Acessibilidade / Reportar erro

Antigos livros didáticos de ciências sociais para a escola elementar: a coleção de Ariosto Espinheira

Antiguos libros de texto de ciencias sociales para escuelas primaria: la colección Ariosto Espinheira

Resumo

O texto intenciona contribuir para os estudos da história dos livros didáticos, realizando a análise de uma coleção elaborada a partir de um programa curricular de Ciências Sociais, implantada no Rio de Janeiro na década de 1930, em uma conjuntura de debates para reformulação dos princípios da educação nacional. A coleção era de autoria de Ariosto Espinheira, baseada no Programa de ciências sociais de 1934, proposto pelo Departamento de Educação do Distrito Federal, dirigido por Anísio Teixeira, e publicado pelo Instituto de Pesquisas Educacionais, sob direção de Carlos Delgado de Carvalho. Ao seguir as orientações do programa oficial, decorrente dos intensos debates pedagógicos que incluíam as contribuições de autores norte-americanos, como as de John Dewey, a análise da coleção possibilita avaliar como ocorreu a aproximação das ideias educacionais defendidas naquele contexto, apresentando textos e atividades que instigavam professores e estudantes a transformarem suas práticas didáticas e a se aproximarem da realidade de sua comunidade. Ao mesmo tempo, o texto procura dar atenção às características dessa coleção didática e às especificidades históricas de sua produção editorial.

Palavras-chave:
livro didático; ciências sociais; livro didático de ciências sociais; programa curricular

Resumen

El texto pretende contribuir al estudio de la historia de los libros de texto, realizando el análisis de un acervo elaborado a partir de un programa curricular de Ciencias Sociales, implementado en Río de Janeiro en la década de 1930, en una coyuntura de debates para la reformulación de los principios de educación Nacional. La colección fue de autoría de Ariosto Espinheira, con base en el Programa de ciências sociais de 1934, propuesto por el Departamento de Educación del Distrito Federal, dirigido por Anísio Teixeira, y publicado por el Instituto de Investigaciones Educativas, bajo la dirección de Carlos Delgado de Carvalho. Siguiendo los lineamientos del programa oficial, surgido de los intensos debates pedagógicos que incluyeron las contribuciones de autores norteamericanos, como los de John Dewey, el análisis de la colección permite evaluar cómo se produjo la aproximación de las ideas educativas defendidas en ese contexto, presentando textos y actividades que incitaron a docentes y estudiantes a transformar sus prácticas docentes y acercarse a la realidad de su comunidad. Al mismo tiempo, el texto busca prestar atención a las características de esta colección didáctica y las especificidades históricas de su producción editorial.

Palabras clave:
libro de texto; ciencias sociales; libro de texto de ciencias sociales; currículo

Abstract

The text intends to contribute to the study of the history of textbooks, performing the analysis of a collection elaborated from a curricular program of Social Sciences, implemented in Rio de Janeiro in the 1930s, in a conjuncture of debates for reformulation of the principles of national education. The collection was authored by Ariosto Espinheira, based on the Programa de ciências sociais of 1934, proposed by the Department of Education of the Federal District, directed by Anísio Teixeira, and published by the Institute of Educational Research, under the direction of Carlos Delgado de Carvalho. By following the guidelines of the official program, arising from the intense pedagogical debates that included the contributions of north american authors, such as those of John Dewey, the analysis of the school makes it possible to evaluate how to approximate the educational ideas defended in the context, presenting texts and activities that instigated teachers and students to transform their teaching practices and approach the reality of their community. At the same time, the text seeks to pay attention to the characteristics of this didactic collection and the historical specificities of its editorial production.

Keywords:
textbook; social sciences; social science textbook; curriculum

Introdução

A Escola, numa democracia Moderna, não se pode desinteressar da vida social do ambiente em que se acha e permanecer estranha aos problemas da comunidade que, em última análise, ela representa. Antes de tudo, para poder desempenhar o seu objetivo capital de reguladora da evolução social, ela precisa estar em condições de estudar os elementos desta evolução. Assim poderá colaborar no controle deste movimento auxiliando-o no seu desenvolvimento normal e progressivo. Numa verdadeira democracia, a liberdade do pensamento deve ser respeitada, mas o tráfego das ideias, principalmente pelos meios educacionais deve ser subordinado à preocupação do método em benefício mesmo da clareza indispensável à sua assimilação (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934, p. 11)1 1 O mesmo programa foi publicado posteriormente na seguinte edição: Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos [INEP] (1955). .

Na educação, na perspectiva docente, quando se reflete sobre “o que é” ou “o que deveria ser” o ensino na escola, defronta-se com o exercício de identificar ou projetar suas finalidades: quem se quer ou se deve formar. E, para aprofundar estas questões, que aparentemente são dependentes do contexto imediato da sala de aula, há de considerar suas imersões em perspectivas históricas educacionais e nos posicionamentos e problemáticas sociais e políticas, tanto oficiais quanto de linhas teóricas alternativas, e seus instrumentos de implantação e disseminação.

Os conteúdos e os métodos de ensino, escolhidos para atender às finalidades delineadas para a formação escolar, estão entrelaçados entre as escolhas docentes, fundadas em suas histórias culturais de vivências e formação, e as orientações oficiais presentes nos programas, nos currículos e nos livros didáticos. No último caso, eles estendem suas influências em longas durações, submergindo, mas permanecendo e fundamentando concepções educacionais ao longo do tempo. Cabe, então, conhecê-los.

Aqui, neste texto, a intenção é avaliar alguns aspectos da história de uma coleção didática concebida a partir de uma proposta de programa de Ciências Sociais implantada no Rio de Janeiro na década de 1930, pelo Departamento de Educação do Distrito Federal, em uma conjuntura de debates para reformulação dos princípios da educação nacional.

De algum modo, em ampla perspectiva, a análise desenvolvida neste texto contempla as proposições da socióloga Meucci (2020Meucci, S. (2020). Os livros didáticos da perspectiva da sociologia do conhecimento: uma proposição teórica-metodológica. Revista Brasileira De História Da Educação, 20(1), e098. Recuperado de: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/51250/751375149101
https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/...
), que, sustentada em Nobert Elias, defende as ideias de que a análise de livros didáticos possibilita desvelamento de processos sociais internos à sua configuração. Neste caso, aqui, com este intuito, a proposta inclui a identificação dos agentes sociais envolvidos, as premissas das concepções consolidadas em um programa curricular e o produto editorial no qual se concretizam as referências filosóficas, pedagógicas, sociais e políticas mais abrangentes.

E, mais especificamente, respeitando os estudos de análises teóricas e metodológicas dos manuais didáticos, o texto considera as orientações de Choppin2 (2002Choppin, A. (2002). O historiador e o livro escolar. Revista História da Educação - UFPE, 6(11). Recuperado de: https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/30596/pdf
https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/ar...
, 2004), que, com base nos trabalhos da história dos livros didáticos, aponta a necessidade de reconhecer que eles assumem diferentes funções. Uma delas é a referencial, ou seja, geralmente o livro tende a ser fiel à tradução do programa ou à sua interpretação; e cumpre o propósito de ser suporte de conteúdos educativos, com compromissos e com valores de determinada classe social. Outra função diz respeito a ter uma finalidade instrumental de colocar em prática métodos de aprendizagens, com atividades e exercícios, para facilitar a aquisição de conhecimentos. Outra, ainda, é a função ideológica e cultural, difundindo a cultura letrada, a língua, os valores culturais e ideologias dominantes. Além das suas funções, o autor chama atenção também para o fato de o livro ser um produto cultural de seu tempo, sendo importante ter um olhar para sua organização interna, sua linguagem, sua composição gráfica, editorial e material (Choppin, 2004).

A intenção é perseguir alguns dos vínculos da coleção didática a ser analisada com as orientações do programa que a subsidiava, ressaltando fundamentos filosóficos e pedagógicos dos agentes sociais e políticos envolvidos; e observando as escolhas de conteúdos e orientações didáticas, alguns dos valores internos aos textos e imagens, referências biográficas do autor e características da composição editorial e material da obra. E, neste processo de decomposição e análise, ter a preocupação de entender sua complexidade, sem perder de vista sua integridade e finalidades.

Mudanças de orientação nas proposições educacionais

A partir da década de 1920, intelectuais brasileiros passaram a debater mais intensamente a educação no país3 3 Para conhecer o contexto de mudanças educacionais do Rio de Janeiro entre 1920 e 1935, consultar Paulilo (2005); e para conhecer o debate educacional da época, na perspectiva dos estudos sociológicos, consultar a dissertação de mestrado de Meucci (2000). . E, dentre as propostas que emergiram naquele contexto, uma passou a difundir modelos pedagógicos de autores norte-americanos, sendo uma delas fundamentada nos estudos de John Dewey4 4 John Dewey (1859-1952) foi pedagogo norte-americano, considerado fundador da psicologia da adolescência e que elaborou uma filosofia centralizada na noção de “experiência”, vista como intercâmbio ativo, transformador e contínuo entre sujeito e natureza. Nessa perspectiva, concebia a ideia de que cabe ao sujeito o desenvolvimento e o controle da experiência por meio do uso de princípios racionais da ciência moderna. Procurou criar uma epistemologia orientada para a prática, desenvolvendo a lição do pragmatismo metódico, ligado à ideia de razão aberta, colocada como instrumento na complexa dinâmica da experiência, individual e histórica (Cambi, 1999). , que defendia uma nova ordem de conceitos na educação que conduzisse a outras práticas.

As proposições de Dewey5 5 Para conhecer as formulações teóricas dos pensadores educacionais do início do século XX, que incluem Dewey, consultar Zanatta (2012). estavam presentes em documentos de orientação da educação nos EUA, como o da “Comissão de Estudos Sociais” de 1916, que defendia a difusão de ideais democrático-liberais para uma educação que possibilitasse aos jovens apreciar e valorizar a natureza e as leis da vida social, adquirir o senso de responsabilidade em uma sociedade, participar da promoção do bem-estar da população em geral e acreditar em uma comunidade mundial que incluísse toda a humanidade (Social studies in secondary education, 1916).

As ideias de Dewey foram divulgadas no Brasil (Paulilo, 2005Paulilo, A. L. (2005). O cosmopolitismo beligerante: a reconstrução educacional na capital do Brasil entre 1922 e 1935. CPDOC/FGV. Estudos Históricos, (35). Recuperado de: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2237.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
), influenciando a elaboração de propostas educacionais. Suas sugestões projetavam uma escola na qual as crianças deveriam aprender a partir de experiências vividas na convivência social, afirmando ser importante também repensar a divisão dos conhecimentos científicos em disciplinas escolares6 6 Em, 1916, John Dewey publicou Democracy and education, com um capítulo que recebia o título: “The significance of geography and history”. Nele, o autor propõe a integração das disciplinas de História e Geografia por meio de estudos das experiências humanas sociais e naturais (Dewey, 2015). .

O pensamento de Dewey influenciou o Programa de ciências sociais de 1934, elaborado pelo Departamento de Educação do Distrito Federal, dirigido por Anísio Teixeira, e publicado pelo Instituto de Pesquisas Educacionais, sob direção de Carlos Delgado de Carvalho. O Programa (Departamento de Educação do Distrito Federal (1934), organizado para os cinco primeiros anos da escola elementar, seguindo as orientações dos fundamentos da nova proposta de educação norte-americana, apresentava crítica ao distanciamento da escola em relação à realidade e afirmava que uma “democracia moderna” não podia desinteressar-se “da vida social” e do ambiente em que se encontrava nem “permanecer estranha aos problemas da comunidade” que, em última instância, representava. Essas eram ideias presentes também em O Manifesto dos pioneiros da educação nova (1932), de 1932, com a defesa de que a escola deveria se preparar para enfrentar a sociedade moderna, tendo como doutrina a “democracia”, pautada na solidariedade social, no espírito de cooperação e na construção de um ambiente dinâmico de conexão com a região e a comunidade.

No texto de Delgado de Carvalho, no Programa de ciências sociais, a finalidade era a formação do cidadão. Propunha considerar o estudo da vida real e de novos métodos de educação, que incluíam rever a separação entre as matérias ensinadas, para compor ligações entre elas, que dessem conta da realidade e da complexidade da vida no trabalho, na casa e na comunidade. Este educador levantava a premissa de que a sociedade da época apresentava problemas a serem enfrentados pela escola e ressaltava proposições educacionais de valorização prioritariamente do método de ensino e da formação de atitudes e valores, contrários à memorização e às situações de dependência da criança em relação ao professor, no seu processo de aprendizagem (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934).

Para Delgado de Carvalho, no Programa, o fato de ter como objetivo o estudo da “vida real”, as diferentes áreas de conhecimentos estavam presentes nos fatos, fenômenos, temas, projetos e centros de interesse; e os programas deveriam ser organizados em unidades que fornecessem eixos, ao redor dos quais girassem leituras, escrita, cálculo, evidenciando suas utilidades e seus propósitos. Nessa perspectiva, o professor deveria criar uma íntima ligação entre os pontos de vista histórico, geográfico, econômico e moral, restringindo o estudo aos elementos de sua significação, para que não ficassem compartimentados, independentes, e as disciplinas isoladas, apresentadas em situações de simples exposição oral (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934).

Perseguindo essas concepções gerais, as sugestões de atividades presentes no Programa propunham efetivas mudanças metodológicas. Era sugerido ao professor sentar-se no chão com as crianças e contar histórias, organizar espetáculos de circo, teatro e fantoches, festejar festas e aniversários, permitir levar para escola brinquedos e animais, realizar excursões, piqueniques e visitas, confeccionar bolos, costurar roupas para as bonecas, construir casas em miniaturas de outras épocas, desenhar cenários históricos, colecionar fotografias ou gravuras, plantar em quintais das casas etc. Dentre as orientações e suas finalidades, ficavam explícitas as intenções de formar a criança para sua adaptação à vida coletiva, à sociedade capitalista e aos hábitos da vida moderna.

Na proposta do Programa7 7 Na apresentação do Programa... (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934, p. 18) Delgado de Carvalho explica a fonte norte-americana que subsidiou a proposta: “Entre todos os programas de Ciência Social, organizados sobre os princípios que regem a Escola Progressiva, foram escolhidos aqui os de Denver (Colorado), que representam o trabalho de uma comissão de técnicos”. E complementa: “Bem entendido, não foi fácil e simples imitação destes programas que aqui foi visada; a adaptação foi tentada de modo geral, mas levando em conta nossas condições locais”. , a criança deveria estudar, no primeiro ano, a vida no lar e na escola, considerando os acontecimentos da vida cotidiana, ligados às necessidades primordiais - alimentação, vestuário, abrigo e recreação. No segundo ano, estudar a vida na localidade, principalmente o que ela representava em benefícios e responsabilidade de seus habitantes. No terceiro ano, estudar “a vida do homem primitivo”, exemplificada na “vida do índio”, para a criança conhecer, pelo contraste com a “vida do civilizado”, a complexidade da vida no presente; e, também, a vida em outros países, para criar o interesse e a simpatia pelos povos de outras terras, contribuindo para um sentimento de identidade universal. No quarto ano, estudar a herança legada pelos colonizadores do país, para respeitar a contribuição daqueles que lançaram a base da nacionalidade brasileira. No quinto ano, estudar o desenvolvimento das coisas essenciais da vida (alimentação, vestuário, habitação, ocupação, transporte, comunicação), através de comparações entre o presente e o passado, e da valorização do “poder criador do homem” e das atitudes liberais (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934)8 8 A introdução do programa, com descrição de cada finalidade do ano escolar, foi escrita por Inácia Ferreira Guimarães, Chefe da Seção de Programas e Atividades Extraclasse. .

As proposições do Programa orientaram, na sequência, como veremos, a produção de materiais didáticos de “Ciências Sociais”, destinados à escola elementar. Nessa perspectiva, a proposta incorporava à escola, também por meio de material escolar, uma disciplina denominada “Ciências Sociais”, que reunia conhecimentos de diferentes áreas.

As Ciências Sociais constituem a disciplina que tem por fim permitir viver bem em Sociedade, o que é essencial na Educação, pois as estruturas sociais e o progresso da civilização repousam sobre a capacidade de bem viver em sociedade (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934, p. 19).

E a disciplina, por sua vez, exigia um mestre especializado. O texto especificava: “É de capital importância que o mestre, especializado em ciências sociais, conheça exatamente, nos seus menores detalhes, os elementos que constituem o programa” (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934, p. 13).

Foi com os princípios da nova disciplina, com mestres especializados e conteúdos e métodos específicos, que, na lógica do mercado educacional, Ariosto Espinheira elaborou uma coleção didática.

Livros didáticos e o Programa de ciências sociais de 1934

Os programas e currículos escolares são geralmente referências para as editoras desenvolverem coleções didáticas, sendo estas coleções apresentadas às escolas como obras que seguem as orientações oficiais, legitimando, assim, seus vínculos com as expectativas das instituições de ensino e dos docentes, por materiais que fundamentam e auxiliam nas atividades de sala de aula.

Situação semelhante ocorreu com obras produzidas após a divulgação do Programa de ciências sociais de 1934. No ano seguinte, 1935, foi lançada a série de livros Ciências sociais, dos editores J. R. de Oliveira & Cia., do Rio de Janeiro, com cinco volumes (Espinheira, 1941Espinheira, A. (1941). Ciências sociais (Vol. 2, 16a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.), para alunos de 1º a 5º ano do curso primário, de autoria de Ariosto Espinheira.

O acesso aos antigos livros didáticos é muitas vezes difícil. No caso desta coleção, foram necessários alguns anos procurando nos sebos e bibliotecas diferentes exemplares, para reconstituir todos os anos escolares. Mesmo assim, não foi possível localizar os manuais do 1º ao 5º ano que correspondessem à mesma edição e data de publicação. Contudo, o acesso a diferentes edições favoreceu avaliar algumas mudanças editoriais ao longo do tempo.

Para estudo desta coleção, foram encontrados e analisados os seguintes materiais: o volume I da série Ciências sociais, em 1939 (Espinheira, 1939Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 5, 4a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.) estava na sua 9ª edição; o volume II, em 1941, estava na sua 16ª edição; o volume III, em 1935, estava na 2ª edição; o volume IV, em 1935, estava na 1ª edição; e, em 1937, o volume V estava na 2ª edição - todos da editora R. de Oliveira & Cia.

De acordo com os dados impressos nestes livros, é possível afirmar que estiveram presentes e sendo utilizados nas escolas, já que um deles estava na 16ª edição.9 9 Segundo Choppin (2002, p. 20), “[...]é a associação de quatro critérios que podem, então, lhe dar uma indicação sobre a difusão de um livro escolar: a duração da vida editorial (diferença entre as datas da última e da primeira edição); o número de edições declaradas (mas a estratégia dos diferentes editores não é idêntica e a realidade das edições anteriores não é sempre assegurada); o número das edições indicadas pelas bibliografias; e, por fim, o número de exemplares conservados. Tal escolha é legítima, mas é preciso estar consciente do que isso implica: esse tipo de técnica de amostragem de ser justificada sob um ponto de vista econômico (produção e difusão) ou na hipótese - tradicional - de uma influência dos manuais sobre a formação das mentalidades. Ao contrário, sob o ponto de vista da produção intelectual, levar também em conta os menos utilizados poderia por em evidência inovações, que são geralmente imperceptíveis, que digam respeito aos conteúdos, aos métodos, às estratégias pedagógicas, à paginação ou à tipografia, etc.; isso exposto, é necessário ser realista e convincente nas argumentações metodológicas que visam legitimar, definitivamente o uso único de alguns manuais que puderam ser encontrados (o que, se conhecer a história do acervo, também é significativo)”. E, em alguns exemplares encontrados, há anotações dos usuários: nomes a quem pertenciam, textos de estudos complementares manuscritos, imagens que foram coloridas com lápis de cor, marcações do que estudar e carimbo do grupo escolar.

Quanto às atividades profissionais do autor, em suas obras ele registrou que em 1935 era professor da Escola Técnica Secundária Amaro Cavalcanti, da Prefeitura do Distrito Federal; nos anos seguintes, que esteve vinculado à Escola Técnica Secundária Paulo de Frontin, também da Prefeitura do Distrito Federal; e, na década de 1940, além de professor, foi também Coordenador da Rádio Escola do Departamento de Difusão Cultural10 10 Esse autor ficou conhecido por publicar, a partir de 1939, pela Companhia Editora Nacional, Viagem através do Brasil, com volumes sobre a Amazônia, o Nordeste, o Brasil Oriental, o Brasil Meridional, o Brasil Central e o Distrito Federal. Foi autor também da coleção didática para as séries primárias Ciências naturais, pela editora J. R. de Oliveira & Cia, cuja 2ª edição data de 1938; e Infância brasileira, publicada pela Nacional, 1956. Publicou ainda, na Coleção Didática do Brasil, Série Ginasial, o vol. 27, Geografia do Brasil, sendo o vol. I destinado à 3ª série e o II à 4ª série do curso ginasial, publicados pela Editora do Brasil, em 1944. Atualmente, uma escola do Rio de Janeiro recebe o nome do autor - E. M. Ariosto Espinheira. No blog da escola, há sua biografia, apresentando suas obras, onde trabalhou como docente e algumas memórias de antigos alunos que estudaram a partir de seus livros (Ariosto Espinheira, 2013. .

Em diferentes edições dessa editora, nas páginas iniciais, foi impressa a lista de livros publicados pelo mesmo autor, da qual constavam: Matemática (1936 e 1937), Ciências naturais (1937) e Distrito Federal - estudos sociais - 3º ano (1938). E indicados aqueles publicados pela Companhia Melhoramentos de São Paulo: Rádio e educação (1934), Arte popular e educação (1938) e Viagem através do Brasil (vários volumes - 1939).

Em distintas edições da série Ciências sociais, há referências da relação que esses manuais mantinham com o Programa de ciências sociais, do Distrito Federal, de 1934. Sob o título, na folha de crédito, até a edição de 1939, dizia: “De acordo com o Programa do Departamento de Educação do Distrito Federal”11 11 Na 16ª edição, de 1941, do Vol. II, está ausente o vínculo do livro com o programa de 1934. . E uma carta, publicada na primeira edição, datada de 3 de abril de 1935, assinada por Inácia Ferreira Guimarães12 12 Inácia Ferreira Guimarães era, naquele contexto, chefe da Secção de Programas e Atividades Extraclasse, do Instituto de Pesquisas Educacionais do Departamento de Educação do Distrito Federal. , dizia:

Ilmo. Snr.

Tenho o prazer de dizer-lhe que, lendo as provas de seu livro - Ciências Sociais, verifiquei o cuidado com que o Snr. procurou dar ao seu trabalho a orientação preconizada em os novos programas elaborados para as escolas do Distrito Federal.

Estou certa de que livros como este são bons auxiliares de ensino às mãos de professores que se interessam pela adoção de novos métodos educativos (Espinheira, 1941Espinheira, A. (1941). Ciências sociais (Vol. 2, 16a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 5).

O próprio autor, em alguns volumes e edições, além de reforçar a relação da série com o programa oficial, também pontuava a quem ela era destinada, assim como algumas especificações, escolhas didáticas e intenções:

A série de Ciências Sociais é destinada aos cursos elementares e resume lições ao alcance de todos, de acordo com o Programa do Departamento de Educação do Distrito Federal.

Para cumprimento integral do programa, no final de cada lição há pequenas notas que lembram aos professores alguns temas a serem desenvolvidos pelas classes (Espinheira, 1939Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 5, 4a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 8).

Representa, neste trabalho, mais um esforço em benefício de alunos e professores, reunindo num só livro, os mais variados assuntos esparsos em alguma dezenas de obras indicadas pelo mesmo programa (Espinheira, 1935aEspinheira, A. (1935a). Ciências sociais (Vol. 3, 2a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 7).

[...] conhecimentos mínimos indispensáveis aos alunos das escolas elementares, dentro das regras da moderna pedagogia, levou-nos a escrever os volumes que constituem a série Ciências Sociais.

Resumem o Mínimo de Fatos a Conhecer do programa em linguagem acessível e clara.

Não são compêndios de estudo completo, mas, antes, a indicação de assuntos a serem desenvolvidos por alunos e professores, despertando o interesse, o espírito de indagação e de cooperação.

Com essa publicação pensamos diminuir o trabalho do professor, sem suprimir a iniciativa e a colaboração dos alunos na pesquisa de conhecimentos de que necessitam para aprender (Espinheira, 1935aEspinheira, A. (1935a). Ciências sociais (Vol. 3, 2a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 7).

Essas ressalvas eram importantes para que atendessem às proposições do Programa de ciências sociais, que orientava: “É o interesse da criança que deve servir de guia para a execução de um programa que só o professor conhece - é o programa atual em perpétua reorganização” (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934, p. 22).

A coleção didática

Ariosto Espinheira escreveu uma variedade de títulos e temas, pertencentes a diferentes áreas de conhecimento, demonstrando a versatilidade dos autores do seu tempo na produção de obras destinadas à escola. E, em especial na série Ciências sociais, revela o forte vínculo entre uma obra didática e os programas escolares oficiais, como é possível constatar nas relações entre os conteúdos e a metodologia de sua coleção e o que foi proposto pelo Departamento de Educação do Distrito Federal de 1934.

As fontes documentais analisadas aqui foram basicamente as referências do programa escolar oficial e os volumes localizados da coleção. No segundo caso, os livros, como outras produções humanas, foram concebidos como documentos históricos e o esforço foi dar conta de entender suas complexidades enquanto obras, ou seja: autoria, composição editorial, os contextos das edições, a disciplina escolar, as finalidades didáticas, conteúdos, métodos de ensino, iconografia, referências bibliográficas etc.

Nesse esforço, inicialmente, é possível identificar algumas de suas características. No caso da composição editorial, como era frequente nas produções didáticas da época, em todos os volumes, o autor assumia a responsabilidade pela produção tanto dos textos como das imagens. Objetos, personagens, paisagens, mapas foram todos assinados pelo autor, inclusive os desenhos das capas. E, de modo correto, também deixou registros das referências dos artistas em quem se baseou, como no caso nas obras de Debret, indicadas em letras diminutas e acompanhadas com identificações do copista - “AE” ou “A. Espinheira”. Por conta dessas múltiplas funções do autor, seus livros exemplificam a história de como a equipe editorial, daquela época, devia ser muito reduzida.

A obra Ciências sociais revela seu contexto. Dela é possível generalizar o fato de que o livro didático pode ser uma fonte documental importante para o estudo da história da educação brasileira. E, como ela, os manuais escolares em geral sinalizam as concepções educacionais do período de sua publicação e uso; evidenciam as disciplinas ministradas nas escolas, a seleção de conteúdos e as escolhas de proposições didáticas e metodológicas presentes no cotidiano escolar; expõem interpretações, aproximações ou distanciamentos daquilo que tem sido estudado em sala de aula em relação aos programas curriculares e às políticas públicas de difusão de valores; e demonstram a iniciativa e o interesse comercial de editoras na materialização de obras (mercadorias) para atender às expectativas de consumo de um mercado aberto pelo sistema educacional.

No caso dos livros de Espinheira, na análise de sua materialidade, constata-se que eles eram semelhantes aos demais livros escolares de sua época: pequenos, com capa dura e possível de segurá-lo com uma única mão, ao longo de uma situação de leitura. Os volumes eram iguais entre si, medindo quinze por vinte centímetros. Variavam quanto ao número de páginas. E cada volume possuía uma imagem sugestiva na capa a respeito do tema principal a ser estudado. Neste sentido, vale descrever os desenhos, para depois relacioná-los como os valores difundidos pela coleção.

O volume I da série, na sua 9ª edição, datado de 1939, possuía 87 páginas, com ilustrações do autor, com 26 textos para leitura. Na capa havia um desenho de uma paisagem com um sol nascendo e uma mãe abraçada ao seu filho e apontando na direção de um caminho e de um prédio, onde se via escrito “Escola”.

O segundo volume da série, na sua 16ª edição, datado de 1941, era igualmente um pequeno livro de capa dura, com 88 páginas, com ilustrações do autor e 26 textos para leitura, com notas no final de cada um deles sugerindo outras possibilidades de temas de estudo, apresentados como “Trabalhos correlatos”. Na capa, havia um desenho representando um menino e uma menina com uniforme e material escolar, caminhando ao lado de um cachorro e observando de cima de uma montanha a paisagem do Rio de Janeiro, e a cidade, o Pão de Açúcar, o relevo e o mar (Figura 1).

Figura 1
Capas dos dois primeiros volumes da Coleção Ciências sociais de Ariosto Espinheira

De modo semelhante, o terceiro volume, na 2ª edição de 1935, com 80 páginas, com 18 textos, tinha uma capa com desenho, assinado pelo autor, de um menino com uniforme (camisa e gravata) lendo um livro e, na mesa, um globo terrestre.

No quarto volume, edição de 1935, com 128 páginas, com 31 textos para leitura, na capa o desenho retratava uma menina e um menino de uniformes, segurando um mapa plano da América do Sul, com destaque para o território brasileiro. E, no quinto volume, nas edições de 1937 e 1939, com 212 páginas e 42 textos de leitura, na capa estão dois desenhos: um deles é um avião voando, junto com um poste elétrico de um lado e, do outro, uma torre de rádio com ondas que se expandem; e o outro desenho, na parte debaixo da capa, é uma cena de zona rural, com uma estrada de terra e um carro, um campo com gado, uma plantação com um homem e uma mulher plantando e no fundo uma casa com fumaça saindo da chaminé.

Alguns volumes, da edição de 1945, podem ser encontrados na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Nesta edição, todos os livros da coleção recebem a mesma capa: no lado esquerdo, uma cena de zona rural, com trator, luz elétrica e campo cultivado, indicando o “desenvolvimento” no interior do país; no lado direito, desenho de trem, navio, chaminés de fábrica, prédios e torre de transmissão de rádio, sugerindo a presença de uma vida urbana, fabril e de “progresso”; e, no centro e em cima, o planeta Terra e um avião. O desenho da capa parece indicar uma preocupação com a atualização da coleção diante das mudanças que ocorriam no país. Assim, a imagem construída para o Brasil era de integração entre o campo e a cidade e de uma economia que progredia com a expansão da indústria.

Quanto aos conteúdos, os textos do primeiro volume, seguindo o programa de 1934, apresentava a função da escola como sendo extensão da família, voltada para a aprendizagem e compreensão de tudo que se vê e tudo que nos cerca. A leitura do texto indicava que nela era possível aprender sobre o que se deve fazer em casa e na rua e como ajudar os pais, valorizando a camaradagem, a harmonia e a disciplina. Os pequenos textos propunham estudos de hábitos básicos das vivências cotidianas, distribuídos em diferentes espaços de composição do livro: a saúde garantida pela boa higiene, boa alimentação, postura do corpo e vestimentas corretas. Outros textos, intercalados entre si, indicavam temas diversos, sem uma ordem que os interligassem: o estudo dos pontos cardeais, as constelações de referências no céu do Brasil, as estações do ano, as datas cívicas nacionais, as doenças e como evitá-las, quais os valores e comportamentos adequados nas relações com as pessoas, os tipos de nuvens, a chuva, os ventos, as plantas, os animais, as fábricas e o comércio.

No segundo volume da série, como indicava o programa oficial, os textos apresentavam a vida na comunidade. Assim, nas férias, em visita a uma fazenda, a história relacionava a vivência rural com os estudos escolares do ano anterior: observar as plantas, saber como se faz a manteiga e o queijo, como se prepara o couro e se corta a madeira, como se colhem as frutas e os cereais. E uma pequena frase concluía: “[...] aprenderam a utilidade de muitas coisas que antes pareciam sem valor” (Espinheira, 1941Espinheira, A. (1941). Ciências sociais (Vol. 2, 16a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 8.). Nos capítulos seguintes, diferentes aspectos da vida social eram apresentados: tipos de moradia e seus respectivos materiais de construção e desenho arquitetônico; matérias-primas para as construções e como eram obtidas ou produzidas, como a pedra, o tijolo, a madeira, o ferro e o vidro. E o tema mudava para os estudos do planeta, sua rotação em relação ao Sol e a sua superfície de terra e água. Na sequência, eram apresentadas as matérias-primas para confecção de vestimentas: algodão, linho, lã, seda, couro. E ainda os textos contavam do que eram feitos os alimentos: trigo, fermento, café, chocolate, açúcar, vegetais e animais. Por fim, os textos tratavam dos meios de comunicação e da segurança e assistência pública.

No terceiro volume, na 2ª edição de 1935, os conteúdos também seguiam o programa de Ciências Sociais. Iniciavam com apresentação dos indígenas brasileiros, onde viviam no território na época da chegada de Cabral, e seguia apresentando a alimentação, habitação, os costumes e sua permanência ao longo do tempo. Depois, iniciava uma série de leituras sobre os povos e animais africanos, das regiões frias e das regiões temperadas. E as leituras seguintes eram sobre diferentes países e seus costumes, incluindo os europeus, iniciando por Portugal, e depois do Oriente, Japão e China, sugerindo a intenção de difundir uma identidade universal13 13 Os conteúdos no livro do 3º ano de Ariosto Espinheira, da edição de 1945, encontrada na Biblioteca Nacional, incluíam temas diferentes da edição de 1935, ou seja, eram ligados à alimentação, rotação da Terra, acidentes geográficos, símbolos nacionais, história do descobrimento do Brasil, a história dos povos indígenas e seus costumes (alimentação, habitação, religião, armamentos, artes), a história da cidade do Rio de Janeiro, os estados brasileiros, os rios nacionais, a vida humana no Brasil em diferentes regiões (seringueiro, fazendeiro, garimpeiro), as riquezas agrícolas e minerais do Brasil, a independência e a República. .

No quarto volume da série, na edição de 1935, os textos tratavam da história do Brasil, como indicava o programa oficial, iniciando com o descobrimento, colonizadores, costumes, governadores, escravidão, jesuítas, confederação dos tamoios, invasões estrangeiras, revoltas, a corte portuguesa e a independência, culturas agrícolas ao longo do tempo (açúcar, algodão, cacau, café), fim da escravidão, imigração, indústria, comércio e transporte.

No quinto volume da série, nas edições de 1937 e 1939, era mantida a orientação de comparar presente e passado, iniciando com a vida no campo no Brasil, para depois apresentar textos sobre o início da agricultura na antiguidade oriental, feudalismo na Europa e os árabes. Voltava para a história da agricultura brasileira, a agricultura mundial, o milho, a cana, o algodão, o cacau, o fumo, o trigo, o arroz, o mate, a borracha, a madeira, a pecuária, minérios, indústria e transporte.

Formas e propostas didáticas

Os livros da coleção de Ariosto Espinheira eram de leitura, sem proposição de exercícios ou questionários. Os textos eram organizados em pequenas lições escritas com letras grandes, com algumas em caixa-alta, para especificar um tema, personagem ou conteúdo importante. E, na constituição da estrutura dos textos, o autor intercalava uma narrativa de vivência do cotidiano da escola e da casa e falas de oralidade dos personagens. No volume I, o menino contava para os pais o que estudou na escola sobre a importância da alimentação. Em outro texto, era uma menina da classe que contava sobre as diferenças de temperaturas ao longo das estações, e, em outra situação, prevalecia a fala da professora respondendo a questões formuladas pelos estudantes. Junto com textos simples, com o tom da oralidade, as páginas possuíam muitas ilustrações, que ocupavam metade ou um terço delas: árvores, personagens históricos, diferentes tipos de moradias, processo de fabricação de tijolos, croquis de paisagens, animais, pessoas trabalhando etc.

Organizados como textos de leitura, as narrativas incluíam personagens e suas indagações diante dos temas estudados. O personagem principal da coleção era um menino chamado Luiz, que dialogava com sua mãe, a professora e seus colegas de classe. No volume I, Luiz começava a aprender sobre o mundo. Inicialmente, a mãe lhe contava uma história sobre a educação de uma criança Zulu, que aprendia com os pais a caçar, a sobreviver sozinho no mato, fazendo fogo, encontrando seu alimento, montando seu abrigo. O texto apresentava, assim, a questão: como Luiz iria aprender a viver no mundo também?

Quando D. Iracema acabou de contar a história, disse o Luiz.

- Mamãe, eu queria aprender a viver como os Zulus.

- É muito fácil, meu filho. Você irá à escola e aí aprenderá aquilo que precisa para viver bem (Espinheira, 1939Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 5, 4a ed.). J. R. de Oliveira & Cia. p. 13).

A capa do livro possuía essa mesma mensagem. O texto e o desenho estavam de acordo com as ideias defendidas por Delgado de Carvalho, que afirmava que a escola não podia se desinteressar da vida social e permanecer estranha aos problemas da comunidade que representava. Assim, era mediadora no processo de formação das crianças, e cabia a ela despertar no aluno um interesse “ativo” por tudo quanto estava a sua volta. E, seguindo esse princípio, Ariosto Espinheira explicitava, no texto de leitura proposto às crianças, a concepção da escola de estar integrada à vida da comunidade.

- Mas, mamãe, na escola só irei aprender leitura, caligrafia, contas, geografia e história do Brasil [...]

E, além disso, a escola deve ser muito aborrecida com as lições, os castigos, as prisões [...]

- Não, Luiz, a escola é muito diferente do que você pensa; é a continuação de sua casa [...]

Você viverá em uma grande família [...]

A professora ensinará tudo de que você precisar para viver bem, com alegria e felicidade, como os pequenos Zulus [...]

Aprenderá a ser homem e homem útil [...] (Espinheira, 1939Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 5, 4a ed.). J. R. de Oliveira & Cia. p. 13-14).

No livro didático, assim como na proposta de estudos sociais do Distrito Federal, a escola não abandonava sua vocação letrada e de difusão do saber científico. E incorporava a ideia de continuidade da família e de sua integração com a sociedade, que, por sua vez, requeria que a escola formasse “homens úteis” a ela. Nos textos de leitura, os trabalhadores da comunidade tornavam-se tema de estudo e compartilhavam seus conhecimentos. Este é o caso do texto do livro do vol. 2, no qual dizia: “Os alunos iam correndo toda a construção e fazendo mil perguntas aos operários. Viram tudo, e tudo o que viram foi explicado por eles” (Espinheira, 1941Espinheira, A. (1941). Ciências sociais (Vol. 2, 16a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 15).

Da perspectiva do método de ensino, a série de Ciências Sociais continha textos a serem lidos e debatidos e orientações de atividades práticas, junto com sugestões de vivências, a partir dos temas estudados, que seguiam as indicações presentes no Programa de 1934. Mesmo no estudo de temas relacionados às tradições das datas cívicas nacionais, existia a preocupação de orientar como podiam ser vivenciadas. Eram sugeridas atividades de desenho, álbuns de figurinhas, dramatizações, leituras de poemas e contos referentes às datas.

No volume IV da coleção, encontramos a seguinte composição: na capa um desenho de uma menina e um menino segurando um mapa da América do Sul, com a demarcação do território brasileiro. E, coerente com o desenho, os textos de leitura tinham como títulos: “Descobrimento do Brasil”, “Os colonizadores”, “Como era o Brasil quando começou a ser colonizado”, “Como viviam os colonizadores” etc. Os textos apresentavam tanto conteúdos recorrentes da história nacional quanto sugestões metodológicas de como desenvolvê-los. No caso do estudo do descobrimento do Brasil, os personagens da leitura tinham a responsabilidade de executar um projeto dado pelo professor - “O Brasil-Colônia” -, que requeria pesquisa, consulta a livros e produção de texto a ser lido em classe. Por meio do texto, escrito pelos personagens fictícios, o autor apresentava datas, nomes e questões envolvendo a chegada dos portugueses ao Brasil (Espinheira, 1935bEspinheira, A. (1935b). Ciências sociais (Vol. 4, 1a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.).

Essa história política de feitos heroicos era mesclada com histórias do cotidiano colonial brasileiro, a partir de temas como alimentação, moradias, vestuário, educação, festas, brincadeiras e meios de transporte. Nas notas dos finais dos capítulos, eram introduzidas outras sugestões de atividades, envolvendo distintas áreas de conhecimento e o cotidiano do aluno, como: apresentar o globo e mapas com trajetos de viagens dos colonizadores, plantar produtos agrícolas no jardim da escola, ferver água salgada para obter sal, colecionar fotografias ou gravuras de coisas, usos e costumes coloniais, plantar algodão, tecer pano etc.

Do ponto de vista do discurso pedagógico, prevaleciam nos volumes valores nacionais (heróis e datas), a ideia de progresso e desenvolvimento do país, de integração e harmonia social, de bom comportamento e boa educação, de lealdade com os colegas, bons hábitos de saúde e higiene, e de cuidado com o corpo14 14 Os textos do livro I sugeriam aos alunos a ideia de que o corpo era uma máquina (todas as suas peças deviam funcionar bem), que devia ser mantido ereto, sendo necessário tomar banho frio para se ter saúde, evitar comer pastéis, empadas e doces, escovar os dentes, tomar vacinas etc. e as vestimentas. Além disso, estavam presentes a prevenção de doenças, os conhecimentos necessários para o entendimento dos elementos da natureza e da vivência na sociedade, a utilidade dos elementos naturais, a valorização do trabalho e da transformação da natureza pelos humanos e a distinção entre costumes de povos e entre a cidade e o campo. Todos os temas estavam presentes no Programa de 1934, com funções pedagógicas de integração dos aspectos variados que envolviam a vida da criança no mundo, incluindo sua integridade física e o ambiente natural que a cercava.

No final de cada texto dos diferentes livros, o autor incluía uma nota com sugestões de atividades e de “trabalhos correlatos”, como escreveu na apresentação do primeiro volume. No texto inicial do volume I, que recebia o título Uma história verdadeira, uma mãe contava ao filho sobre uma família muito grande de “selvagens”, chamados Zulus, no sul da África. Na nota, o autor recomendava: “As crianças poderão improvisar camas e abrigos de folhagens. Modelarão pratos e panelas de barro. Farão arcos e flechas com bambu; tangas e coroas de penas” (Espinheira, 1939Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 5, 4a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 12)15 15 A transcrição respeitou a grafia do documento. .

No mesmo livro, no texto sobre “A saúde. A alimentação. Os dentes”, o autor complementava depois, reproduzindo as indicações de atividades propostas no Programa do Distrito Federal:

Após a merenda as crianças poderão escovar os dentes para aprender a desempenhar convenientemente esse trabalho (Progr., p. 35).

O professor promoverá a organização de diversas refeições (café, almoço, jantar, etc.) (Progr., p. 38).

TRABALHOS CORRELATOS: Compras no armazém. Arranjo de um armazém na escola. Quitanda. Feira. Leitaria. Padaria (Espinheira, 1939Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 5, 4a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 20)16 16 Onde se lê (Progr., p.), significa a indicação da página do Programa de ciências sociais na qual é possível achar a sugestão da atividade. .

Cada tema estudado era ampliado com estas sugestões de vivências. No volume II, sobre o algodão e as vestimentas, os “trabalhos correlatos” indicavam como possibilidade: compra de pano, corte de moldes e confecção de roupas de bonecas. Para o tema da feitura do pão, havia a indicação de serem lidas receitas de biscoito, doces e bolos; e fazer pão de trigo e milho.

Nos volumes IV e V, algumas notas de fim de página deixaram de ser designadas como “trabalhos correlatos”, e certas notas passaram a apresentar observações sobre como abordar determinado aspecto do tema. No volume IV, no texto sobre os colonizadores, a nota dizia:

Nota: O professor mostrará no mapa as povoações fundadas pelos 1os colonizadores. Chamará a atenção da localização dessas feitorias - próximo ao mar - para maior facilidade de comunicação com o reino e com as outras povoações (Progr. pg.33) (Espinheira, 1935bEspinheira, A. (1935b). Ciências sociais (Vol. 4, 1a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 19).

A coleção, o autor e a editora

A editora, por diferentes razões, enviou os exemplares de livros da coleção para escolas. O resultado foi o recebimento de cartas de retorno, sendo que algumas delas foram publicadas na primeira edição do volume IV, no final do livro. Foram então reproduzidas cinco mensagens enviadas por docentes, elogiando a série, que foram atenciosamente assinadas com as seguintes referências: “sua colega muito grata”, “sua admiradora”, “amo. ato. e admor”17 17 Provavelmente, as abreviaturas podem significar: “amiga, atenta e admiradora”. , “alunos e professores da Escola Celestino da Silva” e “sempre amigo e colega” (Espinheira, 1935bEspinheira, A. (1935b). Ciências sociais (Vol. 4, 1a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., p. 129 e 130).

Uma das cartas avalia como excelente coleção. Outra agradece a oferta pelo empenho em facilitar “[...] o progresso da educação pelo enriquecimento da literatura didática”. Outra afirma que realizou a leitura das provas do livro e que serão “bons auxiliares de ensino às mãos de professores”. Outra carta assegura que os três volumes proporcionaram “[...] um grande prazer: o de verificar mais uma vez o quanto a nossa literatura didática está progredindo”. E, continuando, escreve: “[...] além da satisfação que tive, como professora, em ler os seus livros, muito me orgulhei, como diretora da Escola Amaro Cavalcanti, em assumir a mais um triunfo de um dos dignos e ilustres membros do seu corpo docente”. E ainda em outra carta, a autora esclarece que atrasou enviar o agradecimento porque “[...] só hoje professoras e alunos terminaram a mais satisfatória das experiências, aplicando-os em classe” (Espinheira, 1935bEspinheira, A. (1935b). Ciências sociais (Vol. 4, 1a ed.). J. R. de Oliveira & Cia. , p. 129 e 130).

Como podemos ler nestas correspondências, na avaliação de alguns professores, e também pelo número de edições da coleção, que até o ano de 1945 estava sendo publicado (segundo os exemplares encontrados), esta produção didática provavelmente teve uma boa repercussão editorial.

Para avaliar o valor de cada livrinho no mercado daquela época, podemos observar nas capas, nos versos destes livros, propagandas de outros manuais e de livros de estudo, além de indicar o valor de compra de cada edição.

O CAMINHO DA VIDA - Profa. Alda P. da Fonseca - Livro de que o aluno sai duplamente aproveitado, desperta-se-lhe o amor à leitura e incutem-se-lhe conhecimentos utilíssimos para a vida prática........... 4$000.

POLIDEZ INFANTIL - Marx Yantok - Livro que, ministrando úteis conselhos de boas maneiras, é, ao mesmo passo, leitura agradabilíssima pela leveza do estilo.... 4$000 (Espinheira, 1935aEspinheira, A. (1935a). Ciências sociais (Vol. 3, 2a ed.). J. R. de Oliveira & Cia., capa de verso).

No caso dos exemplares da coleção de Espinheira, eles custavam de 3$000 a 5$000, equivalente ao valor de um livro médio atualmente18 18 Na época, a moeda era o “mil réis” e era possível comprar com este valor cinco quilos de arroz ou dois quilos de café (O Paiz, 1934). .

Considerações finais

Ao longo do texto, a escolha foi apresentar a confrontação entre o Programa de ciências sociais de 1934 e a coleção de Ariosto Espinheira, favorecendo entender um determinado contexto histórico em que a obra didática materializou e possibilitou difundir conteúdos e proposições atribuídos ao ensino de Ciências Sociais, no cotidiano de salas de aula, nas escolas elementares do Rio de Janeiro, a partir da década de 1930. Ao mesmo tempo, assinalar como a coleção favoreceu difundir as Ciências Sociais como uma disciplina escolar e formar profissionais para lecioná-la no início da escolaridade. E permitiu relacionar o que era ensinado na escola com os debates de educadores da época: a influência das ideias norte-americanas no Brasil e as diretrizes educacionais gestadas por intelectuais brasileiros para a educação nacional.

Do ponto de vista dos valores, a análise dos conteúdos demonstrou o que se esperava da formação das novas gerações: sentimentos nacionais, a ideia de progresso e desenvolvimento do país, a integração e harmonia social, bom comportamento, boa educação e bons hábitos de saúde e higiene. Além disso, através de seus textos e imagens, esperava-se que as crianças dominassem conhecimentos necessários para o entendimento dos elementos da natureza e da vivência na sociedade, a valorização do trabalho e a integração entre a cidade e o campo. Nesta perspectiva, a proposta pedagógica tinha por finalidade mudar o rumo da formação das novas gerações, adequando-a ao projeto de modernidade da sociedade, que se urbanizava e industrializava.

O estudo da coleção indicou, ainda, as especificidades das produções editoriais, quanto ao tamanho, formato, linguagens e suas características artesanais, como indicam as ilustrações dos pequenos livros da coleção, que eram produzidas pelo próprio autor e coloridas pelas crianças que neles estudavam. Tais detalhes editoriais e do seu uso contam a história do livro escolar e uma de suas finalidades: a de serem portadores de valores até nos pequenos pormenores de sua composição.

Existem muitas possibilidades para conhecer determinadas conjunturas da educação brasileira. Neste texto, a escolha foi evidenciar o valor histórico e documental dos livros didáticos nas suas relações e imersão no sistema educacional. Eles se inserem em contextos e em longas temporalidades, entrelaçando currículos, disciplinas escolares e projetos educacionais, políticos, sociais e econômicos das sociedades.

Referências

  • Ariosto Espinheira - nosso patrono. 2013. Recuperado de: http://emariostoespinheira.blogspot.com/2013/06/ariosto-espinheira-nosso-patrono.html
    » http://emariostoespinheira.blogspot.com/2013/06/ariosto-espinheira-nosso-patrono.html
  • Bittencourt, C. (2014). Alain Choppin e seu legado como historiador e educador. In M. R. L. Mortatti, & I. C. A. Silva Frade (Orgs.), História do ensino de leitura e escrita: métodos e material didático (pp. 43-60). Editora Unesp.
  • Cambi, F. (1999). História da pedagogia. Editora UNESP.
  • Choppin, A. (2002). O historiador e o livro escolar. Revista História da Educação - UFPE, 6(11). Recuperado de: https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/30596/pdf
    » https://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/30596/pdf
  • Choppin, A. (2004). História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Revista Educação e Pesquisa, 30(3), 549-566. Recuperado de: https://www.scielo.br/j/ep/a/GNrkGpgQnmdcxwKQ4VDTgNQ/
    » https://www.scielo.br/j/ep/a/GNrkGpgQnmdcxwKQ4VDTgNQ/
  • Dewey, J. (1916). Democracy and education. Recuperado de: https://www.gutenberg.org/files/852/852-h/852-h.htm
    » https://www.gutenberg.org/files/852/852-h/852-h.htm
  • Departamento de Educação do Distrito Federal. (1934). Programa de ciências sociais: escola elementar. (Vol. 1, Série C. Programas e guias de ensino, n. 4, Edição preliminar). Companhia Editora Nacional.
  • Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 1, 9a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.
  • Espinheira, A. (1941). Ciências sociais (Vol. 2, 16a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.
  • Espinheira, A. (1935a). Ciências sociais (Vol. 3, 2a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.
  • Espinheira, A. (1935b). Ciências sociais (Vol. 4, 1a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.
  • Espinheira, A. (1939). Ciências sociais (Vol. 5, 4a ed.). J. R. de Oliveira & Cia.
  • Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos [INEP]. (1955). Ciências Sociais na escola elementar para o curso preliminar (1ª à 5ª série) (Coleção Guias de ensino e livros de textos - série I, v. 4). Rio de Janeiro.
  • O manifesto dos pioneiros da educação nova. (1932). Recuperado de: https://www.histedbr.fe.unicamp.br/pf-histedbr/manifesto_1932.pdf
    » https://www.histedbr.fe.unicamp.br/pf-histedbr/manifesto_1932.pdf
  • Meucci, S. (2000). A institucionalização da sociologia no Brasil: os primeiros manuais e cursos [Dissertação de Mestrado]. Departamento de Sociologia do IFCH, Unicamp. Recuperado de: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/praxis/254/Dissertacao_Meucci_.pdf?sequence=1&isAllowed=y
    » https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/praxis/254/Dissertacao_Meucci_.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  • Meucci, S. (2007). Os primeiros livros didáticos de sociologia no Brasil. Estudos de Sociologia, 6(10). Recuperado de: https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/184
    » https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/184
  • Meucci, S. (2020). Os livros didáticos da perspectiva da sociologia do conhecimento: uma proposição teórica-metodológica. Revista Brasileira De História Da Educação, 20(1), e098. Recuperado de: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/51250/751375149101
    » https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/51250/751375149101
  • O Paiz. (1934, 25 de março). p. 9.
  • Paulilo, A. L. (2005). O cosmopolitismo beligerante: a reconstrução educacional na capital do Brasil entre 1922 e 1935. CPDOC/FGV. Estudos Históricos, (35). Recuperado de: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2237.
    » https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2237.
  • Social studies in secondary education. (1916). Government Printing Office. Recuperado de: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED542444.pdf
    » https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED542444.pdf
  • Zanatta, B. A. (2012). O legado de Pestalozzi, Herbart e Dewey para as práticas pedagógicas escolares. Teoria e Prática da Educação, 15(1). Recuperado de: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/TeorPratEduc/article/view/18569
    » https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/TeorPratEduc/article/view/18569
  • Nota:

    Este artigo faz parte do dossiê História da Educação e o ensino das Ciências Sociais, cujo edital foi lançado em 4 de abril de 2023.
  • Rodadas de avaliação:

    R1: quatro convites; três pareceres recebidos.
  • Financiamento:

    A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 12/2022) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 1
    O mesmo programa foi publicado posteriormente na seguinte edição: Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos [INEP] (1955).
  • 2
    Os estudos de Choppin possibilitaram ampliar os critérios para análises dos livros didáticos. Segundo Bittencourt (2014, p. 43), que partilhou pesquisas com o autor, “[...] os livros didáticos eram analisados, quase que exclusivamente, como veículos de inculcação ideológica da classe social dominante e, sob essa vertente, eram considerados os vilões, por excelência, da vida dos professores e alunos. Os questionamentos sobre essa forma exclusiva de entendimento do livro didático surgiram imediatamente para Alain Choppin, em suas atividades no magistério, e se estenderam ao desenvolver suas pesquisas no Service d’Histoire de l’ Éducation (SHE), setor do Institut National de Recherche Pédagogique (INRP)”.
  • 3
    Para conhecer o contexto de mudanças educacionais do Rio de Janeiro entre 1920 e 1935, consultar Paulilo (2005); e para conhecer o debate educacional da época, na perspectiva dos estudos sociológicos, consultar a dissertação de mestrado de Meucci (2000).
  • 4
    John Dewey (1859-1952) foi pedagogo norte-americano, considerado fundador da psicologia da adolescência e que elaborou uma filosofia centralizada na noção de “experiência”, vista como intercâmbio ativo, transformador e contínuo entre sujeito e natureza. Nessa perspectiva, concebia a ideia de que cabe ao sujeito o desenvolvimento e o controle da experiência por meio do uso de princípios racionais da ciência moderna. Procurou criar uma epistemologia orientada para a prática, desenvolvendo a lição do pragmatismo metódico, ligado à ideia de razão aberta, colocada como instrumento na complexa dinâmica da experiência, individual e histórica (Cambi, 1999).
  • 5
    Para conhecer as formulações teóricas dos pensadores educacionais do início do século XX, que incluem Dewey, consultar Zanatta (2012).
  • 6
    Em, 1916, John Dewey publicou Democracy and education, com um capítulo que recebia o título: “The significance of geography and history”. Nele, o autor propõe a integração das disciplinas de História e Geografia por meio de estudos das experiências humanas sociais e naturais (Dewey, 2015).
  • 7
    Na apresentação do Programa... (Departamento de Educação do Distrito Federal, 1934, p. 18) Delgado de Carvalho explica a fonte norte-americana que subsidiou a proposta: “Entre todos os programas de Ciência Social, organizados sobre os princípios que regem a Escola Progressiva, foram escolhidos aqui os de Denver (Colorado), que representam o trabalho de uma comissão de técnicos”. E complementa: “Bem entendido, não foi fácil e simples imitação destes programas que aqui foi visada; a adaptação foi tentada de modo geral, mas levando em conta nossas condições locais”.
  • 8
    A introdução do programa, com descrição de cada finalidade do ano escolar, foi escrita por Inácia Ferreira Guimarães, Chefe da Seção de Programas e Atividades Extraclasse.
  • 9
    Segundo Choppin (2002, p. 20), “[...]é a associação de quatro critérios que podem, então, lhe dar uma indicação sobre a difusão de um livro escolar: a duração da vida editorial (diferença entre as datas da última e da primeira edição); o número de edições declaradas (mas a estratégia dos diferentes editores não é idêntica e a realidade das edições anteriores não é sempre assegurada); o número das edições indicadas pelas bibliografias; e, por fim, o número de exemplares conservados. Tal escolha é legítima, mas é preciso estar consciente do que isso implica: esse tipo de técnica de amostragem de ser justificada sob um ponto de vista econômico (produção e difusão) ou na hipótese - tradicional - de uma influência dos manuais sobre a formação das mentalidades. Ao contrário, sob o ponto de vista da produção intelectual, levar também em conta os menos utilizados poderia por em evidência inovações, que são geralmente imperceptíveis, que digam respeito aos conteúdos, aos métodos, às estratégias pedagógicas, à paginação ou à tipografia, etc.; isso exposto, é necessário ser realista e convincente nas argumentações metodológicas que visam legitimar, definitivamente o uso único de alguns manuais que puderam ser encontrados (o que, se conhecer a história do acervo, também é significativo)”.
  • 10
    Esse autor ficou conhecido por publicar, a partir de 1939, pela Companhia Editora Nacional, Viagem através do Brasil, com volumes sobre a Amazônia, o Nordeste, o Brasil Oriental, o Brasil Meridional, o Brasil Central e o Distrito Federal. Foi autor também da coleção didática para as séries primárias Ciências naturais, pela editora J. R. de Oliveira & Cia, cuja 2ª edição data de 1938; e Infância brasileira, publicada pela Nacional, 1956. Publicou ainda, na Coleção Didática do Brasil, Série Ginasial, o vol. 27, Geografia do Brasil, sendo o vol. I destinado à 3ª série e o II à 4ª série do curso ginasial, publicados pela Editora do Brasil, em 1944. Atualmente, uma escola do Rio de Janeiro recebe o nome do autor - E. M. Ariosto Espinheira. No blog da escola, há sua biografia, apresentando suas obras, onde trabalhou como docente e algumas memórias de antigos alunos que estudaram a partir de seus livros (Ariosto Espinheira, 2013.
  • 11
    Na 16ª edição, de 1941, do Vol. II, está ausente o vínculo do livro com o programa de 1934.
  • 12
    Inácia Ferreira Guimarães era, naquele contexto, chefe da Secção de Programas e Atividades Extraclasse, do Instituto de Pesquisas Educacionais do Departamento de Educação do Distrito Federal.
  • 13
    Os conteúdos no livro do 3º ano de Ariosto Espinheira, da edição de 1945, encontrada na Biblioteca Nacional, incluíam temas diferentes da edição de 1935, ou seja, eram ligados à alimentação, rotação da Terra, acidentes geográficos, símbolos nacionais, história do descobrimento do Brasil, a história dos povos indígenas e seus costumes (alimentação, habitação, religião, armamentos, artes), a história da cidade do Rio de Janeiro, os estados brasileiros, os rios nacionais, a vida humana no Brasil em diferentes regiões (seringueiro, fazendeiro, garimpeiro), as riquezas agrícolas e minerais do Brasil, a independência e a República.
  • 14
    Os textos do livro I sugeriam aos alunos a ideia de que o corpo era uma máquina (todas as suas peças deviam funcionar bem), que devia ser mantido ereto, sendo necessário tomar banho frio para se ter saúde, evitar comer pastéis, empadas e doces, escovar os dentes, tomar vacinas etc.
  • 15
    A transcrição respeitou a grafia do documento.
  • 16
    Onde se lê (Progr., p.), significa a indicação da página do Programa de ciências sociais na qual é possível achar a sugestão da atividade.
  • 17
    Provavelmente, as abreviaturas podem significar: “amiga, atenta e admiradora”.
  • 18
    Na época, a moeda era o “mil réis” e era possível comprar com este valor cinco quilos de arroz ou dois quilos de café (O Paiz, 1934).

Editores-associados responsáveis:

Amurabi Oliveira (UFSC)
E-mail: amurabi1986@gmail.com
Cristiano Bodart (UFAL)
E-mail: cristianobodart@gmail.com
Raquel Discini de Campos (UFU)
E-mail: raqueldiscini@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2023
  • Aceito
    16 Jan 2024
  • Publicado
    24 Jun 2024
Sociedade Brasileira de História da Educação Universidade Estadual de Maringá - Av. Colombo, 5790 - Zona 07 - Bloco 40, CEP: 87020-900, Maringá, PR, Brasil, Telefone: (44) 3011-4103 - Maringá - PR - Brazil
E-mail: rbhe.sbhe@gmail.com