou a prisão perpétua, no que também errava. Desses crimes, apenas o homicídio com circunstâncias agravantes e o latrocínio podiam ser castigados com pena capital; já os escravizados também podiam sê-lo por liderarem insurreições e por matarem ou ferirem gravemente senhores, seus prepostos e parentes (Codigo Criminal do Imperio..., 1858, pp. 79-80, p. 102, 124).
  • 19
    Ambas as notas foram reproduzidas pelo Diário do Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1846, p. 2. Agradeço a Flávio dos Santos Gomes por me dar notícia desse incidente.
  • 20
    Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 19 de abril de 1853. Agradeço a Lizir Arcanjo Alves por compartilhar comigo essa notícia.
  • 21
    Possível influência sufi em 1835 é discutida por Cairus (2007) e Reis (2003, pp. 220-224).
  • 22
    Segundo o censo de 1872, a população do município do Rio de Janeiro era 274.972 habitantes (Sinopse do Censo Demográfico..., s.d.).
  • 23
    Segundo Quiring-Zoche, Al-Baghdādī lançou mão do termo ʿašīra, clã consaguíneo, principalmente entre os beduínos (Quiring-Zoche, 2000, p. 235).
  • 24
    Para mais detalhes sobre onde os malês “erravam”, ver Marín Guzmán (2011, esp. pp. 147-169 e cap. VI); Quiring-Zoche (2000) e Farah (2007).
  • 25
    Entre outros títulos sobre o assunto, ver Mattoso (1979, 1988) e Oliveira (1988).
  • 26
    Rodrigues (1935, pp. 98-99, 101) também tem sua interpretação do apego das novas gerações crioulas ao catolicismo, em detrimento do Islã.
  • 27
    Meus comentários sobre a passagem de Al-Baghdādī pelo Recife estão em grande medida também presentes em Reis, Gomes e Carvalho (2010, cap. 24).
  • 28
    Essa cesta básica ritual era típica do Islã em terras iorubás. Ver Ryan (1978, pp. 164-176).
  • 29
    Em seu artigo, Kulez problematiza o encontro entre personagens do Sul global, os malês e o imã.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2022
  • Aceito
    25 Mar 2023
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