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Victoria: “indígena brasileira” ou “parda”? Uma análise da ação de liberdade de uma escravizada e de seus descendentes na vila de Santo Antônio e São Sebastião de Uberaba, Minas Gerais, 1846

Victoria: “Indigenous” Or “Pardo” Brazilian Woman? An Analysis of the Freedom Act Granted to An Enslaved Woman and Her Offspring in the Village of Santo Antônio and São Sebastião de Uberaba, 1846

RESUMO

Em 1846, na Vila de Uberaba, Minas Gerais, uma indígena Puri chamada Victoria, juntamente com seus descendentes - todos escravizados -, tiveram a chance de obter a sua liberdade por meio de uma “Ação de Liberdade” proposta pelo juiz municipal e de órfãos. Os indícios inscritos na fonte consultada serão examinados em uma perspectiva que leve em conta, além da microanálise, a legislação indigenista oitocentista e a escravidão indígena e negra. Para almejar a libertação dos escravizados, a estratégia do magistrado foi sustentar a identidade indígena de Victoria, evidência que o proprietário objetivou desconstruir sistematicamente, ainda que com evidentes lacunas. Dessa forma, a “verdade formal” (contida na Ação de Liberdade) mostrou-se diferente da “verdade real”, evidenciada a partir de elementos constantes no documento analisado.

Palavras-chave:
Escravidão indígena; Puri; Família escrava; Ação de liberdade; Uberaba

ABSTRACT

In 1846, in Uberaba (then a village), Minas Gerais, an indigenous Purian woman named Victoria, along with her descendants, all of whom were enslaved, had the chance to be freed through a “Freedom Act” proposed by the municipal family court judge. The evidence found in the source of our study was examined considering not only a microanalysis but also the indigenist legislation of the 19th century and the enslavement of African descendants and native peoples. To set the enslaved free, the magistrate’s strategy was to sustain Victoria’s indigenous identity, evidence that her owner aimed to deconstruct systematically, albeit with flagrant gaps. Thus, the “formal truth” found in the Freedom Act proved different from the “real truth”, highlighted from the elements present in the analyzed document.

Keywords:
Indigenous Slavery; Puri; Enslaved Family; Freedom Act; Uberaba

INTRODUÇÃO

Esta é a história de uma família escravizada1 1 Dentre os trabalhos que versam sobre a família indígena escravizada, ver: Ferreira (2018) e Loureiro (2020). Sobre a família negra escravizada, aponto os estudos clássicos de Slenes (2011) e Florentino e Góes (2017). cuja matriarca, Victoria, era uma indígena Puri2 2 Nos séculos XVIII e XIX, os Puri habitavam áreas dos atuais estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Sobre os Puri oitocentistas, ver: Aguiar (2010a) e Aguiar (2010b). . Uma parentela numerosa composta, no ano de 1846, por ela, seus cinco filhos - Adão, Francisco, Florianna, João e Prudência - e sete netos - Antônio, Laurianna, Marianno, Lourenço, Maria, Francisca e Silvéria - pertencentes por herança a Luísa Joaquina de Oliveira e seu esposo, Antônio Telles da Silva Brandão.

A indígena em questão provavelmente tinha um nome Puri até o momento em que foi capturada por caçadores e vendida para um casal de fazendeiros do sul de Minas Gerais. A partir de então, passou a ser conhecida como Victoria, de cor “parda”, sendo inserida na sociedade colonial como uma escravizada, cuja mãe era cativa de seus “donos”. Victoria nunca aceitou o “papel atribuído” a ela por uma sociedade escravocrata: tentou fugir, tornou-se mãe e passou adiante o sonho da liberdade a seus filhos. Em três “Ações de Liberdade”, essa família buscou libertar-se do cativeiro.

A documentação oitocentista que serviu de base para este artigo foi encontrada pelo historiador João Eurípedes de Araújo, do Arquivo Público de Uberaba, no final dos anos 2000. Acondicionada entre as inúmeras “Ações de Liberdade” de escravizados de origem africana ou afro-brasileira, somente após uma leitura bastante atenta dos processos por parte do servidor é que Victoria - agora Puri e não mais parda - teve sua identidade étnica (re)conhecida. Os três processos perfazem um total de quase quinhentas folhas (frente e verso).

Este trabalho tem como ponto de partida a hipótese de que a escravidão indígena foi uma realidade na Vila de Santo Antônio e São Sebastião de Uberaba durante o século XIX, mesmo proibida no Brasil. No caso em tela, ela envolveu uma Puri oriunda do sul mineiro e não os povos que tradicionalmente habitavam a região, como os Kayapó do Sul ou os indígenas trasladados para moverem guerra a eles3 3 Sobre o contato entre os Kayapó do sul e os não indígenas na região do atual Triângulo Mineiro, assim como o longo processo de guerra movido contra eles a partir da criação de aldeamentos indígenas para esse fim na mesma região, ver: Mori (2015; 2023). . Tal premissa será demonstrada a partir da análise da primeira “Ação de Liberdade”, datada de 1846. São três os objetivos: analisar as discussões empreendidas no tribunal sobre Victoria ser ou não indígena, ponto fundamental para ela e seus descendentes almejarem a liberdade; investigar a estratégia dos donos dos escravizados em desconstruir a identidade indígena de uma escravizada cuja descendência era responsável pela quase totalidade de seu plantel de cativos, legando a ela a “classificação” de parda; e verificar como o destino de Victoria e seus descendentes esteve atrelado aos interesses do poder local.

A historiografia brasileira ainda carece de trabalhos cujas reflexões sejam direcionadas para a escravidão indígena no século XIX (sobretudo durante o Império)4 4 Sobre a escravidão indígena no Império, ver: Sposito (2012), Dorneles (2017; 2018), Sampaio e Henrique (2019) e Henrique (2022). . Em contrapartida, percebe-se um maior avanço do conhecimento em trabalhos que abordam o período colonial5 5 Dentre eles podemos citar as obras de: Perrone-Moisés (1992), Monteiro (1994), Venâncio (1997), Amantino (2006), Resende e Langfur (2007), Almeida (2014) e Pinheiro (2021). . Outra lacuna considerável diz respeito a estudos que levem em consideração tanto a escravidão indígena quanto a escravidão negra, em análises que busquem entendê-las não só a partir de suas especificidades, mas também das suas convergências6 6 Um autor que analisou criticamente as duas perspectivas de forma pioneira ainda no século XIX foi Malheiro (1867). Para uma análise sobre os negros e indígenas no período pós-colonial, ver: Almeida (2014) e Miki (2018). .

Para o exame pretendido sobre a vida e as ações de Victoria e seus descendentes em busca da liberdade, recorremos a uma perspectiva micro-histórica, cuja abordagem

dedica-se ao problema de como obtermos acesso ao conhecimento do passado, através de vários indícios, sinais e sintomas. Esse é um procedimento que toma o particular como seu ponto de partida e prossegue, identificando seu significado à luz de seu próprio contexto específico (Levi, 1992LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. pp. 133-161., p. 154).

Uma aposta na “análise microssocial” nos permitirá compreender “que a experiência mais elementar, a do grupo restrito, e até mesmo do indivíduo, é a mais esclarecedora porque é a mais complexa e porque se inscreve no maior número de contextos diferentes” (Revel, 1998REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise . Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas , 1998. pp. 15-38., p. 32). Se, por um lado, as pesquisas dos praticantes da micro-história permitem uma análise de determinada realidade (mais aprofundada), por outro conseguem “vincular um acontecimento histórico singular a sistemas mais abrangentes de dados e de significações” (Bensa, 1998BENSA, Alban. Da micro-história a uma antropologia crítica. In: REVEL, Jacques (Org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. pp. 39-76., p. 43), articulando assim uma determinada experiência particular a ações coletivas, por exemplo. Assim, mostra-se necessário sempre atentarmos ao contexto e não a uma análise que contemple isoladamente um determinado fragmento (Ginzburg, 2007GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar e Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras , 2007.).

O PROCESSO, A LEGISLAÇÃO E A JUSTIÇA

A primeira “Ação de Liberdade” de Victoria e seus descendentes teve como princípio os “Avisos” do Ministério da Justiça do Brasil, intitulados “Sobre o trabalho dos Índios em Casas de Particulares e Outras Providências”, de 2 de setembro de 1845. Em um deles, expedido aos presidentes das províncias, é possível ler:

Sendo da mais publica notoriedade que muitos indígenas existem ao serviço de pessoas particulares sem que percebão salario ou estipendio algum, achando se assim reduzidos ao estado de quase perfeito captiveiro; e convindo prevenir a continuação de tao escandaloso abuso: ha S.M o Imperador por bem que V. Ex. expeça as mais terminantes ordens aos juízes de órphãos dessa província, para que, fazendo ir à sua presença todos os indígenas que ahi existão nas indicadas circumstâncias, indaguem delles se são bem tratados e querem continuar a servir nas casas onde se achão, ou antes ser transferidos para qualquer dos aldêamentos já existentes (Cunha, 1992aCUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-1889. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Comissão pró-Índio de São Paulo, 1992a. , p. 201).

O documento expressa uma preocupação por parte do governo imperial: o trabalho escravo indígena. A escravidão indígena foi abolida em 6 de junho de 1755, com a “Lei de liberdade” e a legislação subsequente - “Diretório dos Índios” (1757) e Carta Régia de 1798 -, que reiterou o princípio da liberdade dos indígenas, mesmo possuindo um caráter assimilacionista e tutelar (Sampaio; Henrique, 2019SAMPAIO, Patrícia Melo; HENRIQUE, Márcio Couto. História, memória e escravidão ilegal dos índios no Brasil, século XIX. In: IVO, Isnara Pereira; GUEDES, Roberto. Memórias da escravidão em mundos ibero-americanos (Séculos XVI - XXI). São Paulo: Alameda, 2019. pp. 223-248.).

Em 1808, autorizada por D. João VI aos Kaingang e Botocudo7 7 Dentro de uma “categoria” de indígenas do século XIX, o grupo denominado genericamente de “Botocudo” representaria aquele “contra quem se guerreia por excelência nas primeiras décadas do século: sua reputação é de indomável ferocidade” (Cunha, 1992b, p. 136). , as guerras justas voltaram à cena depois de mais de 50 anos; a política joanina simbolizou uma retomada das medidas coloniais, como o extermínio e a escravização (Sposito, 2009SPOSITO, Fernanda. As guerras justas na crise do antigo regime português: análise da política indigenista de d. João VI. Revista de História , São Paulo, n. 161, pp. 85-112, 2009.). A revogação dessas cartas régias ocorreu mediante uma Lei Imperial datada de 27 de outubro de 1831 - em nenhum momento mencionada nos autos do processo -, que tornou os povos originários um assunto dos juízes de órfãos (Cunha, 1992aCUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-1889. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Comissão pró-Índio de São Paulo, 1992a. ).

Ainda sobre a política indigenista do século XIX, mencionamos as reflexões de Manuela Carneiro da Cunha, para quem a questão indígena no século XIX “deixou de ser uma questão de mão-de-obra, para se converter essencialmente numa questão de terras” (Cunha, 1992aCUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-1889. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Comissão pró-Índio de São Paulo, 1992a. , p. 4). Em contraposição a Cunha, as reflexões de Patrícia Sampaio (2009SAMPAIO, Patrícia Melo. Política indigenista no Brasil imperial. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo. O Brasil imperial. Vol. I: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. pp. 175-206.) apontam que a política indigenista do século XIX estava assentada sobre três eixos: terra, guerra e trabalho.

Instigado pelos “Avisos” do Ministério da Justiça, no primeiro trimestre de 1846 o juiz municipal e de órfãos 8 8 Era incumbência do juiz de órfãos “evitar que se escravizasse de fato gente livre que tinha poucos meios de se defender por ignorar a língua e os costumes do país: este era o caso dos africanos livres e dos índios não aldeados” (Cunha, 1992b, p. 147). - tenente-coronel José Teixeira Alvares - deu início à “Ação”. Conforme o relato de uma das testemunhas, constante nos autos do segundo processo, Victoria “era ali [em Uberaba] reconhecida como indígena brasileira” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Se era notória a sua identidade indígena, até aquele momento nenhum magistrado havia buscado compreender a real situação em que Victoria e seus descendentes se encontravam, objetivando assim coibir a sua escravização. Talvez um dos motivos seja a ação de membros da elite uberabense com os quais o dono de Victoria mantinha estreitas relações, como veremos adiante.

No início do processo, o juiz Alvares expediu os “Autos de Ação de Exibição” a Brandão e ao concubino de sua falecida sogra Escolástica9 9 Após o falecimento de João Ferreira Guimarães em 1798, Victoria passou a pertencer à filha dele, Escolástica. , Lourenço Joaquim de Oliveira, para exibirem em juízo “a índia Victoria e seus filhos [...] a fim de se averiguar a maneira por que se servem dos mencionados índios mostrando títulos legítimos de sua aquisição” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Denominando a escravizada e seus descendentes respectivamente como “índia” e “índios”, percebe-se que o magistrado garantiu aos donos dos escravizados a apresentação de alguma certidão ou outro tipo de documento que comprovasse o cativeiro “legal” ao qual eram submetidos.

Contudo, a escravidão indígena encontrava-se proibida desde 1831, tendo como base a revogação das cartas régias do período joanino, ou seja, os indígenas estavam definitivamente libertos da escravização. Portanto, não haveria como os “donos” comprovarem o cativeiro de Victoria e seus descendentes. Neste sentido, a conduta do juiz nos pareceu ir em direção ao “princípio do contraditório”, permitindo aos acusados o direito de se defenderem e apresentarem a sua tese - baseada na “legalidade” da escravização - a partir da afirmação de que a matriarca era parda.

No ano de 1846, Victoria possuía cinco filhos, além de sete netos, cuja somatória final, incluindo a indígena, contabilizava 13 escravos ao plantel de Brandão e sua esposa Luísa10 10 Na Ação de Liberdade de 1846, Lourenço é pouco mencionado e Victoria e seus filhos pertenciam por herança à sua esposa, Escolástica (naquela data já falecida). O inventário de Lourenço foi iniciado em 1854 e ele não possuía escravos. Assim, ainda que Lourenço estivesse vivo durante a Ação de Liberdade, a escravaria era administrada pelo seu genro, Brandão. :

Figura 1:
Victoria e sua descendência em 1846.

Brandão se dedicava às atividades agropastoris, sendo seus escravos direcionados aos trabalhos nas lavouras e na criação de gado vacum, enquanto as escravas desempenhavam os afazeres domésticos (Brandão, 1885BRANDÃO, Antônio Telles da Silva. Inventário de Antônio Telles da Silva Brandão; Segunda Vara Cível; Caixa 303. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1885.). Em 1846, Brandão fazia parte de um pequeno grupo - 13% dos proprietários de escravos de Uberaba - que possuía mais de 11 cativos (Lourenço, 2005LOURENÇO, Luís Augusto Bustamante. A oeste das minas: escravos, índios e homens livres numa fronteira oitocentista, Triângulo Mineiro (1750-1861). Uberlândia: EDUFU, 2005.).

No século XIX, a riqueza na região em que Uberaba está situada - o Triângulo Mineiro - era medida por terras e escravos (Lourenço, 2005LOURENÇO, Luís Augusto Bustamante. A oeste das minas: escravos, índios e homens livres numa fronteira oitocentista, Triângulo Mineiro (1750-1861). Uberlândia: EDUFU, 2005.). Brandão possuía ambos, sendo dono de sítio, terras de cultura na Fazenda do Lajeado Santa Efigênia e proprietário da Fazenda do Veadinho (Brandão, 1885BRANDÃO, Antônio Telles da Silva. Inventário de Antônio Telles da Silva Brandão; Segunda Vara Cível; Caixa 303. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1885.). Além disso, ele mantinha uma ótima relação com parte da elite uberabense11 11 Sobre o perfil socioeconômico da elite uberabense no século XIX, ver: Lourenço (2005) e Saldanha (2016). , especialmente com Antônio Eloy Cassimiro de Araújo, o barão da Ponte Alta, um rico fazendeiro e comerciante local; e Antônio Borges Sampaio - cunhado do barão -, seu advogado na segunda Ação de Liberdade dos descendentes de Victoria, iniciada em 1874.

Victoria, seus filhos e netos foram apresentados ao juiz no dia 4 de março de 1846. Para dar prosseguimento à Ação, foi nomeado um curador12 12 O curador, um homem livre, era essencial para a liberdade dos escravos, uma vez que esses não “tinham direitos civis e logo estavam legalmente incapacitados de agir judicialmente sem a presença de um curador” (Chalhoub, 1990, pp. 108-109). . Nesta mesma data foi realizado o interrogatório de Victoria, aliás, o único de um escravo nas Ações de Liberdade. Foram feitas seis perguntas:

E sendo perguntado como se chamava? Respondeu ela índia que se chamava Victória. E sendo mais perguntado que idade tinha, e onde nasceu e quem o vigário ou clérigo que a batizou? Respondeu que não sabia ao certo quantos anos tinha, e que nasceu nas Águas Verdes, Aplicação das Dores, termo da Villa de Três Pontas e que foi batizada pelo Padre Veríssimo. E sendo mais perguntado se tinha nascido de ventre livre e quem era sua mãe? Respondeu que não sabia quem era sua mãe porque veio do mato ainda muito pequena e que nasceu de ventre livre por ser índia. E sendo mais perguntado se foi batiza (sic) forra ou por cativa? Respondeu que foi [...] batizada por cativa intitulando-se ser ela filha de uma cabra por nome Ana, que a criou de peito e que esta era escrava de João Ferreira e Roza Maria. E sendo mais perguntado se tem servido como cativa dos herdeiros dos ditos [Brandão e Lourenço] acima? Respondeu que tem servido a Lourenço Joaquim de Oliveira e seus herdeiros. E sendo mais perguntado quem a trouxe do mato? Respondeu que foi uns caçadores; e disse mais que tanto ela como seus filhos e netos tem servido ao dito Lourenço e seu genro, Antônio Telles da Silva Brandão, até o presente (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.).

Interessante notar a forma como Victoria foi chamada durante o interrogatório: “índia”, ou seja, para o juiz não havia dúvidas quanto à identidade étnica da escravizada. Inclusive o seu fenótipo foi evocado na segunda Ação de Liberdade, quando Victoria, já bastante idosa, segundo outro magistrado, conservava “os verdadeiros traços fisionômicos da sua tribo ou raça, isto é, indígena brasileira” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Conforme foi demonstrado por Fernanda Domingos Pinheiro (2021PINHEIRO, Fernanda Domingos. “Injustamente possuídos como escravos”: embates jurídicos em torno da liberdade dos indígenas e seus descendentes (Mariana/MG, segunda metade do século XVIII). Revista Projeto História, v. 71, mai./ago., 2021.), a legislação indigenista do período colonial garantia o benefício da liberdade aos sujeitos reconhecidos como indígenas ou àqueles que pudessem, a partir de suas características físicas não definidas no texto da lei, ser reconhecidos como tal. Contudo, o mais importante é a autodefinição evocada por Victoria. Ela se reconhecia como indígena e era reconhecida como tal por membros da sociedade envolvente, como o curador, testemunhas e juiz (que estendeu aos filhos e netos, ainda que “mestiços”, a definição de “índios”).

Somente no século seguinte o argumento referente à autodefinição foi reconhecido como de importância significativa em processos identitários13 13 Um exemplo é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seus artigos 1º e 2º, ratificada pelo governo brasileiro no ano de 2002. . No caso em tela ele é importante por “situar” Victoria no contexto em que ela vivia. Considerada uma escrava “parda”, cuja identidade indígena sofreu tentativas de “apagamento” por parte de seus donos e de parte da sociedade envolvente, Victoria tinha pleno conhecimento de seu injusto cativeiro, pois, como ela mesma reconheceu, nasceu de “ventre livre”. A escravizada muito provavelmente não sabia ler, aliás, nem Brandão era alfabetizado.

Contudo, Victoria tinha conhecimento da legislação que proibia a escravidão indígena. Como ela poderia saber de seu injusto cativeiro? Sidney Chalhoub (2012CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012., p. 152), em um instigante estudo sobre como a força da escravidão tornava precária a liberdade de negros escravos e pobres, afirma que um importante requisito para que o escravo tomasse conhecimento da sua condição de ilegalmente reduzido ao cativeiro era “a intensa comunicação entre eles, e o modo como aprendiam a ressignificar práticas sociais destinadas a assegurar o domínio da classe senhorial escravista”. Ainda que residisse na fazenda, Victoria deveria passar alguns dias do ano na vila acompanhando seus donos, pois na “Ação” consta que ela era reconhecida como indígena nesse lugar. Assim, ela pode ter travado contato com escravizados que tentavam obter sua liberdade nos tribunais, libertos ou mesmo pessoas livres que a alertaram para sua condição e a de seus descendentes.

Outro ponto merece atenção e está relacionado às memórias da infância de Victoria: a sua captura por caçadores. Tal caso se assemelha àquele concernente aos “kurucas”, crianças borum (Botocudo) traficadas, que “longe de representar casos isolados ou fatalidades do contato interétnico, esteve no centro do processo de conquista territorial, da guerra contra os povos indígenas e dos processos diplomáticos, visando à pacificação” (Moreira, 2020MOREIRA, Vânia Maria Losada. Kruk, kuruk, kuruca: genocídio e tráfico de crianças no Brasil Imperial. Revista História Unisinos, São Leopoldo, v. 24, n. 3, pp. 390-404, 2020., p. 391). O comércio de kurucas foi uma importante fonte de enriquecimento dos “mateiros”, homens que se dedicavam ao rapto de crianças indígenas nos sertões do leste de Minas Gerais (Paraíso, 1992PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Repensando a política indigenista para os Botocudos no século XIX. Revista de Antropologia (USP), v. 35, pp. 75-90, 1992.). Tal indício aponta para duas questões: a existência de um comércio ilegal que garantiu aos fazendeiros e moradores das vilas do sul mineiro o abastecimento de cativos indígenas empregados nos mais diferentes trabalhos; e a necessidade de novas pesquisas sobre o tráfico de crianças que também incluam outros povos indígenas que viviam em território mineiro, como os Puri.

Retomando as ações de Victoria, a indígena também empreendeu outra forma de resistência: quando seus donos, Escolástica e Lourenço, decidiram se mudar do sul de Minas Gerais para o oeste mineiro, estabelecendo fazenda na Vila de Sacramento, a indígena tentou promover uma fuga “para o interior daquele sertão em busca de seus pais e não lhe foi possível, porque seus pretensos senhores a jungirão ao carro de sua mudança, obstando assim sua fuga” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Não sabemos se outras tentativas de evasão ocorreram quando a escrava residia na fazenda no sul de Minas Gerais, pois as fontes são lacunares.

Contudo, uma das testemunhas indicadas por Brandão e moradora de Dores da Boa Esperança, o tenente João Gomes de Almeida, comprador da fazenda de Rosa - a primeira dona de Victoria -, disse em juízo que, quando foi fechar o negócio, Ana, a “mãe” da indígena escravizada “por duas vezes foi pedir a ele testemunha para lhe comprar duas suas filhas, uma era a justificada [Victoria] e a outra era irmã, que foi vendida ao capitão Quintino, dizendo que estas sofriam um cativeiro rigoroso” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Na estrada, Victoria muito provavelmente sentiu que aquela seria a última chance de tentar reencontrar seu povo e reestabelecer possíveis laços familiares rompidos desde a sua captura pelos caçadores, ainda que o sertão sul mineiro naquele momento se mostrasse cada vez mais ocupado pelos não indígenas para a abertura de fazendas.

Prosseguindo a análise da Ação de Liberdade de 1846, o próximo a ser interrogado foi Lourenço, sendo perguntado a ele:

quem era a mãe da índia Victoria e por que maneira sabia? Respondeu que se chamava Ana, mulata, e que sabe disto por ser elas se tratarem de mãe e filha e que já a conheceu de idade de oito para nove anos (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.).

A afirmação sobre a origem da mãe adotiva de Victoria, Ana - ora considerada mulata, ora cabra -, será a tônica da segunda Ação de Liberdade. “Cabra” é um termo polissêmico, variável conforme o período cronológico (do século XVI ao XIX). Segundo Raphael Bluteau (1712BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico [...]. Vol. II. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712. , p. 21), “cabra” foi empregado no período colonial a “alguns indios” que traziam à boca uma erva, cujo ato de mascar era semelhante à ruminação dos caprinos.

No campo da “miscigenação” compreende três situações distintas:

indivíduo que provém da mistura entre negros e mulatos. A segunda diz respeito à mestiçagem ocorrida entre brancos e negros, assumindo, neste caso, o mesmo sentido de mulato. Por último, temos a unidade lexical “cabra” significando aquele que é fruto do intercurso entre índios e africanos (Almeida; Amorim; Paula, 2017ALMEIDA, Mayara Aparecida Ribeiro de; AMORIM, Amanda Moreira de; PAULA, Maria Helena de. Um cabra de cor ou um cabra da mãe: dinâmicas de sentido para “cabra” entre os séculos XVI e XIX. Revista Filologia e Linguística Portuguesa, v. 19, n. 1, pp. 143-161, jan./jun. 2017., p. 153).

A denominação “cabra” para a mãe adotiva de Victoria poderia estar relacionada às três perspectivas. Contudo, para seus donos ela estava relacionada à mestiçagem com negros. Ainda que a possível existência de indígenas na região sul de Minas Gerais fosse rechaçada pelas testemunhas indicadas por Brandão, em uma flagrante contradição na Ação de 1874, o advogado Borges Sampaio, que antes negava veementemente qualquer possibilidade de existência de indígenas no sul mineiro, afirmou que os traços fisionômicos de Victoria eram devido ao fato de seu pai ser indígena ou um possível mestiço de indígena.

Dentre os 14 procuradores indicados por Brandão na Ação de Liberdade, um deles era Francisco Rodrigues de Barcellos. Além de testemunha e procurador, Barcellos era agente executivo no momento em que a Ação de Liberdade transcorria, ou seja, ocupava o principal cargo político em Uberaba. Foi o próprio Barcellos que se deslocou até Dores da Boa Esperança, no sul mineiro, em busca de documentos que poderiam comprovar o cativeiro de Victoria, assim como também “para efeito de inquirir e ouvir inquirir” as testemunhas indicadas por Brandão (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). O dono de Victoria buscou dessa maneira assegurar, mediante as redes de sociabilidade existentes, o apoio para que seus interesses não fossem ameaçados. Brandão encontrou em Barcellos um mediador importante para seus intentos.

O juiz Alvares, ao término do depoimento de Lourenço, informou a ele e Brandão que ambos deveriam exibir os títulos legítimos da posse de Victoria, sob o risco de que, se não os apresentassem no prazo de 60 dias, “seriam manutenidos (sic) os ditos indígenas na sua liberdade” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). A postura do magistrado até esse momento evidenciou firmeza, não demonstrando nenhum temor frente a um membro da elite uberabense que mantinha relações estreitas com duas figuras emblemáticas e poderosas no contexto socioeconômico e político da época.

Contudo, em uma atitude que não deixa de gerar estranheza, o juiz concordou com o pedido do curador nomeado por ele para os escravizados, Manoel Simões de Souza, que indicou o sogro de Brandão, Lourenço, como depositário dos descendentes de Victoria; já a indígena encontrava-se sob a responsabilidade de Cassiano Gomes Rodrigues (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). O depósito - público ou particular - buscava garantir a segurança dos libertandos, livrando-os das previsíveis retaliações e pressões por parte dos seus proprietários (Chalhoub, 1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras , 1990.). Os descendentes de Victoria foram entregues a Lourenço, que vivia na Fazenda Veadinho, local de residência de Brandão. Ou seja, esse depósito não deve ter significado alguma mudança na vida dos escravizados, que muito provavelmente continuaram a trabalhar para os seus proprietários.

No mês de março de 1846, Barcellos se dirigiu para Dores da Boa Esperança, sul de Minas Gerais. Ele acompanhou o depoimento das testemunhas de defesa: seis homens com idade entre 46 e 76 anos, moradores daquela localidade. De maneira unânime elas confirmaram aquilo que José Ferreira de Oliveira (o mais velho deles) disse em seu relato: “há setenta anos pouco mais ou menos veio com seu padrasto apossear fazendas neste distrito [Dores da Boa Esperança] e já nesse tempo [...] não encontraram índios” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.).

Ora, é inegável uma proximidade entre as testemunhas, a avó e a mãe da esposa de Brandão, antigas moradoras de Dores da Boa Esperança. Como testemunhas de defesa elas não relatariam algo que pudesse comprometer os donos de Victoria, ainda mais na presença de Barcellos, aliado e procurador de Brandão. Vejamos as relações entre a família de Luísa e as testemunhas indicadas: José Ferreira afirmou que Rosa plantava em terras de sua propriedade; Antônio Fonseca disse que possuía “grandes relações e familiaridade” com João e Rosa; enquanto João Gomes de Almeida, como visto anteriormente, chegou a comprar uma fazenda de Rosa e de duas herdeiras dela (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.).

Percebe-se assim, nos discursos das testemunhas, uma preocupação em negar a existência de indígenas naquela região do sul mineiro. Partindo da premissa de que Victoria foi capturada por caçadores, contestar a existência de povos originários naquela região não só retirava a possibilidade de questionamento sobre a sua identidade, afinal, não haveria mais indígenas ali desde pelo menos a década de 1770, como justificava a ocupação feita pelos não indígenas. Além disso, amparava o apossamento de territórios tradicionais dos Puri e de outros povos originários, objetivando evitar chamar a atenção dos governantes para a existência de indígenas, o que poderia implicar na busca de esclarecimentos por parte do governo da província de Minas Gerais e da Corte.

Dos depoimentos das testemunhas de defesa, um fato mostra-se interessante: o forro “de nação”, Pedro Martins Rodrigues, 60 anos de idade, em juízo revelou mais um ponto de divergência entre as afirmações de Victoria, Brandão e da própria testemunha. Segundo Pedro, Maria da Conceição, sua esposa, havia realizado o parto de Ana com o auxílio da escrava Rosa. Ele declarou que o padre que batizou Victoria chamava-se Manoel Silvério. Todavia, Barcellos, quando esteve no sul de Minas Gerais, conseguiu a cópia de uma certidão de batismo que afirmou ser de Victoria. No documento, é possível ler:

[aos] quatorze de maio de mil setecentos e noventa e nove, na capela da Senhora das Dores do Pântano, o revendo (sic) Ignácio Gonçalves de Mendonça [...] batizou e pôs os óleos a Victoria, filha de Ana, solteira, escrava de Rosa Lopes; foram padrinhos Antônio Francisco e Rosa, escrava de Elena da Silveira (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.).

Neste documento consta a informação que Ignácio Mendonça foi o sacerdote responsável pelo batismo de uma certa Victoria. A indígena, por sua vez, afirmou que o padre que a batizou chamava-se Veríssimo. Afinal, foi Manoel, Inácio ou Veríssimo o responsável pelo batismo da indígena? Tais contradições deveriam ter chamado a atenção do magistrado, notadamente naquela cópia da certidão de batismo de Victoria que, segundo Brandão, seria um dos documentos que comprovavam a posse legítima dela e de seus descendentes.

Em 18 de abril de 1846 foram convocados pelo juiz o coletor municipal e o curador Manoel Simões de Souza, para dizerem “o que bem lhes parecer sobre os presentes autos” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Esta era uma etapa que antecedia a sentença a ser proferida por Alvares. Foi nesta mesma data que a Ação de Liberdade foi concluída, durando exatos 47 dias.

O DESENLACE

A leitura da sentença da Ação de Liberdade nos fornece indícios de uma abrupta mudança na postura do juiz, que havia demonstrado até então, à exceção do depósito dos descendentes de Victoria, uma imparcialidade na condução do processo, não fazendo “conchavos” com os donos dos escravos, tanto que foi necessário ao procurador de Brandão, Barcellos, ir até o sul de Minas para acompanhar os depoimentos das testemunhas. Se, no início, ele se mostrou empenhado em garantir os direitos de Victoria e seus descendentes, conduzindo o processo de maneira séria e célere, respaldando seus atos na legislação indigenista da época e nas ações judicias relativas à escravidão negra, bem como deixando evidente a necessidade de provas, o encerramento do processo demonstrou outra postura.

Já nas primeiras linhas da sentença, o juiz chegou a copiar uma expressão de um dos procuradores de Brandão, Manoel Antônio de Azevedo, ao referir-se àquela Ação movida por ele mesmo contra os donos dos escravizados, concernente à “qualidade de índios” de Victoria, seus filhos e netos, como uma falácia, um “castelo de vento forjado pela mais refinada maldade” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Seguindo a sentença, o juiz argumentou: passados os sessenta dias para a apresentação das certidões e documentos que comprovassem o cativeiro legítimo da escravizada, os mesmos foram exibidos, demonstrando que “a índia Victoria de que se trata não nasceu de ventre livre, antes é sujeita a cativeiro”. Poucas linhas adiante, o mesmo Alvares afirmou que ela “se não é, parece” indígena. Depois, asseverou “que se não é de olhos vistos reconhecida por tal, ao menos a natureza a desenhou como oriunda do mato”. E, por fim, o mesmo juiz criou uma “categoria” no campo da miscigenação: a “índia parda” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.).

Alvares afirmou ainda que Brandão “apresentou os documentos ou certidões contidas na dita petição, mostrando por alguma maneira que a índia Victoria de que se trata não nasceu de ventre livre, antes é sujeita a cativeiro” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Curioso perceber que o juiz, mesmo reconhecendo que ela era indígena, em nenhum momento mencionou os depoimentos das testemunhas de Brandão e Lourenço, colhidos por Barcellos em Dores da Boa Esperança. Ele se ateve somente aos “documentos”: um inventário de João Guimarães, em que constavam os escravos a serem divididos com os herdeiros, e uma certidão de batismo de uma certa Victoria.

Dessa forma, não foi posta em dúvida a contradição do padre que havia batizado a indígena escravizada, tampouco a proximidade bastante questionável entre alguns depoentes e os senhores dos escravos. Convém ressaltar também que em nenhum momento do processo foram ouvidas testemunhas que poderiam confirmar o cativeiro ilegítimo de Victoria. Aliás, outro ponto carece de atenção: não há nos autos nenhuma expressão do curador dos escravizados, ainda que o juiz Alvares tenha dado espaço para ele e o coletor municipal se manifestarem no processo (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). Será que o curador foi pressionado por membros da elite uberabense e por isso não foi possível encontrar na Ação nenhuma manifestação em favor dos escravizados? Infelizmente, não há nenhum indicativo nas fontes para confirmar tal hipótese.

Para entendermos a repentina alteração da conduta do magistrado, há indícios constantes na segunda Ação de Liberdade que evidenciam a atuação de “mandões” 14 14 “Mandões” foi o termo utilizado por testemunhas ouvidas durante os processos para designar os membros da elite econômica e política uberabense que atuaram em favor de Brandão. interessados em garantir que os interesses de Brandão não fossem prejudicados. Na década de 1870, a testemunha José Faustino de Castro era um alferes de 50 anos de idade, casado, natural de Minas Gerais, mas morador de Franca, São Paulo. Segundo Castro, ele ouviu do próprio juiz Alvares que o magistrado “pretendeu em 1846 pôr em liberdade Victoria e seus filhos e que o mesmo lhe dissera que por esse fato via-se obrigado a mudar-se do (sic) Uberaba porque contra ele conspiravam-se influências do lugar” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.). José Faustino afirmou também que o juiz tinha provas de que Victoria era indígena, “e que todos os papeis que apresentassem para cativá-la deviam ser considerados falsos” (Ação de liberdade..., 1874AÇÃO DE LIBERDADE de Adão, Francisco, João e Percília contra Antônio Telles da Silva Brandão, datada de 1846; Caixa 391; Segunda Vara Cível. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 1874.).

Outra testemunha reputada como “peça-chave” para entendermos a mudança da postura do magistrado Alvares é seu próprio filho, que no ano de 1846 contava com 15 anos de idade. Em 1875, Alvares (filho) morava em Franca, vila para onde se mudou com a família logo após o término da Ação de Liberdade de 1846. Ele chegou a conhecer pessoalmente Victoria quando residiu em Uberaba, reconhecendo que os traços fisionômicos, a cor, os cabelos, a robustez e a pronúncia eram característicos dos indígenas. O depoente, mesmo passados 29 anos, contou, com riqueza de detalhes e de forma bastante coerente, tanto a vida da indígena como elementos dos autos do processo, se equivocando apenas quanto ao responsável pelo depósito dos escravizados: ele afirmou ter sido Barcellos, quando na verdade foi Lourenço e Cassiano. Contudo, o mais importante relatado por Alvares (filho) diz respeito à proteção existente em Uberaba à figura de Brandão, fato que fez com que seu pai se mudasse para Franca e depois voltasse para Uberaba para buscar a família. Os “mandões” que pressionaram o juiz Alvares eram, segundo a já citada testemunha José Faustino de Castro, o agente executivo Barcellos, o então comendador Antônio Eloy (futuro Barão da Ponte Alta) e o major Ferraz.

Dando prosseguimento à Ação, foi expedido um mandado de levantamento de depósito para que os escravos fossem entregues à Brandão. A escrava também deixou a residência do depositário Cassiano Gomes Rodrigues, sendo entregue ao seu “dono”. Assim, terminava a primeira tentativa de liberdade de Victoria e seus descendentes por meio da via judicial. Como se vê, eles não obtiveram êxito. Em 1874, ou seja, vinte e oito anos depois, os filhos, netos e bisnetos da escravizada tentariam novamente buscar a libertação do injusto cativeiro ao qual estavam submetidos desde o nascimento. Nessa época, Victoria encontrava-se liberta.

Para entendermos ainda alguns aspectos deste primeiro processo precisaremos recorrer mais uma vez aos indícios constantes na segunda Ação de Liberdade. Ela retomou não só alguns sujeitos, como fatos, ações e histórias que se passaram em 1846, ou logo após o encerramento da primeira Ação que selou o destino de Victoria e seus descendentes.

A primeira questão diz respeito à venda de Victoria após o encerramento da Ação de Liberdade em 1846. O assunto é um pouco “nebuloso”, pois há contradições. Segundo Brandão e seu advogado, Victoria foi vendida para o arraial de Mato Grosso, povoado então pertencente ao Termo de Monte Alegre - na época vizinho a Uberaba. No entanto, três testemunhas de acusação, José Faustino de Castro, José Antônio de Paula - morador de Sacramento (MG) e, na década de 1840, dono de uma propriedade a uma légua e meia de distância da fazenda de Brandão - e, por fim, um depoente importantíssimo, José Teixeira Alvares, o filho homônimo do juiz da Ação de Liberdade de 1846, afirmaram que Victoria não havia sido vendida para o arraial de Mato Grosso, mas sim para a província de Goiás.

Ora, uma questão fica evidente: Victoria foi vendida após o fim da primeira Ação de Liberdade. A divergência diz respeito somente ao destino da escravizada. Mas não é somente a questão do local que nos chama a atenção. O comprador da indígena escravizada, segundo o próprio Brandão, tinha nome e sobrenome: Ceryno de Godoy Athaide. Um indício importante constante nas fontes nos faz pensar não só sobre o destino da indígena, como também em um provável motivo para a sua venda.

Athaide era oriundo de Dores da Boa Esperança, local em que os antepassados da esposa de Brandão (seus pais, Escolástica e Lourenço, e os avós maternos, João e Rosa) residiram e onde a própria escravizada também morou até o deslocamento para a Vila de Sacramento. Essa proximidade não foi alvo de investigação ou contestação dos juízes que conduziram a Ação de Liberdade de 1874 ou dos curadores dos escravizados. Convém ressaltar que Brandão jamais apresentou em juízo qualquer certidão que comprovasse a venda de Victoria para Athaide. Teria ele cedido a indígena somente para mantê-la afastada de Uberaba, evitando assim novas ações judiciais?

Quanto ao local de destino de Victoria, o arraial de Mato Grosso ou a província goiana, havia entre eles apenas o curso do Rio Paranaíba, pois ambos estavam em uma relação de divisa territorial entre Goiás e Minas Gerais, o que não impedia que Athaide pudesse possuir terras ou residir tanto do lado mineiro quanto do lado goiano. Segundo Brandão, a volta de Victoria para Uberaba aconteceu somente em 1872. Dois anos depois teve início a segunda Ação de Liberdade. A presença de Victoria realmente representava uma ameaça aos planos do fazendeiro.

CONCLUSÃO: UM DESFECHO PREVISÍVEL

A primeira Ação de Liberdade de Victoria e de seus descendentes forneceu indícios importantes para compreendermos a dinâmica da vida de uma família escravizada, as relações entre os membros da elite uberabense e como eles tentaram, de forma contínua, “sufocar” a legislação indigenista vigente, assim como obtiveram êxito - parcial, diga-se de passagem - em “apagar” a identidade étnica desta matriarca indígena.

É importante ressaltar que, a partir do Ato Adicional de 1834, as Assembleias Legislativas provinciais puderam legislar, “cumulativamente com a Assembleia e o governo geral, sobre a catequese e civilização de indígenas”, momento em que várias províncias passaram “imediatamente a tomar iniciativas antiindígenas” (Cunha, 1992aCUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-1889. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Comissão pró-Índio de São Paulo, 1992a. , p. 13). Contudo, não foram só as Assembleias legislativas: as Câmaras Municipais participaram ativamente na violação de direitos indígenas, principalmente aqueles relacionados às terras dos aldeamentos. Recorrendo novamente a Manuela Carneiro da Cunha (1992aCUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). Legislação indigenista no século XIX: uma compilação: 1808-1889. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Comissão pró-Índio de São Paulo, 1992a. , p. 2), “a lei foi violada no século XIX não menos do que nos outros, e provavelmente na razão direta da distância do poder central”.

Para a manutenção da condição de escravizados, a estratégia dos donos de Victoria consistiu em provar que a matriarca da família era “parda”. Este ponto foi crucial para Brandão, daí a apresentação dos documentos que, na visão dele e de sua esposa, comprovariam que a escravizada era uma mestiça, e seu cativeiro, legítimo. Contudo, o fenótipo indígena de Victoria foi descrito claramente pelo juiz, por testemunha, aliás, ela era reconhecida em toda a vila de Uberaba pelos seus traços fisionômicos, ou seja, havia uma fama pública. A escravizada também se autodefinia como indígena e narrou a sua captura por caçadores no sertão do Sul de Minas Gerais. Havia, portanto, um reconhecimento tanto por parte de Victoria quanto da própria sociedade envolvente sobre sua identidade indígena. Tentativas de “apagamento”, de “sufocamento” desta identidade foram colocadas em prática, tanto por parte de Brandão quanto por parte da sociedade uberabense, que atribuiu a ela e seus descendentes um lugar naquela vila: o de escravizados.

Se parte da população uberabense reconheceu a identidade indígena de Victoria, até a Ação idealizada pelo juiz Alvares nada havia sido feito para mudar a condição da matriarca e de sua família. A existência de uma legislação indigenista não significou a libertação dela e de sua família do injusto cativeiro. As ações e pressões de membros da elite uberabense intimidaram o juiz e alguns moradores da então vila. Outro ponto importante diz respeito à transmutação de Victoria em parda, ou seja, o discurso de uma possível miscigenação também foi um fator importante para que ela fosse mantida escravizada.

Algumas das considerações de Borges Sampaio sobre esse tema na longa Ação de Liberdade de 1874 se mostraram contraditórias (senão cômicas). Uma delas diz respeito à data de nascimento de Victoria. Segundo o advogado de Brandão, Victoria teria nascido no ano de seu batismo: 1799, servindo como “prova” o inventário de seu dono à época. Se em 1846 Victoria contava então com 47 anos, ou seja, estava em idade produtiva, decidimos pesquisar alguns inventários no Arquivo Público de Uberaba - encontramos cinco documentos (cf. Godoy, 1846GODOY, Bento José de. Inventário de Bento José de Godoy; Caixa 104. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU) . 27 abr. 1846.; Jesus, 1846JESUS, Catharina Alves de. Inventário de Catharina Alves de Jesus; Caixa 104. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU) . 05 ago. 1846.; Silva, 1846SILVA, Maria Antônia da. Inventário de Maria Antônia da Silva; Caixa 103. Uberaba Arquivo Público de Uberaba, APU). 14 ago. 1846. ; Costa, 1846COSTA, José Alves da. Inventário de José Alves da Costa; Caixa 104. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU) . 17 set. 1846.; Baptista, 1846BAPTISTA, Joaquim dos Anjos. Inventário de Joaquim dos Anjos Baptista; Caixa 104. Uberaba (Arquivo Público de Uberaba, APU). 03 dez. 1846.) - em que constassem os valores de mulheres escravizadas com idades próximas à de Victoria, já que não há nenhuma avaliação do valor dela em réis. Obviamente há inúmeros fatores que influenciavam os preços dos escravizados (sexo, saúde, idade, especialização em algum tipo de trabalho). Foram localizadas sete escravizadas nos cinco inventários mencionados, cujos valores estavam compreendidos entre 50.000 a 600.000 réis, gerando uma média de valor de 300.000 réis.

Não há menção, na primeira Ação de Liberdade, a alguma característica que pudesse comprometer o trabalho de Victoria, tanto que ela foi vendida (ou cedida?) depois do término do processo. Nas fontes consultadas consta que ela era uma escravizada que desempenhava seu trabalho nos “serviços domésticos”. É de se supor que o valor dela poderia estar realmente próximo dos 300.000 réis, o exato valor da escrava Juliana de Nação, de 44 anos. Todavia, ainda que fosse uma soma razoável, a luta de Brandão e sua esposa para manter Victoria escravizada não era tanto pelo seu valor monetário. Ele pertencia a um pequeno número de proprietários de escravos em Uberaba que possuía um grande plantel.

A questão fulcral em tentar provar que Victoria era “parda” não reside somente no fato de conseguir mantê-la na condição de escravizada, mas sim de seus descendentes que compunham o numeroso plantel de Brandão. Os filhos de Victoria eram frutos de relações inter-raciais: Adão, Francisco, João e Prudência eram descritos como pardos; Florianna já estava falecida em 1874, ano do início da segunda Ação, e sua “cor” não foi descrita nos autos do processo. Lourenço, filho de Florianna, muito provavelmente também uma “parda”, como seus irmãos, era descrito como “preto”. Isto nos permite compreender como eram “voláteis” estas classificações raciais nos livros de matrícula de escravos existentes nas vilas e cidades do Brasil.

Com a mãe indígena e provavelmente pai(s) negro(s) ou mestiço(s), notamos a mesma perspectiva apontada por Pinheiro (2021PINHEIRO, Fernanda Domingos. “Injustamente possuídos como escravos”: embates jurídicos em torno da liberdade dos indígenas e seus descendentes (Mariana/MG, segunda metade do século XVIII). Revista Projeto História, v. 71, mai./ago., 2021., p. 276) para os processos por ela analisados sobre a escravidão indígena no período colonial (século XVIII):

as leis gerais de libertação dos índios não alcançavam de forma abrangente tais descendentes, ficando os dispositivos legais submetidos à máxima de que a escravidão era transmitida pelo ventre materno - partus sequitur ventrem.

Em 1874, 15 dos 16 escravos que Brandão possuía descendiam da matriarca Victoria. Se, no ano de 1846, ela tivesse obtido êxito em provar ser uma indígena, seu proprietário perderia parte significativa de seu cabedal. A quase totalidade de seu plantel, por descender de uma indígena escravizada ilegalmente, alcançaria assim a liberdade. Para a elite uberabense, isto significava um risco, na medida em que poderia encorajar outros escravizados indígenas a buscarem a justiça não só questionando uma possível ilegalidade de seu cativeiro, como os excessos cometidos por seus donos. Eis um motivo para entendermos o empenho de membros da elite uberabense no auxílio a Brandão, especialmente do agente executivo Barcellos e do Barão da Ponte Alta.

Se a luta de Victoria e seus descendentes pelo fim do seu cativeiro foi considerada um “castelo de vento”, suas histórias de vida se mantiveram atreladas a uma fortaleza sólida, composta por maciças pedras, com correntes e grilhões. Se o seu corpo, assim como o de seus filhos e netos, estavam presos ao cativeiro, sofrendo os castigos físicos da escravidão, seus pensamentos e ações almejavam a liberdade. O ano de 1874 mostrou isso e, no tribunal, os descendentes de Victoria lutariam mais uma vez por sua libertação em um longo processo. Portanto, essa história ainda continua...

REFERÊNCIAS

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  • VENÂNCIO, Renato Pinto. Os Últimos Carijós: Escravidão Indígena em Minas Gerais: 1711-1725. Revista Brasileira de História , v. 17, n. 34, pp. 165-181, 1997.
  • 1
    Dentre os trabalhos que versam sobre a família indígena escravizada, ver: Ferreira (2018)FERREIRA, André Luís Bezerra. “Mães das liberdades”: os processos de mulheres indígenas no tribunal da Junta das Missões na Capitania do Maranhão (1720-1757). Fronteiras: Revista Catarinense de História, n. 31, pp. 69-85, jan./jun., 2018. e Loureiro (2020)LOUREIRO, Maria Rosalina Bulcão. Criando laços e reinventando famílias: adaptações e estratégias indígenas na capitania do Maranhão no século XVIII. Faces da História, Assis, v. 7, n. 1, pp. 50-74, jan./jun., 2020.. Sobre a família negra escravizada, aponto os estudos clássicos de Slenes (2011)SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX. Campinas: Editora da Unicamp, 2011. e Florentino e Góes (2017)FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: família escravas e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1850. São Paulo: Editora Unesp, 2017..
  • 2
    Nos séculos XVIII e XIX, os Puri habitavam áreas dos atuais estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Sobre os Puri oitocentistas, ver: Aguiar (2010a)AGUIAR, José Otávio. Quem eram os índios Puri-Coroado da mata central de Minas Gerais no início dos oitocentos? Contribuições dos relatos de Eschwege e Freyreiss para uma polêmica (1813-1836). Revista Mosaico, v. 4, n. 2, pp. 197-211, jul./dez. 2010a. e Aguiar (2010b)AGUIAR, José Otávio. Revisitando o tema da guerra entre os índios Puri-Coroado da Mata Central de Minas Gerais nos Oitocentos: relações com o estado, subdiferenciações étnicas, transculturações e relações tensivas no Vale do Rio Pomba (1813-1836). Mnemosine Revista, v. 1, n. 2, pp. 104-128, jul./dez. 2010b. .
  • 3
    Sobre o contato entre os Kayapó do sul e os não indígenas na região do atual Triângulo Mineiro, assim como o longo processo de guerra movido contra eles a partir da criação de aldeamentos indígenas para esse fim na mesma região, ver: Mori (2015MORI, Robert. Os aldeamentos indígenas no Caminho dos Goiases: guerra e etnogênese no “Sertão do Gentio Cayapó” (Sertão da Farinha Podre) - séculos XVIII e XIX. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2015. ; 2023MORI, Robert. “Fazer à sua custa” em busca das mercês prometidas: a iniciativa particular dos sertanistas Antônio Pires de Campos e Antônio Gomes Leite nas guerras contra os povos Jê e na criação de aldeias coloniais nos sertões de Goiás e Piauí - 1742-1751. Revista de História, São Paulo, n. 182, pp. 1-30, 2023.).
  • 4
    Sobre a escravidão indígena no Império, ver: Sposito (2012)SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros: indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na Província de São Paulo (1822-1845). São Paulo: Alameda , 2012., Dorneles (2017DORNELES, Soraia Sales. A questão indígena e o Império: índios, terra, trabalho e violência na província paulista, 1845-1891. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2017.; 2018DORNELES, Soraia Sales. Trabalho compulsório e escravidão indígena no Brasil imperial: reflexões a partir da província paulista. Revista Brasileira de História, v. 38, n. 79, pp. 87-108, 2018.), Sampaio e Henrique (2019)SAMPAIO, Patrícia Melo; HENRIQUE, Márcio Couto. História, memória e escravidão ilegal dos índios no Brasil, século XIX. In: IVO, Isnara Pereira; GUEDES, Roberto. Memórias da escravidão em mundos ibero-americanos (Séculos XVI - XXI). São Paulo: Alameda, 2019. pp. 223-248. e Henrique (2022)HENRIQUE, Márcio Couto. Escravidão ilegal e trabalho compulsório de índios na Amazônia (século XIX). In: MOREIRA, Vânia Maria Losada et al. Povos indígenas, independência e muitas histórias: repensando o Brasil no século XIX. Curitiba: CRV, 2022. pp. 501-530..
  • 5
    Dentre eles podemos citar as obras de: Perrone-Moisés (1992)PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil . São Paulo: Companhia das Letras ; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992. pp. 115-132., Monteiro (1994)MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras , 1994., Venâncio (1997)VENÂNCIO, Renato Pinto. Os Últimos Carijós: Escravidão Indígena em Minas Gerais: 1711-1725. Revista Brasileira de História , v. 17, n. 34, pp. 165-181, 1997., Amantino (2006)AMANTINO, Marcia. As Guerras Justas e a escravidão indígena em Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. Varia História, v. 22, n. 35, pp. 189-206, 2006., Resende e Langfur (2007)RESENDE, Maria Leônia Chaves de; LANGFUR, Hal. Minas Gerais indígena: a resistência dos índios nos sertões e nas vilas de El-Rei. Revista Tempo, v. 12, n. 23, pp. 5-22, 2007., Almeida (2014)ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Escravidão indígena e trabalho compulsório no Rio de Janeiro colonial. Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 6, n. 12, pp. 11-25, 2014. e Pinheiro (2021)PINHEIRO, Fernanda Domingos. “Injustamente possuídos como escravos”: embates jurídicos em torno da liberdade dos indígenas e seus descendentes (Mariana/MG, segunda metade do século XVIII). Revista Projeto História, v. 71, mai./ago., 2021..
  • 6
    Um autor que analisou criticamente as duas perspectivas de forma pioneira ainda no século XIX foi Malheiro (1867)MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico e social. Parte 2a: Índios. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1867.. Para uma análise sobre os negros e indígenas no período pós-colonial, ver: Almeida (2014)ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Escravidão indígena e trabalho compulsório no Rio de Janeiro colonial. Revista Mundos do Trabalho, Florianópolis, v. 6, n. 12, pp. 11-25, 2014. e Miki (2018)MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge University Press, 2018. .
  • 7
    Dentro de uma “categoria” de indígenas do século XIX, o grupo denominado genericamente de “Botocudo” representaria aquele “contra quem se guerreia por excelência nas primeiras décadas do século: sua reputação é de indomável ferocidade” (Cunha, 1992bCUNHA, Manuela Carneiro da. Política indigenista no século XIX. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras ; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992b. pp. 133-154., p. 136).
  • 8
    Era incumbência do juiz de órfãos “evitar que se escravizasse de fato gente livre que tinha poucos meios de se defender por ignorar a língua e os costumes do país: este era o caso dos africanos livres e dos índios não aldeados” (Cunha, 1992bCUNHA, Manuela Carneiro da. Política indigenista no século XIX. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras ; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992b. pp. 133-154., p. 147).
  • 9
    Após o falecimento de João Ferreira Guimarães em 1798, Victoria passou a pertencer à filha dele, Escolástica.
  • 10
    Na Ação de Liberdade de 1846, Lourenço é pouco mencionado e Victoria e seus filhos pertenciam por herança à sua esposa, Escolástica (naquela data já falecida). O inventário de Lourenço foi iniciado em 1854 e ele não possuía escravos. Assim, ainda que Lourenço estivesse vivo durante a Ação de Liberdade, a escravaria era administrada pelo seu genro, Brandão.
  • 11
    Sobre o perfil socioeconômico da elite uberabense no século XIX, ver: Lourenço (2005)LOURENÇO, Luís Augusto Bustamante. A oeste das minas: escravos, índios e homens livres numa fronteira oitocentista, Triângulo Mineiro (1750-1861). Uberlândia: EDUFU, 2005. e Saldanha (2016)SALDANHA, Flávio Henrique Dias. Administrar seus ofícios e o bem comum: o perfil socioeconômico das elites regionais no Sertão da Farinha Podre (1852-1888). Locus: Revista de História , v. 22, n. 1, pp. 255-273, 2016..
  • 12
    O curador, um homem livre, era essencial para a liberdade dos escravos, uma vez que esses não “tinham direitos civis e logo estavam legalmente incapacitados de agir judicialmente sem a presença de um curador” (Chalhoub, 1990CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras , 1990., pp. 108-109).
  • 13
    Um exemplo é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seus artigos 1º e 2º, ratificada pelo governo brasileiro no ano de 2002.
  • 14
    “Mandões” foi o termo utilizado por testemunhas ouvidas durante os processos para designar os membros da elite econômica e política uberabense que atuaram em favor de Brandão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2024
  • Aceito
    10 Jun 2024
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