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A formação em Serviço Social em Portugal: uma análise da constituição do campo

Social Work Training in Portugal: an analysis of the constitution of the field

La formación en Trabajo Social en Portugal: un análisis de la constitución del campo

Resumo

A formação em Serviço Social constituiu-se no caminho de afirmação do seu saber e produção de conhecimento no domínio das ciências sociais. Este artigo tem como objetivo realizar o sumário cronológico sobre a formação em Serviço Social no contexto português. Assim, o recurso à análise documental sobre história do serviço social português, bem como a análise da legislação que tem regulado e contribuído para o funcionamento do ensino na área, foi basilar para esta pesquisa, complementada com dados atuais referentes ao funcionamento de cursos de serviço social. Os resultados assinalam progressos na formação científica com o aumento da oferta educativa e de produção de teses de doutoramento, reforçando a continuidade e consolidação da expansão do Serviço Social como área das ciências sociais.

Palavras-chave:
educação; ensino superior; história; intervenção social

Abstract

Social work training has constituted the path of affirming its knowledge and knowledge production in the social sciences. The aim of this article is to provide a chronological summary of social work training in Portugal. Thus, the use of document analyses on the history of Portuguese social work, as well as the legislation that has regulated and contributed to the functioning of teaching in this area, were fundamental to this research, being then complemented with current data on the functioning of social work courses. The results show that progress has been made in scientific training, with an increase in the educational offer and in the production of doctoral theses, reinforcing the continuity and consolidation of the expansion of Social Work as an area of the social sciences.

Keywords:
education; higher education; history; social intervention

Resumen

La formación en trabajo social ha constituido el camino de la afirmación de su saber y de la producción de conocimiento en las ciencias sociales. El objetivo de este artículo es ofrecer un resumen cronológico de la formación en trabajo social en Portugal. Así, la utilización de análisis documentales sobre la historia del trabajo social portugués, así como la legislación que ha regulado y contribuido al funcionamiento de la enseñanza en esta área, fueron fundamentales para esta investigación, complementados con datos actuales sobre el funcionamiento de los cursos de trabajo social. Los resultados muestran que se ha avanzado en la formación científica, con un aumento de la oferta educativa y de la producción de tesis doctorales, reforzando la continuidad y consolidación de la expansión del Trabajo Social como área de las ciencias sociales.

Palabras clave:
educación; enseñanza superior; historia; intervención social

Introdução

Com o desenvolvimento dos modelos de proteção social numa lógica de maximização do bem-estar social, os Estados passaram a instituir serviços promotores de justiça social, integração e redistribuição (Cardoso, 2012Cardoso, M. J. F. (2012). Acção Social nos municípios portugueses: potencialidades e limitações [Tese de Doutoramento]. Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. http://hdl.handle.net/10071/6346
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). Nesse contexto firmaram-se profissões que contribuíram para mecanismos inovadores de regulação social, atuando sobre diversas problemáticas. A génese do Serviço Social parte das atividades da assistência social, inicialmente de cariz filantrópico e caritativo, que ao longo do último século evoluíram, tornando-o atualmente uma profissão reconhecida e que se afirma como disciplina de produção científica. O Serviço Social surge no quadro dos conflitos das classes trabalhadoras das sociedades industrializadas nos finais do séc. XIX em articulação com a “questão social”, nomeadamente nos Estados Unidos da América, ganhando maior expressão na Europa no início do séc. XX (Martins, 2010Martins, A. M. C. (2010). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português (2a ed.). Encadernação Progresso.; Silva, 2017Silva, T. P. G. R. (2017). A primeira escola de serviço social em Portugal: o projeto educativo fundador e a configuração do campo de conhecimento (1935-1955) [Tese de Doutoramento]. Universidade Lusíada de Lisboa. http://hdl.handle.net/11067/2695
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).

Em Portugal, a profissão apareceu relativamente tarde (anos 30, séc. XX) e durante o Estado Novo (regime ditatorial). No entanto, cresceu e afirmou-se, consolidando um percurso laboral e académico associado à democracia e aos direitos cívicos, políticos e sociais (Martins, 1995Martins, A. M. C. (1995). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português: a escola normal social de Coimbra. Intervenção Social, 11/12, 17-34.; Branco, 2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.; Carvalho & Pinto, 2015Carvalho, M. I., & Pinto, C. (2015). Desafios do serviço social na atualidade. Serviço Social e Sociedade, 121, 66-94. https://doi.org/10.1590/0101-6628.014
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). Carvalho e Pinto (2015) consideram que o Serviço Social português foi construído num contexto ditatorial e de assistência social, não tendo ficado refém dessa matriz. Fernandes (1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141.) destaca que o conservadorismo da universidade portuguesa e uma oposição às ciências sociais contribuíram para uma falta de reconhecimento da formação na área da ação social. Ainda hoje, a outros níveis, assistimos a tentativas de descrédito e de subvalorização das ciências sociais e humanas diante das ciências exatas, como se a interpretação e subjetividade não fossem um elemento a considerar na análise da realidade social.

Embora a sua gênese se desenvolva com o complemento de outras áreas das ciências sociais e humanas, é também verdade que o Serviço Social possui um campo de análise sobre os problemas e políticas sociais, cumprindo um papel essencialmente de mediador entre a sociedade e os mais desprotegidos (Parton, 2002Parton, N. (Ed.). (2002). Social theory, social change and social work (2a ed.). Routledge.). Atualmente, além da formação de primeiro ciclo (licenciatura), a formação pós-graduada sedimentou-se no quadro do ensino superior, com cursos de mestrado e doutoramento1 1 Utilizamos a expressão utilizada em Portugal de “doutoramento”, reconhecendo que no Brasil é utilizado o termo “doutorado”. em Serviço Social, cuja relevância tem sido determinante na afirmação científica da profissão. Este artigo procura apresentar de uma forma sumária não somente como nasce o Serviço Social e a sua formação em Portugal, mas também como esta evoluiu, destacando os avanços reconhecidos na contemporaneidade com base nos dados apurados. Recorreu-se a uma pesquisa documental sobre a história da profissão e da sua formação, complementando este estudo com uma pesquisa de diplomas legais no domínio da formação em Serviço Social e da consulta de dados de agências nacionais que permitiram apresentar os dados sobre a formação em Serviço Social na atualidade, nomeadamente ao nível do doutoramento. Assim, a estrutura deste artigo procura realizar o sumário de viagem cronológica pela formação do Serviço Social em Portugal desde a sua emergência até à atualidade, trazendo à discussão dados recentes sobre a formação e a sua evolução no quadro das ciências sociais.

A emergência da formação de assistentes sociais em Portugal e a criação das primeiras escolas de Serviço Social

O Serviço Social aparece com funções de assistência aos pobres e doentes, atenuando os efeitos sociais destes grupos marginalizados. Segundo Vázquez Aguado (2009Vázquez Aguado, O. (2009). Teorías de las principales figuras del Trabajo Social. In T. Fernández García & C. Alemán Bracho (Coords.), Introducción al trabajo social (pp.110-130). Alianza Editorial.), emerge de tensões políticas que marcaram a industrialização e que conduziu à constituição da Charity Organization Society (COS), fundada em Londres em 1869, cujas organizações de caridade visavam contribuir para a melhoria das condições de vida da população mais desamparada, procurando sistematizar e regular as ações de caridade e de serviços sociais, nomeadamente aos doentes, órfãos, crianças abandonadas e pobres (Howe, 2009Howe, D. (2009). A brief introduction of social work theory. Palgrave Macmillan.). A atuação da COS na prossecução dos seus fins caritativos apresentava critérios de seleção subjacentes ao poder do profissional, dado que não existia uma definição do objeto de trabalho do Serviço Social, estabelecendo as bases de profissionalização assentes na questão social (Vázquez Aguado, 2009; Cardoso, 2012Cardoso, M. J. F. (2012). Acção Social nos municípios portugueses: potencialidades e limitações [Tese de Doutoramento]. Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. http://hdl.handle.net/10071/6346
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).

As transições de um regime caritativo e filantrópico para conceções políticas e voltadas para os direitos sociais foram preconizadas por várias pensadoras pioneiras na história do Serviço Social, como Octavia Hill (1838-1912), Jane Addams (1860-1935) e Mary Richmond (1861-1928), promotoras de uma mudança das formas de proteção social. As figuras pioneiras do Serviço Social desempenharam a sua ação numa lógica de reformas políticas e de práticas suportadas por metodologias de intervenção. A ideia da caridade sustentada numa ação filantrópica transformou-se com o envolvimento da dimensão política como via para proporcionar e alcançar o bem-estar social e melhorar as condições de vida das pessoas.

O assistencialismo deixa de ser o propósito circunscrito da ação social, maioritariamente voluntária e no feminino, começando a alcançar um interesse social que modelou as perceções do desenvolvimento das práticas sociais. Enquanto profissão, foi pautada por uma atividade de cariz prático, marcada por uma vertente de assistencialismo que aliava os conhecimentos das ciências sociais às questões da religiosidade (Cardoso, 2012Cardoso, M. J. F. (2012). Acção Social nos municípios portugueses: potencialidades e limitações [Tese de Doutoramento]. Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. http://hdl.handle.net/10071/6346
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). Fernandes (1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141., p. 124) afirma que “[...] o Serviço Social, enquanto modalidade de intervenção científico-técnica, emerge de práticas indiferenciadas de acção social que a história registou como formas de solidariedade e sociabilidade tradicionais (religiosas, corporativas ou de vizinhança) e ainda como assistência pública”. Branco (2010Branco, F. (2010). A “Sociatria” em Jane Addams e Mary Richmond. Locus Soci@l, 5, 70-78.) destaca, ainda, que se pode evidenciar a relação de proximidade do Serviço Social com as Ciências Sociais e de como as figuras pioneiras possibilitaram a criação de escolas de Serviço Social e mais tarde a sua integração como disciplina académica integradas no ensino superior, sobretudo em departamentos de Sociologia. Esta aparece com atraso comparativamente a outros países, sendo as primeiras escolas da profissão criadas na transição século XIX-XX, como “[...] na Holanda e nos Estados Unidos em 1899; na Inglaterra e Alemanha em 1908, na França em 1911” (Henríquez, 1991Henríquez, B. A. (1991). Génese e emergência do serviço social português: o Instituto de Serviço Social de Lisboa (1ª parte). Intervenção Social, 5/6, 9-20., p. 18).

Num período inicial, as primeiras iniciativas sociais emergem dos movimentos higienistas, da medicina social e de influências religiosas e morais durante a ditadura, sendo uma profissão feminina e com uma linha ideológica de acordo com o modelo político do Estado Novo. Martins (2010Martins, A. M. C. (2010). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português (2a ed.). Encadernação Progresso.) explica-nos que é no final do século XIX que surgem as “profissões sociais”, amadurecendo o seu desenvolvimento no século XX, com o propósito de responder aos problemas emergentes da fragmentação da questão social, numa época marcada pela expansão das ciências médicas e sociais e da laicização da sociedade. Estes avanços remeteram para a necessidade de formação no campo da medicina e das ciências sociais, onde o Serviço Social se ancora.

A história conduz-nos a perceber que o contexto político em Portugal é também importante para a análise da génese do Serviço Social português e da formação de assistentes sociais. É imperativo referir a influência do Estado Novo no reposicionamento da Igreja na sociedade portuguesa, cuja doutrina foi base durante o poder de António de Oliveira Salazar e o seu regime ditatorial. Martins (2010Martins, A. M. C. (2010). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português (2a ed.). Encadernação Progresso., p. 36) indica que entre 1910 e 1934 se atravessou um período marcado pela “[...] aliança dos católicos com o Estado Salazarista [...]”, passando a Igreja a assumir uma maior atenção aos problemas sociais, entendidos como problemas morais. Esta foi também uma época em que se instaurou em Portugal uma ditadura militar e posteriormente política (Martins, 2010). A corrente da ciência social de Le Play constituiu uma referência nos primeiros passos da formação de visitadoras escolares e de assistentes sociais, cuja doutrina social da Igreja católica e a sua orientação de educação moral e conservadora eram dominantes (Martins, 1993). Assim, a ciência social influenciou a formação de assistentes sociais e visitadoras escolares, aproveitada pelos adeptos do Estado Novo de matriz ideológica cristã e nacionalista, sendo os cursos de serviço social “[...] um dos poucos espaços em que a disciplina de sociologia continuará a existir durante o período de constituição do Estado Novo, acolhendo orientações e diretrizes da escola da ciência social” (Martins, 2010, p. 137), bem como “[...] um dos poucos espaços onde as disciplinas como a Psicologia, Psicologia da Infância, Psiquiatria, Higiene Mental, Pedagogia, Psicopedagogia, viabilizando nos estágios em serviço social uma abordagem do que mais avançado nestas áreas de conhecimento existia em Portugal” (Martins, 2010, p. 160).

A par do contexto social e político, com o avanço de cuidados de saúde e de higiene pública, sobretudo nas primeiras décadas do século XX, a reorganização de serviços ligada às questões sanitárias faz com que em, 1929-30, arranquem-se os primeiros cursos de visitadoras sanitárias associados aos Dispensários de Higiene Social (Martins, 2010Martins, A. M. C. (2010). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português (2a ed.). Encadernação Progresso.). O “[...] higienismo social não só foi o pioneiro em matéria de introduzir o conceito de serviço social em Portugal, mas também estava na disposição de equacionar a formação académica dos profissionais no seu próprio terreno” (Henríquez, 1991Henríquez, B. A. (1991). Génese e emergência do serviço social português: o Instituto de Serviço Social de Lisboa (1ª parte). Intervenção Social, 5/6, 9-20., p. 13), sendo a medicina fundamental para de alguma forma equilibrar a força moral da igreja em relação aos problemas na sociedade portuguesa.

Henríquez (1991Henríquez, B. A. (1991). Génese e emergência do serviço social português: o Instituto de Serviço Social de Lisboa (1ª parte). Intervenção Social, 5/6, 9-20.) refere a influência das experiências internacionais ligadas à saúde e obras sociais no Serviço Social português e na sua emergência, em particular nos anos vinte do século XX, afirmando que no final da década já existiam mais de oitenta escolas de Serviço Social em países europeus. Martins (2010Martins, A. M. C. (2010). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português (2a ed.). Encadernação Progresso.) faz referência ao primeiro ensaio de Serviço Social, por iniciativa do médico José Guilherme Pacheco que, inspirado por conhecimentos e experiências internacionais, inclusive pelo célebre livro “Diagnóstico Social”, de Mary Richmond, apresenta uma visão da assistente social como profissional que “[...] elaborará um diagnóstico social e considera cada caso como um problema, sendo indispensável identificá-lo e equacioná-lo para que se lhe encontre uma solução adequada” (Martins, 2010, p. 76), remetendo para a necessidade de formação técnica e científica em escolas especializadas que, à data, eram inexistentes em Portugal. Esta ideia foi também reforçada no Congresso das Misericórdias pela médica Branca Rumina que advogava a criação do serviço social hospitalar, procurando profissionalizar a assistência, e pelo pediatra José Lopes Dias defensor dos direitos sociais e de um serviço social vinculado à promoção da política de assistência (Henríquez, 1991; Martins, 2010).

Em 1934, é num congresso de uma organização política, o I Congresso da União Nacional, que se concretiza pela Condessa de Rilvas a proposta de criação de escolas de Serviço Social em Lisboa, Coimbra e Porto, por indicação de Salazar que não o solicitou a elementos do movimento higienista (Henríquez, 1991Henríquez, B. A. (1991). Génese e emergência do serviço social português: o Instituto de Serviço Social de Lisboa (1ª parte). Intervenção Social, 5/6, 9-20.). Também o médico Bissaya Barreto, Presidente da Junta da Beira Litoral e amigo pessoal de Salazar, apresentou a sua proposta destacando o papel da mulher na medicina social e nas obras sociais (Martins, 2009Martins, A. (2009). 70 anos de formação em serviço social em tempos de ditadura e de democracia: da Escola Normal Social ao Instituto Superior Miguel Torga. Interações: Sociedade e as Novas Modernidades, 9(17), 21-44., 2010). Daqui se denota a influência política e do regime ditatorial nacionalista e cristão que se constituiu com o Estado e que marcou a génese da formação do Serviço Social até o fim da ditadura.

Nesse contexto, a primeira escola de Serviço Social em Portugal foi criada em 1935 por iniciativa do Patriarcado de Lisboa, denominando-se Instituto de Serviço Social, cuja doutrina católica e da caridade cristã orientava a formação de mulheres, num estabelecimento particular de ensino (Fernandes, 1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141.). Desde 1935 até 1944, a direção técnica-pedagógica da formação ficou a cargo de assistente social francesa Marie Thérèse Lévêque, atendendo à falta de quem possuísse formação em Serviço Social e programas curriculares e também de forma a manter ligação aos programas das escolas católicas francesas (Henríquez, 1991Henríquez, B. A. (1991). Génese e emergência do serviço social português: o Instituto de Serviço Social de Lisboa (1ª parte). Intervenção Social, 5/6, 9-20., p. 19); complementarmente “[...] nos seus primeiros anos, o resto do professorado será recrutado ad honorem nas Faculdades de Medicina ou de Direito, sempre na esfera da Igreja ou da União Nacional”.

Quanto à criação da Escola Normal Social, em Coimbra, Negreiros (1985aNegreiros, M. A. G. (1985a). Alguns apontamentos para a compreensão do ensino ministrado no Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra. Intervenção Social, 2/3, 149-165.) e Martins (2010Martins, A. M. C. (2010). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português (2a ed.). Encadernação Progresso.) explicam-nos que nasce em 1937 por iniciativa das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria numa época em que havia necessidade de técnicos no âmbito médico-social no decurso da instalação de serviços e equipamento sociais, contando com o apoio do Professor Bissaya Barreto, tendo este mais tarde, em 1940, adquirido o alvará da Escola junto do Ministério da Educação (Martins, 2010; Silva, 2017Silva, T. P. G. R. (2017). A primeira escola de serviço social em Portugal: o projeto educativo fundador e a configuração do campo de conhecimento (1935-1955) [Tese de Doutoramento]. Universidade Lusíada de Lisboa. http://hdl.handle.net/11067/2695
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). À semelhança do Instituto de Lisboa, também aqui está presente a influência das correntes francófonas do Serviço Social, tendo a primeira diretora da escola desenvolvido os seus estudos em França, bem como as outras religiosas francesas que integravam a Escola (Martins, 2010).

Em 1939, o Ministério da Educação Nacional, através do Decreto-Lei nº 30.135, de 14 de dezembro de 1939, reconhece a missão das “obreiras do serviço social” e das escolas de formação social, traçando um perfil normativo para a formação de “assistentes de serviço social”, título que passaria a ser atribuído às diplomadas (Art. 9º), incluindo o plano de estudos e programas nas escolas de Serviço Social, designadamente no Instituto de Serviço Social em Lisboa e na Escola Normal Social em Coimbra (Art. 1º). Nessa época, a formação era designada por “curso de assistente de serviço social”, contando com uma duração de três anos que iniciava as alunas no aprofundamento de conhecimentos sobre “[...] o estudo da vida física e as suas perturbações, da vida mental e moral, da vida social e corporativa, do serviço social e do seu funcionamento” (Art. 4º), contando com uma componente teórica e prática (Art. 6º). As escolas podiam, ainda, criar cursos de especialização técnica, apenas mediante parecer favorável da Junta Nacional de Educação, como o curso de especialização de visitadoras escolares (Art. 5º). Mendes (2020Mendes, S. (2020). Formação doutoral em serviço social. Contributos para a construção de ciência a partir da análise socio-histórica no caso de Portugal e dos Estados Unidos da América. Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 40, 95-122., p. 98) destaca “[...] a instauração formal de uma formação académica para um público feminino, o que reproduz uma matriz patriarcal e de género onde são remetidas às mulheres a formação e profissionalização para o cuidado”.

Os métodos clássicos do Serviço Social começam a ganhar relevância na sociedade portuguesa, sendo a obra de Mary Richmond “Diagnóstico Social” traduzida para português em 1950, pelo Dr. José Alberto Faria, médico, editada pelo Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge (Silva, 2017Silva, T. P. G. R. (2017). A primeira escola de serviço social em Portugal: o projeto educativo fundador e a configuração do campo de conhecimento (1935-1955) [Tese de Doutoramento]. Universidade Lusíada de Lisboa. http://hdl.handle.net/11067/2695
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), entre outros documentos, contribuindo para o desenvolvimento metodológico do Serviço Social português. Além da oferta de formação ser limitada, face à existência de apenas duas escolas no país nos anos 50, o seu currículo era composto por conhecimentos assentes em “[...] bases médico-sanitárias, bases jurídicas e bases morais, com uma limitada presença da formação em ciências sociais” (Branco, 2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89., p. 76). Martins (1995Martins, A. M. C. (1995). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português: a escola normal social de Coimbra. Intervenção Social, 11/12, 17-34., p. 29) reforça o interesse do regime do Estado Novo em que as assistentes sociais “[...] entrem nos meios operários, prestem assistência e difundam a doutrina social da Igreja […] inserindo-se na estratégia mais ampla de recristianização da sociedade”. Como vimos anteriormente, esta visão permanecia fruto do contexto da génese do próprio Serviço Social, mas cuja presença das ciências sociais, dos movimentos políticos e da pesquisa científica vieram mais tarde a desconstruir, embora ainda deixando a sua herança.

A formação em Serviço Social após a 2ª Guerra Mundial

A 2ª Guerra Mundial trouxe uma nova perspetiva social e humana que em 1948 culminou com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e que na atualidade guiam a ação do Serviço Social, integrando os princípios éticos a nível global. No quadro de uma formação pautada pelos e para os direitos sociais e de cidadania, Branco (1996Branco, F. J. N. (1996). A nova centralidade dos direitos sociais e os desafios à formação e intervenção em serviço social. Intervenção Social, 13/14, 41-53.) apontava a necessidade de aprofundamento da formação em diferentes problemáticas de intervenção, bem como o domínio de metodologias específicas para a participação do utente-cidadão, implicando conhecimento dos processos e novas tendências das políticas sociais contemporâneas, mas também robustez na formação ética e deontológica.

Com o mundo em mudança, embora Portugal, conduzido pelo seu regime fechado, se tenha mantido à margem da 2ª grande guerra, as exigências da evolução social e do contexto do próprio país, que sentia o aumento do custo de vida e as consequências da guerra, não podiam ser ignoradas. Ao nível da formação em Serviço Social, Martins (1995Martins, A. M. C. (1995). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português: a escola normal social de Coimbra. Intervenção Social, 11/12, 17-34.) afirma que este período corresponde a uma fase de institucionalização do Serviço Social português com uma nova etapa política do Estado Novo e a integração de assistentes sociais nos serviços públicos, entre outros aspetos. Ainda durante o regime do Estado Novo, que vigoraria por mais algumas décadas, o Decreto-Lei nº 36.914, de 14 de junho de 1948, passa a instituir que o curso de Assistente Social teria a duração de três anos, seguidos da realização de um estágio de quatro a doze meses.

Em 1956, o Ministério da Educação Nacional insere disposições pertinentes ao funcionamento de escolas destinadas à formação de assistentes sociais, de assistentes familiares e de monitoras familiares através do Decreto-Lei nº 40.678, de 10 de julho. Este documento legal vem diferenciar dois tipos de trabalhadoras sociais: as monitoras familiares e assistentes familiares com uma função mais educativa, pedagógica e de carácter cultural; e as assistentes sociais mais orientadas para o desempenho de funções relacionadas com problemas na área da saúde, do auxílio social, do trabalho, de pesquisa e planeamento social. Daqui se destaca a passagem do curso de assistente de serviço social para três novos cursos cuja habilitação é diferenciada: o curso de serviço social, o curso geral de educação familiar e o curso normal de educação familiar (Art. 3º). O curso de serviço social passa a ter a duração de quatro anos, passando a formar “assistentes sociais” (Art. 4º e Art. 8º), caindo assim o título de “assistente de serviço social” atribuído à luz do diploma de 1939. É de notar a menção ao “segredo profissional” (Art. 10º) a que as profissionais estavam obrigadas, com as devidas exceções legisladas. Conforme referem Fernandes et al. (2000Fernandes, E., Marinho, M., & Portas, M. (2000). O serviço social na Europa: a experiência portuguesa. Intervenção Social, 22, 131-147.), verificaram-se mudanças na formação com uma maior vinculação às ciências sociais e às abordagens comunitárias.

O curso normal de serviço social habilitava para o exercício da profissão de assistente social, tendo uma duração de quatro anos, cuja estrutura teórica e prática se centrava na vida física e suas perturbações, a vida social, mental e moral e a técnica da profissão. Em 1965, por Despacho Ministerial de 16 de março, a Escola Normal Social vê autorizada a mudança da sua designação para Instituto de Serviço Social de Coimbra (Assembleia Distrital de Coimbra, 2000). Ainda em 1956 foi criada a terceira escola de Serviço Social no país, o Instituto de Serviço Social do Porto, por iniciativa do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, membro da Igreja Católica, crítico do regime de Salazar (Monteiro, 1995Monteiro, A. (1995). A formação académica dos assistentes sociais: uma retrospectiva crítica da institucionalização do serviço social no “Estado Novo”. Intervenção Social, 11/12, 43-76.).

No que diz respeito às províncias ultramarinas portuguesas, assinala-se num primeiro momento a criação, na província de Angola, de um curso de emergência de acção social para agentes de trabalho social, agentes familiares e agentes de educação infantil, com a duração de um ano letivo. No início de 1962, a 18 de janeiro, é publicado pelo Ministério do Ultramar o Decreto nº 44.159 que, reconhecendo os benefícios produzidos pelos cursos de serviço social e o trabalho das mulheres portugueses, influenciado pelo cristianismo, permitiria a criação de institutos de educação e serviço social nas províncias ultramarinas, autorizados pelos respetivos governadores, alargando ao Portugal ultramarino a formação de assistentes sociais. Os programas dos cursos de assistente social, de educadores sociais, de educadores de infância, de monitores de família e de monitores de infância foram posteriormente aprovados pela Portaria nº 19.091, de 26 de março de 1962.

Para Branco (2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.) e Carvalho e Pinto (2015Carvalho, M. I., & Pinto, C. (2015). Desafios do serviço social na atualidade. Serviço Social e Sociedade, 121, 66-94. https://doi.org/10.1590/0101-6628.014
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), o período entre os anos 60 e 74 assinalou uma nova etapa para o Serviço Social português que assistiu ao expandir do desenvolvimento industrial e o reconhecimento das ciências sociais no ensino em Portugal. A profissão em Portugal também avançou na sua requalificação ganhando um papel cada vez mais ativo e importante em projetos de desenvolvimento local e comunitário associados a uma nova perspetiva de direitos de cidadania. Cardoso (2012Cardoso, M. J. F. (2012). Acção Social nos municípios portugueses: potencialidades e limitações [Tese de Doutoramento]. Iscte - Instituto Universitário de Lisboa. http://hdl.handle.net/10071/6346
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, p. 24) sublinha que no campo de uma sociedade em que direitos sociais passam a ser reconhecidos e que respostas passam a ser institucionalizadas e delimitadas pelas políticas sociais, o Serviço Social passa a ganhar especializações e metodologias específicas de intervenção, além da clássica divisão tripartida (caso, grupo e comunidade), adequando-se “[...] trabalho em equipas multi-profissionais”.

Em 1961, os cursos de serviço social passam a ser oficialmente reconhecidos como cursos superiores com a duração de quatro anos por despacho do Ministro da Educação, aplicando-se às três escolas de ensino privado em Portugal (Negreiros, 1991Negreiros, M. A. G. (1991). Licenciatura em serviço social: principais elementos de um processo. Intervenção Social, (5/6), 101-110.), mas que, por não serem Universidades públicas, não podiam conferir grau. Fernandes (1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141.) refere que, num contexto de vulnerabilidade do Estado Novo, a formação em Serviço Social passou por alterações que marcaram avanços na formação teórica e metodológica, sendo um período em que o Serviço Social de Comunidades ganha força, reconhecendo-se o papel da participação coletiva, cuja influência sobretudo da América Latina veio a ter cada vez mais presença em Portugal. Assim, os planos de estudos do Instituto de Serviço Social de Lisboa de 1960-61 e de 1971-72 contribuíram para integração da formação na área das ciências humanas e sociais, rompendo com o ensino de formação doméstica, entre outras condições que preparavam um caminho de aperfeiçoamento da preparação profissional (Fernandes, 1985).

A par de uma mudança política na liderança do regime do Estado Novo, as linhas para o ensino do Serviço Social em Lisboa, identificadas nos planos de estudo do Instituto por Fernandes (1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141.), permitiam, desde o curriculum do curso de 1972-73, vislumbrar um avanço na formação de assistentes sociais, passando a existir algumas cadeiras optativas. Fernandes et al. (2000) indicam que se verificou um afastamento do modelo de regime fundador do Serviço Social, desenvolvendo-se uma “consciência crítica” na teoria e prática do Serviço Social que se afastava dos princípios do Estado Novo. Por fim, assinala-se uma rutura com a imagem tradicional da profissão, pois esta deixa de ser exclusivamente feminina, sendo aberta a admissão à formação de estudantes do sexo masculino em 1964 (Fernandes et al., 2000; Carvalho & Pinto, 2015Carvalho, M. I., & Pinto, C. (2015). Desafios do serviço social na atualidade. Serviço Social e Sociedade, 121, 66-94. https://doi.org/10.1590/0101-6628.014
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).

A formação em Serviço Social após o fim da ditadura do Estado Novo

Com uma forte influência do movimento de reconceptualização da América Latina nas décadas de sessenta e setenta do século XX, o assistente social em Portugal ganha força enquanto agente político, impulsionado pelas correntes radicais que passam a integrar o pensamento e que permitiriam à profissão assumir plenamente a sua dimensão política (Amaro, 2015Amaro, M. I. (2015). Urgências e emergências do serviço social: fundamentos da profissão na contemporaneidade (2a ed.). Universidade Católica Editora.). Este foi um momento que conduziu ao reforço e reconhecimento da formação em Portugal sobretudo com o fim do regime ditatorial. Conforme nos dizem Fernandes et al. (2000Fernandes, E., Marinho, M., & Portas, M. (2000). O serviço social na Europa: a experiência portuguesa. Intervenção Social, 22, 131-147., p. 140): “Neste tempo de liberdade tão duramente esperado (48 anos de ditadura), a revolução do 25 de Abril foi capaz de institucionalizar o Estado de Direito democrático, em 1976”. Além da Constituição de 1976, a entrada na União Europeia em 1986 permitiu mais tarde a integração do Serviço Social nos programas comunitários do ensino superior (Ferreira, 2014Ferreira, J. (2014). Estudos de pós-graduação e de doutoramento em serviço social: a experiência portuguesa. Azarbe: Revista Internacional de Trabajo Social y Bienestar, 3, 197-204.), contribuindo para que o Serviço Social aprofundasse o seu saber no campo das ciências sociais e humanas.

A revolução de 1974 marcou tempos de debate no Serviço Social quanto à sua finalidade e natureza. Daqui surgiram questionamentos entre o uso dos métodos clássicos e de metodologias de ação coletiva e políticas de cariz sociopopular (Branco, 2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.; Amaro, 2015Amaro, M. I. (2015). Urgências e emergências do serviço social: fundamentos da profissão na contemporaneidade (2a ed.). Universidade Católica Editora.). O país recuperava um regime democrático, sendo esta uma transformação marcante na sociedade portuguesa e um momento histórico revolucionário para a “academização disciplinar” (Branco, 2009) e “cientificação” (Amaro, 2015) do Serviço Social. Fernandes (1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141., p. 139) sublinha que “[...] o ensino do Serviço Social era uma formação situada no quadro das ciências sociais para a intervenção social [...]” e Pinto e Granja (1996Pinto, L. C., & Granja, B. P. (1996). Formação em serviço social: contextos e processos de aprendizagem da cidadania. Intervenção Social, 13/14, 75-84.) reforçam que este período trouxe profundas mudanças à formação em Serviço Social, realçando o papel dos conhecimentos das disciplinas das Ciências Sociais e o papel dos estágios para a rutura com o “praticismo”. Martins (1995Martins, A. M. C. (1995). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português: a escola normal social de Coimbra. Intervenção Social, 11/12, 17-34.) considera que em Portugal é a partir de meados dos anos oitenta que a pesquisa científica começa a ganhar importância para o Serviço Social, designadamente pela necessidade de qualificação teórica e metodológica em que a pesquisa se apresenta como uma dimensão formativa.

Uma das lutas dos três Institutos pós-abril de 74, que não foi alcançada quando pretendido, foi a tentativa de que a formação em Serviço Social fosse integrada nas universidades públicas (Negreiros, 1991Negreiros, M. A. G. (1991). Licenciatura em serviço social: principais elementos de um processo. Intervenção Social, (5/6), 101-110.), pois como referido o curso superior do ensino privado não conferia grau de licenciado, o que mais tarde se veio a verificar como limitação ao reconhecimento de carreira na administração pública, pois desta forma “[...] ficou vedado aos Assistentes Sociais o acesso a carreira técnica superior e a lugares de chefia, dado que os Cursos de Serviço Social são Cursos Superiores mas não conferentes de grau” (Negreiros, 1991, p. 118).

Em 1978 foi constituída a Associação dos Profissionais de Serviço Social (Fernandes, 1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141.; Branco, 2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.; Carvalho & Pinto, 2015Carvalho, M. I., & Pinto, C. (2015). Desafios do serviço social na atualidade. Serviço Social e Sociedade, 121, 66-94. https://doi.org/10.1590/0101-6628.014
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), que, entre 1979 e 1984, conjuntamente com associações sindicais, retomaram esforços para equiparar a habilitação dos profissionais diplomados em Serviço Social ao grau de licenciatura para efeitos profissionais; pretensão travada pelo Ministro da Educação (Negreiros, 1991Negreiros, M. A. G. (1991). Licenciatura em serviço social: principais elementos de um processo. Intervenção Social, (5/6), 101-110.). Em 1980 é criada, pelo Decreto nº 29/80, de 17 de maio, uma licenciatura em Serviço Social no ensino público, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS) da Universidade Técnica de Lisboa, situação que face à política do não reconhecimento do grau nas escolas existentes abriria um precedente contraditório. Posteriormente, mudou o nome do curso para Política Social, sendo esse o grau de licenciado obtido pelos diplomados daquele curso, conforme a Portaria nº 541/84, de 31 de julho, mantendo-se assim até aos efeitos do processo de Bolonha na formação.

A partir de 1985 a estratégia implementada no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (ISSSL) passa a ter como objetivos criar condições para que seja atribuído o grau de licenciatura, implementando um novo plano de estudos de cinco anos, apostando na melhoria da qualificação científica do seu corpo docente e resolvendo a situação jurídico-legal do Instituto (Negreiros 1991Negreiros, M. A. G. (1991). Licenciatura em serviço social: principais elementos de um processo. Intervenção Social, (5/6), 101-110.). No mesmo ano é publicado o Decreto-Lei nº 100-B/85, de 8 de abril, que possibilitaria a atribuição do grau de licenciado por via do ensino superior particular, desde que cumpridas determinadas condições específicas. No ano letivo de 1985-86, o plano de estudos com a duração de cinco anos procurou dar resposta a mudanças que implicavam que os assistentes sociais estivessem cada vez mais capacitados para lidar com situações sociais, relações interpessoais e redes institucionais complexas cuja aprendizagem e desenvolvimento implicaria uma rigorosa e maior capacidade de análise teórica e de operacionalidade técnica (Negreiros, 1985b). Atendendo que esta reformulação teria como propósito preparar “[...] para a compreensão global da pessoa, da sociedade e das situações, assim como para a intervenção global do Serviço Social e para a atuação especializada em instituições e situações específicas e diferenciadas” (Negreiros, 1985b, p. 26), a estrutura do curso contou com um reforço das disciplinas da área do Serviço Social: uma primeira fase, em que os dois primeiros anos apostavam na introdução e consolidação teórica e de instrumentos básicos; o terceiro ano para o desenvolvimento da “percepcão do todo social e da globalidade da intervenção”; os últimos dois anos dedicados a um aprofundamento da “especificidade profissional” a par com a “análise científica da realidade” (Negreiros, 1985b).

Em abril de 1986, o ISSSL ganha a natureza jurídica de cooperativa, sendo este um passo importante para a concessão ao curso superior de Serviço Social, do grau de licenciatura (Cabral, 1985Cabral, J. (1985). Instituto Superior de Serviço Social - C.R.L (Cooperativa de Responsabilidade Ld.ª). Intervenção Social, 2/3, 85-86.). Negreiros (1986Negreiros, M. A. G. (1986). Plano de estudo dos cursos mestrados e doutorado em Serviço Social. Intervenção Social, (4), 99-108.) destacava a importância e necessidade urgente de formar docentes com titulações de mestrado e doutoramento, nomeadamente no quadro do Decreto-Lei nº 100-B/85 que estabeleceu as regras gerais às quais deveria obedecer qualquer proposta de criação de estabelecimento de ensino superior particular e cooperativo. Em 1986 o Instituto Superior de Serviço Social do Porto (ISSSP) segue um caminho semelhante ao ISSSL constituindo-se em Cooperativa em junho e iniciando um novo plano curricular de 5 anos em outubro do mesmo ano (Negreiros, 1991).

Com esse mote e uma profunda vontade de reforçar a formação em Portugal, este é também um importante momento para o avanço da qualificação, de pesquisa e produção científica do Serviço Social Português, cujo protocolo entre o ISSSL e a Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo possibilitou que no ano de 1986-87 se desse início à formação pós-graduada do corpo docente, mestrado e doutorado, sendo também este um passo para uma aproximação ao ensino universitário (Negreiros, 1985cNegreiros, M. A. G. (1985c). Programa de cooperação e intercâmbio entre a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e o Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 87-92.), celebrado a 23 de abril de 1986 (Negreiros, 1986). Do levantamento realizado pela direção do Instituto, Negreiros (1985c) ressalta a proximidade linguística e cultural entre os dois países como um dos fatores para a escolha deste convénio com o Brasil, tendo sido identificados na época cursos de doutorado a decorrer também no Canadá e nos Estados Unidos. Além do objetivo da qualificação, a internacionalização e aproximação de experiências de intercâmbio foi também uma forte aposta com efeitos positivos para ambas as instituições.

No entanto, e apesar dos esforços para que o curso de Serviço Social fosse reconhecido como licenciatura, em 1988, de acordo com Negreiros (1991Negreiros, M. A. G. (1991). Licenciatura em serviço social: principais elementos de um processo. Intervenção Social, (5/6), 101-110.), o Ministério da Educação faz um ultimato aos Institutos de Lisboa e Porto para que aceitassem o reconhecimento do grau de bacharel ou este ser-lhe-ia imposto ministerialmente. Perante tal situação, as direções dos Institutos mobilizaram estudantes e profissionais, a Associação e os Sindicatos, tendo-se realizado um grande encontro nacional, o 1º Encontro Nacional de Serviço Social, no qual foi deliberado o reforço da luta perante o Ministério para a obtenção do grau de licenciado e de outras diligências que permitissem atingir os objetivos propostos (Negreiros, 1991; Branco, 2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.). Negreiros (1991) refere a forte participação de estudantes na procura de visibilidade para a sua reivindicação, nomeadamente em articulação com outras associações académicas e pela notoriedade em meios de comunicação social, sendo que no espaço de um ano “[...] houve 16 Jornais - 13 diários e 3 semanários que publicaram um total de 37 notícias, reportagens ou entrevistas sobre o assunto. Também a nível da radiodifusão, 4 emissoras deram informações nos seus programas” (p. 105). A luta pelo reconhecimento da qualificação académico-científica da formação em Serviço Social passou também pela solicitação de pareceres a universidades internacionais, tendo todos eles sido “inequívocos quanto à qualificação dos Planos de Estudo” e utilizados como argumento junto das entidades governativas. O ISSSC manteve-se à parte desta reivindicação, pois considerava aceitar o grau de bacharel, optando pelo ensino Politécnico, o que mais tarde se veio a alterar com a eleição de uma nova lista para a associação de estudantes daquele Instituto (Negreiros, 1991).

Os anos de 1989 e 1990 foram fundamentais no reconhecimento da formação em Serviço Social em Portugal, com a tão almejada aquisição do grau de licenciatura, criando e autorizando o funcionamento de cursos superiores de Serviço Social com a respetiva titularidade, aos diplomados em serviço social a serem formados pelo ISSSL (Portaria nº 793/89, de 8 de setembro), pelo ISSSP (Portaria nº 796/89, de 9 de setembro) e pelo ISSSC (Portaria nº 15/90, de 9 de janeiro). A Portaria nº 370/90, de 12 de maio, reconhece o nível de qualidade dos cursos de Serviço Social lecionados, passando a conferir grau académico aos diplomados nestes estabelecimentos de ensino até ano letivo de 1988-89, atribuindo também a estes o grau de licenciatura, desde que salvaguardados os pressupostos para a garantia de que a formação obtida fosse semelhante à recebida à data do referido diploma. Meses mais tarde, a Portaria nº 1.144/90, de 20 de novembro, vem reconhecer também os diplomados com os cursos de Serviço Social lecionados nos Institutos de Educação e Serviço Social de Angola e de Moçambique o grau de licenciados, cuja formação era equivalente à obtida pelos diplomados com o curso de Serviço Social ministrado nos Institutos de Lisboa, Porto e Coimbra. Em 1991, o Ministério da Educação publica a Portaria nº 1.106/91, de 20 de setembro, na qual, atendendo a que o curso normal de Educação Familiar, previsto na alínea c) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 40.678, garantisse uma formação equivalente à obtida pelos diplomados com o curso de Serviço Social, confere equivalência ao grau de licenciatura àqueles diplomados.

Faz-se nota que a Portaria nº 829/91, de 14 de agosto, veio autorizar o funcionamento do curso superior de Serviço Social, reconhecido ao ISSSL com o grau de licenciatura em 1989, também nas instalações que o próprio Instituto possuía em Beja, alargando assim a formação a Sul.

Segundo Martins (2010Martins, A. M. C. (2010). Génese, emergência e institucionalização do serviço social português (2a ed.). Encadernação Progresso.), esta foi uma nova fase na profissão, abrindo as mesmas oportunidades de carreira na administração pública que as outras profissões das ciências sociais e humanas. Branco (2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.) considera o período entre 1989-1991 como o marco mais saliente da profissionalização do Serviço Social em Portugal. Assim, em 1991, através do Decreto-Lei nº 296/91, de 16 de agosto, é criada na administração pública a carreira de técnico superior de serviço social, visando enquadrar os licenciados em serviço social numa carreira adequada às suas recém reconhecidas habilitações, obtidas nos três Institutos Superiores de Serviço Social e que até aqui se mantinham na carreira técnica de serviço social, com implicações remuneratórias e de acesso a cargos de chefia. Três anos depois, o Decreto-Lei nº 148/94, de 25 de maio, vem salvaguardar a situação dos profissionais licenciados em Serviço Social e em Política Social pelo ISCSP permitindo-lhes igualmente a transição para a carreira de técnico superior de serviço social. Em 1998, o Decreto-Lei nº 144/98, de 23 de maio, torna extensiva essa salvaguarda aos funcionários integrados na carreira técnica de serviço social, titulares do diploma de Serviço Social conferido pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina. Daqui se compreende a importância que a formação e o seu reconhecimento formal como licenciatura trouxeram à própria profissão e aos seus profissionais.

Nos anos 90, Portugal destacou-se na consolidação do seu modelo político à luz dos objetivos internacionais com a conceção de novas políticas e programas sociais impulsionados pelos apoios dos fundos comunitários da União Europeia. A formação do Serviço Social evoluiu, bem como o mercado de trabalho social se expandiu. A consolidação do conhecimento em Serviço Social no campo das ciências sociais, constituindo-se como ciência prática, abrangendo uma maior oferta de licenciaturas e formação pós-graduada, como cursos de mestrado e de doutoramento (Branco, 2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.; Carvalho & Pinto, 2015Carvalho, M. I., & Pinto, C. (2015). Desafios do serviço social na atualidade. Serviço Social e Sociedade, 121, 66-94. https://doi.org/10.1590/0101-6628.014
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). Branco (2009) regista um aprofundamento do processo de desenvolvimento académico e profissional com a criação de programas de mestrado e doutoramento em Portugal, que dão os primeiros passos no final do século XX, sendo que, com o virar do século, a par da formação pós-graduada, também a licenciatura assume uma expansão quanto ao número de escolas existentes.

Em Coimbra, registou-se em 1993 o reconhecimento do Instituto Superior Bissaya Barreto como estabelecimento de ensino superior, autorizando-se o início de funcionamento do curso superior de Serviço Social com aprovação do respetivo plano de estudos de cinco anos pela Portaria nº 10/93, de 6 de janeiro, que em 1994 é reduzido para quatro anos pela Portaria nº 571/1994, de 12 de julho, contrariamente aos restantes cursos em vigor. Passados vinte anos, este instituto comunicou oficialmente o seu encerramento voluntário de acordo com o aviso nº 2.083/2015 da Direção-Geral do Ensino Superior. Em 1998, foi concretizada a alteração da denominação do ISSSC para Instituto Superior Miguel Torga (ISMT) pelo Decreto-Lei nº 12/98, de 24 de janeiro.

É de assinalar, em 1995, a criação do primeiro curso de mestrado em Serviço Social, em Portugal, no ISSSL autorizado pelo Ministério da Educação e com publicação do seu plano de estudos na Portaria nº 182/95, de 6 de março. O plano de estudos continha disciplinas obrigatórias em torno do eixo teórico e metodológico da formação aprofundada na área de Serviço Social e a opção de duas disciplinas de aprofundamento, seguindo-se a elaboração da dissertação (Negreiros, 1994Negreiros, M. A. G. (1994). Plano curricular do mestrado em serviço social. Intervenção Social, (9), 85-87.), passando o grau de mestre a ser atribuído pelo ISSSL. Em 1997, surge o 1º programa de doutoramento em Serviço Social em convénio do ISSSL com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da qual foram qualificados 7 doutores que passaram a poder participar nas comissões de avaliação dos cursos em Portugal (Martins & Tomé, 2008Martins, A., & Tomé, M. R. (2008). Formação contemporânea do serviço social em Portugal. Revista em Pauta, 21, 153-179.; Ferreira, 2008Ferreira, J. M. L. (2008). Trajetórias e produção do conhecimento do serviço social português. O papel do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa: ISSSL. Intervenção Social, 32/34, 35-54.). Para Ferreira (2014), o desenvolvimento da formação pós-graduada em Portugal na área do Serviço Social contribuiu para o seu reconhecimento na área das Ciências Sociais e Humanas, possibilitando o desbravamento de campo do seu objeto de estudo e nos domínios da pesquisa e formação em Serviço Social.

A formação do Serviço Social no século XXI

Em 2000 abre o primeiro curso de licenciatura em Serviço Social numa universidade pública, na Universidade dos Açores (Branco, 2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.; Ferreira, 2014Ferreira, J. (2014). Estudos de pós-graduação e de doutoramento em serviço social: a experiência portuguesa. Azarbe: Revista Internacional de Trabajo Social y Bienestar, 3, 197-204.), tendo mais tarde a formação no ensino público sido alargada ao ensino Politécnico, designadamente em Leiria no ano de 2003 e em Viseu, Castelo Branco, Portalegre e Beja em 2004. Martins e Tomé (2008Martins, A., & Tomé, M. R. (2008). Formação contemporânea do serviço social em Portugal. Revista em Pauta, 21, 153-179.) indicam que a duração da formação em Serviço Social deixa de ser homogénea no início do século XXI, nomeadamente com “[...] a introdução da licenciatura bietápica - 3 anos para obter o bacharelato e 1 ano para a licenciatura - nos Institutos Politécnicos” (p. 160). Com uma maior abertura da oferta do ensino público, começa a inverter-se a tendência de procura do ensino privado, que vê o número de estudantes inscritos a decrescer ao longo do tempo (Martins & Tomé, 2008), bem como os índices de empregabilidade que começam a decrescer (Carvalho & Pinto, 2015Carvalho, M. I., & Pinto, C. (2015). Desafios do serviço social na atualidade. Serviço Social e Sociedade, 121, 66-94. https://doi.org/10.1590/0101-6628.014
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). No entanto, há que referir o reconhecimento dos contributos do alargamento da formação para “[...] uma distribuição regional mais equilibrada do direito ao ensino” (Martins & Tomé, 2008, p. 166).

Também no início do século, em 2000, o ISMT, antigo ISSSC, passa a oferecer o curso de mestrado (Martins, 2009Martins, A. (2009). 70 anos de formação em serviço social em tempos de ditadura e de democracia: da Escola Normal Social ao Instituto Superior Miguel Torga. Interações: Sociedade e as Novas Modernidades, 9(17), 21-44.). Martins e Tomé (2008) indicam que de 2000 a 2008 o curso de licenciatura em Serviço Social se integrou no ensino público, tanto universitário como politécnico e concordatário, passando a estender-se com uma maior oferta formativa e em mais regiões do país como no Norte (Braga, Porto, Trás-os-Montes e Alto Douro), Centro, interior e Alentejo (Leiria, Viseu, Castelo Branco, Portalegre e Beja) e às ilhas (Universidades dos Açores e da Madeira), identificando à data que “[...] no ensino privado registram-se 10 cursos, 8 no universitário e 2 no politécnico. No ensino público temos 10 cursos, 5 no universitário e 5 no politécnico” (p. 154), destacando que os cursos de mestrado (8) e de doutoramento (2) que funcionavam na altura eram ministrados no ensino superior universitário. As autoras referem, ainda, que no ano letivo de 2006-07, existiam 22 cursos, sendo que dois desses cursos foram extintos, designadamente o curso do Instituto Superior de Serviço Social em Beja, resultante da integração do ISSSL na Fundação Minerva, e o do Instituto Superior Bissaya Barreto em Coimbra. Em 2008, o Iscte - Instituto Universitário de Lisboa inicia o percurso de formação em Serviço Social, abrindo o mestrado nesse ano letivo e a licenciatura em 2010, criando oferta numa instituição universitária pública em Portugal continental.

Com a pretensão de harmonizar os graus e diplomas atribuídos nas Instituições de Ensino Superior ao nível europeu, facilitando a mobilidade e empregabilidade por via da agilização dos cursos e sistema de creditação, à qual a formação em Serviço Social não se pode excluir ou isolar, é desencadeado, a partir de 1999, o processo de Bolonha (Martins & Tomé, 2008Martins, A., & Tomé, M. R. (2008). Formação contemporânea do serviço social em Portugal. Revista em Pauta, 21, 153-179.). Daqui resultaram também críticas à forma como o sistema de ensino se subjugou aos interesses do mercado e aos perigos da redução, substancial em alguns casos, dos planos de estudos e duração da formação, quer em anos quer em horas de contacto. Não obstante, as autoras indicam que, para travar uma redução drástica na duração da formação, as escolas de Serviço Social optaram pela duração de 7 semestres (três anos e meio), a máxima possível no quadro do Processo de Bolonha, sendo que a posição das associações ligadas ao Serviço Social desejava um plano de quatro anos (Martins & Tomé, 2008; Carvalho & Pinto, 2015Carvalho, M. I., & Pinto, C. (2015). Desafios do serviço social na atualidade. Serviço Social e Sociedade, 121, 66-94. https://doi.org/10.1590/0101-6628.014
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), ressaltando que os cursos de Ciências Sociais seguiram uma formação com a duração de 6 semestres (três anos), sendo atualmente essa a duração da maioria dos cursos de licenciatura em Serviço Social. Também no seguimento deste processo, os cursos com a denominação “Trabalho Social” (ministrado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) e “Política Social” (ministrado no ISCPS) e “Intervenção Social e Comunitária” (ministrado no Instituto Superior Politécnico de Gaya) passam a ter a designação de Serviço Social (Martins & Tomé, 2008).

Já no ano de 2008-09, Branco (2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.) contabilizou 18 cursos de licenciatura em funcionamento, 9 programas de mestrado e 2 programas de doutoramento em Serviço Social. Porém, apesar de o número ser semelhante na atualidade, a distribuição e dinâmica dos ciclos de estudo e do funcionamento das Instituições de Ensino Superior com formação na área do Serviço Social em Portugal têm sofrido algumas alterações. Em 2015, Carvalho e Pinto identificaram 21 cursos de licenciatura em Serviço Social, 8 de mestrado e 3 de doutoramento em funcionamento.

De acordo com os dados atuais (Tabela 1) na página da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), entidade instituída pelo Estado Português e responsável pela avaliação e acreditação dos cursos de ensino superior em Portugal, podemos verificar que estão em funcionamento cursos de licenciatura em 17 estabelecimentos de ensino superior (alguns com desdobramento em turnos diurnos e em pós-laboral), 11 cursos de mestrado (um deles mestrado internacional) e 3 programas de doutoramento (um deles interuniversitário). Daqui se compreende também uma evolução da formação pós-graduada em Serviço Social, não incluindo nesta lista a vasta oferta em cursos de especialização, pós-graduações e outras ofertas formativas que contam com o saber científico do Serviço Social.

Tabela 1
Cursos de Serviço Social em funcionamento e acreditados em Portugal

É interessante analisar que a formação em Serviço Social no ensino superior público e privado não tem uma tradição exclusiva de integração em faculdades ou escolas exclusivas na área das ciências sociais e humanas, mas também em escolas em áreas como as ciências de educação, psicologia e até tecnologia e gestão. No entanto, indiscutivelmente é no campo das ciências sociais que se posiciona a formação em Serviço Social, classificação também partilhada pela Fundação para Ciência e Tecnologia (FCT, I.P.) portuguesa que adota a matriz do Manual Frascati (OECD, 2015) na qual o Serviço Social aparece como subárea dentro da área científica principal das Ciências Sociais. Uma das críticas que tem sido apontada por alguns docentes e investigadores nesta área é que, apesar do reconhecimento científico da produção e da pesquisa em Serviço Social, esta se mantém sobre o chapéu da área científica secundária da Sociologia e não a par desta, como por exemplo é visível no caso da educação, da gestão, entre outras.

Quanto ao terceiro ciclo, que integra os programas de doutoramento, Branco (2009Branco, F. (2009). A profissão de assistente social em Portugal. Locus Soci@l, 3, 61-89.) refere que em 2003 é criado o primeiro doutoramento em Serviço Social na Universidade Católica Portuguesa, bem como um doutoramento em Ciências do Serviço Social fruto de protocolo entre a Universidade do Porto (Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar) e o ISSSP (Martins & Tomé, 2008Martins, A., & Tomé, M. R. (2008). Formação contemporânea do serviço social em Portugal. Revista em Pauta, 21, 153-179.). Em 2004 entra também em curso o programa de doutoramento conjuntamente promovido pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, atualmente Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, em associação com o ISSSL. Para Ferreira (2014Ferreira, J. (2014). Estudos de pós-graduação e de doutoramento em serviço social: a experiência portuguesa. Azarbe: Revista Internacional de Trabajo Social y Bienestar, 3, 197-204., p. 198), este processo de qualificação “[...] garantiu maior autonomia, participação e decisão do Serviço Social no sistema universitário com influências positivas e directas na profissão e também nas entidades empregadoras e nas entidades promotoras de políticas sociais”. Até à data, segundo os dados recolhidos através da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (Tabela 2), foram realizadas em Portugal oitenta e oito teses de doutoramento na área do Serviço Social ou na área da Ciências Sociais com especialização em Serviço Social, das quais sete contaram com financiamento público.

Tabela 2
Dados sobre a obtenção do grau de doutor em Serviço Social ou de doutoramentos com especialização associada à área científica (2007-2023) (N=88)

Não obstante, outros docentes do curso de Serviço Social, com formação de base em Serviço Social, optaram por realizar doutoramentos noutras áreas científicas, embora a sua carreira profissional e académica seja dedicada ao Serviço Social e à produção de conhecimento científico e pesquisa nesta área. Estes dados revelam como efetivamente o Serviço Social se tem tornado uma área relevante no campo das ciências sociais, sendo que Mendes (2020Mendes, S. (2020). Formação doutoral em serviço social. Contributos para a construção de ciência a partir da análise socio-histórica no caso de Portugal e dos Estados Unidos da América. Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 40, 95-122.) o classifica como “disciplina científica integrativa” a par de outras como a Medicina e Saúde Pública que são “[...] definidas pelo seu foco explícito na aplicação do conhecimento disciplinar de forma integrada, aplicado a domínios centrais [...]”, fornecendo respostas teóricas para os problemas e “[...] desenvolvendo ao mesmo tempo novas teorias e novos modelos” (p. 117). Embora ainda recente quando comparado com a evolução noutros países, tem-se consolidado em Portugal nos últimos anos, prevendo-se o seu crescimento que se viu condicionado no período pandémico sobretudo entre 2020 e 2021.

Considerações finais

A análise da história da formação em Serviço Social permite-nos observar os momentos que contribuíram para uma maior consistência e afirmação no campo das ciências sociais. A influência das transformações políticas e sociais na expansão da profissão e na evolução da formação é também notória. Partindo de um regime conservador e ditatorial, embora a formação em Serviço Social fosse inicialmente reconhecida pelas autoridades oficiais como promotora de “profissionais do controlo social”, a sua evolução fundamentou-se “[...] progressivamente nas ciências sociais e se orienta para a intervenção social, concebida em termos de justiça social” (Fernandes, 1985Fernandes, E. (1985). Evolução da formação dos assistentes sociais no Instituto de Lisboa. Intervenção Social, 2/3, 123-141., p. 123), tendo os programas de pesquisa e de aperfeiçoamento curricular um importante papel nesse progresso.

O papel das primeiras escolas, os Institutos de Lisboa, Coimbra e Porto abriram um caminho que, embora moroso, permitiu que os profissionais vissem reconhecida a qualificação técnica e científica numa área que se transformou e cresceu a par do próprio progresso social e político do país. Atualmente, conta-se com uma maior oferta formativa em diferentes regiões, devidamente regulada e acreditada, incluindo na formação pós-graduada. Daqui emergem também questões relacionadas com uma análise crítica da própria dimensão ética e política da profissão, que, apesar de presentes no percurso histórico, nomeadamente com a mobilização coletiva de profissionais, docentes e estudantes na luta pela conquista do grau de licenciatura, ainda se encontra numa trajetória de maior necessidade de ativismo político e social na defesa dos cidadãos, das sociedades e dos direitos universais.

A própria duração do curso de licenciatura, comparando com os planos de estudos que conduziram ao reconhecimento do grau parecem diminutos, não poderá servir de pretexto para uma rendição à falta de condições para garantir uma formação de qualidade. Mais do que contrariar esta mudança, torna-se necessário deter uma capacidade estratégica para saber rentabilizar o atual cenário a favor de uma preparação de estudantes com capacidade de trabalho autónomo e pensamento crítico, que cada vez serão mais importantes numa era em que a inteligência artificial tem crescido rapidamente e sem uma gestão ou cálculo das suas consequências na formação. É por isso importante apostar na formação teórica, metodológica, ética e técnica, com um modelo de ensino baseado no conhecimento, produção e aplicação científica, em que a formação de base seja complementada com formação pós-graduada ou especializada. Dessa forma, a pesquisa social terá de assumir um papel na formação e na prática profissional, não apenas numa lógica meramente académica, mas sim como uma responsabilidade coletiva que permita dar visibilidade aos problemas sociais, identificar soluções de atuação política e estar presente junto das comunidades e famílias, motivando à sua participação, autodeterminação e liberdade. Se não o fizermos, corremos o risco de recuar na história, o que manifestamente não se coaduna com todos os ganhos alcançados na conquista de um estatuto no campo das Ciências Sociais.

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    Utilizamos a expressão utilizada em Portugal de “doutoramento”, reconhecendo que no Brasil é utilizado o termo “doutorado”.
  • Rodadas de avaliação:

    R1: dois convites; um parecer recebido.
    R2: dois convites; um parecer recebido.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2024
  • Aceito
    05 Abr 2024
  • Publicado
    30 Maio 2024
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