Open-access Orquestrando parques tecnológicos como Política Pública para o desenvolvimento econômico regional: uma avaliação do Sistema Paulista de Ambientes de Inovação

Orchestrating technology parks as a Public Policy for regional economic development: an assessment of the São Paulo System of Innovation Environments

RESUMO

Visando acelerar a complexidade da economia do Estado de São Paulo, o Sistema Paulista de Ambientes de Inovação (SPAI) foi concebido para orquestrar a implantação de parques tecnológicos em alguns dos seus municípios. Após praticamente uma década de existência, esta política regional começa a ser questionada no que diz respeito ao desempenho dos seus parques, que deveriam gerar impactos positivos nas regiões onde se localizam. A origem destes questionamentos está no divórcio entre o arcabouço e o desenho institucional do SPAI e a lógica do modelo da política de parques tecnológicos. O principal objetivo deste artigo é analisar a forma pela qual o SPAI tem orquestrado os incentivos para que os parques tecnológicos paulistas promovam o desenvolvimento regional. Para tanto, a metodologia empregada neste artigo combinou pesquisa qualitativa e a construção de um modelo lógico de parques tecnológicos.

KEYWORDS:  Technology park; Regional development; São Paulo System of Innovation Environments; São Paulo

ABSTRACT

Aiming to accelerate the complexity of the economy of the State of São Paulo, the São Paulo System of Innovation Environments (SPAI) was conceived in order to orchestrate the implementation of technology parks in some of its municipalities. After almost a decade of existence, this regional policy begins to be questioned with regard to the performance of its parks, which should generate positive impacts in the regions where they are located. The origin of these questions lies in the divorce between the framework and institutional design of SPAI and the logic of the technology parks policy model. The main objective of this article is to analyse the way in which SPAI has orchestrated the incentives for São Paulo technology parks to promote regional development. To do so, the methodology used in this article combined qualitative research and the construction of a logical model of technology parks.

KEYWORDS:  Technology park; Regional development; São Paulo System of Innovation Environments; São Paulo

1. Introdução

Em um mundo cada vez mais caracterizado por uma forte interdependência econômica, em que a contínua expansão geográfica das atividades econômicas ultrapassa largamente as fronteiras nacionais, o desenvolvimento econômico tem estado inextricavelmente associado à complexidade econômica, o que implica transformação estrutural das economias. De fato, economias desenvolvidas são as que possuem um elevado grau de diversificação produtiva, de produtividade e de sofisticação tecnológica dos bens produzidos e comercializados. Esses produtos de alta complexidade tecnológica necessitam de consideráveis redes produtivas. Uma particularidade do atual processo de desenvolvimento econômico é a de que essas redes têm se constituído em suas alavancas, propiciando não só mecanismos de rápida aprendizagem, inovação e modernização industrial, mas também investimentos em novas capacidades produtivas e concretas melhorias na infraestrutura dos países.

Como esse processo ocorre de forma heterogênea dentro dos territórios nacionais, a questão central passa a ser como uma determinada região ou localidade opera nesse contexto complexo e em como ela cria, aprimora e retém valores localmente. Neste sentido, as políticas desenhadas e direcionadas para incrementar o conhecimento produtivo, a diversidade e a sofisticação dos bens produzidos nessas redes são vitais. É dentro desse contexto que os parques tecnológicos assumem importância estratégica, uma vez que eles não só estimulam o processo de inovação, como também dinamizam as economias das regiões em que se localizam. Os atuais parques de terceira geração se transformaram em verdadeiros ambientes de inovação, na medida em que os seus espaços são manifestamente pensados e materializados com o claro propósito de gerar contínuas experimentações e incessantes estímulos a novas interações entre os atores, beneficiando os laços criativos, cooperativos e, sobretudo, inovativos.

Formulada pelo governo do Estado de São Paulo, o Sistema Paulista de Ambientes de Inovação (doravante SPAI) foi constituído para impulsionar a economia paulista e, ao mesmo tempo, acelerar estrategicamente a sua complexificação. Ao escolher, financiar, orientar, fazer parte dos conselhos, monitorar, e avaliar os parques tecnológicos situados nos municípios paulistas, o SPAI concederia os incentivos necessários para que esses arranjos lograssem seus objetivos. Contudo, quase uma década após a sua concepção, incertezas pairam sobre a contribuição real do SPAI para que seus parques tecnológicos produzam os resultados esperados nas regiões onde operam. Essas incertezas decorrem de um aparente divórcio entre o arcabouço e o desenho institucional dessa política regional estadual e a lógica do modelo da política de parques tecnológicos, o que acaba por criar sérios obstáculos para que os parques possam gerar os resultados almejados pelo SPAI.

O objetivo deste artigo é analisar como o SPAI tem orquestrado os incentivos para que os parques tecnológicos por ele apoiados sejam capazes de alcançar os seus fins. Alguns aspectos-chave, que estão inter-relacionados, mostram a relevância da análise aqui efetuada. O primeiro deles diz respeito à imprecisão nos objetivos expressos nos planos da política de parques, o que acarreta não só no descompasso entre incentivos e resultados almejados, mas principalmente no desconhecimento de como essa política deveria ser formulada, implementada e monitorada para que o resultado final pudesse ser avaliado. O segundo aspecto está relacionado à inexistência de análises centradas nas características de políticas públicas dos parques, pois o seu foco tem se baseado nos retornos privados gerados pelos parques tecnológicos. Isto implica que as externalidades positivas a serem geradas pelos parques, em face do seu tremendo potencial, para o conjunto da sociedade são ignoradas, o que justifica o papel dos governos neste tipo de política. Já o terceiro refere-se ao fato de que a literatura sobre avaliação de políticas públicas tem negligenciado os parques, concebidos como ambientes de inovação, como uma política a ser analisada. Nesse sentido, este artigo, ao preencher estas lacunas, contribui não só para estabelecer uma ponte entre as literaturas de parques tecnológicos, com foco no desenvolvimento econômico regional, e a de avaliação de políticas públicas, mas principalmente para estruturar um modelo lógico de avaliação do desempenho dos parques tecnológicos como política pública destinada à promoção do desenvolvimento regional. Além destas contribuições, cabe aqui destacar tanto a originalidade do artigo no tocante à concepção de parques tecnológicos como uma política pública estruturada e à abordagem metodológica empregada para este fim, quanto a inexistência de avaliações sobre o SPAI.

Este artigo está estruturado em cinco seções, além desta introdução. A primeira seção apresenta uma revisão de literatura sobre parques tecnológicos que alimentará a construção de um modelo lógico de avaliação dos parques. Já a segunda seção tem o SPAI como foco de análise. Na terceira seção, configura-se o modelo lógico de parques, que incorpora a metodologia process tracing (mapeamento de processos), considerada a mais indicada para os estudos de caso em que se objetiva analisar os mecanismos causais inerentes aos processos que os influenciaram. A quarta seção discute os resultados que o SPAI tem gerado e na última seção, as considerações finais são tecidas.

2. Revisitando a literatura sobre parques tecnológicos

A vasta literatura sobre parques tecnológicos (BAKOUROS et al., 2002; VEDOVELLO; JUDICE; MACULAN, 2006; ETZKOWITZ, 2008, 2019; HENRIQUES et al., 2018) aponta que a sua origem está nos EUA, especificamente na Califórnia, onde a Universidade de Stanford estabeleceu, em 1951, o primeiro parque tecnológico. Esta experiência foi seguida pela Carolina do Norte, que fundou, em 1959, o Research Triangle Park. Dois aspectos merecem ser salientados. O primeiro é que ambos os parques foram experimentos e não frutos de deliberadas políticas regionais de inovação. Como bem salienta Etzkowitz (2008), o parque científico surgiu como uma espécie de depósito de firmas geradas pelas universidades, as quais pretendiam manter seus laços com as universidades. Isto significa dizer que o parque científico nasceu basicamente como um empreendimento imobiliário, que almejava abrigar firmas voltadas à pesquisa e cuja localização ideal ficava na proximidade das universidades. O segundo aspecto é que o sucesso desta iniciativa estimulou a sua adoção em outras partes do mundo nas décadas subsequentes, como bem ilustram os casos francês com Sophia Antipolis, criado em 1969, e o inglês com o Cambridge Science Park, fundado em 1972.

Os parques tecnológicos ganharam reputação internacional, espalharam-se pelos continentes e tornaram-se, em função do seu potencial, instrumentos de política nacional e regional ao redor do mundo. Não é mera coincidência o fato de Etzkowitz (2008) ter ressaltado que os parques bem concebidos eram instrumentos benéficos para dinamizar as três hélices - universidade, indústria e governo - e, por conseguinte, estimular o processo de inovação. No entanto, o ponto central é que os parques têm sofrido consideráveis mudanças nas suas atividades desde as primeiras experiências na década de 1950 nos EUA e na Europa a partir do fim dos anos 1960.

Neste sentido, Allen (2007) desenvolveu o conceito de “geração” dos parques tecnológicos com o propósito de retratar o seu processo de maturação, ou seja, o seu ciclo de vida. A primeira geração de parques, cujo período se estende do início dos anos 1950 até o fim dos 1980, é caracterizada por uma adequada infraestrutura, pela colaboração com uma ou mais instituições de ensino superior (IES), e pela dinâmica conexão com as IES associadas, em que o objetivo era impulsionar a transferência de tecnologia em apoio à inovação nas firmas localizadas no parque. Já na segunda geração, ocorrida ao longo dos anos 1990, os parques mantiveram as características dos da primeira geração, tornaram-se mais eficientes em termos gerenciais e operacionais e, sobretudo, forneceram infraestruturas de apoio às startups e às firmas de tecnologia em fase inicial, e estabeleceram redes proativas, direcionadas pelas demandas dos seus clientes, em suporte à inovação. Por sua vez, a terceira geração de parques tecnológicos, definida na virada do século, possuem os mesmos atributos dos parques da geração anterior, mas focam na criação de espaços e ambientes talhados para os elevados níveis de criatividade e inovação (ALLEN, 2007; EUROPEAN COMMISSION, 2014).

O fator-chave é que o objeto de atenção dos parques moveu-se, nas palavras de Allen (2007), dos ‘tijolos’ para os ‘cérebros’. O ambiente construído continua sendo de crucial importância, mas não como um fim em si mesmo e sim como um espaço de experimentação e estímulo a novas sinergias entre academia, empresas e governos favorecendo criatividade, interação e inovação. De fato, esses ambientes de inovação, que estão à disposição dos residentes dos parques e que, ao mesmo tempo, servem de magnetos para muitos outros atores, são responsáveis por gerar conexões estratégicas de indivíduos, instituições e recursos em prol da melhoria da produtividade nos processos de elevada complexidade. Esta sinergia entre os diversos atores é essencial para a transformação do conhecimento em produtos ou serviços com alto valor tecnológico adicionado e para a introdução destes no mercado.

Cabe aqui sublinhar que os parques tecnológicos, em face do seu potencial e de suas características, estão indissociavelmente ligados ao desenvolvimento dos sistemas regionais de inovação (SRI). Como integrantes desses sistemas, os parques podem contribuir para o fortalecimento dos SRI através de diversas maneiras, tais como a geração de empregos de elevada qualificação, a difusão de uma cultura de empreendedorismo na região e o estabelecimento de redes ativas de todos os tipos e níveis, etc. Cumpre notar que esta última característica denota uma capacidade inequívoca dos parques de atuar regionalmente e globalmente, sendo que a sua atuação global reverbera positivamente no seu engajamento regional. Além do mais, os parques tecnológicos podem se integrar profundamente ao sistema de inovação arquitetando espaços de cooperação com a finalidade de congregar os diferentes atores regionais envolvidos com a inovação para agir conjuntamente em benefício do desenvolvimento e da ampliação da visibilidade do próprio SRI no qual estão inseridos.

Embora estejam longe de ser uma panaceia, os parques tecnológicos têm sido percebidos como instrumentos valiosos não só para o fortalecimento dos SRI, mas principalmente para a promoção do desenvolvimento econômico regional. Isto tem profundas implicações para a política pública na medida em que um parque tecnológico não deve ser concebido como um empreendimento isolado e fechado. Ele necessariamente tem que estar imiscuído na região que o hospeda e diretamente envolvido com as políticas regionais de inovação. Um aspecto importante de ser ressaltado é o fato de que os parques contribuem tanto para a transformação da estrutura produtiva quanto para o aumento da complexidade econômica das regiões em que estão localizados. É esta preocupação que está por trás das políticas nacionais e regionais de inovação, posto que a trajetória rumo ao desenvolvimento econômico requer necessariamente a diversificação e a sofisticação do tecido produtivo, uma particularidade vivamente atestada pela literatura sobre complexidade econômica (BALLAND et al., 2020; DAVIES; MARÉ, 2021).

Se as características acima parecem inegáveis, a questão crucial passa então a residir na avaliação dos parques como instrumentos de política pública. Este é um desafio concreto em face do caráter singular desta concepção e da própria natureza híbrida entre público e privado dos parques. Como esta revisão tem o propósito de fornecer os insumos necessários para a construção de um modelo lógico de avaliação do desempenho dos parques, foram selecionados, por meio da plataforma Google Scholar e das bases de dados Scielo e Ebsco, sessenta e cinco artigos que estabeleciam a conexão entre parques e desenvolvimento. Dentre esse universo, trinta e cinco artigos tinham o desenvolvimento econômico como foco central. Esta seleção permitiu a elaboração de perguntas-guia (ver Quadro 1), que, por sua vez, possibilitaram a criação das categorias essenciais para a construção do modelo lógico.

Quadro 1
Perguntas-guia para o Modelo Lógico de Parque Tecnológico

É interessante notar que o conjunto mais amplo de artigos apontou para o fato de que a população impactada pela política dos parques tecnológicos não se restringe às cidades em que estes estão situados, uma vez que as cidades próximas também se beneficiam dessa política. Além disso, foram identificadas quatro características necessárias para que um parque se torne bem sucedido: condições prévias – os elementos constituídos anteriormente são decisivos; governança – a estrutura interna, as boas práticas correntes, a eficiência jurídica e financeira, e o suporte técnico são cruciais; impactos positivos internos – a melhoria da situação dos residentes dos parques é o aspecto essencial, principalmente porque pode exercer maior atratividade noutros agentes econômicos; e externalidades positivas – a suplantação dos benefícios sociais em relação aos retornos privados é condição sine qua non.

Conforme mencionado anteriormente, uma parte substancial da literatura enfatizou que os parques tecnológicos devem realmente fomentar o desenvolvimento econômico das regiões em que estão situados (HU, 2007; HU, 2008; CHEBA, 2013; TOLA; CONTINI, 2015; PEREIRA; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2016; ALBAHARI, 2019; YANG; LEE, 2021).

Essa literatura destaca dois problemas públicos significativos relacionados à esfera econômica que podem ser enfrentados por políticas de parques tecnológicos: a carência de ambientes capazes de tornar a economia regional mais complexa e sofisticada e a insuficiência de oferta de espaços que privilegiam a gestão de redes complexas. O primeiro é fruto da ausência não só de uma infraestrutura tecnológica, mas também de serviços especializados aptos a transformar o conhecimento em riqueza, que é uma característica essencial de uma economia baseada cada vez mais no conhecimento produtivo. Já no tocante ao segundo aspecto, a gestão de redes é crucial em função de suas fortes conexões globais. Cumpre observar que a identificação desses problemas e a sua solução por meio da implementação dos parques tecnológicos deveu-se à existência de algumas condições indispensáveis para que os ambientes de inovação prosperassem. Nesse sentido, um histórico prévio de investimento em setores estratégicos e conectados internacionalmente às cadeias globais de valor e, ao mesmo tempo, a disponibilidade de áreas isentas de ônus, com zoneamento adequado e amplos o suficiente para apoiar esses ambientes inovadores e pôr em ação os elementos da hélice tripla (Etzkowitz, 2008). O sucesso das iniciativas resulta do fato de as regiões contarem com a presença significativa de capital humano qualificado e com a concentração de conhecimento produtivo tecnológico, além de haver, mesmo que de forma incipiente e desestruturada, uma aglomeração industrial e instituições de ensino e pesquisa de elevada qualidade.

3. O Sistema Paulista de Ambientes de Inovação (SPAI)

O governo do Estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 60.286 de 25/3/2014 (SÃO PAULO, 2014), estabeleceu e regulamentou o SPAI, que compreende o Sistema Paulista de Parques Tecnológicos (SPPqTec), que fora regulamentado pelo Decreto nº 54.196 de 2/4/2009 (SÃO PAULO, 2009), a Rede Paulista de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica, a Rede Paulista de Centros de Inovação Tecnológica, que visa estimular a cultura de inovação nos municípios paulistas, e a Rede Paulista de Núcleos de Inovação Tecnológica, cujo foco é a atuação dos núcleos e agências de inovação das instituições públicas de pesquisa. Além de ambicionar a construção de um sistema industrial mais complexo, diversificado e sofisticado, o governo paulista, por meio do SPAI, ampliava o seu raio de ação e, ao mesmo tempo, possibilitava uma classificação mais adequada e acurada das iniciativas direcionadas ao desenvolvimento tecnológico e inovador. Por exemplo, a criação de Centros de Inovação Tecnológica também serviria como uma espécie de estágio preliminar para o estabelecimento de parques tecnológicos. Esse comportamento evitaria que bons projetos, com um visível potencial para se transformarem em parques tecnológicos mas ainda sem a densidade necessária para tal, fossem rejeitados. Portanto, a classificação e o aproveitamento deles como centros contribuiria para imprimir um dinamismo maior à economia paulista.

Cumpre notar que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo (SDECTI) é responsável pela coordenação do SPAI, estabelecendo diretrizes e procedimentos voltados para o suporte aos projetos de parques tecnológicos, incubadoras de empresas de base tecnológica, Centros de Inovação Tecnológica e Núcleos de Inovação Tecnológica (SÃO PAULO, 2014). Em virtude das suas características inovativas inatas e do seu real potencial para tornar as regiões mais complexas e dinâmicas, os parques tecnológicos assumem importância capital dentro do SPAI. Nesse sentido, as iniciativas de parques tecnológicos nos municípios paulistas são, por meio do SPAI, fomentadas, financiadas e implementadas, após passarem por um processo rigoroso de credenciamento. Assim que são contemplados, esses parques, em tese, passam também a ser monitorados e avaliados com o propósito de asseverar o alcance dos objetivos esperados.

Um aspecto importante de ser sublinhado aqui é o fato de os parques tecnológicos serem considerados verdadeiros ambientes de inovação, o que significa dizer que eles são um modelo de concentração, conexão, organização, articulação, implantação e promoção de empreendimentos inovadores com significativo potencial para deflagar o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico das regiões em que operam, sendo de crucial importância para o seu sucesso o vínculo formal e estreito das universidades e centros de pesquisa e de excelência tecnológica com o setor produtivo. É dessa cooperação intensa e frutífera que os parques propiciam aos atores que advêm a possibilidade de ampliação da complexidade e da transformação regional.

Torna-se importante ressaltar que esta política regional tem sua origem no início dos anos 2000, quando o governo paulista buscava estimular o seu setor industrial. A questão que se colocava então era que São Paulo tinha reais dificuldades para explorar toda a sua notável capacidade e potencial. Estas características eram visíveis, principalmente quando comparadas aos demais estados brasileiros. De fato, São Paulo dispunha da mais complexa estrutura produtiva e inovativa, liderava o ranking não só das melhores universidades como também de patentes registradas, e era responsável pelo maior número de doutores e pela maior produção técnico-científica. Nesse sentido, o diagnóstico indicava a falta de ambientes de inovação como estratégia para aproximar as universidades e o setor produtivo e, assim, impulsionar desenvolvimento regional/local e a competitividade internacional (STEINER et al., 2008).

Esta realidade tornou-se evidente em 2002, quando houve a realização de um evento do governo federal, promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos, no qual municípios de todo o país poderiam ser selecionados para receber auxílio financeiro da União para a implantação de parques tecnológicos. Foi nesse exato momento que o governo paulista compreendeu a racionalidade desses ambientes inovativos e aproveitou a oportunidade para ingressar nesse universo, oferecendo-se para financiar conjuntamente as iniciativas paulistas contempladas (MELLO, 2015). A partir de então, uma sucessão de iniciativas foram tomadas, sendo o programa “Implantação de Parques Tecnológicos do Estado de São Paulo”, que deveria ser inserido no Plano Plurianual de 2004-2007, o projeto “Formulação da Estratégia para Implantação do Sistema de Parques Tecnológicos do Estado de São Paulo”, fruto do convênio entre a SDECTI e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo são exemplos ilustrativos. Essas iniciativas contribuíram não só para uma melhor compreensão da lógica que rege os parques tecnológicos, mas principalmente para a criação, por meio do Decreto nº 50.504 de 6/2/2006 (SÃO PAULO, 2006), do SPPqTec, posteriormente absorvido pelo SPAI.

Aqui está o embrião de como o governo paulista fomentou os parques tecnológicos em seu território. Os municípios interessados em sediá-los tinham que atestar uma série de itens, tais como a viabilidade espacial, o projeto urbanístico-imobiliário, as competências científicas e tecnológicas, o plano de atração de empresas e o comprovante de cooperação entre a gestora do empreendimento e os centros de pesquisa, os órgãos de fomento e as universidades. Após passarem por um período de estruturação, seis parques foram credenciados de forma definitiva. O que está situado em São José dos Campos foi o primeiro a receber, em 2010, um selo definitivo. Em seguida, Piracicaba, Ribeirão Preto, São Carlos, Santos e Sorocaba receberam o mesmo certificado. Mais recentemente outros parques também mudaram do status provisório para o definitivo, e outros ainda continuam credenciados provisoriamente.

Convém aqui sublinhar que uma vez que os recursos públicos estaduais são aportados diretamente nos parques tecnológicos, diversas incursões seriam realizadas para orientar e estruturar esses ambientes de inovação. Contudo, a principal contribuição dessa política consiste nos incentivos que oferece para que esses ambientes alcancem os resultados esperados os quais deveriam coincidir com a lógica da política de parques tecnológicos. Em suma, é exatamente por meio da política regional que esses ambientes são escolhidos, os estudos são efetuados, as diretrizes são traçadas e todo o acompanhamento do desenvolvimento é, a princípio, realizado. Portanto, um pedido de credenciamento nesse sistema pode resultar em três possibilidades, que são: (a) o credenciamento definitivo, em caso de comprovação de todas as exigências para a implantação de um parque tecnológico; (b) o credenciamento provisório, para o caso específico de um parque tecnológico que, embora ainda seja fisicamente inexistente, tenha tido todas as condições de instalação atendidas. A provisoriedade é de quatro anos e visa fornecer as condições para que o empreendimento se estruture fisicamente nesse período de tempo; e (c) a rejeição do credenciamento, que ocorre nos casos de inexistência de um parque tecnológico ou então de inviabilidade para o seu estabelecimento. Nesse caso particular, o município é orientado a primeiro estruturar outros ambientes de inovação de menor complexidade.

4. Metodologia: a construção de um modelo lógico de parques tecnológicos

Conhecer como orquestrar a atuação regional desses ambientes de inovação de modo que os seus impactos transbordem e se traduzam em desenvolvimento para toda região e não apenas para os seus residentes é uma necessidade imperativa e objeto de atenção deste artigo. O ponto central, no entanto, é que não há nenhum modelo analítico em políticas públicas que se adeque perfeitamente à avaliação dos parques e do desenvolvimento que tencionam promover nas regiões em que se localizam.

A robusta literatura sobre avaliação de políticas públicas (CHEN, 1996; ARRETCHE, 1999, 2001; JANNUZZI, 2016; SECCHI, 2010, 2016) apresenta um extenso leque de tipos de avaliação, tais como ex-ante, ex-post, participativa, de eficiência, eficácia, efetividade, etc. Todos eles propõem indicadores seguros quanto aos resultados a serem aferidos e centram-se exclusivamente na melhor forma de mensurar as políticas públicas tradicionais. Isto significa que os produtos e sua relação causal com os resultados esperados seriam previamente conhecidos, o que está longe da verdade na maioria dos casos, especialmente no das políticas regionais de ambientes de inovação (ARRETCHE, 2001; CHEN; CHIEN; LAI, 2013; SECCHI, 2010; JANNUZZI, 2016).

As políticas regionais de inovação tendem a ser disruptivas de sistemas tradicionais incapazes de enfrentar os complexos desafios públicos existentes. Portanto, as alternativas usuais de avaliação de políticas públicas revelam-se inapropriadas para o caso específico dos parques e suas políticas de fomento. O respaldo teórico necessário para viabilizar a análise pretendida veio da teoria do programa associada à teoria da mudança, que forneceram os meios para se compreender os nexos causais entre os obstáculos a serem superados pela intervenção e o impacto necessário para gerar a mudança. Essas abordagens centram-se em dois elementos: mudança e ação. A primeira implica o conhecimento subjacente de uma dada realidade para se poder operar a transformação desejada, ao passo que a segunda se refere à construção da intervenção com o propósito de se impulsionar as mudanças que se julgam necessárias (FUNNEL; ROGERS, 2011). É com base nesses princípios que foi concebida a abordagem de modelo lógico, a qual tem provado ser de grande valia no processo de avaliação na medida em que estabelece conexões entre os resultados esperados, tanto de curto quanto de longo prazo, as ações e o pressuposto teórico da política implementada. Esses encadeamentos causais permitem identificar as falhas, carências e dificuldades no desenho ou mesmo na operação da política, os quais podem afetar o seu desempenho.

Por ser uma ferramenta útil que possibilita centrar e conservar a atenção naqueles aspectos considerados relevantes de uma dada política, o modelo lógico tem sido bastante utilizado no planejamento, no desenho e na implementação de políticas públicas, além de auxiliar na contextualização da fase em que se encontram (W.K. KELLOGG FOUNDATION, 2004; CASSIOLATO; GUERESI, 2010; MCLAUGHLIN; JORDAN, 2015; KRAUSE, 2020). Em virtude das peculiaridades dos parques tecnológicos e da singularidade de tratá-los como política pública, a construção de um modelo lógico de parques tornou-se vital para serem derivadas as hipóteses de como uma política regional de parques tecnológicos pode orquestrar esses ambientes e gerar o desenvolvimento regional almejado.

De acordo com a literatura sobre modelo lógico, o nexo causal entre o problema que uma política deve resolver e o resultado final esperado deve estar claro na primeira fase do desenho da política. Caso isso não ocorra, torna-se obrigatório identificá-lo antes de qualquer empenho na avaliação da política. Após determinar o problema e o público, o modelo lógico obedece a uma sequência racional (ver Figura 1) das ligações entre as ações sugeridas por meio da política e os resultados a serem alcançados. Desta forma, fica-se evidenciado de que forma os insumos e as ações produzem produtos, resultados e, obviamente, os impactos ambicionados.

FIGURA 1
Sequência do Modelo Lógico

A implantação de um parque tecnológico pressupõe que a sua administração interna tenha capacidade efetiva de atrair e reter talentos e renomados institutos de ensino e pesquisa, além de estimular a pesquisa científica, a sinergia e o compartilhamento do conhecimento entre os residentes e os não residentes, sempre visando que os impactos positivos das ações realizadas se espraiem para a sociedade. Outrossim, é esperado que essa administração seja hábil em vários aspectos, que vão desde a articulação de políticas de estímulo à inovação entre os três níveis de governo até a viabilização de um ambiente seguro em termos institucionais. Em face desse conjunto de ações e incentivos, há vários resultados esperados na região onde se localiza o parque tecnológico, que compreendem desde a capacidade de geração e patenteamento de produtos baseados em ciência, tecnologia e inovação até a criação e sobrevivência de startups. Como consequência deste esforço, a região tornar-se-ia mais complexa em termos econômicos, possibilitando assim uma mudança estrutural contínua de sua economia, que passaria a produzir bens e serviços mais sofisticados e de maior valor agregado. Este processo seria responsável pela captura dos valores criados e aprimorados na região, pela atração de empresas líderes globais com seus centros de P&D, pela ligação estratégica com as redes globais de produção, e pela formação dos super clusters de atividades intensivas em tecnologia e dos corredores de desenvolvimento tecnológico com outras regiões (ver Figura 2).

FIGURA 2
Modelo Lógico: Desenvolvimento Econômico

Para se atingir os objetivos propostos, adotou-se o método qualitativo denominado process tracing, ou mapeamento dos processos, que é o mais indicado quando a inferência causal é analisada em um estudo de caso específico (VENNESON, 2008). Cabe aqui salientar que esse método permite verificar se a incorporação ou não do modelo lógico de parques tecnológicos nos processos do SPAI contribui para o resultado que a política vem alcançando. Na realidade, o modelo lógico do SPAI ampara-se ele próprio em um mecanismo causal, que explora não só os problemas que dependem exclusivamente dos parques tecnológicos para a sua solução, como também as condições necessárias para os resolver. Esta compreensão possibilita que determinadas ações favoreçam o dinamismo econômico municipal. Portanto, o exame dos mecanismos causais inerentes aos processos que os influenciaram é crucial para se entender os possíveis transbordamentos gerados pelos parques.

O método process tracing aplicado neste caso faz uso da história, de documentos, da transcrição de entrevistas e de outras fontes com a clara intenção de analisar as evidências existentes em processos, sequências e conjunturas de fatos ocorridos em um caso específico. De fato, o seu propósito é desenvolver ou testar hipóteses sobre mecanismos causais que podem explicar o caso em tela (BENNETT; CHECKEL, 2015). No caso específico do SPAI, importa saber se ele leva em consideração as condições necessárias que realmente interessam para a escolha dos parques tecnológicos, assim como compreender se as atividades dos parques credenciados que conduzem aos resultados esperados estão sendo realmente monitoradas e se os resultados exigidos representam efetivamente aqueles que se esperam como saldo positivo trazido pelos parques.

Esse método permitiu identificar os padrões que revelam como as condições necessárias do modelo lógico de parques tecnológicos estão sendo reconhecidas nos processos de implementação, monitoramento e avaliação do SPAI, bem como de que maneira os incentivos são dados para que as atividades desse modelo lógico sejam implementadas e os resultados alcançados. Para tanto, as seguintes hipóteses foram averiguadas:

  1. Condições necessárias: os fatores que vêm sendo considerados pelos formuladores e implementadores no processo de credenciamento no SPAI guardam relação com as condições necessárias e os problemas identificados no modelo lógico de parque.

  2. Ações internas: o processo de monitoramento das atividades dos parques credenciados pelo SPAI coincide com as ações desvendadas pelo modelo lógico de parque.

  3. Resultados: o processo de avaliação de impacto dos parques credenciados definitivamente considera os resultados esperados no desenho do modelo lógico de parque.

As três hipóteses acima nortearam a análise empírica do SPAI, cujo material coletado está detalhado no Quadro 2. Cumpre destacar que as entrevistas foram realizadas com pessoas-chave, que possuem profundas conexões com o SPAI e com o funcionamento dos parques tecnológicos, e, ao mesmo tempo, conduzidas de forma semiestruturada, cujo objetivo era o de possibilitar que os entrevistados se sentissem à vontade e fossem além das perguntas-guia. O ponto central, no entanto, foi a estratégia empregada de combinar a realização das entrevistas com a análise dos documentos públicos, oficiais e de outras fontes secundárias. Isso possibilitou o cruzamento de informações e, consequentemente, o enriquecimento da análise, que levou em consideração as preferências e percepções de atores, seus objetivos, propósitos e valores, bem como das especificidades das situações enfrentadas ao decorrer do ciclo da política do SPAI no período examinado.

Quadro 2
Dados coletados sobre o SPAI

5. Anatomia do SPAI: processos de implementação, monitoramento e avaliação

Ao explorar a configuração, esclarecer as características e analisar as justificativas teóricas do SPAI, a análise qualitativa empregada neste artigo propicia uma melhor compreensão da realidade desta política regional paulista. Na realidade, a contraposição entre este modelo lógico, que representa os mecanismos causais responsáveis para que os parques tecnológicos pudessem atingir os impactos almejados, e a forma pela qual o SPAI tem sido incentivado, é crucial para entender não só a realidade atual, como também as lacunas e os desafios desta política estadual. Neste sentido, a análise dos processos de credenciamento, monitoramento e avaliação estabelecidos pelo SPAI foi realizada para inferir o desempenho dessa política regional por meio da confirmação ou não das hipóteses aventadas acima.

5.1 Processo de identificação e credenciamento dos Parques Tecnológicos: condições necessárias e problemas

Tendo a dimensão econômica como foco, o modelo lógico de parque tecnológico apresenta quais são as condições prévias de existência e os problemas econômicos resolvíveis por meio da operação deles. Para se gerar os resultados esperados no futuro, todas as regiões que desejam sediar esses ambientes teriam não só que apresentar as condições necessárias, como também coordenar-se de modo a solucionar esses problemas. Portanto, o processo de credenciamento dos parques no SPAI teria que considerar tais condições e problemas. Outro ponto importante é saber se os problemas econômicos que requerem parques tecnológicos como solução e se as condições necessárias para a sua existência foram incorporados no processo de credenciamento. Em caso negativo, as iniciativas estariam sendo indevidamente beneficiadas pela política regional por falta de coerência lógica com o resultado final que deve ser buscado por cada parque (ver Quadro 3).

Quadro 3
Alinhamento dos problemas e condições necessárias com o SPAI

Para ser selecionado pelo SPAI, os implementadores da política pedem que seja apresentado pelo pleiteante um documento demonstrativo dos motivos pelos quais acredita que deva ser contemplado. Não existe na legislação pertinente um rol muito claro de critérios que devam ser atendidos objetivamente para que o pedido de inclusão no programa seja aceito. Alguns mecanismos, no entanto, ficam muito claros nas falas de entrevistados, nos documentos apresentados por cada parque tecnológico, nos pareceres técnicos que dão suporte à decisão e no despacho final aprovando o credenciamento. Como o processo de determinação dos requisitos mínimos de credenciamento contemplados no instrumento legal oferece poucas evidências sobre a incorporação dos problemas e condições do modelo lógico, a ausência desses poderia estar de fato comprometendo a política. No que tange às estritas exigências legais expressas, um município teria que se comprometer a constituir uma pessoa jurídica capaz de responsabilizar-se pela posterior administração dos parques tecnológicos, entregar um imóvel como garantia, ter o apoio público dos elementos da hélice tríplice nas regiões e apresentar tanto um projeto básico quanto uma justificativa para ter seu pleito atendido.

Em termos legais, isso significa dizer que o processo de credenciamento consiste em um ato administrativo vinculado a quesitos mínimos, mas que em sua essência é discricionário e sujeito à avaliação pessoal do pedido formulado pelo implementador da política e por um consultor especializado nesse assunto. Foi esta discricionariedade que permitiu aos implementadores do SPAI utilizarem métodos subjetivos de escolha no processo de credenciamento. Decorre disso a opção relatada e observada nos arquivos de cada parque tecnológico de amparar a escolha em pareceres técnicos solicitados a profissionais capazes de aferir a capacidade ou não de um parque reunir condições mínimas para ser credenciado. Com efeito, informações relevantes que explicam os critérios de escolha são observadas nos pareceres anexados aos processos de credenciamento de cada iniciativa.

Constatou-se que a exigência da comprovação de investimento em setor conectado à cadeia global não aparece claramente nos instrumentos da política em si, mas nos relatórios apresentados por alguns parques tecnológicos e nas entrevistas realizadas. Há um processo de averiguação dessa condição necessária na prática. Para os pleiteantes ao credenciamento definitivo, sempre esteve clara a necessidade de comprovação de que o parque tecnológico teria por missão adensar a cadeia produtiva do setor considerado como vocação regional. Em outras palavras, um histórico de investimento em um setor em que empresas já operam internacionalmente é percebido como condição necessária.

Quanto às características da área e à administração, os parâmetros já aparecem mais detalhados na legislação e são confirmados em relatórios e entrevistas tanto com os pleiteantes quanto com os implementadores da política. Os requisitos relacionados a esses aspectos são bastante claros e objetivos, e não parecem trazer maiores dificuldades de interpretação sobre o tipo de área e o nível de estruturação e governança da entidade gestora. De igual forma, os documentos que compõem a viabilidade jurídica, técnica e estrutural são todos exigidos e considerados na decisão final. Já em relação às condições necessárias que dizem respeito à preexistência de atores para transformar conhecimento em riqueza, fica evidente na documentação exigida a constatação de compromisso prévio de unidade de ensino e pesquisa, agências de inovação, empresas de base tecnológica, incubadoras e pós incubadoras, laboratórios e organismos de certificação, além da exigência de comprovação de vínculo com algum arranjo produtivo local.

O ponto crucial a ser aqui ressaltado é que o processo de credenciamento dos parques pelo SPAI estaria submetido a critérios que correspondem às condições necessárias contidas no modelo lógico de parque. Isto sugere que eventuais resultados frustrantes, dos parques tecnológicos paulistas não poderiam ser reputados ao seu processo de credenciamento.

5.2 Processo de monitoramento: atividades internas dos parques credenciados

Em consonância com o modelo lógico de parques, diversas são as ações internas a serem implementadas pelos gestores desses ambientes para que demonstrem capacidade de produzir os resultados finais esperados. Durante o processo de monitoramento desses arranjos, o SPAI deveria investigar se as atividades esperadas estão de fato sendo implementadas em cada parque tecnológico credenciado. Nesse sentido, a existência de possíveis lacunas no processo de monitoramento que possam comprometer o desempenho futuro dos parques paulistas depende claramente da consciência dos gestores a respeito da importância de as atividades serem monitoradas.

Convém sublinhar que as entrevistas foram a principal fonte de dados para desvendar se o monitoramento realizado pelo SPAI acompanha efetivamente as atividades que os parques tecnológicos supostamente deveriam realizar para alcançar o seu principal objetivo econômico. Segundo os relatos dos formuladores e implementadores do SPAI, as ações que deveriam ser monitoradas são evidentes para eles (ver Quadro 4). O que lhes faltariam seriam os recursos financeiros, humanos e de logística para realizarem as inspeções e acompanhar as atividades exercidas por cada parque. Todos os entrevistados confessaram que havia falta de pessoal suficiente em várias ocasiões em que as visitas necessitavam ser realizadas. Na verdade, esta poderia ser uma causa que prejudicaria o desempenho do SPAI em alcançar os resultados esperados.

Quadro 4
Alinhamento entre ações e o monitoramento pelo SPAI

Em geral, há uma certa consciência do que precisa ser monitorado, que fica evidente nos relatórios que investigam as atividades coerentes com o modelo lógico. Neles, são observadas iniciativas direcionadas não só para a atração e a formação de mão-de-obra qualificada, como também para o envolvimento de instituições relevantes para a boa performance dos parques. Além disso, são examinadas se pesquisas científicas são produzidas em cooperação com outras instituições, se o suporte para o registro de patentes está sendo ofertado e se as fontes de recursos financeiro são disponibilizadas. Por outro lado, não ficou tão patente, tal como aponta o critério “médio” no quadro acima, se as políticas públicas locais são também monitoradas para inferir se aos parques credenciados buscam articular-se com outras políticas de fomento à inovação e se estas iniciativas se preocupam com a expansão do sistema regional de inovação em que se conectam. Cumpre notar que o critério “médio” (ver Quadros 4 e 5) foi usado para indicar que os parques, apesar do progresso em direção aos objetivos do modelo lógico, ainda precisam melhorar.

Quanto ao monitoramento da formação de ambientes institucionalmente seguros, a sua contribuição ficou nítida, posto que o próprio SPAI tinha inicialmente assento no conselho de cada um dos parques que credencia. As reuniões frequentes que ocorrem para definir, em conjunto, os rumos do empreendimento dão condições para uma observação participante de gestores do SPAI, auxiliando o monitoramento e fortalecendo a institucionalidade do parque. Entretanto, o SPAI, ao longo dos anos, deixou de participar dessas reuniões estratégicas e sua atuação direta vem diminuindo consistentemente. Portanto, processo de monitoramento, embora descrito na lei, apresenta sérias lacunas e não tem sido colocado em prática, o que pode comprometer o desempenho dos parques paulistas.

5.3 Processo de avaliação: resultados a serem alcançados pelos parques credenciados

Em relação aos resultados, o modelo lógico de parques indica um rol de itens (ver Quadro 5) como consequência da atuação esperada dos parques. Objetivou-se compreender a correspondência dessa lista com os indicadores que o SPAI, durante o processo de avaliação anual, exige dos parques credenciados, que apresentam obrigatoriamente um relatório de avaliação de desempenho no qual estão contidos os denominados indicadores de desempenho.

Quadro 5
Alinhamento entre resultados e os incentivos do SPAI

As entrevistas apontaram claramente que além de ter sido tardia a indicação por meio de decreto específico dos indicadores que passariam a ser exigidos dos parques, não houve estudos densos para a escolha das metas que cada parque deveria atingir. O resultado foi a seleção de indicadores sem qualquer coerência com os processos de credenciamento e monitoramento. A grande maioria dos dados exigidos não guarda nenhuma relação nem com o modelo lógico dos parques e muito menos com a própria lógica pensada para o SPAI.

A falta de coesão dos indicadores do SPAI com os objetivos maiores da política de parques tecnológicos consistentes na geração de desenvolvimento econômico regional pode ter prejudicado o avanço de muitas dessas iniciativas. Na realidade, a preocupação com os impactos provenientes da implantação dos parques já deveria emergir nas fases de discussão inicial, de formulação e de implementação da política estadual. A situação de as informações solicitadas dizerem mais respeito aos ganhos diretos dos residentes do que aos impactos a serem gerados nas regiões é ilustrativa. Cabe aqui notar que somente no último item há uma menção ao “impacto regional do empreendimento”, mas não fica claro o que é contemplado nele. É exatamente este item que deveria ser o foco principal de atenção no processo de avaliação. Os seus resultados decorrem da lógica de causalidade de parques tecnológicos, que se pretende uma política capaz de promover o desenvolvimento econômico, sendo esta a razão pela qual é mantida com os recursos estaduais no âmbito do SPAI.

Os indicadores exigidos pelo SPAI são categorizados em três eixos. O primeiro refere-se aos aspectos financeiros e sociais. Aqui há a preocupação com postos de trabalho gerados internamente, número de empresas, inclusive as incubadas, dados econômicos, financeiros e contábeis e de recursos aplicados, todos eles relacionados ao próprio parque. Entretanto, não existem indicadores concernentes à sofisticação produtiva, à captura para a região dos valores criados e refinados internamente e ao próprio aumento da complexidade econômica da região. O ponto-chave é que os parques deveriam ser questionados pelos esforços canalizados para o benefício das regiões em que estão inseridos, não se podendo exigir deles resultados que não teriam condições de gerar.

O segundo eixo diz respeito aos aspectos científicos, tecnológicos e de gestão, sendo portanto o foco na patente, qualificação da equipe gestora, volume de projetos de P&D, sinergias universidade-empresa e produção científica. A questão central é a exigência de um plano de metas sem maiores especificações e, principalmente, o descaso com temas atuais e relevantes, tais como políticas de retenção de talentos na região, atração de instituições de ensino e pesquisa, expansão do sistema de inovação e formação de um possível super cluster. Quanto ao terceiro eixo, são solicitadas informações referentes aos aspectos competitivos, de infraestrutura e sustentabilidade. Embora dados sobre número de pessoas empregadas, custos do empreendimento, parcerias das universidades, patentes, atuação internacional das empresas e eventos realizados sejam demandados, há um visível desinteresse por temas cruciais para o desenvolvimento regional.

Todas essas exigências estão especificadas no decreto que cria o SPAI. A implicação disto é o envio de relatórios anuais feitos por cada um dos parques paulistas. Porém, nenhum deles responde exatamente aos itens acima mencionados. Os diretores dos parques relatam os avanços que reputam convenientes e somente indicam alguns dos dados solicitados. Por sua vez, os implementadores da política não utilizam essas respostas, embora incompletas, para efetuar qualquer análise de como melhorar a situação dos parques. Na verdade, muitos relatos, tanto da parte da secretaria que implementa a política como da dos diretores, revelam que não há clareza de quais são os resultados que os parques deveriam entregar.

6. Considerações finais

Este artigo analisou a forma pela qual o SPAI tem orquestrado os incentivos para que os parques tecnológicos paulistas promovam o desenvolvimento econômico regional, uma vez que as razões de ser desta política pública estadual são o de forjar e o de tornar exitosos os ambientes inovativos que suporta. Em face das particularidades de se conceber os parques como política pública, a metodologia empregada no artigo combinou pesquisa qualitativa e a construção de um modelo lógico de parques tecnológicos, o qual permite, com base na teoria do programa e da mudança, melhor compreender a lógica que leva insumos a impactos através de ações, produtos e resultados intermediários e finais. Com esta abordagem, o presente artigo não só avançou no conhecimento sobre a relação entre parques tecnológicos e desenvolvimento regional, mas também ofereceu, de forma pragmática, ferramentas estratégicas para melhor arquitetar políticas regionais de parques tecnológicos.

Havia muitas dúvidas no momento em que o governo paulista decidiu impulsionar, através da política de parques tecnológicos, o desenvolvimento econômico de alguns municípios. Vários ajustes foram efetuados durante o processo de discussão e formulação dessa política. No entanto, a reflexão sobre a sua lógica não foi contemplada. Isto implicou a negligência de como se poderia garantir o alcance de resultados esperados. Embora os problemas e a solução parecessem claros, a percepção do que essa solução representaria ao final era, no mínimo, bastante difusa.

A adoção do modelo lógico de parques pelo SPAI contribuiria para que esta política regional construísse os indicadores esperados de parques, refletindo o que cada região precisaria apresentar para ter seu parque credenciado e indicando quais atividades deveriam decorrer dos insumos. Isto se traduziria nos incentivos direcionados aos resultados, que seriam, ao final do processo, avaliados. Outrossim, ele explicitaria o objetivo maior desta política, que é gerar desenvolvimento nas regiões e não apenas retornos privados para alguns atores específicos. Além do mais, correções de rota poderiam ser realizadas em cada período de avaliação, o que significaria não só uma economia dos recursos municipais, mas também um melhor direcionamento e replicação da política.

Ficou evidente como a lógica de parques, que deveria guiar o SPAI, não acompanhou todo o ciclo dessa política regional. Os seus mecanismos causais foram, ao menos em parte, ignorados, especialmente nas fases de monitoramento e avaliação. Não é por outra razão que se verifica tanto a descontinuidade do SPAI quanto a falta de participação do governo paulista na governança dos parques que credencia. Neste sentido, é preciso repensar o desenho institucional do SPAI de modo que ele seja lógico e esteja em sintonia com os objetivos de parques tecnológicos, que foram inicialmente sopesados por essa política regional. Em síntese, uma configuração que se coadune com os anseios da solução dos parques, com metas claras que consigam direcionar com nitidez os objetivos que precisam ser priorizados por cada experiência.

Agradecimentos

Os autores agradecem os excelentes comentários dos pareceristas. Erros e omissões, contudo, permanecem de inteira responsabilidade da autoria do artigo.

  • Fonte de financiamento: Não há fonte de financiamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2022
  • Revisado
    13 Set 2023
  • Aceito
    19 Out 2023
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